sábado, 29 de abril de 2023

CLF054.05 O espectro dispara sobre dois homens

Carregado com o embrulho de roupas femininas, Nelson deixou o armazém onde ficava uma mulher no chão, desmaiada e outra não deixava de gritar, enquanto o pai, também nervoso, tratava de a acalmar, encaminhando-se de regresso ao hotel.

Não deixou de observar que o ambiente de Front Street tinha mudado. Uma mulher, nervosa, relatava em grandes gestos o sucedido, a um grupo de pessoas, um pouco mais abaixo. E, ao vê-lo aparecer, calou-se, ficando todos a olhá-lo como se fosse o diabo em pessoa.

Havia no grupo quatro homens. Dois deles pareceram pegar nas armas. Nelson, com a maior tranquilidade, passou o embrulho para debaixo do braço esquerdo, sem abrandar o passo. As duas mulheres recuaram, encostando-se à parede, assustadas. Os outros dois homens fizeram o mesmo. Os outros, de semblante carregado, agressivos, apertaram o passo. Um deles interpelou-o:

— De modo que anda a brincar, assustando mulheres com contos de fantasmas, forasteiro?

— Tem tanto de morto como eu — grunhiu o outro --. É um maldito farsante...

— Se não te afastas imediatamente, deixando o passo livre, terás dito a última e a maior verdade da tua vida, homem.

— Deveras? Pois vamos a...

Os dois levaram a mão às suas armas com rapidez. Evidentemente que não se sentiam assustados e confiavam ganhar a partida.

Mas Nelson estava alerta. Deixou cair a dextra sobre a sua própria arma, sacou-a e disparou numa sucessão de velozes movimentos, antecipando-se aos seus adversários uns décimos de segundo, que foram decisivos.

O que estava à sua direita recebeu o impacto na boca do estômago, dobrando-se para a frente com um gemido rouco, ao mesmo tempo que apertava o gatilho, cravando inofensivamente uma bala nas pedras da rua.

O outro, apenas teve tempo de apontar antes que a segunda bala de Nelson lhe raspasse em diagonal o peito, deixando-lhe um sulco tremendamente doloroso e que fora cravar-se na parte alta do braço. Uivou e cambaleou, enquanto a cara se tornava cinzenta. A seguir deixou cair o inútil revólver e ficou vacilante, sobre as pernas, inerte e assustado, enquanto o seu companheiro rodava sem vida no pó da rua.

Tinha sido tudo tão rápido que, quando os espectadores do duelo tiveram ocasião para raciocinar, já tudo tinha acabado.

Os olhares fixaram-se no revólver fumegante que Nelson empunhava, no morto e no ferido, para cravar-se acto contínuo no rosto do vencedor. Um sorriso frio entreabria os lábios de Nelson. Falou apressadamente:

— Assim acabam os fanfarrões e os idiotas. Vê te curas, homem, e não voltes a querer matar os que estão mortos. Olha para o teu amigo, se ainda te restam dúvidas sobre os resultados.

A seguir avançou. O ferido afastou-se, pálido até ao máximo, deixando-lhe o caminho livre e olhando-o com pânico. O mesmo fizeram os outros. Muitas pessoas se aproximaram das portas e janelas, fazendo perguntas, e outras aproximavam-se a inteirar-se do que tinha acontecido. Mas como todo o habitante de Dodge City sabia, por tê-lo visto muitas vezes, o perigoso que era pôr-se diante de um homem que tinha acabado de matar, todos deixaram o passeio livre a Nelson, que chegou ao hotel sem qualquer novidade.

O hoteleiro e o criado encontravam-se à porta. Ambos se afastaram rapidamente deixando-lhe o caminho livre. Nelson não se incomodou a cumprimentá-los e continuou o seu caminho. Subindo ao piso superior, bateu à porta do quarto onde havia deixado Dixie.

A jovem tinha ouvido os tiros. Mas não sentiu qualquer interesse em averiguar o que se passava. Ao sentir bater, levantou-se e aproximou-se da porta, perguntando desconfiada:

— Quem é?

— Nelson. Abre.

Assim o fez. Ficou a olhar para o embrulho que ele trazia.

— Que é isso?

— Toma. É para ti. Desembrulha e verás o que é.

Olhando-o de soslaio, a jovem pegou no embrulho pô-lo sobre a cama e desembrulhou-o. Ao descobrir o seu conteúdo, ruborizaram-se-lhe as faces e perguntou, arisca:

— Quem lhe disse?...

— Acalma-te, rapariga. Comprei-o porque me parece que há muito tempo não vestes roupas de mulher e com certeza que te agradará fazê-lo. Não sei se faltará alguma coisa, porque não estou habituado a essas coisas. Por outro lado, como não vais poder ocultar a ninguém o teu sexo, o melhor que podes fazer é vestir-te conforme te compete.

— Não o penso fazer...!

— Escuta, Dixie: não estou para perder o meu tempo em discussões. Acabo de matar um homem e deixar outro ferido...

Ela mudou de expressão:

— Foi... foi você. Porquê?

— Eram dois estúpidos com vontade de lutar e não me deixaram outra solução. Não sou um «pistoleiro». Disse-te que tinha vindo a Dodge matar um homem. Mas ocultei-te um montão de coisas que já é tempo de conheceres. Quando te deixar, irei visitar o cemitério do povoado. Há ali uma tumba. A minha.

Dixie dilatou o olhar, aturdida, e recuou um passo.

— Que é... que é que você disse?

— O que acabas de ouvir. Quando desceres, e se o perguntares, dir-te-ão que acompanhas um espectro. Até agora, já desmaiaram duas mulheres, três fugiram de mim, como se fugissem do diabo, um comerciante esqueceu-se de me pedir o dinheiro pelo que comprei, só para ver-me fora da sua porta, e pode ser que alguém beba mais do que a conta. Tudo isto porque em Agosto passado, um «pistoleiro» de fama, chamado «Killer» McCoy me matou com uma bala no coração, um pouco mais acima deste hotel.

Dixie olhava-o, perguntando se ele se tinha tornado louco ou estava a divertir-se com uma brincadeira de mau gosto.

— Isso é absurdo — balbuciou —. Uma história estúpida que não pensará que vou acreditar. Você está tão morto como eu. E se pensa que com tais contos de...

Lá fora soaram uns passos pesados, seguindo-se o bater na porta do quarto próximo.

— Abra, Nelson! Sou o «sheriff» de Dodge!

Nelson esboçou de novo o seu sorriso.

— Vê? Outro que vem convencer-se.

A seguir aproximou-se da porta e abriu-a... com a mão sobre a culatra do revólver.

— Olá, «sheriff». Aqui estou.

O homem, alto e ossudo, de cabelo farto e feições de águia, que tinha batido na outra porta, girou, deixando cair as mãos sobre as culatras das suas armas. Mas voltou a separá-las quando reparou que não estava a ser ameaçado. Olhou para Nelson, fixamente.

— Você é que é Nelson?

Havia dureza e receio na sua voz. Sem deixar de sorrir... nem deixar de o observar, Rich assentiu:

— Eu próprio. Procura-me por alguma coisa?

— Por várias coisas. Em primeiro lugar, esse tiroteio na rua. Matou um homem e feriu outro...

— Se perguntasse às testemunhas dir-lhe-iam que eles me cortaram o caminho e iniciaram a peleja. Incluso, eu ia carregado.

— Já o sei. E mostrou-se muito rápido e hábil com as armas. Mas o que mais importa é outra coisa. Esse conto fantástico de que você é o espectro de um tipo que mataram o verão passado em Front Street.

-- Você não acredita?

— Desde o princípio que não. Nem ninguém que seja inteligente. Eu não estava aqui quando aconteceu esse duelo. Mas tenho vivido bastante e visto suficientes mortos para saber que nenhum homem convenientemente morto regressa a terra e se põe a cavalgar, come, bebe, dispara armas e faz compras de roupas de mulher. Você está tão vivo como eu...

Voltando-se para a rapariga que estava dentro do quarto a ouvir, e sem forças, Rich disse-lhe em tom suave:

— Já são dois a pensar o mesmo, Dixie.

— Quem está aí dentro?

— Uma linda rapariga, órfã, a quem tive a sorte de encontrar em plena pradaria, acompanhando-a até aqui. Sai, Dixie. O «sheriff» quer conhecer-te.

Afastou-se para um lado para que Dixie aparecesse. Ao vê-la, o «sheriff» tartamudeou:

— Bons dias, menina. É verdade o que este homem diz?

— Sim. Eu ia com meu pai, que foi pisado pelos búfalos. A seguir encontrei-me com este homem... É verdade que as mulheres desmaiaram e creem que ele seja um espectro?

— Maldito seja, assim parece! Mas eu não me vou assustar. De maneira que...

— Tem alguma acusação concreta contra mim, «sheriff»? Porque se assim não é, agradeço-lhe que me deixe passar. Agora mesmo ia visitar a minha tumba, na colina.

Tanto o «sheriff» como Dixie puseram graves expressões. O primeiro respondeu rotundamente:

— Raios do inferno! Basta de aldrabices, homem!...

— Se não me acredita, porque não me acompanha? O passeio não é assim tão longo.

A cara do representante da lei congestionou-se. A seguir, apertou as mandíbulas com força, franziu o cenho e grunhiu:

— É o que vou fazer. Mas juro-lhe que esta brincadeira acabará para si numa cela, tanto faz que seja um espectro como não seja. Andando. Vá à minha frente.

— Muito bem. Até logo, Dixie. Veste essas roupas. Se não te ficarem bem, iremos trocá-las. Ainda não as paguei...

A seguir, tranquilamente, começou a descer a escada. O «sheriff» olhou para a jovem, que se encontrava não menos aturdida do que ele. A seguir encolheu os ombros e seguiu-o.

Dixie permaneceu mais de dez minutos a pensar no insólito incidente. Desde o princípio, nem por um só momento pensou que Rich Nelson fosse um fantasma, o espectro de um homem, morto violentamente naquela mesma cidade, meses atrás. Contudo...

— Tens de tirar as dúvidas imediatamente — pensou rapidamente — É uma insensatez, mas... Começo a assustar-me. E não me agrada nada.

Regressando ao seu quarto pegou no cinto do revólver e colocou-o. Saiu e desceu ao vestíbulo. Cerca de uma dúzia de pessoas, na sua maior parte homens, estavam ali reunidos falando animadamente e com grandes alaridos.

Ao vê-la aparecer fez-se um silêncio opressivo e os seus olhares cravaram-se em Dixie, que engoliu em seco ao ver as suas expressões. Fazendo das tripas coração, desceu até ao fim e falou nervosamente:

— Eu não sou nenhum espectro nem creio em fantasmas, senhores. Encontrei esse homem na pradaria há três dias, depois de ter perdido o meu pai, que foi pisado pelos búfalos. Cavalguei a seu lado e acompanhei-o. Que história é essa de que o mataram há oito meses aqui mesmo? Isso não tem pés nem cabeça...

— Sim? — perguntou-lhe uma mulher com voz aguda —. Pergunte-o a Molly Pitcher, que está meia louca de pânico. E a este homem que está diante de si.

— Eu sempre me tive por um homem normal — gracejou o interpelado, limpando o suor da testa. Era o criado que os tinha visto chegar —. Mas depois que tivemos a primeira suspeita corri à colina. Ali há uma tumba bem visível, com um epitáfio muito explícito: «Wendy Nelson». E com os meus próprios olhos vi enterrar esse Nelson numa tarde de Agosto passado...

— Eu estou disposto a jurar por Deus que o homem que se alojou no meu hotel há oito meses e o que chegou com você, se não são a mesma pessoa, se parecem como duas gotas de água. E aí estão as suas assinaturas. São iguais...

Então, sem que o pudesse evitar, a rapariga sentiu como que um jorro de gelo percorrer-lhe a espinha...

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