segunda-feira, 20 de março de 2023

6BL007.03 Dois facínoras massacram um frade

Aos olhos do mexicano não escaparam aqueles dois cavaleiros...


A superfície árida, calcinada pelo sol, estendia-se diante deles.

Porfírio Fernandez refreou o cavalo e Silver secundou-o. Aos olhos do mexicano, não escaparam, apesar da grande distância, aqueles dois cavaleiros. Não. Havia uma terceira pessoa, a pé. De vestes compridas, parecia uma mulher.

Dois cavaleiros e uma mulher a pé era um facto deveras insólito.

Sem trocarem qualquer palavra, galoparam para o estranho grupo. Os dois cavaleiros tinham parado e esperavam-nos, imóveis, a vinte passos de distância.

Silver e Porfírio também se detiveram.

Os dois desconhecidos eram mestiços e usavam as características cartucheiras a tiracolo. Os seus rostos tinham um aspeto selvagem, sujo e perigoso. A terceira pessoa, a que ia a pé, não era uma mulher, mas sim um padre franciscano, com as vestes cheias de pó e rasgadas em vários sítios

Levava as mãos atadas atrás das costas e um lenço, com um nó corrediço, passado em torno do pescoço. A outra extremidade da corda ia presa na sela do cavalo de um dos mexicanos.

Durante uns momentos, os dois grupos observaram-se em silêncio. Depois, Colorado Silver, lentamente começou a fazer um cigarro. E só falou, quando expeliu a primeira fumaça.

— Soltem esse homem, cães!

Por única resposta, as mãos dos mexicanos voaram para as armas. Mas quase não tiveram tempo de sacar. Um deles foi projetado da sela ao impacto da bala de Colorado, enquanto o outro se inclinava para o pescoço do cavalo, esporeando selvaticamente o brioso animal, e arrastando, naquela ignóbil fuga, o pobre frade.

Colorado reagiu num segundo. Levantou o braço, apontando cuidadosamente ao fugitivo. Era um tiro difícil, consequência da mobilidade do alvo, mas a precisão do jovem era extraordinária.'

Ao primeiro disparo, o bandido resvalou da sela e chocou violentamente contra o poeirento terreno.

Mas o cavalo, assustado, não se detinha na sua louca corrida. Era forçoso pará-lo. E foi Porfírio quem, num prodigioso salto, se agarrou ao pescoço do animal, obrigando-o a estacar. Silver também desmontou, mesmo antes do seu alazão parar, e correu para o pobre religioso.

Afrouxou--lhe o laço do pescoço e cortou as cordas que lhe sujeitavam os pulsos. Um simples olhar ao fio de sangue que lhe corria pelas comissuras dos lábios e à expressão do seu rosto, fê-lo compreender que era demasiado tarde. Inclinou-se para ele, murmurando:

— Somos amigos. Está salvo. Que aconteceu?

O frade abriu os olhos, mas pareceu não os ver. E, dificilmente, articulou:

— Eudosio... Carbajal... O Barreal...

E foi tudo. Deixou de respirar e os olhos adquiriram um tom vidrado. Era a morte.

— Eudosio Carbajal — ouviu dizer a Porfírio, por cima do seu ombro. — O diabo das planícies, como lhe chamam. Deve estar no Barreal.

Lentamente, Silver levantou- s e voltou-se para Porfírio. Os seus olhos despediam uma luz homicida.

— Quem é Carbajal? — perguntou.

— Um bandido. Começou como revolucionário, levantando-se contra o presidente Huertas, em Chihuahua. Mas as tropas federais derrotaram-no e deixou o patriotismo para se converter no mais sanguinário dos patifes.

Silver, parecendo satisfeito com a resposta, pediu ajuda a Porfírio e colocaram os cadáveres do frade e do bandido, no cavalo deste último. Depois, voltaram para o local onde se encontrava o corpo do outro homem. Silver febrilmente, cortou o laço em vários pedaços e atou os corpos dos dois facínoras ao mesmo cavalo, colocando o pobre religioso no outro animal.

— Pareceu-me — disse, quando terminou, -- que vou deitar uma olhadela ao Barreal.

— Ao Barreal? — os olhos de Porfírio abriram-se desmesuradamente. — Santa Virgem de Guadalupe! Mas isso é o mesmo que correr para a morte!

— E possível. Mas, antes, divertir-me-ei um pouco. Adeus.

Ligou as rédeas dos cavalos que conduziam os corpos e montou no seu. Pôs-se a caminho, ouvindo, pouco depois, Porfírio soltar umas quantas maldições. Voltou a cabeça e parou. O jovem mexicano, com o cavalo a trote, aproximava-se dele.

— Eh, espere! Eu vou consigo. Não perderei, por nada deste mundo, o espetáculo de o ver lutar.

 

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