Na imaginação de Roscher «Montana» estava gravada a depressão onde deixara os colonos. O rosto de Deborah, os seus olhos húmidos à despedida. E pensava constantemente: «Os «arapahos» já terão caído sobre eles? Cada minuto que passa pode ser vital!»
Avançava sobre o seu cavalo, à cabeça do grupo. Jonathan seguia-o a poucos passos, sem deixar de vigiá-lo, empunhando um revólver. Atravessavam um bosque, sobre neve muito branda.
— Eh! tem a certeza de que é este o caminho? — gritou Jonathan.
Roscher não respondeu. Pouco depois deteve o animal, desmontando.
— Que se passa agora? Quer que lhe meta uma bala nas costas? — perguntou Jonathan, agressivo.
— Sei que o faria com o maior prazer. Diga aos seus homens que afastem a neve nessa encosta. Que usem ramos e as mãos. Debaixo dela há boa erva para os cavalos.
Jonathan rugiu:
— Continue, continue, maldito seja! Continue, ou...
«Montana» olhou-o friamente nos olhos.
— Defendo a minha vida. Estes cavalos não poderão continuar se não pastarem e descansarem uma hora. Diga aos seus homens que destapem a erva. Eu vou subir a essa colina, preciso...
— Você não se afasta daqui, maldito traidor! Pode ser que tente fugir!
«Montana» encolheu os ombros, desdenhosamente.
— Como queira. Sei que por aqui há uma passagem, mas não tenho um plano pormenorizado nem a conheço como a palma da minha mão; nunca tentei atravessá-la no Inverno e preciso de orientar-me subindo a uma altura. Mas se prefere que percamos horas e horas nestes caminhos...
Jonathan hesitava. Armou o revólver que empunhava, empunhando também o outro. Os dois revólveres de «Montana».
— De acordo. Mas matá-lo-ei se tentar fugir ou enganar-me. Vou consigo.
Roscher começou a trepar por entre as árvores. Jonathan seguia-o, mantendo uma certa distância, porque não queria ser desarmado de surpresa. Era sem dúvida um homem cauteloso.
«Montana» ouvia os passos atrás de si, mas nem sequer voltava a cabeça. Estava esperando que o outro compreendesse que durante aquelas horas quase não se tinham afastado do sítio a partir de onde começara a guiá-los. Isto é, tinham estado a dar voltas em torno da mesma elevação. E Jonathan notá-lo-ia quando subissem um pouco mais.
Deteve-se, agachando-se e examinando a neve. O que fez, na realidade, foi apanhar um punhado dela em cada mão... Depois continuou a subir, trepando a uma enorme pedra. Já não via os outros «quáqueres».
Jonathan seguiu-o, evidentemente, e quando chegou ao alto e olhou para baixo descobriu o engano. Viu o caminho onde ele próprio tinha armado a emboscada a Roscher. E ficou furioso.
— Estamos no mesmo sítio! Você tentou enganar-nos, «Montana»! Fez-nos andar às voltas! Nunca pensou guiar-nos, e nessas condições a sua vida não vale nada!
Ia disparar. «Montana» lançou-lhe ao rosto a neve que tinha nas mãos. Era um recurso quase infantil, mas surpreendeu o homem, que fechou os olhos e voltou a cara, sem chegar a disparar nenhuma das armas.
«Montana» não lhe deu tempo a retificar. Sabia que estava em jogo a sua vida e a dos colonos. Por isso lançou-se contra Jonathan com um terrível impulso, batendo-lhe com as duas mãos na cara e no peito.
Jonathan foi erguido do solo. Ao cair, as suas botas escorregaram sobre a pedra. A pancada no queixo tinha-o deixado aturdido e por isso não gritou. Não apertou os gatilhos das armas que ainda empunhava, não tentou recuperar o equilíbrio...
Caiu pesadamente do alto da pedra, desaparecendo da vista de Roscher. Tinha caído do lado oposto àquele onde se encontravam os restantes «quáqueres».
«Montana» deslizou rapidamente pela pedra, caindo ao lado de Jonathan. Os dois revólveres estavam no solo. «Montana» recuperou-os, com alívio, apressando-se a apontá-los a Jonathan. Mas o «quáquer» não se movia. Com a ponta de uma bota, Roscher voltou-o. «Está morto... Partiu o pescoço ao cair...» Certificou-se de que assim era e guardou os revólveres nos coldres.
A sorte ajudara-o até àquele momento. O mais perigoso dos seus inimigos tinha ficado eliminado. Mas lá em baixo esperavam-no catorze homens receosos e armados.
«Terei de dominá-los. E as palavras são inúteis para isso.»
Rodeou a pedra, iniciando a descida. Em breve veria os «quáqueres» e os cavalos. Não queria matar aqueles loucos. Tentaria desarmá-los, ainda que não soubesse como. Quando estava perto deles, disse em voz alta:
— O Jonathan pede que uns tantos de vocês subam lá acima. Quer que vejam o caminho e discuti-lo, já que há duas possibilidades. É melhor apressarem-se.
Seis homens, depois de uma breve consulta, iniciaram a subida. Aquilo diminuía de momento o número de inimigos, mas ainda ficavam oito, que olhavam para ele com desconfiança,
«Montana» aproximou-se do seu cavalo segurando-o pelas rédeas para o levar para o sítio onde havia alguma erva descoberta. Estava à espera de que os seis que subiam a encosta se afastassem o suficiente. Mas não pôde escolher o momento para iniciar a ação, porque um dos homens gritou, indicando os revólveres de «Montana»:
— Tem outra vez as suas armas! Esse homem tem as armas, matou o Jonathan!
«Montana» deu um salto tremendo para cair atrás de um dos sacos de ouro e enterrou-se na neve; antes cair já tinha empunhado as armas e começou a disparar.
Os oito «quáqueres» corriam, tentando encontrar refúgio, disparando ao mesmo tempo. As balas silvavam perto de «Montana». Sentiu o impacto de várias delas nos sacos e alguns fios dourados começaram a escorrer para a neve. Mas «Montana» não os via; estava ocupado em disparar rapidamente os seus dois revólveres, movendo-se em leque.
Disparava com rapidez, pois sabia que os seis homens que estavam no bosque não tardariam em aparecer, precisamente às suas costas.
Roscher «Montana» podia ser terrivelmente certeiro com os revólveres, mas aqueles homens que corriam à sua frente, disparando as armas, eram vulgares assassinos. Por isso disparou com precisão, sem deixar de mover as suas armas, sem se importar com as balas que o roçavam.
Os oito «quáqueres» foram caindo antes de encontrarem onde se proteger, em frente de «Montana», gritando uns, em silêncio outros, todos manchando a neve com o seu sangue. Alguns dispararam contra o solo, cravando as balas na neve, que se derretia ao calor do chumbo. Uns instantes e tudo tinha terminado.
Roscher esperava. Nenhuma arma se movia, os homens estavam imóveis...
O guia crispou-se. Tinha os revólveres descarregados. E pelo bosque desciam a correr os outros «quáqueres», que já deviam ter descoberto o cadáver de Jonathan.
Um salto e passou para o outro lado do saco, agachando-se atrás dele. Os seis homens já disparavam, «Montana» estava ainda encolhido, metendo cartuchos nos tambores dos seus revólveres, cujos canos queimavam.
Os gritos e os passos dos seis indivíduos escutavam-se já muito perto. Talvez julgassem que «Montana» estivesse ferido ou morto.
O guia, que sabia que as suas possibilidades não eram muitas, esperou ainda mais, acabando de encher os tambores. Depois levantou-se repentinamente, disparando as duas armas contra os surpreendidos «quáqueres». Enquanto o fazia deslocava-se para um lado, com rapidez.
Os seis homens foram alcançados pelos seus chumbos. Um deles conseguiu manter-se de pé, procurando o seu inimigo, gritando insultos; quando ia disparar contra «Montana», o jovem apertou novamente o gatilho, e o último dos quinze «quáqueres» que o ouro transformara em assassinos caiu fulminado.
Conseguiria chegar junto dos colonos antes que Moose John desse ordem de matar? Ajoelhou-se junto do saco furado e tapou os buracos das balas com tampões de erva. Depois foi colocando os cadáveres sobre os sacos, amarrando-os fortemente com tiras de couro. Os cavalos quase não tinham comido, mas teriam de fazer um último esforço, voltando a Lemhi.
— Moose John, estão todos. Só ficaram nos povoados os vigilantes, as mulheres e as crianças.
Moose John respondeu:
— Não quero a guerra nem a violência, todos o sabem. Mas os homens brancos responderam com sangue à nossa generosidade. O seu chefe, em Forte Butte, enganou-nos. Disse que eram pacíficos camponeses, que só queriam lavrar as terras do rio. Eles queriam o ouro, na realidade, e assassinaram por ele. O pacto com o chefe branco ficou quebrado. Sofrerão o castigo que merecem.
O grupo de anciães, que não faria parte da expedição, afastou-se a cavalo para o povoado central. Moose John ergueu a sua lança, adornada com um penacho de penas negras, a cor da guerra, e agitou-a.
Iniciou-se imediatamente a marcha para o vale. O nevão tinha terminado, mas o céu continuava escuro e começara a soprar um vento norte, extremamente frio. Os «arapahos» eram várias centenas. Uma vez na planície juntaram-se em filas muito nutridas e puseram os cavalos ao passo mais vivo que a neve permitia. Sabiam muito bem para onde se dirigiam.
Os exploradores tinham-nos precedido e, de vez em quando, um deles surgia no horizonte, agitando a sua lança e a impressionante massa de índios retificava a sua marcha.
Moose John tinha uma expressão grave. As mulheres tinham ficado no povoado, preparando os cadáveres para a cerimónia final. O cadáver do seu único filho estava entre eles. Moose John lutara muito com o seu povo para o convencer de que deveria aceitar a convivência dos brancos, e os brancos tinham assassinado pelas costas o seu único filho.
— Será o princípio de uma guerra, enviarão soldados do forte e as violências suceder-se-ão; no fim, todos os «arapahos» serão eliminados. Mas não devemos deixar de vingar a crueldade desses homens.
Outros exploradores índios saíram-lhes ao encontro. Finalmente, um colocou-se junto de Moose John.
— Estão no mesmo lugar, chefe. Farão saltar a terra sob os nossos pés, com o seu fogo?
Moose John não respondeu à pergunta. Ordenou aos seus homens que se separassem. Os índios desdobraram-se em grupos compactos. Sempre em silêncio. Os exploradores iam à frente.
Finalmente detiveram-se cavalo contra cavalo, formando um enorme círculo à beira de uma profunda depressão, ao fundo da qual ardiam algumas fogueiras e se reuniam pouco mais de três dezenas de pessoas.
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