quinta-feira, 2 de outubro de 2014

PAS379. A morte de um fotógrafo errante

Numa mísera cabana, junto ao rio, a umas seis milhas do povoado, habitava um tipo bastante estranho, mas muito conhecido nos arredores, principalmente pelos índios das Reservas mais próximas.
Na sua juventude tinha trabalhado como ajudante de um fotógrafo de feira. Com ele, percorria os povoados, particularmente nas épocas festivas, aproveitando essas oportunidades para tirar fotografias a vaqueiros ricos, a casais de noivos e a grupos de amigos ou de famílias inteiras, que só quando deparavam com fotógrafos ambulantes podiam satisfazer o capricho de se retratarem a sós ou em grupo, para conservarem aquela recordação através dos tempos.
Ives Hyan, que assim se chamava o fotógrafo, tinha conseguido economizar uns dólares e adquirir uma máquina própria, com a qual se tornou independente do seu patrão, e como conhecia bem a região e ofício, decidiu trabalhar por conta própria.
Ives tinha sido casado. Tinha um filho do matrimónio que nada se parecia com o pai, pois enquanto este era baixito e feio, o rapaz era alto, forte, ágil e bem favorecido de feições.
O rapaz, chamado Sterling, não gostava de fotografia e por mais que o seu pai o tivesse feito viajar com ele, quando já tinha cerca de catorze anos, nada conseguiu. O ofício repugnava a Sterling e mais ainda, a miserável vida de nómada que o seu pai levava, saltando de feira em feira, comendo mal e dormindo pior, para ganhar alguns dólares, para sustentar a sua mãe.
Sterling expôs o seu problema ao pai, quando atingiu os dezassete anos. Gostava da vida do campo, ao ar livre e tinha decidido ser «cow-boy».
Seguiria a sua vontade, ganharia um ordenado decente e poderia ajudar a sua mãe entregando-lhe parte do dinheiro, sem prejuízo do que o seu pai lhe desse também.
Ives teve que ceder. O rapaz procurou rancho e não ficou no de Dick Sirvais, nos arredores de Leslie, porque o seu proprietário não queria aprendizes de vaqueiro.
Sterling sentiu uma raiva surda quando ao oferecer-se a Dick, este se riu e o despediu, de maneira depreciativa, recomendando-lhe que seguisse a profissão do seu pai, que seria mais lucrativa. O jovem, que tinha o sangue bastante quente, respondeu-lhe:
— Não vim cá, para que me aconselhe o caminho tomar pois sou, eu, quem o hei-de escolher. Ofereci-me para trabalhar; se não precisa, basta dizê-lo. O resto sou eu quem decide.
— Ferves em pouca água, rapaz — respondeu Dick rindo — mas se é assim, pior para ti. Julguei que te aconselhava o melhor, pois não tens aspeto de pode sequer mungir urna vaca...
— Tenho dezassete anos e estou a desenvolver-me e, apesar do meu aspeto, tenho força suficiente par atirar o laço e completar o trabalho.
— Então vai tirar a prova a outro rancho, porque no meu só há lugar para vaqueiros já feitos.
Sterling experimentou outros ranchos e por fim encontrou um a quinze milhas dali, onde foi admitido e contra o que dissera Dick, demonstrou que acabaria por ser um «cow-boy» forte, valente e conhecedor d seu ofício.
Muito contente, Sterling vinha no princípio d todos os meses a casa, entregar a sua mãe, parte d seu modesto ordenado, passando o dia em sua companhia. Via pouco o seu pai. Viajava muito, tirando foto grafias pelos quatro pontos cardeais do Estado, regressando a casa para descansar, de quatro em quatro meses. Um dia, não pôde empreender a viagem que tinha projetado. A sua mulher, bastante frágil, adoeceu.
Ives receou o pior e avisou o filho. Este chegou quase na altura em que morria a sua mãe.
Depois do enterro, Sterling perguntou ao pai:
— E agora, o que é que vai fazer?
— O mesmo de sempre, meu filho. E agora mais do que nunca, pois servir-me-á de distração para esquecer muitas coisas. Esta mísera profissão obrigou-me a viver afastado da tua mãe, oitenta por cento do tempo. Tive que deixar de olhar por ela e abandoná-la para que mal pudéssemos comer e... creio que morreu mais de tristeza e de miséria moral, que da doença. A vida é assim e há ocasiões em que amaldiçoo o dinheiro e quem o tem de sobra. Era capaz de matar, só para recuperar os anos de miséria que passei, apesar de ser um homem que nunca fugiu ao trabalho.
— Esqueça isso e falemos do futuro... Onde é que vai ficar?
— Aqui. Para recordar. Quando acabar os meus giros, virei passar aqui uns dias e poderei assim, ver-te também. Só tu me restas no mundo e não me posso separar de ti.
— Tem razão e o meu maior desejo seria ser mais velho, ganhar mais e poder-me casar para o ter a meu lado, para deixar de andar como um judeu errante... mas, é impossível. Eu fiz há pouco vinte anos e pouco ganho. Talvez que com o tempo...
— Não te rales. Eu sei defender-me e sou duro. Por outro lado, estou tão acostumado a esta vida, que se me privassem dela, creio que morreria de tédio. Mais tarde, talvez a minha saúde se vá ressentindo e então sinta a necessidade do sossego...
Passados uns dias, Ives voltou à sua vida errante e ficou combinado que Sterling viria, de vez em quando, deitar uma vista de olhos pela cabana.
Ives regressou bastante contente, de uma das suas viagens. Tinha-se tornado amigo dum jornalista, que recolhia material exótico, para uma revista que se publicava no Este e depois de uma grande conversa, Ives mostrou-lhe umas fotografias, que tinha tirado a uns índios das Reservas Cheyennes. Algumas satisfizeram o periodista, que comprou umas cópias e contratou com ele outras, que devia mandar à revista para serem publicadas. Mais tarde mandar-lhe-iam um vale, para Rapid City.
Ives aproveitou a oportunidade e fartou-se de fotografar os índios, dando-lhes cópias, com o que ficavam satisfeitíssimos.
Um dia, pouco antes de Bendix ter sido encontrado morto, Ives regressou à sua cabana e depois de algum descanso, voltou ao seu trabalho, para um pedido que lhe tinham feito da revista. Pretendiam publicar uma ampla reportagem, ilustrada com os retratos dos chefes Cheyenne e pediam-lhe todas as fotografias que pudesse enviar.
Ives cumpriu o contrato, mas desta vez, tardou em empreender o seu habitual giro pelas povoações. Quando o seu filho o visitou, estranhou a sua falta de pressa em partir e perguntou-lhe:
— O que é que tem, pai? Está doente?
—Bem, doente... precisamente não estou, mas muito cansado. Vou ficar uns dias mais aqui, para ver se acalmam os meus nervos, para continuar, de novo, o meu trabalho. Juro-te que estou a começar a ficar farto desta vida e... gostaria de fazer qualquer coisa para a abandonar. Vou ser se consigo o exclusivo dos retratos dos índios para a minha revista e com o que me derem, abandono isto. Se o conseguir, demolirei este covil, construirei uma casa nova e arranjarei uma pequena horta. O tratamento desta distrair-me-á e não me sentirei aborrecido. Sterling achou boa a ideia.
Mas um dia, deixaram de ver Ives na vizinhança e julgaram que tinha partido. Contudo, uma tarde, um cão dum pastor, parou à porta da cabana e pôs-se a uivar lastimosamente. O dono, estranhando a atitude do cão, aproximou-se e ao verificar, que a porta apenas estava encostada, empurrou-a e entrou. Recuou assustado. Estendido no chão, jazia um homem com um tiro na cabeça e outro no peito. Era Ives, o fotógrafo.
O pouco que havia na cabana tinha sido revolvido e lançado para o chão com raiva; a máquina fotográfica partida e pisada e as cópias que o fotógrafo possuía, rasgadas e espalhadas pelo chão. Tudo parecia indicar que o móbil do crime tinha sido uma esperança inverosímil de lucro, pois ninguém o podia supor, com dinheiro escondido. Mas quem tinha cometido o crime, devia ter acreditado, pois não deixara recanto por revistar. O comissário viu-se de novo obrigado a agir, mas tão inutilmente como um mês atrás, com a morte de Bendix e ante o fracasso, comunicou o sucedido ao «sheriff» de Rapid City.
(Coleção Kansas, nº 16)

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