sábado, 4 de outubro de 2014

PAS381. Uma herança pobre mas reveladora

Sterling sentiu uma coisa estranha ao receber o sobrescrito, julgou que o ia deixar escorregar das mãos. Não sabia porquê, mas relacionava-o com o que procurava há tanto tempo e a emoção esteve a ponto de trai-lo. Com um terrível esforço, guardou o envelope na algibeira.
— Muito obrigado pela sua amabilidade. Como o meu pai mandava fotografias a essa revista, deve ser alguma coisa mais valiosa por não ser fácil repeti-las e por isso confiou-as a si.
Desejando estar só para o examinar, despediu-se do banqueiro, e rapidamente, sem se deter na rua, montou a cavalo e afastou-se da povoação. Queria examinar a sós o seu conteúdo, porque podia ser algo que fosse necessário manter secreto.
Quando se viu fora do povoado, sentou-se numa pedra e com muito cuidado rasgou o envelope depois de ter desatado a fita.
Envolta num pedaço de tela que dava várias voltas, descobriu uma chapa. Além disso havia uma carta extensa, e Sterling, a primeira coisa que fez foi expor à luz do Sol o negativo para ver o que continha.
Um terrível estremecimento agitou o seu corpo. A sua intuição tinha-o levado, não só a adivinhar o motivo da morte de seu pai, mas também o que procuravam depois de cometido o crime.
Na negrura do negativo via-se uma cena: a da morte de Bendix.
Via-se a árvore com o corpo pendurado por uma corda que um cavaleiro sustinha, enquanto alguém em baixo agarrava no corpo do enforcado. Em segundo plano um cavaleiro contemplava a cena, montado num catvalo.
Sterling não distinguia os rostos dos três indivíduos, por causa da pequenez das figuras, mas parecia adivinhar de quem se tratava.
E ao apalpar as folhas escritas notou entre elas, uma coisa mais grossa que o papel. Ao virá-la soltou um grito de triunfo.
Era uma fotografia já passada ao papel, podendo ver agora sem nenhuma espécie de dúvidas, as caras los protagonistas.
O cavaleiro que puxava a corda era Stan: o que agarrava o morto pelos pés, era um dos vaqueiros que ele tinha morto na taberna de Wilson e o cavaleiro que contemplava a cena, o próprio Sirvais.
Agora estavam caçados. Não só não podiam negar desconhecerem Bendix como se descobria terem sido eles os autores das mortes do negociante de gado e de eu pai.
Pálido e a tremer por causa da terrível descoberta, agarrou na carta e leu-a febrilmente.
O texto era o seguinte:
«Querido filho Sterling:
«Não, sei se a minha pouca sorte fará com que esta carta te chegue às mãos. Se for assim, é mau para mim, mas espero que será pior para alguém.
«Vai-te causar estranheza o terrível conteúdo desta fotografia. É algo que eu nunca teria acreditado, se não o tivesse surpreendido, eu próprio.
«Como verás, trata-se da morte de Bendix, a qual julgam ter sido suicídio.
«Agora perguntarás como é que eu pude surpreender e fotografar a cena e porque depositei a chapa e a fotografia nas mãos do proprietário do Banco. Vou-te explicar e julga-me-ás.
«Como sabes, estou encarregado de enviar fotos de índios para uma revista de Chicago e para consegui-las, tenho que visitar reservas.
«Urna tarde quando regressava de fotografar um chefe Cheyenne, descobri um grupo ao pé duma árvore isolada e parei, ocultando-me atrás dum tronco de árvore muito grosso. Chocou-me muito o que estava a ver e não me atrevi a aproximar-me.
«Foi então que decidi fotografar a cena apesar da distância, confiando poder reconhecer com precisão os rostos de todos.
«Via perfeitamente o monstro do Sirvais cavalo, observando impávido a cena, enquanto o canalha do Stan puxava pela corda que tinham colocado ao pescoço de Bendix e um dos vaqueiros o agarrava pelos pés.
«Não sei se Bendix já estava morto antes de ser enforcado, mas não parecia mexer-se. Talvez estivesse desmaiado.
«Uma vez enforcado, ataram a corda ao ramo, cortaram o resto e afastaram-se a caminho do rancho.
«Como te digo não me atrevi a deixar-me ver, pois já tinha a fotografia como prova.
«Quando tive a certeza de não ser visto, vim para casa e revelei a foto, tirando uma cópia ampliada. Via-se tudo perfeitamente nela, o que me deixou satisfeito.
«O meu primeiro impulso foi dirigir-me ao comissário e denunciar-lhe o que tinha presenciado, entregando-lhe a foto, mas pensei outra coisa e decidi esperar porque além de tudo tinha pouca confiança no comissário.
«Arranjei mais duas cópias, ficando com o original e entreguei a cópia ao proprietário do Banco, com esta carta em que te explico o motivo porque procedi assim.
«Vou tentar algo bastante arriscado, mas tenho razões para isso.
«Sirvais merece morrer por ter mandado matar Bendix, mas antes quero fazê-lo sofrer aplicando-lhe um castigo preliminar que me dê proveito.
«Querido filho: estou cansado de tanto trabalhar e de tanto sofrer para comer e viver mal. Quero descansar, destruir esta horrorosa cabana que me asfixia e construir outra mais decente, assim como arranjar uma pequena horta que me ajude a viver, sem necessidade de voltar a deambular pelas povoações e quero que isto seja pago por Sirvais.
«Sei que a jogada é arriscada, mas quem quer alguma coisa tem que lutar por ela. Se me sair bem acabarei com esta vida de miséria e se perder a jogada... tu te encarregarás de acabar a minha obra.
«Vou escrever a Sirvais dizendo-lhe que surpreendi o crime e tirei uma fotografia. Mandar-lhe-ei uma cópia e dir-lhe-ei que se quiser resgatar a chapa, terá que me dar cinco mil dólares. Se o fizer, terei resolvido o meu problema, dar-lhe-ei a chapa a troco do dinheiro e quando julgar desaparecidas as provas do crime, irei a Rapid City e entregarei ao «sheriff» o negativo e denunciá-lo-ei. Desta maneira será duplamente castigado pelo seu crime.
«Não sei como apreciarás a minha Acão, mas a miséria é má conselheira e estou farto. Sei que me arrisco, porque Sirvais procurará evitar entregar-me esta quantia, mas tomei as minhas medidas para que, em qualquer caso não fique impune o seu crime e o pague com a forca.
«Se me enganar e Sirvais jogar tudo por tudo e conseguir eliminar-me, ficas tu para o castigar. Prefiro arriscar-me, a continuar a viver assim.
«Por isso deixo no Banco o negativo com esta carta. Disse-lhe ser uma fotografia de índios e creio que não abrirá o envelope. Agora, vou esperar a reação desse sapo. Não sei o quo sentirá Quando receber a minha carta e a cópia, mas faço uma ideia e só com isso gozo como nunca gozei.
«Explicar-te-ei pessoalmente tudo, se o plano sair bem, caso contrário... será sinal que Sirvais foi demasiadamente rápido e que eu desapareci do mundo, mas esperando que ele tome o mesmo comboio para a eternidade.
«Creio ter-te explicado o principal. Talvez ao leres esta carta lamentes a minha decisão e a condenes. Lamentá-lo-ia, mas repito-te que estou disposto a tudo, a continuar nesta miséria.
«Que tudo corra bem e se assim não for... é porque quem tudo pode, entendeu que eu não o devia ter feito e me quis castigar por isso.
«Adeus, meu filho. Se esta carta chegar às tuas mãos é porque morri e errado ou não, espero que me perdoes o não te ter consultado, mas estava certo que o não aprovaria, pois a tua maneira de pensar, a tua idade, com o mundo à tua frente, deve ser diferente da dum pobre velho, cansado, vencido pelo trabalho e farto de passar miséria. «Envia-te o seu último abraço, o teu pai que muito te quer
Ives»
Os olhos de Sterling encheram-se de lágrimas com a leitura da carta. Via a terrível loucura que o seu pai tinha cometido e compreendia o seu motivo, embora o não aprovasse.
(Coleção Kansas, nº 16)

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