terça-feira, 25 de abril de 2023

CLF054.01 Oh! Não me enterrem na pradaria solitária…

Tinha um sorriso nos lábios quando saiu do «Fancy Saloon» para se encontrar com o famoso «Killer» McCoy, na não menos famosa Front Street de Dodge City, a violenta cidade onde a vida humana valia muito menos que o chumbo com que se arrebatava. Um sorriso fanfarrão e confiante...

Aquele sorriso continuava ainda nos seus lábios quando o recolheram do poeirento e ensanguentado centro da rua para o levarem para a casa mortuária no meio de um silêncio sepulcral, enquanto McCoy, com um duro gesto nos lábios cruéis, rodeado dos seus amigalhotes e da inevitável chusma de aduladores, entrava no «Fancy» para beber em homenagem à sua nova vitória.

Enterraram-no na «Boot Hill», sem outro acompanhamento de que meia dúzia de vaqueiros texanos, pertencentes ao grupo de que ele tinha tomado parte, conduzindo um rebanho ao largo da Senda de Chisholm.

Um deles rezou com voz rouca e atropeladamente uma oração que aprendera em criança; a seguir, cobriram-no com terra e pedras, colocando na sua tumba uma tábua onde, com um ferro em brasa, tinham gravado toscamente o seu nome.

«Wendy Nelson. Era bom atirador e um bom rapaz». Foi este o seu epitáfio.

No dia seguinte, somente meia dúzia de pessoas em Dodge City se recordava dele.

Passaram os meses. O vento e a chuva açoitaram «Boot Hill» entoando a única prece funerária que aqueles mortos poderiam escutar. E a recordação de Wendy Nelson esfumou-se, como tantos e tantos...

Um dia, nos começos da primavera seguinte, um cavaleiro chegou a Fort Worth, Texas, cavalgando sem pressa. Um vaqueiro. Aparentava uns vinte e cinco anos, tinha o cabelo escuro, brilhante, os olhos castanhos e o mais agradável dos sorrisos, coisa rara por aqueles sítios.

Cavalgava com desenvoltura um baio de boa estampa, com urna rica sela mexicana; a sua perna esquerda apertava a funda de uma «Winchester»; um «Colt» calibre 44 pendia do seu lado direito, e, na correia a tiracolo, dentro de um saco, levava uma guitarra. As suas roupas eram bastante novas e não da pior qualidade. As esporas, de prata.

— Um tipo fanfarrão — disse, ao vê-lo, «Coudie» Pattenson, velho habitante das planícies, que entretinha os seus ócios mastigando tabaco diante do armazém de Pittigrew.

E mais de um compartilhou da sua opinião.

Aquele cavaleiro levou o seu cavalo à cavalariça de «Hoosie» McGraw, e entreteve-se conversando amistosamente com o dono cerca de um quarto de hora. A seguir, foi à barbearia de Antoine, «O francês», e pediu que o barbeassem conscienciosamente, continuando também uma agradável conversa com o barbeiro. Finalmente, encaminhou-se para o «Frontier Hotel» e pediu um quarto, tomou um banho, mudou de camisa, escovou as suas calças com esmero e puxou o lustro às botas com a mesma habilidade invejável.

Seriam umas oito da tarde quando penetrou no «Cow-boy Rest». Era um local bastante concorrido normalmente. No salão havia uma boa dúzia de clientes, vaqueiros na sua maioria, sem contar com três ou quatro raparigas pintadas, dois criados e o dono.

Toda a gente olhou para o recém-chegado. E um dos que olharam ficou como se lhe tivessem tirado todo o ar dos pulmões com uma bomba. O forasteiro chegou ao balcão e pediu, com uma voz de timbre bastante agradável:

— Posso beber qualquer coisa, amigo?

— Não há inconveniente. Forasteiro?

— Nada disso. Texano.

Era uma resposta muito convincente e que fez sorrir mais do que um dos que o escutavam. Mas o que pareceu ficar sem ar continuou a olhá-lo como se contemplasse o fantasma do seu bisavô. Até que a sua atitude foi notada pelo recém-chegado, que, de copo na mão, o interpelou:

— Aconteceu-lhe algum mal, amigo? Olha-me como se os seus olhos não possam crer...

—E não posso — conseguiu por fim o outro articular —. Por todos os bisontes das pradarias; você não pode estar aqui... Permite-me que lhe toque?

O sorriso continuava nos lábios do forasteiro. Mas tinha esfriado nos seus olhos, que olhavam agora fixamente o seu interlocutor.

— Penso que você não está bêbado, homem — disse lentamente —. Aproxime-se e toque-me. A seguir diga-me o porquê da sua atitude.

Mas então já todos os presentes estavam fixos nos dois. O convidado avançou e estendeu as mãos. Para todos estava claro que o suor subitamente aparecido na sua fronte não era do calor...

Apalpou com força nervosa os braços e o peito do forasteiro, no meio do estranho silêncio geral. A seguir recuou, respirou e voltou-se para o dono da casa.

— Pronto, Joe; enche-me um copo duplo.

— Que te aconteceu, Crocker? Estás pálido e pareces assustado. Que houve com este homem para que te ponhas assim?

— Sim, amigo. Que lhe aconteceu?

Mas o vaqueiro esperou que lhe dessem o licor, bebendo-o de um só trago, corando e tossindo depois. Com o copo na mão falou roucamente:

— Sim, estou assustado. Muito assustado... Como nunca o estive na minha vida. Quer dizer-me o seu nome, senhor?

A expectativa tinha chegado ao ponto culminante. O interpelado assentiu. O seu sorriso era como uma fina lâmina de aço...

— Claro que sim. Chamo-me Nelson. Rich Nelson.

— Não pode ser. Vocês vêem-no como eu, não é verdade? É um homem de carne e osso...

Olharam uns para os outros de várias maneiras. O dono da casa perguntou, já impaciente:

— Bom, Crocker; se se trata de uma brincadeira, está bem...

— Vai para o diabo, Joe! Tenho cara de quem está a brincar? Sinto frio dentro dos ossos, é esta a verdade. Porque eu enterrei este homem há oito meses na «Boot Hill» de Dodge City. E tinha uma bala em pleno coração...

Um silêncio insuportável caiu sobre os ocupantes do local. Uma mulher estremeceu, um homem olhou por baixo... todos os olhares estavam agora fixos no forasteiro, a quem Crocker assinalava com um dedo não muito firme.

Rich Nelson tomou alento para falar. E o que disse aumentou a sensação de pânico que alguns estavam a começar a sentir...

— De maneira que você enterrou-me em Dodge...

— Eu e mais cinco — a voz de Crocker soava apagada, assustada —. Os rapazes da equipa que contratou Long Tom Miller para que ajudássemos a subir o seu gado para a Senda. Recordo-me como se fosse agora; com mil demónios! E todos eles poderão confirmar as minhas palavras...

Alguém elevou a sua voz para dizer:

— Está bem, rapaz... Não pretenderás fazer-nos acreditar que estamos diante de um morto ressuscitado...

— E o que é, senão isso? — Crocker estava evidentemente fora de si —. Cavalgou seis semanas connosco, desde Loverdale, onde se nos reuniu, até Dodge City. Comeu e dormiu comigo, trabalhámos juntos e discutimos... Pensam que me posso esquecer da sua cara?

— Bom, mas esse que morreu...

— Podia ficar só ferido e...

— Não, com mil pares de raios! Enche-me outro copo, Joe; juro-te que preciso de beber. Você cavalgou connosco até Dodge. Montava um cavalo baio e levava uma guitarra. Estava sempre alegre e sorridente, era um magnífico camarada e não fugia nunca ao trabalho. A seguir, em Dodge, pôs-se a cortejar a favorita de «Killer» McCoy e não fez caso dos avisos. McCoy viu, discutiram e desafiaram-se... Repito que me parece que ainda foi ontem. Você saiu para a rua com um sorriso parecido ao que agora tem nos lábios e está a gelar-me o sangue. Era um rápido atirador. E talvez saísse vitorioso se, no momento de sacar a arma, esta não se prendesse na funda. Foi uma fração de segundo, vi com estes olhos... McCoy meteu-lhe uma bala em pleno coração.

Calou-se, arquejante. O ambiente continuava gelado. O forasteiro escutava em silêncio, com aquele sorriso fino e frio, aquele olhar pensativo...

— Quando o levantámos tinha esse sorriso nos lábios. E havia sangue seu, empapando o pó da rua — continuou Crocker, no mesmo tom assustada —. Encontrámos nos seus bolsos dinheiro suficiente para lhe fazer um bom funeral. Levámo-lo para «Boot Hill» e cavámos uma profunda cova... A seguir, Alabama Jones rezou não sei o quê e metemo-lo dentro, cobrindo-o bem. Eu próprio, com Joe Travis, escrevi com ferro em brasa o seu nome numa tábua que enterrámos na sua tumba. Wendy Nelson... o nome que nos deu quando entrou ao trabalho na nossa equipa.

Calou-se e passou a mão pela fronte suada, pegando a seguir no copo e bebendo o seu conteúdo com ânsia. O dono da casa começou então a falar.

— Ouviu Crocker, forasteiro? Esta história é absurda, impossível. Trata-se de uma brincadeira, não é verdade?

Também havia um acento ansioso na sua voz. E as caras de todos os presentes, em especial as femininas, expressavam o mesmo. Uma mistura de medo e ânsia...

Antes de responder, o forasteiro olhou-os um por um. E pôde ver que mais do que um estremecia, engolia em seco...

— Não é nenhuma brincadeira — disse rápido —. Crocker disse a pura verdade.

— Deus! — murmurou uma das raparigas, desmaiando.

Outra teve de se sentar numa cadeira. Uns juraram, outros mexeram os pés...

— Então... você...?

O sorriso voltou a aparecer nos lábios do desconhecido. Aquele sorriso frio...

— Eu estou morto. Mas também estou vivo. De modo que «Killer» McCoy me matou em Dodge o Verão passado!... Obrigado pela sua ajuda, Crocker. Não lhe darei a mão para que não desmaie. Pague a despesa, Joe. E não levem isto demasiado a sério. Não sou o primeiro morto que regressa para ajustar contas com aquele que o matou.

Pôs um dólar sobre o balcão. A moeda tilintou no silêncio impressionante. Seguidamente voltou-se e encaminhou-se para a porta. Dali despediu-se de todos os frequentadores.

— Boas-noites, senhores. Lamento ter assustado as raparigas.

Já se encontrava fora quando alguém comentou:

— Isto é de enlouquecer...

A seguir, todos, homens e mulheres, avançaram para o balcão, pedindo de beber.

— Preciso embebedar-me, Joe. Deveras que preciso — gemeu Crocker, com os olhos fora das órbitas. O dono da casa assentiu.

—Compreendo-te, rapaz. Isto ultrapassou os limites. É a primeira vez na minha vida que vejo um morto entrar na minha casa e pedir de beber...

Vinte minutos mais tarde, quando todos os que tinham presenciado a cena já estavam meio embriagados e os que depois tinham chegado não queriam acreditar no que lhes contavam, ouviu-se uma voz varonil que chegou aos ouvidos de todos, procedente da rua. Fez-se silêncio e todos ouviram quando Crocker, eriçando-se-lhe os cabelos, exclamou:

— Deus, é ele!!

A seguir, os mais valentes correram para a porta. Pela rua fora, Rich Nelson vinha a cavalo, sem pressa, tocando a guitarra e cantando com uma magnífica voz de barítono:

«Oh, bury me not' on the lone prairie...»

A noite caía suavemente e as estrelas brilhavam no firmamento. Algumas luzes amarelas surgiam nos edifícios. Homens e mulheres paravam para ouvir o cantor. E a conhecida balada pareceu descrever macabros voos por todo o largo e comprimento da rua quando Rich Nelson, o homem que havia sido enterrado oito meses antes em Dodge, passou, cavalgando e cantando diante do «Rest».

Naquela noite, um vento de pânico supersticioso pareceu percorrer todo o Fort Worth. E embebedaram-se o triplo das pessoas que o costumavam fazer.

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