quinta-feira, 6 de abril de 2023

CLT026.01 Razões de um federal

Norman Wright tomou o último gole de café.

—Excelente! — exclamou, satisfeito. —Vou sentir muito a falta do teu café, amigo Sam.

Sam Pine sorriu:

— Não tenhas dúvidas. Ninguém to fará como eu. Mas amanhã ao despontar o dia ainda o beberás..., e espero que mais tarde também, caramba! Quando regressares com o triunfo...

— Eu também confio nisso, ainda que a missão que me confiaram seja muito perigosa.

— É certo, Norman. Mas tu és novo e saberás vencer todos os obstáculos. Quem me dera ter vinte e cinco anos como tu!

— Não te queixes, Sam, estás muito bem conservado.

—Sim, realmente. Ou acaso julgas que te deixaria amanhã em território de Utah, se não estivesse assim destinado pelo capitão federal Sunsets? Gostaria de acompanhar-te e não ficar em Arizona.

— Os federais destacados em Hot Meadows não poderiam passar sem a tua presença.

— Não acredites! Alguns ficariam muito contentes. Já reparaste como aperto com ele nos exercícios.

—Como não, se fui eu uma das vítimas?

— Quando te apresentaste .ao capitão Sunsets e eu te mandei fazer as provas, as tuas qualidades eram muitas, mas tens de concordar que fui eu quem fez de ti um federal!

O jovem assentiu, enquanto enrolava um cigarro, depois passou a sua bolsa do tabaco ao cabo Sam Pine.

Norman Wright aspirou o fumo com prazer e encostou-se ao tronco de uma árvore. Os dois federais tinham acampado num frondoso vale. Era noite e uma lua cheia brilhante irradiava luz de prata.

Sam Pine gostava de falar de si próprio, mas tudo quanto dizia era verdade. Como federal tinha realizado façanhas prodigiosas, sendo o terror dos ladrões de gado e dos bandidos. A sua habilidade de atirador era proverbial e na luta corpo a corpo era um mestre e quando se tratava de vender cara a vida, ninguém como ele.

Pelo seu carácter não tinha sido promovido, e também por que ninguém queria que se fosse embora de Hot Meadows, Arizona. Todos os federais gostavam dele assim como era, e com o passar do tempo ficou como instrutor permanente, forjando extraordinários federais.

Embora as divisas que levava fossem modestas, Sam Pine era respeitado em Hot Meadows, e nalgumas ocasiões as suas ordens faziam mais efeito do que as do próprio capitão Sunsets. Deixavam-no pôr e dispor pois sabiam que todas as suas ambições de cabo se condensavam nos federais.

— Estou contente por ter sido escolhido — disse Norman Wright. —Só tenho pena de deixar os companheiros. Estou-te muito grato pelo teu empenho em quereres acompanhar-me até à fronteira.

— Este terreno é desconhecido para ti. Durante o percurso podiam ter surgido incidentes perigosos, dada a agitação que há por estas terras, e julguei conveniente deixar-te o mais próximo possível de Riverside, Utah, onde é necessário que chegues inteiro, já que te esperam muitos e variados perigos.

—Tão temível é Jules Blackfield? — perguntou Norman Wright.

O rosto de Sam Pine tornou-se duro.

— Mais do que supões. É homem que já agiu em vários Estados, troçando da Lei e da, Justiça, conseguindo ganhar dinheiro com o produto de roubos e negócios sujos; além disso já matou vários homens e nem sempre de frente, apesar da sua assombrosa pontaria. Dispõe de um exército de «pistoleiros» a soldo, que obedecem à mais pequena ordem.

— Como é possível que tenha conseguido escapar sempre?

—É astuto como uma raposa. No momento em que parecia viável a sua captura, conseguia sempre escapar à Lei habilmente, usando a violência ou passar a outros Estados com o produto das suas rapinas, voltando à sua vida de foragido.

—Terei de superar-me a mim próprio para combater contra um inimigo desta categoria.

—Assim terás de fazer. E não esqueças que todos os federais têm confiança em ti. quanto a mim confio absolutamente nas tuas qualidades; se tivesse tido qualquer dúvida, eu mesmo teria convencido o capitão Sunsets a não te escolher 'quando te apresentaste como voluntário.

Um sorriso abriu-se no rosto franco do jovem. As palavras do veterano tinham-lhe agradado.

— Agradeço as tuas palavras, Sam. Vindas de ti têm um valor inestimável, dar-me-ão ânimo.

— Já sei que não precisas, Norman. Já experimentei a tua têmpera sobre mim próprio. Lembro-me de quando vieste há três meses. Vi-te muito novo e muito correto e julguei que te tinhas enganado no lugar. Sem má intenção, quis submeter-te a algumas brincadeiras. Lembras-te?

—Como não me vou lembrar, cabo do diabo?

--Eu disse ao capitão Sunsets que te faria desistir da tua ideia de pertencer aos federais em menos de vinte e quatro horas.

O caba veterano e o jovem federal guardaram silêncio durante uns instantes, fumando os seus cigarros. Estavam saboreando a calma da noite depois de uma intensa jornada.

Agradava-lhe falar das suas coisas. O tema favorito era sempre sobre os feitos dos federais.

Naquela noite, a última em muito tempo que acampariam juntos, desejavam falar deles próprios, regressar ao ponto de partida das suas recordações, desde o dia em que tinha começado aquela amizade. Antes de despedir-se esgotariam todos os comentários. Existiam muitas probabilidades de que não pudessem voltar a fazê-lo.

O capitão Sunsets tinha-se expressado claramente quando tinha pedido voluntários. Tratava-se de uma missão com perigo de vida, pois muitos já haviam sucumbido ante o perigosa Jules Backfield.

— Causei-te uma desilusão, Sam? — perguntou malicioso Norman Wright, enquanto deitava fora a ponta do cigarro e se dispunha a enrolar outro. — Experimentei uma agradável surpresa, rapaz, e não te guardo rancor porque soubeste desviar à perfeição os meus ganchos da esquerda que, diga-se de passagem, não existe em toda a União ninguém capaz de superar.

—É verdade, cabo. Todos te temem, mas fui obrigado a vencer-te. Soube que tinhas dito que me farias em puré e me devolverias à minha terra de origem, dentro de um envelope lacrado.

—E tê-lo-ia feito — replicou, brincalhão, o cabo Sam, adotando uma posição de cómoda presunção. — Mas simpatizei contigo. E pensei: O rapaz quer ser federal, pois que seja federal... E também te permiti acertar em todos os alvos, mesmo os mais difíceis... ah! ah! ah! — e acabou com uma estrondosa gargalhada que foi cortada por Wright.

— É uma pena que não possas acompanhar-me, Sam. Desde já, sei que não vou ter tempo para me aborrecer, mas terei de viver em contínua tensão, sem amigos, em quem poder confiar...

—Sobretudo, não confies em ninguém, e especialmente não te deixes entusiasmar pelas mulheres. São todas perigosas.

— Não exageres, Sam. Tu sabes bem que és uma espécie de papão para elas, assustando-as.

—Rapaz: primeiro lutei contra os peles-vermelhas; mais tarde, quatro anos na Secessão e vi como se perdiam muitos homens, por culpa de uns doces olhos de mulher. Cuidado com elas! És novo, mas terás de dominar-te. Este aspeto é muito importante. No dia em que efetuaste perante nós as tuas primeiras provas e nos deixaste maravilhados com a tua agilidade, força e rápida pontaria, o capitão Sunsets reservou-te um lugar de honra. Durante os meses de instrução tentei conseguir polir-te, enrijar-te e encaminhar as tuas magníficas condições para um terreno prático.

— Nunca te tinha visto tão sério, Sam, nem quando te atirei ao chão com aquele soco...

—É que estou a falar muito a sério. Não interrompas. Creio que és o homem indicado para a missão a que foste destinado. Já antes tinhas saído voluntário para outras, arriscadas, mas de menor importância. Fui eu quem aconselhou o capitão Sunsets para te escolher. Agora estás cá, és desconhecido entre os foragidos. És jovem também e esperto para a ação, não tens o aspeto de um federal endurecido pela luta, como eu, por exemplo. Isto foi o que nos decidiu a escolher-te a ti. Tu pareces o filho de um rico proprietário...

— Sam! —vibrou a voz de Norman estranhamente.

— Que te aconteceu, Norman? — perguntou o veterano. — Ofendi-te nalguma coisa?

Norman Wright suspirou:

—Tu não podes ofender-me nunca, amigo Sam. És rude, mas tens um grande coração.

— Algo disse que te alterou...

— Sim... disseste que tenho o aspeto de um rancheiro rico e disseste bem. O meu pai chamava-se Cary Wright — tremeu a voz do jovem — e era proprietário em Cuted Way, amigo Sam, vivíamos no Arizona... Mas esta é uma história que não precisa de ser contada. As palavras sobre ela morreram nos meus lábios no dia em que saí de Cuted Way... com os olhos secos, sem lágrimas e enfurecido como um leão. As minhas pistolas falariam por mim! — disse, e atirou com raiva o cigarro para o chão.

— Involuntariamente acordei em ti tristes recordações...,

— Não, Sam, sempre estão lembradas estas recordações em mim; são recentes as minhas feridas e não estão cicatrizadas.

— O tempo tudo apaga, rapaz. Tenho experiência da vida, também sofri.

—Só há um remédio para a minha dor: a justiça.

O veterano pigarreou.

— Ouve, Sam. Creio que somos bons amigos.

— Não duvides, e nestes momentos de perigo é quando há que afirmá-lo. Quando chegaste, mesmo coberto de poeira, não podias negar a tua condição. julgámos que eras um jovem caprichoso que queria passar por valente à frente dos federais. Mais tarde, quando te apresentavas insistentemente como voluntário para todas as ações de perigo, chegámos a pensar que podias ser um dos tantos traidores que pretendem aniquilar a nossa força em benefício dos que vivem fora da Lei. O tempo nos convenceu de que não tínhamos o direito de pensar nem uma nem outra coisa, e a prova foi a tua designação, para uma das missões mais difíceis destes últimos tempos.

O veterano prosseguiu, depois de uma breve pausa, enquanto era escutado com atenção por Norman Wright:,

— Todos os federais somos orgulhosos de sê-lo e ansiamos entrar em ação. Mas o entusiasmo que vi em ti, superava o habitual. Que motivos terá este rapaz para mostrar-se tão impaciente? Tenho repetido esta pergunta milhares de vezes a mim mesmo.

—Sem dúvida nenhuma, tenho os meus motivos.,

— Embora seja rude — disse Sam — nunca te teria feito tal interrogação. A nenhum federal se pergunta o passado, se demonstra que é digno de viver valorosamente o presente. Falei sem pensar que podia provocar em ti um avivamento das tuas recordações inquietantes.

—Estas inquietações passarão em Riverside, frente a Jules Blackfield e aos seus «pistoleiros».

— Não renegues a tua prudência, que um golpe de raiva não deite por terra o teu trabalho; tens de dominar essa impaciência que te consome...

Os olhos do veterano brilharam na noite. Logo um pensamento passou no cérebro de Sam.

— Ouve, Norman: tens de ajustar contas pessoais com Jules Blackfield?...

Um riso seco, curto e amargo saiu dos lábios de Norman.

—Tenho uma conta pendente com todos os Jules Blackfield que possam existir na União—afirmou com voz rouca.

— Rapaz!

— Uma palavra faz nascer muitas frases numa conversação, como uma faúlha pode fazer estalar um incêndio. Creio que agora não ficaria bem se não te contasse a minha triste história...

— Não sabes quanto te agradeço, Norman! Demais será em benefício teu.

— Creio que tens razão.

—Naturalmente! Suavizará esse peso terrível que pareces trazer em cima. Tu verás.

Norman passou a bolsa do tabaco ao veterano, que uma vez servido a devolveu. O jovem uma vez mais começou a enrolar o cigarro, fazendo-o com parcimónia enquanto reunia mentalmente todos os componentes do seu drama.

— Vivíamos em Cuted Way — começou. — Meu pai possuía uma grande extensão de terreno e, dentro, o rancho mais próspero da comarca. Tudo isto tinha conseguido em troca de grandes sacrifícios. Sendo eu ainda criança, tive de empunhar uma espingarda contra os índios. Meu pai era um pioneiro, e dos pioneiros um grande lutador. Minha mãe morreu com o coração atravessado por uma flecha.

—A conquista dessas terras custou rios de sangue—comentou Sam Pine, lançando com força uma baforada de fumo.

 —Sim, em Cuted Way onde nos estabelecemos tivemos de lutar contra toda a classe de malfeitores. Meu pai ficou lá e chegou a ser rico e poderoso. Preocupou-se em ver-me instruído, mas nunca descuidou em mim a educação de um homem do Oeste.

— Tenho a certeza — sorriu o veterano. — Aparte as suas lições tive de intervir em muitas escaramuças. Logo me enviou para Phoenix, onde aprendi tudo o que dizem os livros. Mas tinha-se apoderado de mim uma invencível nostalgia, tinha saudade dos velhos tempos de Cuted Way, meu pai cedeu aos meus desejos. Também estava orgulhoso de que eu o quisesse substituir.

—Os projetos dos homens desfazem-se como castelos de cartas—observou o cabo Sam Pine.

—Isso foi o que nos aconteceu. O certo é que em Cuted Way existiam «pistoleiros» e ladrões de gado, mas nada podiam contra nós, éramos fortes. Mas um dos nossos capatazes invejou as nossas riquezas e atraiçoou-nos.

— Maldito cobarde! —indignou-se Sam emocionado.,

—Pois era, porque o tratávamos bem, com toda a confiança, meu pai tinha fama de generoso para todos os que trabalhavam para ele. Mas o capataz era jogador e a sua paixão resultava insaciável. As suas grandes perdas levaram-no à traição.

— Que aconteceu?

—Tínhamos vendido milhares de cabeças de gado. Meu pai tinha em dinheiro muitos milhares de dólares. Uma grande quadrilha de foragidos, com os rostos cobertos por lenços, atacou-nos de surpresa, de acordo com o capataz traidor. Mas este sofreu imediatamente o seu castigo: foi morto pelos mesmos a quem se tinha vendido.

— Nao merecia outra sorte.

— Os foragidos entraram de repelão. Tínhamos acabado de jantar. Meu pai havia convidado urna rapariga por quem eu sentia grande simpatia. Ele caiu morto nesse momento. Eu quis proteger a jovem, mas foi-me tirada. Corri como um louco, pude fugir até onde estavam escondidas as armas e tirei uma espingarda. Disparei sem descanso, mas nem meu pai nem a jovem viviam; esta era uma rapariga valorosa e tinha-se defendido da investida de um foragido como uma leoa, mas o inumano «pistoleiro» tinha-a golpeado com a coronha do seu revólver deixando-a sem vida. Consegui fazer-lhe voar a cabeça com um tiro.

—O que me contas é terrível!

—Sim, e não sei como pude escapar com vida. Foi devido à minha espingarda e à grande quantidade de munições de que dispunha; mas não fui capaz de impedir que quase todos os meus vaqueiros fossem mortos, que roubassem tudo o que encontraram. Foi orgia e sangue. Numa luta caí por uma janela e fui parar ao pátio, devo ter perdido os sentidos; quando acordei, um horrível calor me invadia, o rancho era uma grande labareda. Depois do saque, o incêndio...

— Quem eram esses assassinos? Gostaria de tê--los diante de mim neste momento! — disse furioso o corajoso Sam.

—Também eu..., mas desapareceram. Nunca consegui ter o mais leve indício. O meu ódio a estes foragidos cresceu até ao paroxismo. Apenas refeito da luta e das feridas mais leves, desafiei dois gun-man famosos, com dois dias de diferença, e matei-os. Era uma obsessão. Depois mais sereno, compreendi que aquela vida não era par mim e decidi alistar-me nos federais. Assim cumpriria um dever e ao mesmo tempo, ao fazer cumprir a Lei, diminuiria a minha angústia, colaboraria para que não se tornassem a repetir factos como os que me tinham desgraçado a mim.

— Foi uma decisão digna de um homem. Não contes mais nada, para quê?

— Compreendes agora a minha impaciência?

—Sim. E o cumprimento do dever servir-te-á de consolação.

— Em todo o foragido vejo representado aquele que ordenou o horrível atentado contra o meu pai, para lhe roubar tudo aquilo que tanto lhe custara a ganhar.

— Jules Blackfield é o símbolo do homem sem escrúpulos que não vacila ante nada, nem mesmo o assassinato.

—Ele pagará caro o motivo da minha cólera!

—Ânimo, Norman! Vencerás! E poderás refazer a tua vida. Um homem como tu, encontra uma grande família nos federais. Este é o meu caso.

—Tens razão, Sam... Bem, creio que são horas de deitar.

—Sim, a noite está esplêndida.

Pouco depois, os dois homens enrolavam-se nas suas mantas e não demorou que estivessem a dormir como dois justos.

 

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