sábado, 29 de setembro de 2018

CLF017.06 O desfiladeiro do enforcado

Sentado numa cadeira, com as costas apoiadas contra a parede, Eddie olhou uma vez mais em seu redor. Já há muito que repetia o que estava fazendo e, embora nada de novo visse, era na realidade o seu único entretenimento além de pensar.
Era uma habitação não muito ampla, para a qual davam outras duas portas. O mobiliário consistia numa mesa e várias cadeiras.
Gus, de pé, passeava lentamente; Joe, o que tinha feito com que o trabalho só se fizesse à noite, tinha o seu revólver sobre a mesa e limpava-o cuidadosamente; o terceiro, Clark, deitado sobre um colchão, assobiava sem descanso uma canção monótona.
— Penso que posso fumar — disse Eddie.
Gus encolheu os ombros com indiferença.
— Não vejo inconveniente. — Joe sorriu com sarcasmo. —Dizem que é costume conceder a última vontade aos condenados à morte.
Eddie mostrou as mãos atadas.
—Não posso fazer o cigarro.
Gus franziu a testa e ficou um momento pensativo. Depois acercou-se do jovem e tirou-lhe as correias que prendiam as mãos.
—Mas não penses fazer qualquer brincadeira—advertiu.
Eddie tirou do bolso tabaco e papel de mortalha e fez rapidamente um cigarro que, após acender, fumou com prazer. Fumava, lançando círculos de fumo em direção ao tecto.
Os minutos passavam lentamente. Joe continuava limpando a arma e Clark não interrompia aquela melodia, que não o cansava. Gus, suspendeu subitamente o passeio e levou a mão ao bolso para ver as horas.
— Acende o candeeiro, Clark — ordenou.
O aludido levantou-se e pouco depois a luz dum candeeiro de petróleo dissipava as trevas que caíam sobre a cabana.
Eddie, que tinha terminado o cigarro, fez outro e continuava fumando. Sabia que disso talvez dependesse a sua vida. O tempo continuava passando lentamente, até que Joe terminada a limpeza do revólver, o guardou, dizendo:
—Gus, não te parece que vão sendo horas?
Instintivamente, todos os olhares convergiram para a janela. No exterior a escuridão era quase absoluta.
— Sim — respondeu Gus. — Está na hora.
O sorriso de Joe parecia mais um esgar.
— Eu encarrego-me do trabalho.
Gus assentiu.
—De acordo, mas vai o Clark para te ajudar.
—Encantado—disse o outro.
Gus voltou-se para Eddie.
—Tu, levanta-te.
O jovem obedeceu, sem deixar de fumar.
—Onde o levamos? —perguntou Joe.
— Parece que o melhor será o Desfiladeiro do Enforcado — respondeu Clark. — Ali podemos deixar o corpo escondido entre as moitas. Os únicos a dar com ele serão os abutres.
—De acordo—disse Gus.
Joe fez um sinal a Eddie.
— Vamos. Saíram os três da cabana e, montando a cavalo, partiram. A Lua brilhava já no Firmamento derramando uma luz prateada que lhes permitia distinguir facilmente o caminho e o contorno das coisas. Joe observava Eddie com certa curiosidade.
—És corajoso—disse.
O jovem sorriu levemente.
—Achas?
—Com certeza. Tenho visto muitos homens a ponto de serem mortos que berravam mais que certos novilhos. Tenho ouvido falar muito de ti. Eras dos tipos mais às direitas que conheci.
— Obrigado pelo elogio—respondeu Eddie, ironicamente.
Clark tinha voltado à velha melodia. Era uma canção triste, monótona, estúpida. Levaram quase uma hora a fazer o trajeto. O Desfiladeiro do Enforcado era uma espécie de garganta profunda, cortada quase a pique, cujo fundo estava coberto de moitas espinhosas. A luz pálida da Lua aquela paisagem tornava-se num lugar tétrico e lúgubre.
— Bem, já chegámos — disse Clark.
—Este é o teu cemitério, Parker —disse Joe.
— Não está mal — murmurou o jovem com indiferença.
Clark bocejou.
—Desmonta, vamos.
O jovem saltou do cavalo. Joe puxou do revólver, mas vacilou.
— Bem; ao fim e ao cabo temos que arrastar o cadáver até às moitas. Será melhor fazer o trabalho lá de baixo.
Sem largar a arma que empunhava com a direita, passou uma perna sobre o lombo da montada, permanecendo uma fração de segundo e aguentando-se somente com um pé no estribo. Mas foi tempo suficiente.
Eddie, com unia rapidez vertiginosa, deu um tremendo pontapé na garupa do cavalo. O animal assustado e dorido deu um inesperado salto para diante. Joe, apanhado de surpresa em tão difícil posição, perdeu o equilíbrio e rolou por terra.
Entretanto, Clark tinha que fazer grandes esforços para aguentar a sua montada contra a qual tinha chocado violentamente a do seu companheiro naquele salto inesperado.
O jovem aproveitou a confusão momentânea para, em quatro passadas, alcançar os espessos aglomerados de moitas e ocultar-se. Joe levantou-se soltando maldições e ameaçando com o seu revólver.
—Temos que dar com ele e cozê-lo à bala — gritou.
Clark, que tinha dominado o seu cavalo, saltou em terra, de revólver em riste. Na frente, estendia-se o espesso e longo mar de moitas.
—Vai ser difícil— murmurou.
—Daremos com ele ainda que tenhamos de passar aqui a noite — disse Joe por entre dentes. —Daqui não pode escapar.
Com efeito a única saída estava onde se encontravam os dois pistoleiros.
—Vamos examinar as moitas — acrescentou Joe. —Eu vou pela esquerda e tu pela direita.
Eddie viu como os dois se separavam, empunhando o revólver, e começavam a avançar com grandes precauções, observando minuciosamente o terreno. Sabia que efetivamente era impossível escapar sem ser visto. Mas tão-pouco queria fazê-lo. Não era dos que deixavam assuntos por resolver ou inimigos que o podiam atacar pelas costas.
Os minutos iam passando. No entanto verificou que era Clark o que mais se aproximava do local onde estava, enquanto Joe se afastava. Procurou conter a respiração e permanecer completamente imóvel para não denunciar a sua presença.
Clark continuava a aproximar-se. O seu avanço era irregular pois tanto avançava como se afastava um pouco, para depois se aproximar novamente. Eddie tinha os olhos fixos nele, seguindo atentamente com precisão todos os movimentos do homem.
Quando Clark estava a menos de dois metros, Eddie pôs em tensão todos os seus músculos. Acocorado como um felino aguardou enquanto o homem se aproximava ainda mais. Então, como que impulsionado por uma mola, deu um salto fantástico...
Caiu sobre Clark com tal violência que ambos rolaram pelo solo. A pistola escapou-se das mãos do seu adversário e foi parar a uns metros adiante. Enlaçados, começaram a lutar furiosamente. Ofegantes, encharcados em suor, revolviam-se na poeira. Por fim, Eddie dominou o adversário, • apesar deste se debater desesperadamente. Clark conseguiu gritar naquele instante:
—Joe, socorro! Está aqui! Atacou-me!
O punho de Eddie caiu uma e outra vez sobre a boca de Clark, afogando as suas palavras. Ao longe ouviam-se os passos do outro que se aproximava rapidamente.
Eddie, impelido pela urgência, golpeou o adversário brutalmente; mas este resistia porque era forte e o jovem compreendeu que tinha de acabar de uma vez com ele antes que o outro aparecesse, senão estava perdido. E os passos de Joe estavam já próximos.
Num alarde de vigor, sujeitou a cabeça do antagonista entre os seus braços e fazendo pressão, foi apertando cada vez mais até que se ouviu um estalo e a cabeça do outro caiu inerte para trás. Estava morto com a nuca partida.
Eddie teve justamente o tempo para se precipitar aonde tinha caído o revólver, empunhá-lo e voltar-se rapidamente. Joe estava já a poucos metros de distância e apontava a arma. O jovem apertou o gatilho quase sem apontar. Mil ecos se produziram nas vertentes do desfiladeiro, de penedo em penedo.
Joe estremeceu como se algo lhe tivesse atingido o ventre e dobrou-se com uma brusca contração. Apertando a cintura com ambas as mãos, deu alguns passos inseguros, tentando manter o equilíbrio e de súbito caiu rígido para diante.
Eddie olhou por instantes os dois cadáveres. Passou a mão pelos cabelos e inspirou profundamente o ar da noite, enchendo os pulmões. Depois guardou o revólver no cinturão, e dando meia volta, regressou ao lugar onde se encontravam os cavalos. Tirou as selas dos que antes tinham sido pertença dos três homens já mortos e bateu-lhes na garupa para que fugissem. Depois montou o seu e afastou--se do Desfiladeiro do Enforcado, o lugar que, no dizer de Joe, ia ser o seu cemitério.
A Lua estava muito „alta no firmamento quando chegou a curta distância da cabana. Através da janela viu que no interior havia luz. Conteve um sorriso amargo. Gus aguardava o regresso dos seus companheiros. Deixou o cavalo e continuou o caminho a pé. Ao chegar frente à cabana, com a mão esquerda empurrou a porta. Esta, que estava sem tranca, abriu--se rangendo nos gonzos. Gus estava de costas, pondo uns troncos no fogo que ardia na chaminé. Sem se voltar, murmurou:
— Porque levaram tanto tempo? Desde que partiram e ouvi o tiro tinham tempo para mandar para o outro mundo dez homens, pelo menos.
Não obtendo resposta, exclamou:
—Mas que demónio se passa, que não...?
Interrompeu-se bruscamente quando se voltou. Os seus olhos entre incrédulos e aterrados, olhavam a figura de Eddie, que permanecia a toda a estatura do seu corpo no umbral. Mas a expectativa durou apenas alguns segundos.
De súbito, levou a mão à cartucheira e empunhou o revólver. Mas Eddie fez fogo antes que o outro tocasse no gatilho. Gus, sem um gemido, caiu atingido no coração por uma bala.
Eddie, passando sobre o cadáver, foi até à chaminé e tirou a sua própria cartucheira com as armas. Era isto que tinha vindo buscar. Após tê-la cingido à cintura, empunhou uma faca de mato, das muitas que havia na pequena cozinha e marcou três entalhes na culatra dos seus revólveres. Depois, abandonou a cabana.

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