sábado, 19 de agosto de 2023

ARZ161.10 Um guia para os fugitivos traiçoeiros

— Moose Red. O filho do chefe...

Roscher «Montara» tinha virado um dos cadáveres estendidos sobre o gelo. Era o do filho do chefe «arapaho». Depois comprovou que nada podia fazer-se por nenhum dos outros.

— Perfuraram o gelo. Isto quer dizer que era o grupo encarregado de devolver o ouro ao seu lugar de origem. E também que os assassinos levaram o ouro. Os pacíficos «quáqueres»! E um deles era o homem que estava destinado à Deborah!

Examinou os arredores. Quando Moose John descobrisse o assassínio do filho, o Lemhi Range ia pôr-se ao rubro. «E esses infelizes sem armas, meio gelados, que me esperam...».

Tinha deixado o «Patriarca» e a sua gente abrigados numa depressão de terreno. Um local bom para suportar melhor o frio, e também ideal para receber um ataque dos «arapahos», que os encontrariam facilmente. «Devo voltar para junto deles... ainda que... de que valem dois revólveres? São centenas de arcos e lanças. A única esperança para os «quáqueres», para Deborah, está em que eu encontre os assassinos antes que o Moose John encontre estes cadáveres».

Roscher voltou para o seu cavalo. O tempo estava a piorar e ao entardecer chegaria uma tempestade; e as tempestades eram terríveis no Lemhi, naquela época do ano. «Esses homens não puderam carregar os sacos. Levaram os cavalos dos índios, mas não poderão montá-los. Não chegam para todos».

Verificou os poucos víveres de que dispunha. Subiu para a sela e dispôs-se a perseguir os assassinos, cujo rasto tinha sido completamente apagado pelo vento.

 *

 Os quinze fugitivos bebiam ansiosamente um pouco de café quente, quase a ferver. Tinham-se atrevido a acender uma fogueira para preparar o café, num buraco, e enquanto a água fervia dois homens dispersavam o fumo, agitando ramos. Enquanto bebiam o café e um pouco de carne seca, tinham os sentidos alerta, especialmente o ouvido.

— Vão perseguir-nos, Jonathan! E a ideia de sair do Lemhi pelo Oeste é uma fantasia! Não fazemos ideia de onde haverá uma passagem! Vamos morrer de frio enquanto a procuramos; ou de fome, que já quase não temos comida!

Jonathan ocupava-se a colocar montes de ramos sobre as barras que os cavalos arrastavam, para evitar que se enterrassem na neve, deixando um rasto que permanecia muito tempo.

— O que tiver medo pode voltar para o Este. A passagem para Butte conhecemo-la todos. Mas sem levar o ouro. No Forte seríamos enforcados pela morte dos índios.

Cobriram a fogueira com neve e meteram as suas coisas nos alforges, que primeiro tinham transportado aos ombros, mas que carregavam os cavalos agora. E voltaram a caminhar puxando os animais, que não comiam havia muito tempo, já que a pastagem estava coberta pela neve. Os cavalos perdiam as forças rapidamente; viajantes mais experientes teriam notado esse perigo, mas os «quáqueres» não eram experientes e tinham medo. Por isso puxavam sem descanso pelos pobres animais.

Na planície, a ventania era mais intensa, Jonathan animava e ameaçava os seus companheiros. Por fim, a noite terminou com o suplício. Tiveram de deter-se. Atiraram-se para o solo junto de um talude, amontoados uns sobre os outros, e envolveram-se nas mantas. Jonathan nem pensou em procurar comida para os animais.

Ao amanhecer despertaram aterrados. Quase não podiam pôr-se de pé. Mas conseguiram retomar a marcha. Jonathan dizia aos outros que estavam perto do limite Oeste do Lemhi.

— Do outro lado dessas montanhas acaba o perigo dos «arapahos»! Seremos livres e ricos. Poderemos comprar carroções, bons cavalos, víveres e continuar para a costa.

Era exato, em parte. E em breve o verificaram. Porque as montanhas eram altas e sem caminho algum entre elas. A neve tinha-os fechado todos.

— Tem de haver uma passagem! — rugia Jonathan. — Tem de haver!

— Mas nós não a conhecemos! Ficámos apanhados no fundo deste enorme saco! Por isso os índios não nos atacaram. Estavam à espera de que nos metêssemos aqui, para acabarem connosco sem o mínimo perigo.

— Encontraremos a passagem! Não nos deterão estas malditas montanhas!

Um dos homens voltou-se subitamente, gritando:

— Aí estão! Disparou o seu revólver, loucamente.

Jonathan caiu sobre ele, desarmando-o com um murro.

—Imbecil! Assustou-te o movimento de um arbusto! E o teu tiro deve ter sido ouvido muito longe!

Os quinze homens, a quem o cansaço tornava mais irritáveis, começaram a discutir. O que disparara o revólver quis bater em Jonathan; houve momentos de grande confusão.

O «Patriarca» ter-se-ia assustado ante a violência contida daqueles homens, que tinham sido pacíficos, durante muito tempo, pelo menos aparentemente. Por fim, Jonathan conseguiu dominá-los.

—Basta! Querem morrer todos atravessados pelas setas dos índios? Pode ser que este tiro nos ajude! Calma!

O som do tiro atravessou metade do Lemhi Range. Depois foi absorvido pelo ruído da tempestade. Não chegou até ao ponto onde os «quáqueres» esperavam, nem à montanha dos «arapahos», mas Roscher «Montana» ouviu-o. «Tentam fugir por Oeste. Estão loucos! Podem ter disparado contra uma lebre, ou talvez já estejam a matar-se uns aos outros.»

Não era possível ao seu cavalo galopar sobre a neve. «Montana» tinha dormido no fundo de uma cova, ao calor do animal, como faziam os índios. E gastara mais de meia hora a afastar neve para procurar pasto para o seu companheiro.

Quando ouviu o tiro já a manhã ia adiantada e o seu temor aumentou. «O Moose John enviará os seus homens para aniquilarem os colonos logo que souber que o filho morreu. Pode ser que até já tenha acontecido, enquanto eu procuro os assassinos...»

O tiro fê-lo compreender que não estava longe dos quinze fugitivos. Desviou o cavalo, subindo por uma encosta. E ao chegar a certa altura viu-os. Avançavam com esforço, quase arrastando os seus cansados cavalos por entre as rochas. Contou-os. Sabia que estavam armados e que não se importavam de matar.

Voltando a descer, Roscher iniciou um rodeio que deveria colocá-lo à frente dos «quáqueres». Tinha cessado de nevar. Empunhou um revólver, comprovando que o tambor estava carregado. O seu cavalo não provocava o menor ruído. Desmontou junto de um montículo.

Minutos depois ouvia o arquejar dos homens e dos cavalos. Empunhou o segundo revólver, armando os dois. Apareceu no caminho quando o grupo de homens e animais ia passar sob o montículo. Disse, com voz forte:

— Quietos! Não toquem nas vossas armas! Detenham os cavalos!

Os «quáqueres» obedeceram. Roscher observava-os, tentando contá-los. Antes que o terminasse, disseram atrás dele:

— Falta um, sim, senhor «Montana»! Não foi muito esperto, para um homem da sua experiência. Nós, pobres homens do campo, conseguimos surpreendê-lo. Deixe cair os seus revólveres, senhor «Montana». Não sou um especialista, mas à distância a que se encontra acertar-lhe-ei no coração.

«Montana» deixou cair as armas, que se cravaram na neve. Jonathan aproximou-se, mantendo-se sempre a certa distância. Roscher olhava-o fixamente.

— Você... o prometido da Deborah. Abandonou-a! Todos vocês abandonaram as vossas famílias e amigos. Sabem o que é que os índios farão, com eles quando descobrirem os cadáveres que vocês deixaram sobre o gelo? Um daqueles homens era o filho do chefe. As vossas famílias e os vossos amigos vão ser aniquilados, Jonathan! Matarão a Deborah! Isso não lhe importa?

Jonathan sorriu.

— Pelo menos, assim não ficará para si, «Montana». Perdemo-la os dois. E eu poderei esquecer o passado, incluindo a recordação da Deborah.

«Montana» voltou a cabeça, olhando para os outros homens, que arquejavam esgotados, junto dos cavalos índios.

— Vocês pensam do mesmo modo? Vão abandonar definitivamente os vossos por esse pó dourado? Não se importam que os matem?

Jonathan gritou, agitando o seu revólver:

—Não perca tempo, «Montana»! Além disso, já não podemos retroceder! Matámos os índios por causa desse ouro, e agora não só defendemos a nossa riqueza como defendemos também a nossa vida! Só estaremos a salvo do outro lado da montanha!

Roscher respondeu, calmamente:

— Nunca conseguirão passar para o outro lado nesta época. Os «arapahos» encontrá-los-ão muito antes. Dispare de uma vez, Jonathan! Você lançou estes homens nesta aventura suicida porque perdeu a Deborah! Eu tirei-lha, ela ama-me a mim! Dispare de uma vez!

Jonathan apertou os lábios. A sua arma moveu-se um pouco, adiantando-se para «Montana». Mas não disparou. Em vez disso, pós-se a rir.

— Não vou disparar, amigo. Se alguém pode encontrar uma passagem entre essas montanhas, esse alguém é você, o melhor guia de Butte. Quando vi que nos seguia, compreendi a nossa sorte. Você vai guiar-nos.

«Montana» negou, resolutamente:

— Nem pense nisso.

— Sim, vai guiar-nos. Entre outras razões, porque é o único modo de salvar a vida.

— Não se iluda. Não disparará contra mim enquanto esperar conseguir convencer-me.

— Claro, «Montana». Mas os «arapahos» não sabem quem fazia parte do grupo que aniquilou os seus e quem não fazia. Matar-nos-ão a todos quando nos alcançarem. E a si também, amigo. Seria inútil dizer-lhes que é bom rapaz, que não pertence ao nosso grupo, que o ouro o deixa doente, que o despreza... Matar-nos-ão a todos. De modo que uniu-se agora ao nosso grupo e terá de salvar-nos a todos se quiser salvar-se a si mesmo.

Roscher fechou os olhos. Eram quinze homens armados e vigilantes. Também esgotados e assustados... Aceitariam facilmente que ele quisesse salvar a sua vida com a mesma ânsia que sentiam.

— Quem me garante que, quando chegarmos ao outro lado, vocês não me matarão? — perguntou, como hesitando.

— Ninguém, «Montana». Esse é o risco que corre. Tudo depende da lealdade com que nos ajudar — disse Jonathan.

«Montana» apontava para os seus revólveres. Jonathan negou.

— Não precisa deles para encontrar o caminho. Nós dispararemos, se for preciso. Retroceda um pouco.

Roscher obedeceu e Jonathan apanhou-os, com ar de admiração.

— Eu tratarei deles... Agora trate de orientar-se, «Montana». Não temos muito tempo. Diga-nos qual é o caminho...

 

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