quarta-feira, 22 de março de 2023

6BL007.05 Os olhos e ouvidos de Gringo Sonora

Com a sua sinistra carga, Porfírio e Colorado Silver chegaram ao convento de Barreal. O padre Alberto, bondoso religioso e encarregado do convento; recebeu-os, e, depois de ouvir a triste história da morte do seu irmão, ofereceu-lhes alojamento no vetusto edifício. E, ao jantar, foi o padre quem quebrou o silêncio que reinava na enorme sala.

— Quem são os senhores?

O mexicano sorriu abertamente.

— Chamo-me Porfírio Fernandez. Creio que nunca ouviu falar de mim, padre.

— Não, com efeito, nunca ouvi — os olhos do franciscano caíram sobre Colorado.

Este mexeu-se na cadeira e disse:

— Pelo contrário, eu tenho vários nomes. Em Arizona e Montana conhecem-me por "Pistolas" John. Na Califórnia, por Colorado. No Texas, por Colorado Silver. E aqui no México, por Gringo Sonora.

Os olhos do padre abriram-se desmedidamente.

— Gringo Sonora! Julgava-o mais velho, meu filho. Tão poucos anos não parecem indicar …

— O rasto que deixo por onde passo, não é isso, padre?

— Tenho ouvido muitas coisas de si — sorriu o padre. — E nem todas más. Ninguém pensa que você seja um malvado, mas sim um jovem que carece do peso das cãs e da sabedoria dos anos. No México, cantam-se romances dos seus feitos. Aqui, por exemplo, tive ocasião de ouvir um. Cantava-o um cego chamado Lopez. Infelizmente, não o cantará mais. Eudosio Carbajal acabou com ele, esta manhã.

— Um cego? E porquê?

— Precisamente por cantar o seu romance. Carbajal não quer ouvir elogios a mais ninguém senão à sua própria pessoa.

— E matou-o? A um cego? Padre, conheço o México desde garoto, mas não o consigo compreender. Que espécie de país é este.

— Um país onde há homens bons e maus, como em todos os outros.

Silver afastou o prato e, com voz firme, disse:

— Eudosio Carbajal deve desaparecer. E um homem que envenena o próprio ar que respira.

— Eu aconselhá-lo-ia a...

— Não precisamos de conselhos, padre,' mas sim de chumbo quente. Sinto-o, mas receio que tenhamos pontos de vista diferentes neste assunto. Diga-me, quantos homens tem Carbajal?

— Vinte e três, Isto é, vinte e um, descontando os dois que você trouxe hoje.

A simples cerimónia do enterro do desgraçado padre bem como o dos dois bandidos e do cego cantor, decorreu no meio de um impressionante silêncio. E quando se lançaram as primeiras pazadas de terra sobre os caixões, Silver julgou chegado o momento de iniciar o seu plano.

Adiantou-se e levantou a mão, num gesto bem mexicano, A numerosa assistência olhou-o, silenciosamente, expectante.

— Amigos — começou, — fizemos uma longa viagem só para vos ajudar. Eudosio Carbajal tem de desaparecer. E, para isso, precisamos de voluntários que queiram lutar pelas suas terras e

Um longo silêncio acolheu as suas palavras. Aqueles homens não estavam dispostos a cooperar. Conheciam a fama de Gringo Sonora, mas também sabiam que Carbajal era o verdadeiro demónio em pessoa. Silver, depreciativamente, ajuntou:

— Bem, vejo que não há voluntários. Então, trabalharemos sozinhos. Quanto levam por abrir uma cova? — perguntou, dirigindo-se aos dois coveiros. — Dois pesos, senhor.

Silver tirou do bolso um punhado de moedas e contou quarenta e dois pesos. Deixou-os cair no chão e, secamente, disse:

— Quero que abram vinte e uma. Eudosio e seus homens não devem tardar a ocupá-las.

Deu meia-volta e caminhou para a saída do cemitério, logo seguido por Porfírio. Minutos depois, desmontavam no pátio do velho convento. Subiram ao quarto e trocaram as primeiras impressões sobre o plano a seguir.

— Se matarmos Eudosio, é possível que o bando se desfaça rapidamente — opinou Porfírio.

— Isso não pode ser. Tem de esperar. Até que trema de medo dentro das botas, e toda a gente o possa ver. Até que o terror da morte o faça suar como um condenado. Quantos bandos como o de Carbajal haverá no México? Centenas deles. Se matarmos os chefes, logo às primeiras, todos pensarão que foi um momento de má sorte para eles. E, assim que lhes voltarmos costas, o primeiro que aparecer tomará o lugar do outro. Por isso, se mostrarmos que Carbajal é um cobarde, a coisa mudará de aspeto. Barreal tem cerca de dois mil habitantes. Compreenderão que são mais fortes do que qualquer outro bandoleiro que pretenda impor-se à força.

Porfírio concordou. Não compreendia muito bem, mas achava que aquilo tinha sentido.

— Não será fácil assustá-lo desse modo, senhor. Mas podemos tentar.

— Sim; e, para começar, temos de evitar que nos veja. De todas as espécies de medo, o pior é. ao desconhecido. — Procederemos como fantasmas! Creio que nos divertiremos um bom bocado... antes que nos matem.

Silver, num sussurro, ordenou ao mesmo tempo que apurava o ouvido:

— Prossiga; não se cale!

Silenciosamente, deslizou até à porta. Nas mãos, brilhavam-lhe os azulados canos dos revólveres. Porfírio falou da primeira coisa que lhe veio à. cabeça. E, segundos depois, Silver apontava as armas a um garoto cujo rosto moreno não aparentava mais de dez anos. Os olhos do pequeno contemplaram-no, muito abertos, enquanto Silver, sorrindo, guardava as armas.

— Entra e diz o que queres — convidou Silver.

O garoto hesitou. E os seus olhos voltaram--se para trás, na direção de um grupo que, à esquina do corredor, esperava.

— Viemos oferecer-lhe a nossa ajuda, senhor. Nós não temos medo.

Passando, carinhosamente, o braço pelos ombros do que falara, e depois de ler feito sinal aos outros para que se aproximassem, Silver entrou com os garotos no quarto.

— Aprecio imenso a vossa oferta. Podem ser-nos muito úteis. Quando Carbajal ou qualquer dos seus homens aparecer pelo povoado, um de vocês correrá a avisar-nos. De acordo?

Silvério, o porta-voz do grupo, sorriu.

— Obrigado, senhor. — respondeu com calor'. — Seremos os seus olhos e ouvidos.

Os pequenos saíram, muito senhores do seu papel. Tanto Silver como Porfírio sabiam que, de momento, só umas coisas poderiam fazer: esperar. E, consequentemente, abandonaram-se nas respetivas camas, retemperando as forças.

Duas horas depois, umas precipitadas pancadas na porta sobressaltaram-nos. Era Silvério, com a notícia de que quatro homens de Carbajal tinham chegado à povoação. Assim que o garoto voltou a sair, Silver expôs, a Porfírio, o plano de. ataque.

— Levaremos somente os revólveres, e utilizaremos lenços como máscaras.

— Sabia que haveria baile -- sorriu o mexicano, — mas nunca pensei que fosse de máscaras. Aposto em como Carbajal não simpatizará nada com a ideia.

Já próximo do largo central onde se encontravam os quatro bandidos, colocaram os lenços e separaram-se, indo Porfírio por uma outra rua que desembocava no lado oposto da praça.

Os acólitos de Carbajal divertiam-se com unia pobre jovem mexicana, descalça, um humilde vestido de algodão cobrindo o seu magro corpo.

E, de súbito, algo aconteceu que precipitou os acontecimentos. A jovem cuspiu no rosto de um dos homens que a assediavam, recebendo, acto contínuo, tremenda bofetada que a atirou ao chão.

Então, uma segunda mulher apareceu em cena. Saiu da porta da Junta e enfrentou valentemente o grupo de rufias. Vestia uni trajo de montar e, da sua mão direita, pendia um chicote de couro, que, descrevendo caprichosa curva, cruzou o rosto do mexicano.  

O bandido, decididamente em maré de azar, descarregou toda a sua fúria na intrometida, derrubando-a e agredindo-a selvaticamente.

Silver aproximou-se dos bandidos sem que eles dessem pela sua presença. E bastou-lhe pronunciar a palavra "covarde”, para mudar por completo o cariz dos acontecimentos.

Os quatro bandidos voltaram-se simultaneamente, dando de caras com a ameaçadora figura de um mascarado, dó qual só viam os frios e duros olhos verdes.

— Saiam imediatamente da povoação. E digam a esse cão sarnoso de Carbajal para não pôr cá os pés.

— Nada mais, senhor? — sorriu um dos bandidos. —E quem o ordena?

As mãos estavam perigosamente próximas das coronhas das armas. A menor faísca desencadearia tremendo incêndio.

— Gringo Sonora — pronunciou lentamente Silver.

O nome caiu sobre o bandido como uma machadada, fazendo-o recuar um passo. E um breve risinho obrigou os quatro a voltar a cabeça. Outro mascarado, a mão indolentemente pousada sobre a coronha da arma, contemplava-os a poucos metros. Aquele nome, que todos tinham ouvido mais de uma vez, juntamente com o facto de não estar só, desconcertou-os.

Montaram a cavalo e dispuseram-se a levar ao chefe a sinistra mensagem. Segundos depois, o forçado galope das suas montadas perdia-se na distância.

Rindo, Porfírio aproximou-se de Silver. Ambos tiraram os lenços. E, quando se dispunham a trocar algumas impressões sobre o acontecimento, a rapariga do trajo de. montar acercou-se deles. O seu formoso cabelo castanho formava uma auréola em redor do rosto, rosado e juvenil.

— Chamo-me Maria Alvarez de Camporreal e agradeço-vos sinceramente quanto fizeram. O meu rancho é o "Pedra Negra" e vim trazer as dez cabeças de gado que me tocaram pagar corno "contribuição" a Carbajal.

— Porque pagam? — perguntou Silver. -- Não há homens no seu rancho?

— Sou órfã e não há homens na minha família. Tenho alguns vaqueiros, mas receiam Carbajal e os seus bandidos.

Parecia um pouco assustada. Voltou-se para a outra jovem, e disse:

— Vai para casa, Anita. — E quando a mexicana se afastou, prosseguiu: — E a filha de Lopez, o cego que Carbajal matou ontem.

— Bem o sei — retorquiu Silver. — Gostaria que nos acompanhassem ao convento. Desejava fazer-lhe umas perguntas.

Maria, orgulhosa descendente de espanhóis, estava desalentada, mas a energia e o valor brilharam nos seus olhos. Assentiu com a cabeça e seguiu-os lentamente.

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