quinta-feira, 23 de março de 2023

6BL007.06 O medo apodera-se do malvado Carbajal


No acampamento junto das margens de um lago, Eudosio Carbajal, sentado numa pedra, tinha, como sempre, o pensamento no passado. Apesar de cumprir o que se prometera em garoto, o menino Martin há muito já que engolira a moeda de prata atada a uma enorme pedra que lhe causara a morte, algo continuava a queimar as suas entranhas.

Levou o cigarro aos lábios e aspirou-o. Apagara-se durante as suas reflexões. Acendeu-o de novo, e acabava de atirar o fósforo para o chão, quando ouviu o furioso galopar de alguns cavalos que se aproximavam.

Eram os seus três homens de confiança: Paulo, Nicasio e o Renato, e um outro tipo que dava pelo nome de Leónidas. Tinham ido buscar a "contribuição" e voltavam de mãos vazias e a galope. Desmontaram com os cavalos em movimento, e Paulo, suando em bica, disse, ofegante:

— Há sarilho, patrão. Creio que esses tipos do Barreal contrataram os serviços de pistoleiros. Só vimos dois, mas…

— Só dois? E vocês fogem como ratas assustadas?

— Queríamos que o soubesses, antes de passarmos à ação — mentiu, deliberadamente, Paulo.

— Isso explica por que motivo Raul e Roberto não regressaram. Quem eram esses tipos?

— Um deles chama-se Gringo Sonora.

Repentinamente, a atitude de Eudosio modificou-se. Gringo Sonora, o ianque mais conhecido ao Sul do Rio Grande. Uma súbita curiosidade, vencendo o inconsciente temor, apossou-se dele. Durante uns momentos, fumou em silêncio. Depois, atirando o cigarro para longe, ordenou secamente:

— Toda a gente a cavalo! Vamos brincar um pouco com esses cavalheiros.

Não se apressaram. Tinham tempo suficiente. Demoraram quase três horas e meia a percorrer as vinte milhas que os separavam do povoado.

Assim que chegaram ao Barreal, Eudosio meteu o cavalo a passo, enquanto os seus olhos esquadrinhavam em todas as direções.

No entanto a batalha não se produzia. Percorreram todas as ruas de Barreal sem qualquer oposição. Era estranho, muito estranho mesmo.

Lentamente, desmontou à porta do "saloon”, logo seguido por todos os seus homens. Na mesa do costume, começou a beber.

Pouco depois, despejada que foi a garrafa de tequila, rompeu a rir estrepitosamente.

Paulo olhou-o, com certa inquietação. Quando o chefe se embebedava, a coisa ia mal. Rindo ainda, Carbajal levantou-se e saiu do "saloon". Paulo, Nicasio e Renato seguiram-no como era habitual.

Cambaleando, alcançou a rua. Na primeira esquina, tropeçou com um mexicano franzino levando pela arreata um burro carregado de lenha.

— Escuta, imbecil. Procuro um cão chamado Gringo Sonora. Onde está.

— Não sei, senhor! — murmurou o pobre homem, transido de medo.

Carbajal, com o seu inseparável chicote preso ao pulso direito, agrediu-o selvaticamente. Quando se cansou, deu um passo atrás, berrando:

— Desaparece daqui, malvado! Eu encontrá-lo-ei, ainda que se tenha metido debaixo das saias da mãe.

Olhando como louco os seus homens, continuou a caminhar pela rua. Em breve se detinha frente à igreja. E, então, fez algo que deixou assombrados os bandidos. Sacando o revólver, disparou contra as imagens, colocadas por sobre a porta do templo.

Depois da façanha, sacudiu a cabeça, fazendo ondear as largas abas do chapéu.

O suor corria-lhe pelo moreno rosto. Tinha a roupa pegada ao corpo pela transpiração. Os seus homens julgavam-no valente quando o viam cometer semelhantes barbaridades, mas não podiam suspeitar que era o medo que o impelia àqueles actos. Um medo enorme, espantoso, indescritível.

— Vamos embora — resmungou. — Mais tarde, viremos buscar esse... Gringo Sonora.

Seguido pelos três sequazes, voltou ao "saloon". Dez minutos depois, o Barreai adquiria de novo o seu aspeto tranquilo. Mas ninguém poderia estar descansado. Carbajal ia-se embora, mas voltava sempre.

Sem comentários:

Enviar um comentário