sábado, 8 de abril de 2023

CLT026.03 O federal que uma mulher tomou por cobarde

— Que fizeram, estúpidos? — gritou enfurecido Jules Blackfield,

— Cumprir as ordens, chefe—respondeu um dos quatro que estavam no escritório de Blackfield, e que parecia ter mais personalidade.

— Sair oito homens contra um e regressarem só quatro! É incrível, Skill!

— Podíamos pensar que alguém sairia da sombra, atirando-se contra nós a tiros, com certeira pontaria? — replicou um tipo alto e forte de olhos cruéis, que dava pelo nome de Ernie Skill.

— Ao menos foi morto Bernard Holly?

—Sim...

— Tendes a certeza? — Jules Blackfield olhou ora um ora outro os seus «pistoleiros», os quatro mais empedernidos: Ernie Skill, Rufus Blood, Short Partener e Pat Owner.

—Sim...

— Hesitais, malditos?

— Disparámos contra ele e caiu.

—Se ainda está vivo, juro-vos que vos queimarei os miolos! —gritou congestionado Jules Blackfield.,

— Bernard Holly apanhou mais de um tiro, chefe...

— Mas não estais certo da sua morte. Esse desconhecido causou-vos pânico.

—Creio que era o próprio demónio—disse Pat Owner. — O seu olhar era de fogo.

—Diabo ou não, disparava com grande pontaria—afirmo Rufus Blood, com o seu vozeirão que correspondia à sua grande figura.

Short Partner, magro, com olhos de réptil, confirmou:

— Sim, cada tiro que dava era mortal.

Jules Blackfield escolheu um charuto de uma caixa e mordeu a ponta nervosamente, antes de o acender.

— Não percebo o que aconteceu! Quem pode ter intervindo nisto? De uma coisa estou certo: que vocês tinham muito medo.

— Num momento caíram quatro dos nossos!

—É necessário descobrir quem foi o causador destas mortes. Não esperava esta complicação. Interessava-nos a morte de Bernard Holly, grande amigo do rancheiro Patrick Davis. Quis comprar o rancho várias vezes a Patrick Davis, mas não consegui.

—Patrick Davis está mal de dinheiro—disse Ernie Skill.

— Bem sei. Mas tem resistido sempre a vender. E desde que chegou à cidade o seu velho amigo Bernard Holly, mais do que nunca. Holly regressou muito rico da Califórnia e estava na disposição de ser sócio de Patrick Davis.

—O chefe falou ontem à noite com Bernard Holly?

— Sim, era um homem esperto e adivinhou as minhas intenções. Compreendi que a violência era o único meio.

— Fique descansado que as nossas balas não perdoaram

—E esse intruso? Que procurava naquele lugar?

— De madrugada voltaremos ao lugar do tiroteio. É um lugar oculto e selvagem. Com certeza que encontraremos o cadáver no alto da colina de King.

— Está bem, e arrisquem a pele que para alguma coisa lhes pago.

— Mas servimos melhor com a pele inteira do que sem ela—atreveu-se a replicar Ernie Skill.

—Não fales mais, Ernie, ou parto-te a cara.

— Não, se zangue, chefe. Bem sabe que não somos dos que voltam atrás sem causa justificada. Bernard Holly está morto, e o chefe conseguirá esse rancho que tanto deseja.

— Há uma coisa que me interessa mais ainda...

— O quê?... — perguntou Skill.

—A filha do rancheiro Patrick Davis.

— É muito bonita...

— Sim. Tem de ser minha — os olhos pretos de Jules Blackfield brilharam de luxúria.

—Se casar com ela não tem necessidade de comprar o rancho — observou astutamente Short Partner.

— Já pensei nisso, e entra nos meus cálculos. O rancheiro Patrick Davis é teimoso, mas faz as coisas de boa-fé. Eu creio que conseguirei enganá-lo. O que não poderia acontecer com Bernard Holly que era endiabradamente esperto. O rancheiro Davis festeja amanhã à tarde os anos da filha, e há uma pequena festa para a qual fui convidado.

— Não acharão estranha a ausência do amigo do dono da casa? — perguntou Pat Owner.

—Absolutamente—respondeu Jules Blackfield — porque precisamente Holly partia em viagem de negócios, quando vocês o mataram. Ele mesmo falou numa grande operação com outro rancho situado no Arizona, na linha fronteiriça.

— Certamente há baile, não é chefe?

— Calculo que sim. Esses tipos como Patrick quando dizem que estão arruinados, ainda estão em condições de fazer grandes estravagâncias. Aproveitarei a oportunidade para fazer a corte à filha. Não sou tão mau pretendente, pois não rapazes? — perguntou sorrindo, envaidecido.

— O chefe agrada sempre às mulheres — disse adulador o hercúleo Rufus, com o seu vozeirão.

Jules Blackfield era um homem muito vaidoso e aquelas palavras deixaram-no satisfeito.

—Vamos ao saloon — disse. — Comportaram-se como ratos, mas, Mesmo assim, ainda me sinto com ânimo para vos convidar a tomar um whisky. Quero que amanhã fique bem esclarecida a morte de Bernard Holly, se não querem receber uma ração de chumbo.

Os «pistoleiros» disseram que sim. Temiam Blackfield porque outras vezes tinha pronunciado as mesmas palavras e no mesmo tom e tinha cumprido a ameaça.

 

*

 

Norman Wright saiu do hotel. Enterrou na cabeça o largo chapéu e olhou para as estrelas.

— Magnífica noite! Que me reservará? —murmurou em voz baixa.

Seguiu pela rua abaixo, misturando-se com o povo. Riverside era uma cidade que se alargava rapidamente. Pela rua maior transitavam pessoas de todas as classes: cowboys, aventureiros, jogadores...,

Chegou ao Ranger's.

A fachada estava iluminada com lâmpadas de petróleo. Sobre grandes cartazes estavam pintadas mulheres em atitudes provocantes., Norman entrou com desenvoltura, fiel ao papel que se tinha traçado.

Seus olhos cinzentos olhavam em volta com frialdade e indiferença, como os de um homem habituado aos prazeres.

O saloon era amplo e soberbamente decorado. Sem dúvida havia muita riqueza em Riverside. Evidentemente, a população era próspera. Os cowboys ganhavam bem. Corria o dinheiro. Os ladrões de gado estavam sempre dispostos a actuar.

No Ranger's jogava-se forte ao poker e nunca faltavam nele jogadores profissionais e aventureiros de todas as classes.

Norman Wright encostou se junto do balcão e pediu um whisky. Uma bela mulher tinha estado a contemplar Norman desde que este entrou. Era alta e bem proporcionada, de cabelo castanho, olhos azul-violeta e boca de lábios vermelhos. Era muito formosa, teria talvez uns trinta anos. Ficou encantada pela arrogância varonil do forasteiro e chegou-se a ele.

— Convidas-me, rapaz? — e olhou para ele de forma fascinadora.

Norman olhou para ela antes de responder:

— Está bem —encolheu os ombros. — Se assim o desejas... Pede o que quiseres, bonita...

— Obrigada. Apetece-me uma garrafa de champanhe.

— Ah, sim? — replicou ironicamente Norman Wright.

—É a minha bebida preferida. —Porque não nos sentamos a uma mesa para a saborear melhor?

Norman Wright concordou, sorridente. Sem dúvida, aquela bela mulher estava mostrando um interesse especial por ele. Norman era jovem e não podia 'permanecer insensível aos encantos femininos.

—Deves ter um bonito nome.

— Laura Smiles.

Estavam sentados já. Apareceu o criado com a garrafa de champanhe que manobrou agilmente fazendo saltar a rolha, que produziu um forte barulho. Não tardaram em saltar as borbulhas nas taças. Laura ria mostrando os seus dentes brilhantes. Norman pensou: «Isto é mais perigoso do que um tiro de pistola, diria o cabo Sam.»

Estava seguro de si próprio. Não pensava esquecer os conselhos do veterano, mas também não tencionava afastar-se das mulheres. Laura Smiles era muito bonita e ele pensava que, se tinha de morrer cedo, bem valia que antes tivesse provado os seus doces beijos...

— A tua saúde, Laura — levantou a taça ...

—Ainda não me disseste o teu nome. —disse ela.

Ele não duvidou. Estava certo de que não era necessário adotar outro.

— Norman Wright.

—A tua saúde, Norman.

Saborearam o vinho espumante com deleite.

—Vou-te perguntar uma coisa, Laura. Estou com curiosidade. Parecia que estavas à minha espera. Porque vieste ter comigo logo que entrei?

Sorriu para ele:

— És um bonito rapaz, digo-te francamente.

— Obrigado...

—E para mais, cheiro de longe os clientes bons, que podem pagar uma garrafa de champanhe. Naturalmente, tenho preferência pelos bonitos...

— Creio que estás a brincar.

—Limito-me a dizer a verdade. Não me agradeces?

—Sim, Laura, estou certo de que não mentes. E isso não é frequente.

— Estás de passagem? — sorriu Laura, tentando mudar de conversa.

Norman ficou em guarda, lembrando os conselhos do veterano Sam Pine. Quem era, na realidade aquela mulher perturbante? Teria de meditar as suas palavras.

— Vim divertir-me um pouco a Riverside — replicou enquanto enchia as taças.

— Bonita ocupação. A que te dedicas?

Um sorriso enigmático apareceu nos lábios de Norrnan Wright.

—A viver...

— És um tipo interessante, Norman. Gosto de ti...

— Queres que nos vamos divertir juntos?

— Essa foi a minha ideia quando te vi entrar. Segurar-te.

—Com champanhe, não?

— Não penses isso Norman... Creio que te aceitaria mesmo que me enchesses de whisky do pior.

— Estás-me a sair uma sentimental.

— Pode ser...

Laura e Norman olharam se nos olhos e sorriram. Encontravam-se bem juntos, Mas o homem não esquecia que a sua estadia em Riverside não obedecia precisamente ao seu gosto pelos divertimentos.

No saloon havia grande animação. Eram bastantes as mulheres bonitas, mas entre elas destacava-se Laura, Era uma mulher que subjugava. Às vezes, quando estava inspirada, subia ao palco, cantava e conseguia arrebatar o auditório. Tinha bonita voz e sabia matizar o que dizia.

Norman Wright encheu novamente as taças; a garrafa ficou vazia. Brindaram mais uma vez. A rapariga estava bebendo e nos seus olhos brilhava uma luz brincalhona; de repente a sua expressão mudou por completo. O seu companheiro percebeu imediatamente.

— Que te sucedeu? Estás a sentir-te mal?

—Não...

Os olhos do federal fixaram a entrada, onde acabavam de aparecer cinco homens. Um deles chamava poderosamente a sua atenção pela sua elegância e figura atlética. O olhar de Norman foi rápido e tornou a pousar-se em Laura Smiles.

—Parece que ficaste impressionada com a entrada desses homens? Não é assim?

— Certamente! — havia ira mal contida na voz feminina—Trata-se de Jules Blackfield e de quatro dos seus sequazes.

Norman ficou petrificado, fazendo esforços inauditos para não deixar transparecer a sua emoção. Com que então aquele elegante era nada mais nada menos que Jules Blackfield! Tinha sido tão simples...

Ao princípio julgou que iria ter mais dificuldades em o localizar, visto não poder ir pela cidade perguntando por ele, o que com toda a certeza teria levantado suspeitas.

Pensou que o destino lhe tinha marcado um caminho; ainda nos arredores da cidade, foi protagonista de uma escaramuça contra uns foragidos. Quem era o perseguido que morreu sem pronunciar o nome do seu algoz? Seria este por acaso Jules Blackfield. Agora Laura Smiles, a primeira pessoa com quem falava em Riverside, acabava de o identificar. Não seria tudo demasiada casualidade?

Blackfield era astuto e poderoso, talvez soubesse da sua presença na cidade... Norman pensou que isto não seria muito provável, mas de qualquer forma era questão de estar precavido.

— Tens algo que ver com esse homem, Laura? Estávamos a divertir-nos...

—Desculpa, Norman, mas esse Jules Blackfield faz-me nervos... embora seja dos que convidam a champanhe. Apesar do seu aspeto correto, é muito ordinário. Mesmo que pareça impossível, é ele quem dita a Lei em Riverside.

—É o juiz? — perguntou Norman com naturalidade. Laura não pôde deixar de rir.

— A sua lei é a do revólver. É muito rico e dispõe de “gun-men” alugados. Os seus ganhos são provenientes dos roubos, mas ninguém conseguiu ainda provar nada. É muito esperto, tão esperto como malvado. A mim, uma noite tratou-me de uma forma indigna—o seu rosto ensombrou-se.

— Não te julgava tão sensível, Laura. Supunha que estavas habituada a este ambiente.

— Não estou no saloon por gostar; a vida arrastou-me até aqui. Naturalmente que estou habituada, mas acho que posso fazer-me valer. Não te parece?

—Realmente, e não o digo por galanteio. É a pura verdade.

— Não gosto de tratar com bandidos e sei mantê-los à distância. Confesso que me enganei com Jules Blackfield, parecia um cavalheiro... Errei no cálculo. Nunca conheci homem mais abjeto. Quis tratar-me como uma escrava.

—Talvez estivesse embriagado... — replicou Norman.

Não seriam um truque aquelas acusações de Laura? Norman já não se sentia bem na sua companhia. Tinha o pressentimento de que poderia ser comprometido.

— Bêbado ou não, é um selvagem — continuou ela. — Sabes o que fez, só porque não me submeti aos seus caprichos? Bateu-me na cara! O cobarde...

Havia um ódio concentrado nas suas exclamações. Seria possível que estivesse a mentir com tanta perfeição? Parecia impossível, mas Norman lembrou-se das palavras do veterano Sam Pine, o qual afirmava que as mulheres eram perigosas... Viu-se obrigado a dizer:

— Que grande malandro!

Laura, com a sua fina perspicácia feminina, tinha percebido que Norman não falava com convicção. A que seria devido? Teria medo aquele jovem tão bem-parecido? Laura teria jurado que era valente, mas não podia julgar pelas aparências. Sem dúvida que já não estava tão bem como no princípio, talvez julgasse que estava a falar para o obrigar a intervir.

— Estou-te a aborrecer, não é, Norman?

— Realmente, estava melhor há pouco. É muito triste o que me contaste. Vou pedir outra garrafa. É questão de não pensares mais no assunto, e nos alegrarmos. Esquece as penas, Latira. —E chamou o empregado.

Laura ficou desiludida. Ela não pretendia que Norman Wright se atirasse para cima de Jules Blackfield, mas gostaria, que ouvindo o seu relato, o rapaz ficasse realmente indignado e manifestasse o seu valor. Sem dúvida nenhuma, era um cobarde, pensou.

O criado já tinha tirado a rolha à segunda garrafa. Norman continuava no seu papel de despreocupado. Na realidade não sabia que atitude tomar, pois a pesar da sua condição, tinha simpatizado com Laura e através das suas palavras notava-lhe um modo refinado. Mas se ela julgava que ele estava disposto a fazer de cavaleiro andante, atirando-se sobre Jules Blackfield, estava muito enganada. Aquilo podia ser coisa combinada. Estava interessado em voltar ao hotel para meditar demoradamente sobre aquela cada vez mais complicada aventura. Agora que já sabia quem era Jules Blackfield, trabalharia com cautela e prudência para dar o golpe definitivo. Mas a noite reservava novas surpresas ao jovem federal.

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