sábado, 25 de março de 2023

6BL007.08 O homem que descobriu o verdadeiro caminho


Detiveram-se a meia milha do povoado. Desmontaram, e Silver acendeu novo cigarro.

— Escute!

Porfírio levantou a mão, chamando-lhe a atenção.

— É um "seis tiros" — observou Silver, indiferente. — E está a disparar sozinho. Talvez seja Carbajal a descarregar a sua fúria sobre qualquer alvo.

Esperaram tranquilamente, pois não lhes convinha encontrarem-se com o grosso das tropas do bandido. As primeiras sombras da noite envolviam já o povoado, quando Silvério apareceu a correr. Ofegante, disse:

— Acabam de partir, senhor. Carbajal esteve a atirar sobre os santos do convento. De certeza que vai para o inferno, senhor.

— Eu também juraria que acabará lá. Vamos.

A pé, muito lentamente, entraram no Barreal, dirigindo-se logo para o convento. A porta do pátio estava aberta. Entraram e conduziram os cavalos para o estábulo. Depois de os tratar entraram silenciosamente pela porta lateral, que conduzia à igreja.

O mexicano prosseguiu o seu caminho até à sacristia, mas Silver deteve-se. Um raio de luar entrava pela janela, caindo sobre o altar principal. Aí, no nicho que continha a imagem de São Francisco, brilhava algo estranho.

O alto ianque sentiu uma repentina curiosidade e aproximou-se do altar. Aos pés do santo, havia um coldre, com um enorme 45, tipo Frontier, de niquelado aço. Um ex-voto.

Silver retirou-se cuidadosamente, como se temesse despertar alguém. Entrou na sacristia.

Porfírio abrira a entrada do subterrâneo e esperava-o. Mal atravessaram a estreita passagem, depararam com o padre Alberto, que levava uma lamparina de azeite na mão. Este conduziu-os, por um comprido e húmido corredor, até uma enorme sala, onde Maria Alvarez de Camporreal e a pequena Anita preparavam a frugal ceia.

— Então, como correu a incursão? — perguntou o frade.

— Sem dificuldades — sorriu Silver. — Assaltámos o acampamento e destruímos tudo. Não terão sequer uma manta para se resguardar do frio.

— Alguma baixa?

— Seis índios mortos e um incapacitado por muito tempo.

Sobreveio um longo silêncio, que durou todo o tempo da refeição. E foi Maria quem o rompeu, com uma pergunta:

— Porque faz isto, Silver? Não tem nada a ganhar. Antes pelo contrário, pode perder a vida facilmente.

Silver sorriu friamente.

— Talvez a minha especialidade seja a de meter-me em sarilhos... Desde que sejam difíceis. Divertem-me. Além disso...

— E se fôssemos descansar? — sugeriu o padre Alberto, cortando a resposta de Silver. -- Precisamos de retemperar as forças.

Anita estendera algumas mantas no chão, e todos concordaram com a sugestão do padre. A manta deste último ficou precisamente ao lado da do ianque.

Silver, enquanto tirava as botas, disse, como casualmente:

— Um curioso ex-voto o que há aos pés de São Francisco. Creio reconhecê-lo.

O padre olhou-o curiosamente.

— Esse revólver pertenceu a um homem, que você, meu filho, não deve ter conhecido. Deixou a vida terrena...

— Sim, bem o sei, padre. Alberto Mendoza, o mexicano Mendoza, como lhe chamavam no Texas, era um homem muito famoso. Sempre tive curiosidade em saber o que era feito dele. Ainda está vivo?

— Sim.

— Deixe-me ver a sua mão esquerda, padre — pediu Silver.

O aludido hesitou uns instantes, sorrindo, estendeu-lhe a mão. A fraca luz da lamparina, Silver pôde ver uma enorme cicatriz no seu dorso. E faltava-lhe o dedo indicador.

— Mendoza teve uma luta famosa em todo o Texas. Contra Pete Murell e dois dos seus sequazes. Pretenderam anavalhá-lo e ele venceu os três. Ficou ferido na mão esquerda perdeu o dedo indicador. O senhor, padre, é Mendoza!

— Engana-se, meu filho. Eu não sou Alberto Mendoza. Fui-o, é verdade, e que Deus me perdoe por isso. Mas, agora, sou frei Alberto de Guadalupe. Desse tempo nada resta senão o arrependimento. Senti a chamada de Deus. Ele mostrou--me o verdadeiro caminho. Desde esse momento, compreendi que há perigos que não podem ser evitados com um revólver. Boas noites, meu filho.

— Boas noites, padre.

Silver dificilmente conseguiu conciliar o sono. E, quando já quase o conseguia, surpreendeu-o o ruido de cascos de cavalos muito próximo dele.

— Carbajal e os seus homens voltaram ao Barreal — ouviu a voz do padre Alberto.

E, na realidade, uns tiros vieram comprovar as suas palavras. Depois, voltou o silêncio. Silver adormeceu. E, nesse preciso instante, Carbajal estava no "saloon", com uma garrafa de tequila à frente, conferenciando com os dois índios válidos que lhe restavam.

 

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