domingo, 31 de dezembro de 2017

PAS819. Uma jovem morre no caminho para o cadafalso

Amanhecia. Pela janela da cela penetrava um raio de luz mortiça, que rompia as sombras que durante a noite tinham envolvido o condenado.
Os passos do xerife ressoaram no pavimento de madeira do corredor. O tilintar das chaves, reunidas em molho, era lúgubre para o prisioneiro.
— Chegou a hora, Octave. Rezaste?
O xerife era um velho de respeitável barba branca, magro, de tez pálida, doentia; os ombros, ligeiramente curvados, acusavam o peso de sessenta e sete anos.
Para Octave Block, era uma aparição fantasmagórica. Olhou-o aterrado, enquanto as suas palavras lhe feriam os ouvidos.
— Não!!!
O xerife não se perturbou. Parecia que estava habituado a escutar aquela negativa dos lábios dos prisioneiros condenados à morte. Prevendo-a, manietara-o na tarde anterior, depois do jantar, enquanto o condenado dormia um sono estranho.
Meteu a chave na fechadura e fê-la girar. Todos os seus gestos eram lentos, monótonos, dotados dessa segurança e lentidão que dá os muitos anos de ofício.
Empurrou a porta e afastou-se para um lado, à espera que o prisioneiro saísse da cela.
— Não! Não, xerife!
— Vamos, Octave. Custar-te-á menos se te resignares.
— Estou inocente.
— Já sabemos, Octave — respondeu o xerife, para não o contrariar. — Todos os condenados à morte o estão, mas morrem. Sais ou tenho de te tirar?
Octave Block avançou dois passos e estremeceu ao ficar debaixo da verga de ferro da porta. Era a linha divisória entre a vida e a morte. A vida ficava atrás dele, naquela cela escura, da qual se ouvia o ruído produzido pelos que viviam; à frente estavam a rua, o sol, as pessoas ...e a morte.
— Vamos, Octave, estão à tua espera.
A morte não esperava, não podia esperar. Levantara-se a forca. Havia cinco dias que Octave escutava as marteladas e as vozes dos operários.
Devia lá estar o carrasco, Possivelmente, viera de Austin, pois em Llano não tinham carrasco próprio. Como seria o carrasco? Imaginava-o com uma gadanha gigantesca, a qual se aproximava do seu pescoço e a gadanha convertia-se numa corda que apertava... apertava...
Não importava. Mas imaginava toda a povoação, reunida à volta da armadilha mortal, à espera de assistir à execução, pela qual toda a gente abandonara o trabalho. Veriam o espetáculo, e depois dele terminado retirar-se-iam, comentá-lo-iam durante um dia e depois tudo cairia no olvido.
Mas estava inocente!
Ele não matara aquela mulher, era incapaz disso!
No entanto, tinham-no acusado e, sem se poder defender, fora condenado à morte.
Chegara a sua hora ...
— Vamos, vamos... Por que esperas?
Eram segundos de vida que ganhava. Segundos ... Para quê? Quanto mais depressa aquilo acabasse, mais depressa deixaria de sofrer.
Avançou um passo, dois ... atravessou o limiar; saiu para o corredor. O xerife colocou-se a seu lado e começaram a andar ao mesmo tempo. O policia teve de se amoldar ao seu passo, que era lento, hesitante.
Detiveram-se no gabinete. Não estava lá ninguém. Apenas o xerife o acompanharia até ao cadafalso.
E para quê mais gente? Não podia fugir.
— Vamos ...
Que estranha pressa era aquela?
A mão do policia segurou-o por um braço. Repeliu-a e caminhou por sua própria vontade.
A luz deslumbrante do amanhecer feriu-lhe as pupilas, habituadas à obscuridade. O sol rompia por entre uns montes distantes.
Era um disco enorme, rubro. Era como sempre, o de sempre ... o que Octave Block nunca mais veria.
Havia muita gente lá fora. Não faltava ninguém, absolutamente ninguém; até parecia que tinham vindo doutros lados para presenciar a injusta execução.
Formavam um corredor estreito, pelo qual ele devia passar.
Que fariam? Inclinariam a cabeça? Envergonhar-se-iam de permitir que se cometesse aquele crime? Pediriam ... pediriam que lhe perdoassem a vida?
Continuou a andar. Meteu pelo corredor humano que levava à forca. Estava ali, na pequena praça. Construída de madeira nova, branca, serrada com esmero.
Os primeiros olharam-no com curiosidade, assim como os segundos. Não quis cravar os olhos em ninguém. Estava inocente. Ninguém inclinou a cabeça. Nem se mexiam; limitavam-se a olhar.
Atrás dele, o corredor desfazia-se. Aquela gente seguia-o, em magote, murmurando em voz baixa.
Faltavam poucas jardas para chegar à fatídica construção. Notava-se o cheiro a madeira de pinheiro.
Sentiu uma dor intensa no ventre. O passo tornou-se--lhe mais lento, mais indeciso.
O carrasco esperava-o. Era forasteiro, uni tipo gordo e baixo, de olhos oblíquos, que o observavam como se quisesse calcular-lhe o peso e a altura.
Também lá estava o juiz ... o senhor juiz, «mister» Austin Driffield, com a sua sobrecasaca de boa fazenda, de bom corte, preta; camisa branca, gravata escura e chapéu branco, de feltro, de abas largas ... Um grosso charuto na boca.
«Estou inocente!», desejaria gritar-lhe, precisava ou ansiava por lhe gritar. Mas não o fez; limitou-se a olhá-lo, a censurar-lhe com a vista a injustiça que cometera.
Recordava-se ainda das suas palavras: «Octave Block, proferido o veredicto de culpabilidade do júri, este tribunal condena-o a ser pendurado pelo pescoço até que sobrevenha a morte. A execução será levada a cabo na madrugada do próximo dia quinze.» ~
Depois levantara-se, agitando de uma maneira estranha as abas da sobrecasaca, passara por diante dele e por fim entre as pessoas que enchiam a sala ...
Block já chegara diante da forca fatal. O xerife empurrava-o para que subisse os três degraus. O carrasco tinha as mãos metidas nas algibeiras das calças e olhava-o com uma indiferença que chegava a ser piedosa. Parecia dizer: «Não te assustes; não é nada grave. como se fosses tomar uma purga um pouco desagradável, mas depois sentir-te-ás perfeitamente.»
Uma purga que lhe comprimira a garganta, que lhe faria secar a língua e dançar no ar como um boneco desarticulado. E depois ...
Não sabia se depois no seu cérebro se faria o silêncio, o nada ... A parte terrível da morte era essa, o «depois»; esse misterioso depois que ninguém conhece.
Segundo o cura, podia encontrar ânimo na sua própria inocência e na paz da sua alma.
Alguém, não se lembrava quem, dissera-lhe que era melhor ser justiçado inocente; um homem sente certo desprezo, ou pelo menos encontra-se numa situação superior à daqueles que o condenam.
Bom alivio!
— Avança, Octave — insistiu o xerife, com a sua voz opaca, sem expressão.
A quantos dissera o mesmo?
Subiu o primeiro degrau e, de repente, a multidão calou-se. Agora já toda a gente o via ... Mas, não compreendiam que estava inocente?
O carrasco aproximou-se dele. Continuava a ser piedoso, quase indulgente. Pelo menos, havia qualquer coisa de humano no seu gesto de estender a mão para lhe segurar no braço.
Recusou a ajuda e acabou de subir. Alcançou o alçapão, o buraco quadrado pelo qual desapareceria o seu corpo ... mas não de todo, só metade, ou menos, talvez apenas os pés; dependia, de terem tomado bem, ainda que fosse a olho, a sua estatura.
Olhou a multidão. O juiz estava à frente, o juiz Austin Driffield. Com a sua sobrecasaca preta, parecia um corvo, de rosto cor de cinza, olhos opacos, fechados, malignos.
Parecia sorrir enquanto contemplava o condenado.
— Cumpra-se a sentença.
Octave sentiu a imperiosa necessidade de gritar. Descobriu que uma coisa áspera, seca, lhe rodeava o pescoço. Eram as mãos delicadas do carrasco.
O juiz ordenara que se cumprisse a sentença. Já não havia remédio. Já era tarde para voltar atrás, mas morreria dizendo que estava inocente. Gritaria ...
Mas não chegou a gritar; outro grito se antecipou ao dele. Um grito desesperado, lancinante ... tão lancinante quanto pode ser um grito feminino.
Uma rapariga nova corria para ali, para ele, para o juiz, para a forca ... para as mãos do carrasco, para a corda ...
— Não! Está inocente!
Octave não a conhecia. Nunca a vira. Era alta, esbelta, tinha uma comprida cabeleira loura que esvoaçava ao vento como as crinas de um cavalo, rosto pálido, olhos desorbitados, boca convulsa ...
Conseguiu vê-la, apesar da distância.
Nas suas mãos brancas, que se levantavam suplicantes, na palidez do seu rosto angustiado, na sua voz lancinante, Octave Block pôs a sua vida.
Mas a rapariga não alcançou o juiz, nem a forca, nem o carrasco, nem a corda ...
Caiu de repente como um touro abatido por uma bala ... como uma nuvem de fumo dourado.
Ficou imóvel, de bruços no solo, quieta, sem respirar.
De súbito, Octave sentiu que qualquer coisa lhe oprimia o pescoço e que o chão lhe fugia debaixo dos pés. A opressão do pescoço tornou-se dolorosa, mas não muito, assim como a da nuca. Faltava-lhe a respiração, asfixiava ...
A sentença fora cumprida. Menos dolorosa, menos terrível do que supusera. Dançou na corda, à espera do médico que devia certificar a sua morte, como em toda a execução legal.
Mas o médico estava ajoelhado junto do corpo da rapariga loura, que virara de rosto para cima.
— Está morta, doutor?
— Sim.
— De que morreu?
Era difícil sabê-lo ... Muito difícil.
— Pois de... de comoção. O coração não resistiu e falhou.
Era uma explicação.
O xerife, do patíbulo, reclamava a presença do facultativo.
— Doutor, verifica a morte ou arriamo-lo?
— Vou já — respondeu o médico.
Passara-se tudo com muita rapidez. A execução de Octave Block nem sequer fora espetacular. Quase não havia testemunhas que a tivessem presenciado, pois a morte da rapariga atraíra a atenção de toda a gente.

sábado, 30 de dezembro de 2017

BUF158. Um xerife em perigo

(Coleção Búfalo, nº 158)
 
 
Numa noite em que tinha sido agredido por um conjunto de energúmenos na cidade onde fora substituir o seu velho colega, o xerife Dennis Blake cruza-se e apaixona-se por uma jovem que volta a procurar na manhã seguinte.
Estranhamente, o detentor do local onde se encontrara com a jovem informa-o que esta tinha morrido um mês antes quando se dirigia para o cadafalso onde um condenado estava a ser executado apesar de clamar inocência.
O mistério adensa-se quando Dennis descobre na prisão daquela terra inscrições do condenado gritando a sua inocência…
Eis um livro interessantíssimo numa fase em que a coleção Búfalo já não entusiasmava. A capa lembrava as primeiras da coleção, e o título era um pouco mais fraco que o original «enamorado de um cadáver».
Para se compreender o que acontecera, há que ler este livro até ao fim elo que o vamos publicar no Novelas deixando aqui algumas passagens para despertar o interesse.
A autoria parece mal expressa na capa onde surge o nome Peter Logan, enquanto no interior a obra é atribuída a Fred Dennis.
 
 

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

PAS818. Reconciliação

Ao terminar a luta, apareceram alguns curiosos para tirar informes e assistir ao aprisionamento dos bandidos pelos vaqueiros de Slayton para serem entregues ao xerife.
Apenas Virgil abandonara o saloon para se dirigir à praça, Elizabeth teve uma violenta reação. Conhecia Jerry melhor que ninguém e tinha quase a certeza de que, ajudado pelos seus pistoleiros, acabaria por matar Virgil. E enlouquecida com a ideia de que Virgil pudesse ser mais uma vítima dele, tomou uma decisão.
Rapidamente pôs o primeiro vestido que encontrou à mão e, tirando duma gaveta um pequeno revólver, empunhou-o firmemente. Se Jerry matasse Virgil, ela vingá-lo-ia, e depois não se importaria de morrer. E deitou a correr para a praça, empunhando o pequeno revólver. Estava quase a alcançá-la, quando ouviu o ruído dos tiros e dando um grito aterrador, penetrou na praça, clamando:
— Virgil!... Virgil!... Este, ao ouvir a sua angustiosa chamada, separou-se do rancheiro e correu para ela, detendo-o entre os seus potentes braços. Ela não o parecia reconhecer e tentava soltar-se.
— Que fazes, Elizabeth?... Onde vais com esse revólver?
— Matá-lo, quero ser eu quem...
— Calma, querida... Jerry está morto e não necessita de mais cuidados.
Ela, ao ouvir a afirmação, rompeu num pranto histérico e desmaiou. Virgil, voltou-se para o rancheiro e disse:
-- Desculpe, vou levá-la a casa. Mais tarde encontramo-nos. Diga o local.
-- No escritório de Wiscosin, se não estivermos no do xerife.
— Está bem.
E tomando nos braços o corpo da rapariga desmaiada, dirigiu-se para o saloon, para a depositar na sua alcova. O desmaio de Elizabeth foi breve. Pouco mais tarde, acordou para chorar nos braços de Virgil. Por fim, ela serenou e murmurou:
— Tudo terminou, Virgil. Vingaste as patifarias desse bandido, e eu... eu fiquei livre dele, mas, como? A minha vida está destroçada para sempre.
— Não penses nisso. És jovem, valente e não tens nada a temer. Ainda te fica muita vida.
— Chamas vida a isto? Um dia sonhei pôr fim a ela e ser feliz com um homem. A fatalidade veio ao nosso encontro e tudo destroçou. Posso esperar coisa melhor que isto?
— Podes esperar, se estás disposta a isso. Eu também julguei um dia que a mulher em quem depositara o meu amor e a minha confiança me atraiçoara, no entanto, a realidade demonstrou-me que não fora assim. Nós fomos vítimas da fatalidade, sem que tivéssemos culpa e se foi assim, porque não deitamos tudo para detrás das costas e só pensamos no futuro? Nessa altura tinha algum dinheiro. Hoje só tenho a roupa que trago vestida. Mas espero ser reabilitado, e então... então... se tu quiseres.
Ela deitou-lhe os braços ao pescoço dizendo, com os olhos marejados de lágrimas:
— Virgil! Serias capaz de esquecer e... e... não me olhar com desprezo por tudo o que sofreste por minha causa?
— Esqueci tudo e só quero olhar para o futuro. Diz-me se queres voltar ao ponto de partida?
— Quero, sim, querido. Agora amo-te ainda mais pois és o homem melhor do mundo. Não me importa que não tenhas nada. O que tenho é teu. Uma parte ganhei-a, a outra é a que te devia aquele canalha pelo que sofreste por ele. Se quiseres, podes ficar até ao fim da temporada, e depois, venderemos isto, e partiremos para qualquer canto e aí viveremos felizes e esquecidos deste inferno, como se tivesse sido um horrível pesadelo.
Ele não disse nada. Abraçou-a e beijou-a apaixonadamente.
Já era bastante tarde, quando procurou Slayton que o esperava no escritório de Wiscosin.
— Desculpe — disse, radiante de felicidade. — Atrasei-me um pouco, pois estive a tratar dum assunto importante. Há alguma coisa a resolver?
— Absolutamente nada. Contei ao xerife tudo o que se passou e os homens de Jerry confessaram a verdade. A manada está vendida. O senhor Wiscosin adiantou-me o dinheiro para pagar aos vaqueiros e aqui tem os seus cem dólares. Amanhã voltamos ao Texas na diligência; quiser vai connosco.
— Obrigado, mas fico aqui. Resolvi a minha situação com Elizabeth... e não a posso deixar sozinha. Ficarei ao seu lado até ao fim da temporada e... talvez até ao fim da vida.
—Que seja em boa hora.
— Obrigado. Quero despedir-me de vós e dar um abraço muito fraternal a Colorado, pois foi um grande amigo e foi devido a ele que fui contratado e vim a Dodge, e aqui encontrei a mulher do meu coração e saldei as contas com aquele miserável.
— Pois se é assim, aqui estão os meus braços, Kentukyano.
—E eis os meus, texano do diabo.
No dia seguinte, quando a diligência partia para o Texas levando o rancheiro, Colorado e dois dos seus vaqueiros, um par feliz e sorridente dizia-lhes adeus.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

PAS817. Duelo no leilão de gado

Ainda faltava meia hora, quando a praça começou a animar-se. Não só os negociantes estavam interessados no leilão, como também alguns rancheiros recém-chegados, que deviam esperar turno para tomar parte nele, queriam conhecer o novo mecanismo e auscultar a situação. Também havia bastantes curiosos e alguns vaqueiros, embora poucos. A estes, interessava-lhes mais visitar os saloons, para saciar a sua sede de álcool, que assistir a uma operação que em nada lhes interessava, e era privativa dos seus patrões.
Wiscosin fora dos primeiros a chegar, mas não fizera o menor gesto para se aproximar de Slayton e saudá-lo. Tinha que dar a ideia de não ter intimidades com o', rancheiro. Slayton esperava o momento crucial passeando, aparentando uma tranquilidade que não tinha. Temia que alguma coisa falhasse e algum dos seus homens pagasse com a vida o desejo de ajudá-lo. Wiscosin saudara já os compradores e apenas o fizera, dois vaqueiros destacaram-se dissimuladamente, tentando não se afastar muito deles. Cada qual tinha uma missão e cumpria-a sem vacilar. Colorado andava dum lado para o outro sem perder contacto com Wiscosin e assim, se ia tecendo aquela estranha malha, cujo final ninguém podia prever.
Pouco mais tarde chegou Jerry. Bastou olhar para o ar soberbo de homem impressionante, para adivinhar quem era. Acompanhava-o um tipo de estatura mediana, de rosto duro e agressivo. Vestia bastante decentemente, mas notava-se que não ia bem com o traje. Com um fato de vaqueiro, sentir-se-ia mais no seu elemento.
Quase ao mesmo tempo que o par, foram aparecendo outros curiosos que não eram senão os esbirros às ordens de Jerry. Cada um pareceu procurar com o olhar algo determinado e, depois, separaram-se para se irem aproximando dos compradores que já estavam na praça.
O que se aproximou mais de Wiscosin, era um tipo alto e forte, de rosto sombrio, muito escuro. Parecia mestiço de mexicano a julgar pela cor da pele e pelo brilho dos olhos negros. Colorado mediu-o com a vista e compreendeu que não era inimigo pequeno; mas não se assustou por isso. Também ele era duro e além disso gozaria da lei da vantagem.
Pouco antes das doze, havia oito compradores na praça sem contar com Jerry e minutos antes da hora fixada, apareceram outros dois tipos exóticos, pois vestiam, um calças ajustadas e o outro jaqueta negra muito apertada. O primeiro era leiloador e o seu companheiro transportava o livro das inscrições em que tomava todos os apontamentos depois do remate.
Jerry manobrou para se pôr ao lado do leiloador, tendo junto dele o seu guarda-costas, enquanto o resto dos compradores formavam círculo bastante amplo. Um rapaz pôs uma mesa junto do leiloador e entregou-lhe um martelo de madeira.
Slayton olhou em volta. Formara-se uma roda bastante compacta, e de fugida pôde verificar que por detrás de cada comprador havia um homem e, detrás de cada homem estava um vaqueiro seu. Respirou com alívio. As coisas podiam falhar, mas não por falta de preparação e decisão dos que iam dar o golpe.
O leiloador agarrou no livro, lançou um olhar ao que escrevera na última página e consultando o relógio esperou uns momentos. Ainda não era meio-dia em ponto e o tipo parecia muito meticuloso. Por fim, após consultar mais duas vezes o relógio, deu uma sonora pancada na mesa com o seu martelo e gritou:
— Meus, senhores, está aberto o leilão! «Há para esta manhã três manadas inscritas. Como devem ser leiloadas por ordem de inscrição, começaremos pela primeira. «Pertence ao rancheiro David Slayton, traz, segundo declaração a comprovar no momento próprio, quatro mil e quinhentas cabeças de gado, e garante que pesam na média quatrocentos quilos cada uma.
Houve um murmúrio ao ouvir-se o peso. Muito poucas vezes chegava gado daquela envergadura.
— Comprovou-se o peso? — perguntou um comprador. Não se pesaram, mas os nossos fiscais que examinaram o gado, garantem que pesam isso, mais quilo, menos quilo.
«O proprietário, aqui presente, quer quinze dólares por cada rês, e que não venderá por um centavo menos, mas quem compra são os senhores, por isso dirão a última palavra.
Houve um silêncio sepulcral, que durou um minuto. Wiscosin não queria ser o primeiro a oferecer e esperava que qualquer outro começasse. Por fim, uma voz não muito segura disse:
— Onze dólares. Oferecem onze dólares, senhores... Quem dá mais?
Wiscosin adiantou-se e disse:
— Ofereço doze. Naquele momento e de uma forma silenciosa, Colorado que se colocara atrás do bandido que vigiava Wisconsin, estendeu o braço. agarrou no coldre do tipo, quando este fazia intenção de puxar o revólver e aplicando-lhe o seu «Colt» aos rins, murmurou ao seu ouvido:
— Quieto, senão quer que lhe meta cinco onças de chumbo nos rins. Ao menor gesto será um homem morto.
O pistoleiro compreendeu que nada podia fazer. O seu inimigo tirara-lhe o coldre com uma pancada seca e ficara desarmado à sua mercê. Foi tudo tão calmo, tão silencioso, sem movimentos chamativos, que ninguém pareceu reparar naquele ato de valentia. Jerry que estivera a olhar para uns e outros, levantou a sua potente voz e disse:
— Doze dólares e meio é uma boa paga, segundo o meu critério. É a quantia que ofereço.
Mas Colorado, a meia voz, ordenou:
— «Puxe», senhor Wiscosin.
Este, animado por aquela ordem, pois indicava que não corria perigo, gritou:
— Treze dólares! Houve um sobressalto. Muitos olhares se cravaram nele, mas o negociante, firme, embora um pouco pálido, esperou. Jerry ficou um momento como que desorientado. Olhava para o homem destacado para sujeitar Wisconsin e via-o rígido, com a boca fechada num gesto de raiva e impotência. Jerry não sabia o que ele tinha, mas adivinhava que se passava algo de anormal. E irado, gritou:
— Parece-me que vai fazer um mau negócio, Wisconsin... Em doze e meio estavam bem pagas, mas como me aborrece que alguém me vença, ainda perdendo dinheiro, não estou disposto a que fique com essa manada. Dou catorze dólares.
— Eu dou quinze — foi a oferta de Wiscosin.
Os curiosos pareciam assombrados. Nunca tinham ouvido oferecer mais de doze dólares ou onze e meio e, embora a manada em disputa fosse excecional, o preço parecia ser mais excecional ainda.
Jerry rangeu os dentes e gritou:
— Quinze e meio!
— Dezasseis! — foi a resposta de Wiscosin.
Jerry tinha-se posto pálido de raiva. Não compreendia aquela luta e começou a suspeitar qua a «sombra» do Wiscosin, não atuava por algo especial. Isto concedera ao seu rival liberdade para «puxar» e fazia-o dum modo louco, somente para o humilhar, embora levando a humilhação para diante o fizesse perder dinheiro.
Mas o seu amor-próprio não lhe permitia ficar por baixo dele. Ia perder dinheiro oferecendo mais, mas cobrá-lo-ia de qualquer maneira, pois Wiscosin não ficaria a rir. Considerava a situação ridícula pois era o único que puxava depois da cifra inicial.
Os demais permaneciam calados e estavam pendentes daquele estranho duelo entre o «amo e senhor» de Dodge e um simples negociante. Jerry tentando aparentar serenidade, exclamou:
— Senhor Wiscosin, já pensou, que pagando a esse preço nunca atingido, vai perder bastante dinheiro?
-- Os meus assuntos dizem-me respeito, Jerry. Se perder ou ganhar, é coisa minha. Mantenho a oferta: dezasseis dólares!
--Dezasseis e meio! —rugiu Jerry, fora de si.
-- Dezassete! — gritou Wiscosin, entusiasmado pelo calor da luta.
Jerry apertou as mandíbulas e, após um momento de hesitação bramou:
— Ainda pensa ir muito longe oferecendo? Sabê-lo-á se tem curiosidade. «Puxe» ou retire-se.
Jerry esteve a ponto de fazer uma oferta bastante maior, para obrigar Wiscosin a ultrapassá-la, mas conteve-se. E se fosse uma manobra do negociante para o obrigar a «puxar» e depois o largava com a oferta, ocasionando-lhe uma perda de muitos milhares de dólares? Esta podia ser a manobra e não estava disposto a fazer o jogo do seu rival. E, sorrindo duma maneira estranha, disse:
— Retiro-me... A manada é sua, pois não deve ter competidor.
O leiloador olhou para todos e, como ninguém falasse, começou a contar:
—Dezassete dólares, à uma!... Dezassete dólares, às duas!... Dezassete dólares, às três! Não vai mais! Fica adjudicado ao senhor Wiscosin por essa quantia.
Mas Jerry, adiantando-se impetuoso, exclamou com mal contida raiva:
— Um momento! Tenho direito a verificar que o meu rival paga essa quantia e deposita todo o dinheiro nas mãos do leiloador.
— Porque não? — disse Wiscosin, adiantando-se para a mesa. — Vou encher um cheque com a quantia que representam as quatro mil e quinhentas reses.
Jerry olhou em volta e viu o homem que devia ter evitado aquilo. Estava rígido no seu lugar e pôde ver que não tinha o revólver.
Ao mesmo tempo, viu outro homem por detrás dele, como se lhe fizesse sombra. E o mais curioso do caso é que viu todos os seus homens desarmados como por artes de magia. Wiscosin assinava o cheque, enquanto Slayton, com os olhos brilhantes de alegria, não perdia o mais leve movimento de Jerry.
Este, que por fim adivinhara as causas da impotência dos seus homens, retrocedeu, e aproximou-se do seu guarda-costas, que permanecia rígido e disse-lhe qualquer coisa em voz baixa. O pistoleiro afastou-se dele, tentando aproximar-se pela retaguarda de Colorado. Este adivinhou a manobra e deixou-o ganhar terreno.
Mas quando o tipo, julgou que podia disparar sobre o capataz e puxava o revólver com velocidade inusitada, o «Colt» de Colorado troou por duas vezes e o bandido deixou cair a arma que acabava de sacar, para levar as mãos ao peito e vacilar, tentando manter o equilíbrio.
Os tiros, a queda do pistoleiro, e vários rugidos de ira e desespero, brotando das gargantas dos outros bandidos, produziram o pânico na praça.
Os curiosos, que nada tinham a ganhar e muito a perder se permanecessem ali, deitavam a correr. Os negociantes, sem saber a que obedecia aquilo, faziam o mesmo, e os bandidos ao serviço de Jerry, acometiam os seus inimigos a murro, tentando recuperar as suas armas.
Desenvolveu-se uma terrível luta, enquanto Jerry, dando conta do «complot» que se formara para derrotá-lo, no cúmulo do furor puxou do revólver e voltando-se para Wiscosin que estava de costas assinando o cheque, tentou disparar sobre ele. Slayton, ao reparar nisso, agarrou o negociante por um braço e empurrando-o brutalmente, atirou-o ao chão e caiu na sua companhia, no momento em que Jerry, cego de furor, disparava.
A bala, com o caminho livre, foi atingir no peito o ajudante do leiloador, o qual, dando um gemido, caiu junto à mesa e, quando Slayton puxava do revólver e Jerry enlouquecido de raiva, procurava o negociante no solo para disparar outra vez contra ele uma voz potente, que soou aos ouvidos de Jerry como um aviso de morte, rugiu:
—Jerry! Grande bandido!... Venho por ti!
Reconhecendo aquela voz e sabendo o que significava para ele aquele aviso, torceu o braço; abandonou a sua presa e tentou fazer frente ao perigo que lhe caía em cima. Mas já era tarde; quando disparou o seu revólver de uma forma imprecisa já o «Colt» de Virgil troava seis vezes seguidas e todo o mortífero conteúdo da arma se alojava de modo inexorável no corpo do indesejável. Este caiu como fulminado por uni raio e Virgil, com o revólver ainda fumegante na mão, bradou:
— Cobarde!... Seis onças de chumbo ainda são poucas para desfazer as tuas carnes apodrecidas. Mas... não tinha mais nada para te oferecer.
Ainda soaram mais dois tiros, por conta dos vaqueiros de Slayton, que se viram obrigados a disparar. Os outros bandidos acabaram por ser reduzidos à impotência, enquanto Wiscosin, pálido como um morto, se levantava do solo, dizendo:
— Obrigado, senhor Slayton. Salvou-me a vida!
—Era o meu dever, Wiscosin.
E deixando-o, correu ao encontro de Virgil.
—Julguei que chegava tarde, Virgil.
— Entretive-me mais do que devia, mas… nada se perdeu. Cumpri o meu juramento e vejo que o senhor venceu. Acabou-se a chantagem em Dodge.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

PAS816. Um encontro macabro

De costas para ele, frente a um grande espelho, estava uma bonita mulher, alta, esbelta, com um lindo cabelo loiro, que lhe caía em cascata sobre as espáduas. Procedia ao arranjo do rosto, pois tinha urna borla de pó de arroz na mão. O seu bonito rosto via-se ao espelho e Virgil reconheceu-a imediatamente. Era a mulher que procurava e, apesar de todo o tempo que se passara, ainda lhe parecia mais atraente. Mas assim corno o rosto e o busto dela se via no espelho, também lá apareceu a garbosa figura de Virgil. Ao vê-lo, ela deixou cair a borla e a caixa de pó de arroz no solo e emitiu um grito de angústia ao mesmo tempo que voltava o rosto para ele, os seus olhos mostravam o espanto que lhe produzia tão inesperada aparição.
—Tu! Tu... aqui!... — exclamou ela, com voz rouca. Virgil fechou a porta com o pé, sem perder Elizabeth de vista, e exclamou, tentando pôr serenidade e frieza na voz:
--Sim... Não me esperavas, claro...
— Talvez sim e talvez não. Disseram-me que andavas à minha procura para me matar... Se foi para isso que vieste podes disparar quando, quiseres. Talvez seja melhor eu desaparecer do mundo...
— Isso é contigo. Eu passei três anos no Inferno, mu tive sempre gosto na vida, pois tinha urna dívida a saldar quando saísse.
—E vieste até mim para a saldar. Há outra pessoa que está à frente da lista. Depois não sei o que farei. Mas há algo que eu gostaria de saber. Quem te disse que eu te procurava para matar-te?
— Ele.
—Jerry?
— Sim, Jerry e não compreendo como pudeste entrar em Dodge sem te encherem de tiros.
— É assim tão difícil entrar aqui?
— Para ti, pelo menos parecia. Jerry tem montado um serviço de vigilância para quando chegarem as diligências. No caso de apareceres faziam de ti um crivo.
—Um ruidoso acolhimento. Mas, como me reconheceriam?
— Jerry apanhou o retrato que me ofereceste e ficou com ele. Este retrato conhecem-no de memória os dois homens que te esperavam. Não consigo explicar como passaste despercebido.
— Foi porque não vim na diligência.
— Então, como vieste?
— Como vaqueiro, conduzindo uma manada de bois através dessa infernal pradaria.
—Tu? Tu conduzindo reses?
— Muito baixo para mim, não é isso? No entanto, era o único meio de chegar até aqui. Quando um homem é acusado de ladrão e está inocente, quando o metem num cárcere e lhe confiscam o que ganhou trabalhando honestamente e o põem no dilema de ter que se esconder para não ser apedrejado como criminoso, que outra coisa pode fazer? Ela que parecia ter recuperado um pouco a serenidade, olhou intensamente para Virgil e respondeu:
— Se a tua ideia é tirares informações antes de tomares uma medida drástica comigo, não vejo inconveniente em satisfazer a tua curiosidade:
«Quando te prenderam e te acusaram de ter roubado o dinheiro do cofre do patrão e mostraram as provas que tinham encontrado no teu aposento, confesso sinceramente que acreditei que tinhas sido capaz de fazê-lo.
— Era essa a confiança que depositavas em mim?
—Julguei que desejando solucionar quanto antes o problema da nossa boda, foras tão insensato que recorreras a semelhante façanha para o resolver rapidamente. E confesso, que embora considerasse que descera bastante para unir a minha vida a um jogador profissional, não estava ainda tão corrompida para me casar com um ladrão marcado pela justiça.
«Não me importa que não acredites naquilo que te vou dizer, mas posso jurar que foi para mim um golpe demasiado rude. Criara ilusões acerca do futuro, julgava que podias ser o homem capaz de me redimir e sair do poço dos saloons e sofri a terrível amargura de ver desfeitas todas essas ilusões e saber-me enganada no amor que já sentia por ti, pois que a realidade mostrava que eras tão vil ou mais que muitos outros que conhecia.
«Passei dias terríveis, segui o processo com angústia, esperando algo que demonstrasse que a acusação era falsa, que aquelas provas não existiam... Não sei, algo que te libertasse da acusação e te ilibasse dessa culpa. Mas o «júri» não aceitou mais que as provas tangíveis e foste condenado e encarcerado como ladrão. «Na minha solidão, no meu desvairamento e na minha raiva, somente surgiu uma pessoa que tentou consolar-me. Foi Jerry, um homem que até então nada significara para mim, pois nunca demonstrara que eu lhe interessasse.
«Foi quem me consolou, me distraiu, quem pôs uma nota de compaixão na minha alma e era tal a minha angústia, que me deixei prender naquelas demonstrações de afeto.
«E foi ele quem acabou de tirar-te do meu pensamento, quando um dia me disse que se inteirara de algo que justificava a tua ignóbil ação. Garantiu-me que tinhas uma amante mexicana, a quem davas inúmeros presentes e por ela cometeras aquele roubo, já que aquilo que ganhavas era insuficiente para satisfazer os seus caprichos.
— Ele disse isso? E quem era essa afortunada que valia mais do que tu?
— Deu-me o nome. Disse-me que se chamava Esperanza, que trabalhava no «Dólar de Prata» e, que ao saber da tua prisão, fugira de Austin, temendo ver-se envolvida no caso.
«Feria-me imenso saber que eras um ladrão, mas como mulher, feria-me mais o meu amor-próprio saber que tinha sido enganada.
«Isto fez com que te desprezasse; e pensei noutro homem para me distrair e me ajudar a esquecer-te. «Esse homem foi Jerry. Mostrou-se amável, carinhoso, apaixonado. Mais tarde e após declarar-me o seu amor, prometeu que se casaria comigo e tornar-me-ia feliz como eu o merecia.
«Deixei-me levar pelo meu estado de alma; aceitei as suas relações, e se bem que não sentisse por ele um amor que não sonhara, confiava em que, com o tempo, me afeiçoasse de verdade. Um dia, aborrecido, disse-me que tivera urna luta com o irmão. Garantia que o irmão lhe devia uma quantidade enorme de dinheiro, e que não lho queria pagar.
«Jerry disse que exigira o dinheiro porque tinha grandes projetos. Com aquele dinheiro e com o que economizara, pensava em que nós fôssemos para Abilene, onde durante a temporada de verão podíamos ganhar dinheiro em abundância. A sua ideia era montar um saloon, mas desde o momento que o irmão não lhe pagava a dívida, tinha de trabalhar como gerente até arranjar a quantia necessária.
«Como as relações com o irmão eram impossíveis decidira abandonar Austin; pensara em mim para o acompanhar a Abilene onde trabalharíamos os dois, para reunir o suficiente para nos estabelecermos. Tanto se me dava estar num sítio como noutro; e julgava também que, afastando-me de Austin, mais facilmente te esqueceria e para não te ver quando saísses em liberdade.
«No dia seguinte partimos para Abilene. Eu ignorava o motivo que levava Jerry a querer sair de Austin, com tanta pressa. Só mais tarde é que soube a razão, mas já era tarde, e não tinha remédio.
«Trabalhámos os dois em Abilene. Ele conseguiu arrendar uma mesa de roleta, em que, segundo disse, ganhava todos os dias uma boa maquia e eu trabalhei num saloon onde ganhei o dinheiro que quis, pois corria em abundância.
«Ao terminar a temporada, quando Abilene voltou a ser uma povoação tranquila, falámos em voltar a Austin ou a Santo António, até à temporada seguinte. Foi então que disse que preferia trabalhar em Santo António, pois um amigo contara que tinhas saído em liberdade da prisão do Austin e te gabaras que havias de matar os dois, por estarmos juntos. «Garantiu-me não ter medo de ti e só queria evitar que eu não fosse maltratada, no caso de ele não estar presente.
«Propôs-me então a nossa vinda para Dodge, pois esta temporada seria o paraíso dos ganadeiros. Com tempo, antes de chegar a primavera, podia ultimar os seus projetos. Ia montar aqui um bom saloon e queria tê-lo a funcionar antes de chegarem as primeiras caravanas. Perante estas palavras, tive medo de voltar para o Sul, pois podia encontrar-te, e aceitei a proposta.
«Quando chegámos aqui, isto tinha o aspeto duma povoação sem importância. Era muito triste e aborrecido e Jerry não teve dificuldades em alugar este local, onde pensava estabelecer o saloon.
«Contou-me então, que embora tendo dinheiro, não possuía o suficiente para instalar o melhor saloon de Dodge e que necessitava da minha ajuda.
«Não sei que impulso me levou a negar. Não a negar, aias sim a entregá-lo sem garantias, e honestamente expôs-lhe a minha ideia. Ninguém sabia o que podia acontecer no dia seguinte, e não queria expor-me a ficar sem um dólar, depois de ter trabalhado tanto.
«Ele aborreceu-se pela minha desconfiança e, num acesso de orgulho, disse:
«—És uma estúpida em tratar-me assim e para que vejas que sou leal, faço-te uma proposta. Vou instalar o saloon e vou pô-lo em teu nome. Mas o benefício será a meias para os dois. Está bem?
«Ao ouvi-lo, arrependi-me do que dissera, mas o meu amor-próprio impediu-me de voltar atrás e aceitei. Julgo que foi a única coisa boa que fiz com respeito a ele. Montou-se o saloon, entreguei-lhe as minhas economias contra um documento assinado e tudo ficou pronto a funcionar.
«Mas antes que chegassem as primeiras manadas, já isto parecia uma Babel. Chegavam mais jogadores, abriam-se mais estabelecimentos e começavam a afluir mulheres dispostas a explorar os vaqueiros.
«E um dia, alguém me informou de que Jerry andava metido com uma rapariga chamada «Rosa, a Mexicana», artista de muita fama. Esperava um contrato e não se decidira ainda por nenhuma das várias ofertas recebidas.
«Não falei a Jerry acerca disto. Podia ser má-língua, e eu é que tinha de verificar a veracidade dos factos. Ele não me deu tempo a investigar, pois passados poucos dias disse-me:
«— Temos que ir pensando em contratar raparigas. Chegaram bastantes e há por onde escolher.
«— Bem — disse eu. — Se já são precisas, contratam-se.
«—Então, vou recomendar-te uma. Chegou uma artista mexicana que traz um grande cartel, obtido em todo o Oeste, e seria uma boa aquisição. «Revoltei-me ao ouvi-lo e respondi:
«— Boa aquisição, para ti, não é isso?
«— Que queres dizer?
«— Que sei da tua grande intimidade com ela e que st te agrada mais que eu, não o posso evitar. Mas não me julgues tão falta de sensibilidade que possa admitir aqui as tuas amantes.
«És uma estúpida! — gritou. — Acreditas em tudo o que te contam e eu não tolero isso. A mexicana é uma boa atração para o saloon e é do meu gosto que ela seja contratada. «Furiosa, gritei por minha vez:
«— Esqueces que sou a dona e também a gerente? Tu tens os teus grandes negócios de gado que te rendem bastante dinheiro; eu tenho esta casa para garantia do meu futuro; com o teu dinheiro a rapariga não precisa de trabalhar. Não tem nada a fazer aqui. Quem manda aqui sou eu.
«Aquilo exasperou-o. Ameaçou-me em pôr-me fora, apesar da casa estar em meu nome, mas não me assustou. Se ele é duro, eu não lhe fico, atrás quando é preciso.
«A partir de então, cessaram as nossas relações. Vem, fica, vai, mas como se fosse um estranho, na casa; não levou nada para diante, porque teve medo do escândalo e das minhas reações. Talvez isto não fosse o pior. Um desengano mais na vida, talvez porque o meu destino é viver enganada e o mais longe possível da felicidade. O trágico foi não há muito tempo, quando apareceu no saloon um cliente que frequentara a «Estrela de Prata» em Austin. Quando me reconheceu, disse-me muito sério:
«— Pequena, tu que podias viver uma vida independente, ou pelo menos encontrar um homem relativamente digno, foste cair tão baixo, unindo-te a esse bandido do Jerry?
«Quem me falava assim, era um rancheiro muito estimado, que tem um rancho nas proximidades de Austin.
«Nervosa de ouvir aquela afirmação, perguntei:
«— Que quer dizer com isso, senhor Milton? Não sei porque Jerry há-de ser alcunhado de bandido.
«— Quer isso dizer que ignoras as patifarias feitas por Jerry antes de sair de Austin?
«— Patifarias? Ignoro o que quer dizer.
— Nesse caso informar-te-ei de tudo o que se passou. Quem me contou foi o ajudante que Virgil tinha na «Estrela de Prata» antes do sucedido.
«Segundo me contou, Jerry tentou assassiná-lo uma noite, porque sabia de mais. Jerry chegou a Austin na noite anterior ao roubo do cofre e entrou e saiu furtivamente do saloon. O ajudante de Virgil viu-o e não disse nada, mas no dia seguinte, quando se descobriu o roubo e Jerry apareceu, dizendo que chegara nesse dia à cidade, o homem suspeitou de qualquer coisa e foi tão imprudente que lho disse. Jerry ameaçou-o de morte se desse com a língua nos dentes e uma noite deu-lhe três tiros, deixando o ajudante às portas da morte. Quando este saiu do hospital, procurou Jerry, mas não o encontrou.
«Em troca, soube que Jerry discutira com o irmão, desaparecendo em seguida e mais tarde soube-se da existência dum cheque falsificado, recaindo as suspeitas sobre Jerry.
«Foi isto que ele me contou. A patifaria causou quase a ruína do irmão de Jerry que teve de traspassar o saloon.
«A revelação foi para mim um autêntico choque. Então comecei a ver claro em muitas coisas e a mais cruel vergonha se apoderou de mim. «Compreendi que o patife manobrava assim para se apoderar duns milhares de dólares e para se meter na minha vida. Era esta a situação desesperada em que eu me encontrava e que já não tinha remédio.
«Com toda a raiva que me dominava, lancei-lhe em cara as suas patifarias. Ao princípio, tentou negar, gritando que lhe dissesse quem me informara. Mas neguei; não queria prejudicar quem me abrira os olhos e, no fim, irado, disse que não lhe importava a minha opinião. Convencera-se que eu não era a mulher que lhe convinha, pois não nascera para a podridão em que me queria lançar.
«E por fim, digo-te que aqui goza duma• fama péssima e é odiado de morte, mas ninguém se atreve a meter-lhe uma bala na cabeça. Rodeou-se duma quadrilha de pistoleiros com a qual impõe o terror na cidade e manobra contra os negociantes, a quem ameaça de morte, quando algum quer comprar gado que ele pretende.
«Quebrámos toda a intimidade. Vem aqui, mas não passa do bar e exige os seus lucros. Estou desesperada e a minha ideia era, quando acabasse a temporada, traspassar o saloon, e fugir para longe, onde ninguém me conhecesse.
«Esta é a história. Para mim, é indiferente que acredites ou não. Se vieste para matar-me, livra-me do fardo da vida, que te agradeço, mas jura-me que o matarás também a ele.
Elizabeth, pálida, transtornada pela dor e pela raiva, deixara-se cair no tamborete, e com os cotovelos apoiados nos joelhos e a cara entre as mãos, chorava em silêncio. Ele, rígido, contemplava-a com mais dó que raiva. Compreendia os desgostos dela, do engano, das misérias e amarguras vividas junto daquele miserável e os seus braços lutavam por estender-se e enlaçá-la com paixão.
Mas algo os detinha, talvez a recordação, talvez a vergonha duma entrega tão rápida e conteve-se. Por fim, aproximou-se dela e, com voz rouca, disse: /
— Levanta essa cara, Elizabeth.
— Deixa-me, Virgil, mata-me ou foge do meu lado. Sou uma mulher indigna e é melhor que te esqueças de mim. Se vieste para castigar Jerry e o conseguires, ficarei a dever-te essa consolação, mas não te poderei pagar, porque nada digno de ti te poderei oferecer.
— A morte de Jerry está decretada e os minutos de vida que lhe restam estão contados. Agora, se pensas que podes fazer algo por mim, só te peço uma coisa.
— Diz qual é.
— Vou matar, Jerry, mas quero ter uma justificação para mostrar ao xerife, quando tenha de ir à presença dele, se for esse o caso. Quero que escrevas num papel tudo o que o rancheiro te contou de Jerry e o assines. Se não o fizeres... o final será o mesmo. Ela levantou-se, abriu a gaveta dum pequeno móvel e tirando papel e caneta, escreveu durante alguns minutos. Depois, entregou o papel a Virgil, dizendo:
—Diz se está bem assim. Ele leu e respondeu:
—Está muito bem. Era o que necessitava. Retrocedeu.
Ela, angustiada, exclamou:
— Aonde vais?
— À praça, presenciar o leilão. É lá que Jerry acabará a sua carreira de bandido.
— Não, pela tua vida, não vás lá! Tem junto dele todos os seus pistoleiros!
-- Não tenho medo. Também tenho lá oito homens decididos, dispostos a ajudar-me, e talvez a estas horas, esses pistoleiros estejam convertidos em simples borregos. Está tudo pronto para a grande final.
— Se é assim... Desejo-te mais sorte que aquela que tiveste até agora e a ele todo o sofrimento que merece... Adeus, Virgil, perdoa-me se te fiz tanto mal, mas foi inconscientemente; como tu, fui vítima da fatalidade e bem o tenho pago.
Mas ele, com voz fremente, disse:
— Vou, mas... voltarei, Elizabeth. Ainda temos muito que falar. Mas não é este o momento de fazê-lo. Quando tudo tenha terminado, voltarei.
E saiu ao corredor, para abandonar o saloon, não por onde entrara, mas sim pela porta principal.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

PAS815. A história de Pecos Bill

Quando desembocaram naquele terreno, Virgil que parecia conhecer alguma coisa a respeito dele, exclamou, dirigindo-se a Colorado:
— Aqui não é Panhandle?
— Exatamente.
— Ouvi dizer que um tipo chamado Pecos Bill transformou isto como por artes de magia. Quer dizer-me quem foi esse tipo com tanto poder?
— Um homem que preferiu nascer no Texas em vez de nascer no Kentucky, pois se nascesse lá não os aturaria de maneira nenhuma.
— Vai dizer-me que valia mais que o nosso cavalo «Dominó»?
— O seu cavalo era um pigmeu em comparação com Pecos Bill, meu conterrâneo.
«E já que parece desconhecer a sua história, contar-lha-ei, nem que seja para não tornar a presumir sobre cavalos, «whisky» e outras ninharias.
«Pecos Bill é o avô de todos nós, os «cow-boys». Dizem que nasceu no Texas e que um dia, viajando no carro de seu avô, caiu dele e não puderam encontrá-lo. «Foi encontrado pelos coiotes, os quais o criaram e fez-se tão temível que até os répteis mais venenosos fugiam aterrados dele, quando o viam aparecer, porque as suas mordeduras eram mais perigosas do que as da serpente cascavel.
«Para montar, desdenhava os cavalos e montava os mais ferozes pumas e, como se aborrecia sozinho, inventou os escorpiões e as tarântulas que tão frequentes são no deserto.
«Conta-se, que por aposta, um dia montou num ciclone procedente de Oklahoma e, sobre ele, atravessou três Estados. À sua passagem, as montanhas metiam-se pela terra dentro para lhe dar lugar e os bosques transformados em erva quando sobre eles passava no seu estranho carro. Até o ciclone, aterrado daquele alucinante cavaleiro, não sabendo como libertar-se do seu jugo, se converteu em chuva e desfez-se precisamente aqui, dando origem ao Panhandle.
— Uma bela história. E que foi feito desse infeliz Pecos Bill?
— Desapareceu. Deve ter morrido afogado quando caiu.
— Teve sorte, porque suspeito que se tivesse vivido e casado... teria apanhado muitas tareias da mulher por ser rebelde e travesso. Pergunto a mim mesmo para que serve esta enorme extensão de terra coberta de erva, se ninguém a aproveita.
— Até agora não, mas está em vias de ser aproveitada.
— Vão mudar-se para ela todos os rancheiros do Oeste?
— Nada disso. O ano passado, o Estado do Texas ofereceu três milhões de acres de terras a quem, em troca; se comprometesse a erigir por sua conta um edifício destinado ao Governo de Austin. «Dois comerciantes de Chicago muito ricos, chamados John e Charles Farwell, apressaram-se a aceitar a oferta sem sequer terem vindo lançar uma vista de olhos para isto e mandaram o dinheiro para a construção do edifício. Entretanto, organizaram uma sociedade, com quinze milhões de dólares para fundar o rancho mais fabuloso do mundo, só com a ideia de guardar todo o gado do Texas.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

CLF110. Homens no inferno


 
(Coleção Califórnia, nº 110)

O jovem Virgil que explorava um saloon com um sócio e namorava uma das meninas que atuava neste, foi enviado para a prisão com a acusação de ter morto o sócio e foi desprezado pela sua prometida que se juntou ao irmão do sócio.
Ao sair da prisão veio a conhecer uma verdade diferente e quis lutar pela reabilitação iniciando um longo percurso pata apanhar o verdadeiro assassino que julgou encontrar-se em Dodge. Chegou a esta cidade integrado numa equipa de vaqueiros conduzindo uma manada de gado destinada a ser negociada. Mas, depois de a jornada s ter revelado um Inferno, também Dodge se via convertida num local sujeito à vil chantagem de um homem. E Virgil reconheceu nesse indivíduo o que lhe havia estragado a vida e roubado a futura esposa
Esta obra de Fidel Prado ilustra bem a técnica de escrita do autor. Diálogos em que o monólogo se sobrepõe em extensas tiradas, tornando-se um pouco cansativo. Tudo explicadinho até ao último pormenor…
Vamos ilustrar usando algumas passagens uma das quais é uma referência a Pecos Bill.
A capa é excelente, mas nada tem a ver com o livro e tenho a sensação que já a vi associada a outro livro.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

PAS814. A história de um "dandy"

— Tudo parece tudo um pouco fantástico.
— Talvez sim, embora eu não pense o mesmo e, possivelmente lhe aconteça pensar como eu, mais tarde:  É uma história muito comprida.
— Não a quer contar?
—Tenho medo de a aborrecer e desiludi-la!
— Talvez não! — sorriu, mostrando-se um pouco cética, mas sem ocultar o — Sendo assim... Richard fez uma pausa para enrolar um cigarro antes de principiar o relato.
— Meu pai nasceu no Texas, num bonito rancho, que era do meu avô, mas desde pequeno, demonstrou pouca vocação para essa vida, causando verdadeiro desespero no seu pai, que a todo o transe, queria ministrar-lhe o amor pela terra. Isso continuou durante muito tempo entre eles até que, um dia, embora fosse muito novo, meu pai abandonou a casa paterna e conseguiu chegar a Nova Iorque, onde ganhou dinheiro e posição. colocando-se melhor ainda, quando casou com minha mãe.
«Tudo correu bem durante alguns anos e, certamente eu teria sido convertido num proeminente homem de negócios, se minha mãe não falecesse quando eu tinha somente sete anos. Meu pai, desgostoso, procurou o esquecimento no trabalho que o absorvia por completo e eu corri os melhores liceus durante quatro anos, até que um dia me foi buscar, perguntando-me se eu gostaria de passar uma temporada com o meu avô.
«Teria eu talvez uns onze anos. Fui aceitando a ideia com alvoroço. A partir daquele momento, tudo foi para mim uma formosa aventura, desde a viagem de comboio até à diligência puxada por cavalos.
«O meu avô, homem alto e espadaúdo, apesar dos seus sessenta anos, acolheu-me de braços abertos e tratou de me ensinar todos os segredos existentes na vida dum «rancho», felicitando-me, satisfeito, pelos meus rápidos progressos.
Passaram-se três anos, entre os quais não havia rapaz mais feliz do que eu. Nessa altura, já não havia nada que eu não soubesse fazer, desde fazer voar uma pequena rolha, a cinquenta metros de distância com um só tiro de carabina, a montar um cavalo selvagem.
Numa certa manhã, cheia de sol e tranquilidade, dirigíamo-nos num ligeiro «brekboard» conduzido por mim, quando um tiro os sobressaltou, obrigando-me a empregar todas as energias para os dominar, enquanto a angústia me afogava o peito, pois tinha percebido perfeitamente o leve e sinistro ruído da bala alojar-se corpo do vigoroso sexagenário. Ainda hoje não compreendo como pude manter a suficiente serenidade para manter os cavalos e parar o carro. Porém, quando consegui tudo isso, vi dois cavaleiros que se afastavam todo o galope, e, um deles, o primeiro, ainda empunhava a arma que tinha disparado sobre o meu avô.
— Vamos, filho — ouvi o velho murmurar, quase expirar. — Mostra-lhes como atira um Cameron.
As mãos tremeram-me ao empunhar a Pesada «Winchester», mas, com um violento esforço, pude dominar-me e, apontando cuidadosamente porque a distância já era considerável, apertei o gatilho e, por certo, teria tombado o assassino, se o outro cavaleiro não se metesse de permeio, pagando assim com a vida a sua falta de atenção. O outro fugiu, para nunca mais o ver.
— Bem, Richard — disse-me o avô que tinha presenciado a cena. — A sorte salvou-o desta vez. Estou orgulhoso de ti.
Insisti para que me dissesse o que havia de fazer para o tratar, mas ele disse-me que nada já o poderia salvar. Depois, em breves palavras, explicou-me que aquele homem chamado Randars, tinha pensado liquidá-lo, porque o meu avô o tinha metido na cadeia, quando se sentiu roubado numas cabeças de gado.
Pediu-me que o vingasse e ao ouvir a minha promessa, morreu com um sorriso feliz nos lábios. Tinha eu então somente catorze anos.
— Mas isso era uma barbaridade. Pedir semelhante coisa a um menino dessa idade. — interrompeu Carol.
— Talvez. Mas, mesmo assim, quando voltei ao «Rancho», à frente de vários homens, corri à procura do assassino sem, contudo, o encontrar. Mais tarde, o meu pai voltou, vendeu a propriedade e levou-me de novo para Nova York, negando-se a escutar os meus protestos. Contratou detetives, fez investigações, mas tudo em vão. Nunca mais se soube do paradeiro do homem que se chamava Randars.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

PAS813. A arte de domar um cavalo sabidão

Richard levantou-se um pouco mais tarde do que lhe era habitual.
Saltou da cama e, despojando-se do casaco do pijama, abriu a grande janela do quarto.
Tinha pensado ficar durante algum tempo com os três irmãos e ajudá-los a defenderem o que lhes pertencia.
Já vestido, dispunha-se a abandonar o quarto, quando, pensando melhor, voltou ao seu saco de viagem e tirou dele um cinto completo de munições, e um revólver prateado, calibre «45». Só depois de colocar o cinto e o «colt» em redor das calças, se dispôs a descer.
Assim apetrechado, sentiu-se na disposição de enfrentar fosse quem fosse.
— Bons dias, Richard, — saudou-o alegremente, Carol Rainor, agitando um braço, quando o viu aparecer.
A jovem estava sentada no topo duma paliçada, assistindo às evoluções dum magnífico cavalo que batia com os cascos no solo arenoso, como se quisesse fazer soltar a pequena sela que sentia no dorso.
—Olá Carol! — respondeu o jovem, distraído com o belo quadro que formava a jovem vestida com o seu alegre fato de vaqueiro.
— Vê-se logo que você é um comodista. Corra à cozinha e depois volte cá para me ajudar.
— Estou de facto com uma fome de lobo, mas dentro em breve estou às suas ordens: estou disposto a esquecer os meus hábitos. Como vê, já mudei de roupas.
Algum tempo depois, Richard reuniu-se à jovem, depois de ter dado a «Black» os tradicionais torrões de açúcar.
— Bem, patroa — disse ele, colocando-se à frente e tirando o chapéu numa reverência cómica. — Aqui está o novo elemento do pessoal.
—É mesmo um vaqueiro de novela — o riso da rapariga era alegre e cristalino. — Um chapéu que custa mais do que um mês de ordenado. Uma camisa tão clara que, com um só dia de trabalho, fica uma vergonha. Um cinturão de veludo, e um revólver que custa uma fortuna. Calças de fazenda nova. Botas de polimento com incrustações de prata e pele de castor. Esporas de prata, com incrustações de ouro, que são uma verdadeira fortuna. Esse, é o teu trajo de trabalho?!
—É tudo postiço... tudo postiço! — riu Richard. —Plumas de pavão real. Nada se compara com os seus olhos negros debaixo dessas formosas sobrancelhas de azeviche. Desses cabelos rubros que cintilam à luz do sol; desses lábios rubros e húmidos que brilham como pérolas...
—Por favor, não continue — interrompeu-o a jovem, um pouco ruborizada. — Já acabaram as brincadeiras. Agora vou trabalhar.
— Não são brincadeiras, Carol. São uma pobre expressão da admiração que sinto por você...
—Quer ir ao redondel e prender o bicho pela cabeça? — continuou como se nada tivesse ouvido.
—Mas, você não vai montá-lo?!
— Pois claro que vou.
- Mas isso é um disparate!
— Porquê?
—Ele daria consigo no chão.
— Já o tem feito várias vezes. Há uma semana que Dick o comprou, e por duas vezes, que me atirou de encontro às tábuas da cerca. Mas hei-de conseguir domar o bicho.
— Você é que é uma rapariga doida. — Richard já refeito do susto, principiou a divertir-se. — O seu irmão sabe que tenta montar esse cavalo?
—E porque não havia de saber?
—É um aviso...
—Pois claro que sabe. E você, seu brincalhão, saiba que os meus irmãos montam muito bem, e que eu sou quem monta melhor; portanto, é a mim que cabe o trabalho de domar os cavalos.
— Isso poderá ser com os potros que não tenham ainda quatro anos, mas você não poderá nunca domar esse baio.
— Ah, não?! Já o verá!...
—Olhe, Carol. Logo não poderá sentar-se. Esse animal deve já ter sido levado a vários «rodeos» e derrubado melhores cavaleiros que você.
—Como o sabe?
— Basta olhar para ele, para se saber que não é a primeira vez que se vê nestes «assados». Para mais, não é um animal selvagem e deve ter seis anos, ou talvez mais.
— Sou muito estúpida, Mister Cameron. Quer ter a bondade de me explicar?
— Não costumo perder tempo com alunos pouco aplicados — disse ele, sorrindo divertido. — Mas, atendendo às circunstâncias, farei uma exceção.
— É muita amável!...
— Quando um cavalo não está domado, e apesar dos anos que tem — continuou, sem fazer caso da interrupção, e, não sendo selvagem, é natural que, quem o tentar montar, encontrará muitas dificuldades. Não acredita?
— Estamos a perder tempo e eu não preciso de conselhos dum novato, dum vaqueiro de capa de revista. Se não tem muito medo, vá segurar na cabeça do animal para eu o montar. Depois, pode fugir e pôr-se a salvo, não vá o seu fato incomodar o cavalo.
—Não se preocupe com as minhas roupas. O mal é que você vá sujar as suas e ficar incomodada, durante algum tempo.
Havia tanta indignação nos olhos da rapariga, que Richard se afastou para poder rir à vontade.
Não lhe foi difícil sujeitar o animal e ainda sorria levemente, quando ela lhe saltou para cima.
Richard apressou-se a ir para junto da cerca e, durante uns segundos, ainda pôde ver a jovem sobre o arqueado lombo do bicho que, com a cabeça entre as patas, parecia louco nos seus saltos furiosos.
Richard Cameron viu perfeitamente o momento em que a jovem perdia o equilíbrio e, não pôde deixar de rir, ao contemplar a pirueta que ela fez no ar, antes de cair sentada na terra dura.
Era natural que, se Carol Rainor fosse um homem, soltasse um «compêndio» de blasfémias. Mas Carol, levantando-se entre os risos de Richard, cavalgou de novo o poderoso cavalo. Depois de vários esforços feitos por este, Richard pôde ver o corpo franzino, levantar-se no ar e cair, mas, desta vez mais desastradamente do que a primeira. O cow-boy saltou agilmente para o redondel e correu, para a jovem, um pouco preocupado com o resultado de tão espetacular salto.
— Não ri, desta vez? — gritou a rapariga iradamente, ao vê-lo aproximar. — Ria-se se tem vontade, porque nada me aconteceu. Não desisto de montar esse diabo, nem que seja o último.
Tranquilizado já, e provocada de novo a sua hilariedade pela graciosa figura da jovem, sentada no chão em grotesca posição, Richard, parou em frente, na ocasião em que ela se levantava para terceira tentativa.
Mas ele, agarrando-a por um braço não permitiu tal.
—Não faça mais loucuras. Pode partir algum osso!
--Largue-me — pediu ela furiosa, debatendo-se nos seus braços.
Porém, Richard já não ria e, debaixo da sua pele, ocultavam-se músculos de aço cultivados nos ginásios e se a jovem podia debater-se entre eles, era porque ele tinha medo de a magoar, não obstante a ter apertado de encontro ao peito.
Nunca Richard esteve tão perto de perder a cabeça, como quando a jovem levantou o seu rosto para ele, olhando-o iradamente, com os lábios rubros a tremerem--lhe.
—Largue-me! — repetiu, furiosa.
—Largo-a se me prometer que não tenta montar mais esse cavalo.
— Não tenho nada que prometer.
— Pois então, não prometa. Estou muito bem assim — sorriu, apertando-a mais de encontro a si. Mas o resultado foi uma saraivada de pontapés nas pernas. Então ele largou-a, saltando para o lado.
— Esteja quieta. Se não obedece, acabo por metê-lo no estábulo.
—Tenho que domar esse cavalo.
—Eu o farei.
— Você!! — a jovem olhou-o entre incrédula e divertida, interrompendo o gesto de se aproximar de novo do animal.
— Surpreendo-a?
— Não, diverte-me.
—Não acredita que eu possa montá-lo?
—Você?! Vamos, homem. Não digo que não saiba montar, mas uma coisa é cavalgar o seu esplêndido «Black» e outra é estar sobre o lombo deste selvagem
— Pois então, chegou o momento de você rir. Sente-se no sítio onde eu estava... se puder! — atalhou divertido, — Repare na elegância da minha aterragem
—Mas é verdade que pensa montar esse diabo?
— Naturalmente.
— Mas, Richard, eu aprecio-o mesmo sem montar — nas suas palavras havia uma entoação, de desafio.
— Então, posso contar que chore um pouquinho sobre o meu cadáver?
—Pode e é claro, pelo menos uma vez por ano, vou levar flores à sua sepultura.
— Obrigado, Carol. Estou comovido.
— Mas olhe que, como é mais pesado do que eu, ao cair amachuca-se mais.
—Não se preocupe; tenho os ossos duros e posso resistir. Vou pôr a minha sela, porque esta é muito pequena para mim. Promete que, enquanto me retiro, não volta a montar?
 — Prometo.

E Richard domou o cavalo perante os olhos de Carol…

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

BIS026.1 Reencontro com «O dandy»

 
Desde os catorze anos, Richard procurava o homem que lhe assassinara o avô e de quem só conhecia o nome. Na sua busca incessante, um dia cruzou-se com um grupo de bandidos que procuravam enforcar um jovem. Com a sua coragem e pontaria, pô-los em fuga e acabou por ser convidado para passar uns tempos no rancho do rapaz que tinha salvo e era administrado pelo irmão mais velho. Havia também uma jovem muito bonita, Carol.
Soube que, naqueles lugares, se passava algo muito estranho, algo que lhe lembrava o seu passado e resolveu ficar para ajudar os três irmãos. Nem calculava como estava perto do homem que assassinara o seu avô.
Este é um dos primeiros livros de Tex Taylor publicado no nosso país, mostrando claramente a inexperiência e ingenuidade do autor o que foi rapidamente ultrapassado, transformando-o num dos autores mais interessantes em novelas do Oeste.
Vamos surpreender o “dandy” nos seus encontros com a bela Carol

sábado, 9 de dezembro de 2017

PAS812. Uma presa desejável

Kent voltou-se lentamente, sabendo que lhe deviam estar a apontar um rifle. Ê a arma favorita das mulheres sós, quando têm tempo de pescar uma pessoa pelas costas. E com um rifle carregado a menos de seis passos de distância, não se pode brincar.
De modo que a sua atitude foi perfeitamente inofensiva, quando se voltou com os braços ligeiramente levantados.
— Não se mexa donde está.
A voz era enérgica.
Kent viu então a mulher à debilíssima luz que n lua enviava agora através da janela. Com efeito, empunhava um rifle, um tremendo Sharp de muito «más entranhas», e estava a uns cinco passos, no umbral de uma porta que devia ter aberto nas costas de Kent sem que este a ouvisse.
Estava corretamente vestida e era jovem. Não uma rapariguinha, pois devia ter já uns vinte e quatro anos de idade. Mas a ruga de preocupação, quase de amargura, que cruzava o seu rosto, fazia-a parecer mais velha.
Não obstante, era bonita.
Uma presa desejável, pela certa, para um homem que fora condenado à morte por violação e a quem já não importaria assaltar outra mulher já que, de todos os modos, não o podiam enforcar mais de uma vez.
Esse pensamento pareceu ler-se nos olhos de Kent, enquanto examinava a mulher, desde os cabelos bem penteados até às pontas dos seus sapatos. Ela percebeu e o seu corpo ágil e elástico estremeceu.
Claro que notou também que era outro sentimento mais forte o que neste momento dominava aquele intruso: a fome
—Lamento... —disse Kent esboçando um sorriso. — Cheguei a pensar que não havia ninguém neste rancho...
—Pois há.
— Prometo-lhe que as minhas intenções...
—As suas intenções são bem claras: Está a roubar.
— Só um pouco de comida...
Os olhos da mulher cravaram-se como dardos nas, mãos de Kent, que seguravam o pão e na gaveta junto da qual ele estava. Naquela gaveta não se guardava nada de valor, exceto a comida.
O olhar da mulher humanizou-se um pouco, mas as suas mãos continuavam a empunhar o rifle.
—Afaste-se. Ponha-se junto à janela, onde eu o veja bem —ordenou. —E não tente saltar por ela porque envio-lhe uma bala antes que o consiga. Estes rifles são muito rápidos.
— Demasiado sei eu disso...
Kent resolvera obedecer e não pôr aquela mulher mais nervosa do que o que já estava. Um único estremecer do dedo indicador, e aquele pesado rifle enviá-lo-ia para o inferno para sempre. Além disso, Kent já percebera que os olhos da mulher estavam a mudar de expressão.
Ela tentava compreendê-lo.
— Muito bem — disse, mais tranquila, quando pôde ver bem o homem junto à janela, recebendo em cheio a luz da lua. —Agora largue o pão e solte o revólver. Mas segure-o só com dois dedos e com a mão esquerda. De contrário, mato-o.
—Já vejo que não brinca.
—Juro-lhe por minha mãe que jamais falei tão a sério. E apresse-se porque o dedo treme-me já no gatilho.
Kent obedeceu, sem perder a calma nem um só segundo. Olhava diretamente para os olhos da mulher. E percebia que ela já não o examinava com a expressão feroz de antes, mas sim com uma luz muito mais humana nas pupilas. Kent quase adivinhou o que sucederia uns segundos mais tarde.
Ela disse:
— Vou propor-lhe uma condição.
—Não estou em situação de discutir, senhora. Aceito qualquer condição que me ofereça uma vez que não seja esburacar-me o peito com esse rifle.
—Como sabe que sou uma senhora?
Com o queixo, Kent indicou suavemente por trás dela, mas a mulher mal voltou a cabeça umas frações de segundo, conservando-se em guarda.
Um garoto de uns seis anos, loiro, precioso como um anjo, estava parado atrás dela, olhando-os aos dois com expressão anelante.
—E meu filho—disse ela rouca. —Meu filho Henry.
— Por isso precisamente adivinhei que era uma senhora.
—Muito bem. Não se trata disso agora. Repito que lhe proponho uma condição.
—E eu aceito-a. Que remédio!
—E só comida o que procura?
— Com certeza.
—Vai-se embora depois de comer aqui? Larga-se com vento fresco e deixa-me em paz?
—Devo perceber que me vai convidar?
—A comida não se nega a ninguém em n hum canto do Oeste. Devia saber isso e devia tê-la pedido, em vez de entrar aqui como um ladrão. Mas, já que o fez, não compliquemos mais .as coisas. Eu dou-lhe de comer e o senhor afasta-se para bem longe. De acordo?
—E uma condição muito razoável.
Ela baixou um pouco o cano do rifle.
—Está bem; sente-se.
Kent sentou-se à mesa. A mulher voltou um pouco a cabeça para o menino.
— Henry, traz um jarro. Traz também da cozinha uns feijões e toucinho frito. Tudo isso está em dois pratos no armário; já sabes onde está.
O menino, sem uma palavra, dispôs-se a obedecer.
Um momento depois, Kent estava ante o que para ele era uma suculenta refeição. Aquela mulher sabia cozinhar, estava tudo apetitoso. Apesar de querer comer com educação, devorou tudo num esfregar de olhos, incluindo o pão que tirara antes.
Ela, situada a uns cinco passos de distância, olhava-o sem deixar de lhe apontar o rifle. Claro que a sua atitude vigilante se abrandara muito desde que vira que Kent só prestava atenção à comida. Não percebeu que a expressão do homem ia mudando ao sentir satisfeita a sua fome, e agora dirigia já alguns olhares furtivos às poderosas ancas da mulher, ao seu busto ofegante e aos seus lábios vermelhos. Era tal como se Kent Latimer começasse a dizer a si mesmo que aquela damazinha era a melhor sobremesa que podia desejar depois do banquete.
Não obstante ela não o notou.
Agora tinha que repartir a sua atenção entre o intruso e o pequeno Henry, que estava uns passos atrás dela, em absoluta imobilidade, vendo o homem comer, como se este o obsessionasse.
—Henry, vai para o teu quarto.
—Faço-te companhia, mamã.
—Obedece.
Kent cortou o diálogo com uma pergunta que parecia inofensiva:
—Onde está seu marido, senhora?
Ela mordeu o lábio inferior.
—Com o gado.
— Sim, já vi que não há reses por aqui, e imaginei que deviam estar noutro sítio. Mas demora.
—Isso não lhe importa.
—Perdoe, era só um comentário.
—Foi embarcar umas dezenas de cabeças e por isso teve que estar por três dias — disse ela bruscamente—, mas regressa esta mesma noite. Surpreende-me que já cá não esteja.
Ele suspirou:
—Claro...
Notara que a mulher descurava a vigilância cada vez mais e que estava quase exclusivamente dependente do garoto, à espera que ele se retirasse.
Notara também, agora que a luz lhe diva em cheio, que a mulher era extraordinariamente bonita. Se não fosse aquela ruga de preocupação que continuava a ensombrar o seu rosto, seria uma das mais belas que Kent vira na sua vida. Tinha umas ancas largas e fortes, maravilhosamente torneadas, um busto pujante e alto, tão agressivo como o dum jovenzinha; uns lábios tentadoramente vermelhos e um pescoço suave que se tornava numa obsessão. Quanto ás pernas, pelo que a saia deixava ver delas, eram de eleição.
Aos vinte e cinco anos, podia dizer-se que aquela mulher estava na sua plenitude, que nunca ante tinha sido tão bela nem no futuro voltaria a sê-lo. Era uma presa para caçar precisamente agora, uma fruta que se havia de devorar justamente na-, quele momento, antes de que se escapasse. A julgar pela expressão malévola e concentrada de Kent Latimer, este estava a pensar justamente nisso.
A mulher olhava agora diretamente para o pequeno.
—Henry, disse que te fosses...
—É que...
Kent engoliu a saliva, percebendo que chegara o seu momento. Tinha agora uma magnífica oportunidade, e não ia desperdiçá-la.
Levantou o prato já vazio com um movimento rapidíssimo e lançou-o contra o cano do rifle da mulher, fazendo com que ele se desviasse bruscamente contra a parede.
Ela tentou livrar-se mas já não foi a tempo.
Já Kent Latimer estava sobre ela com uma força poderosa, invencível, destruidora...

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

PAS811. Uma voz de mulher

O rancho estava afastado, na planície. Era apenas um pontinho de luz no fundo do vale, entre as colinas suaves.
Compunha-se de um único edifício.
Devia ser um rancho pobre, como tantos e tantos dos que se fundaram no Texas e, por uma causa ou por outra não conseguiram prosperar. Talvez pelas «razias» dos bandidos? Talvez pela falta de mão de obra?
Kent, do alto da colina, contemplou-o.
Há dois dias que galopava quase sem cessar, evitando os lugares habitados e sem ter pregado olho com medo de ser surpreendido. Suspeitava, e com bastante fundamento, que os vizinhos da última povoação onde deixara quatro mortes, teriam reagido por fim e organizado uma tropa bem armada para o caçarem.
Até agora não o tinham conseguido. Kent continuava livre e sem vestígio de perseguidores por nenhum lado do horizonte.
Mas aquela situação não podia continuar. Estava exausto.
Depois de dois dias em que não provara nada e em que não se mexera praticamente da sela, mal se sustinha. Tremiam-lhe os joelhos, nubla4a-se-lhe a vista e cada vez que desciam uma encosta, tinha a sensação de ir cair do cavalo. Quanto a este, tropeçava já com todas as pedras, sinal evidente que ia cair sem forças em qualquer momento.
Kent respirou, portanto, com alívio, ao ver a luzinha.
Estava ali a sua salvação.
Tocou suavemente os flancos do cavalo e este empreendeu a descida com mais rapidez que se poderia esperar. Parecia ter cheirado palha fresca e o suave calorzinho da cavalariça. Mas Kent sabia que o cavalo ia ter um desengano, se é que os 'cavalos sentem essas coisas. Porque não podiam fica ali a passar a noite, expondo-se a ser reconhecido. O seu piano consistia em roubar um pouco de comida e afastar-se o mais depressa possível, para passar a noite num dos bosques que se divisavam no horizonte, à direita, confundindo-se quase com a bruma do entardecer.
Kent fez um rodeio, fingindo que se afastava do rancho, no caso de alguém o ter visto.
Mas quando os altos arbustos que havia no fundo da ravina o ocultaram por completo, desceu do cavalo e esperou que anoitecesse de todo. Depois, certo de não chamar a atenção, deixou que o cavalo pastasse e ele aproximou-se a pé do rancho, silenciosamente.
Não se ouvia um ruído. Nem sequer o murmúrio do vento na superfície. Estava tudo estranhamente quieto.
Pelos vistos os peões do rancho recolhiam muito tarde, ou, quem sabe, estariam a conduzir o gado para o norte, embora habitualmente não fosse aquela a época.
Kent chegou em frente do edifício que se encontrava em bom estado e parecia muito limpo. Anexo havia um pequeno estábulo onde se ouviu relinchar um cavalo. Foi o animal o único que notou aquela presença estranha. Mais ninguém.
As salas estavam às escuras. Uma das janelas de guilhotina estava mal fechada. Kent pôde levantá-la facilmente.
Entrou.
Viu que a sala onde estava era precisamente a sala de jantar. Havia umas quantas cadeiras de madeira com confortáveis almofadas bordadas à mão, uma grande chaminé apagada, uma mesa grande e um armário com gavetas onde se devia guardar a roupa em uso e, além disso, provavelmente, a comida que os habitantes daquela casa pensariam comer a seguir.
Abriu uma das gavetas e, com efeito, viu pão. Pão macio e morno, tirado do forno poucas horas antes. Mas não era só isso; havia também toucinho recém-partido e um cesto com fruta. Tudo aquilo tinha um aroma já não só apetitoso, mas sim irresistível para um homem que havia dois d. s não provara nada.
Kent pegou no pão, numas fatias de toucinho e em algumas peças de fruta. Tudo, nos o pão, começou a guardar rapidamente nos bolsos. Para isso, naturalmente, teve que descuidar todas as precauções.
E foi então que ouviu aquela voz:
—Quieto ou deixo-o seco aqui mesmo.
Kent conteve a respiração. Era uma voz de mulher.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

PAS810. Condenado por violação

Sentia-se cansado, quase sem fôlego, como se acabasse de fazer uma longa corrida debaixo de sol. Na realidade, sucedia o mesmo a todos os pistoleiros, porque continham a respiração antes de cada luta e isso fatigava-os. Mas Kent Latimer notava-o ainda mais por causa do ar quente e seco.
Assobiou para chamar o seu cavalo.
O nobre animal, que Kent soltara ao enfrentar--se com os seus três inimigos, voltou da pradaria, de perto, onde se mexia inquieto, cheirando a pólvora.
Kent montou-o de um salto e esporeou-o para sair a toda a pressa daquela cidade onde deixava tão más recordações.
Claro que não era esta a única cidade onde tal sucedera.
Não, nem pensar nisso.
Porque Latimer tinha uma brilhante história. Ao passar, viu de soslaio um prospeto na última casa da povoação. Era um prospeto que se referia a ele, naturalmente.
Dizia:
 
«5 000 Dólares de recompensa  
para quem apresente vivo ou morto:  
KENT LATIMER 
fugitivo do Presídio e condenado à morte pelo Crime de Violação».


quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

RB026. O cão uivador


(Coleção Rio Bravo, nº 26)
 
 
 
Por quem uiva o cão?
Poder-se-á pensar que é uma outra forma de dizer "por quem dobram os sinos?". Mas isso é um erro: o cão uiva porque há muito tempo desaprendeu o ladrar...
Nesta novela, Silver Kane traz-nos de novo um ambiente sinistro, quase satânico e consegue transmitir-nos todo o desconforto nesta curta vivência com um homem acusado de violação que tem a cabeça a prémio. A finalização parece-nos um tanto forçada, mas acaba por ser uma menmsagem de esperança.
A capa, excelente, está assinada, mas não conseguimos decifrar o autor. Talvez com o tempo...

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

PAS811. Sinais de atentado

Cass continuou calado. Esperou que o outro falasse, o que não tardou.
— Chamo-me Wood, Mike Wood, Tirrell. Sou o capataz da fazenda de Mr. Joel Mac Carrigan e se alguma vez precisar de mim, estou às suas ordens, rapaz.
Cass apertou a mão que o outro lhe estendia e depois perguntou, embora calculando a resposta:
-- Agradeço-lhe a sua oferta, mas o senhor não me conhece...
— Não é preciso Tirrell. Para mim e para toda a equipa é suficiente o que fez pela menina.
— Qualquer faria o que eu fiz...
— Isso não modifica as coisas — e, sem transição, perguntou: — Vai ficar connosco, Tirrell?
— Não sei, Mr. Wood. Ninguém me fez ainda essa proposta.
— Mas não tardarão a fazê-lo. Aposto a minha' cabeça.
— Bem, nesse caso pode ser que aceite.
Não voltaram a falar até chegarem ao rancho.
O primeiro a desmontar foi Mac Carrigan que, depois, ajudou a filha a saltar para o chão.
— Agora é melhor que te deites um pouco, Jessie recomendou o rancheiro, de forma que Cass também ouviu. —O médico deve estar a chegar para examinar essa tonta cabecita.
— Vou já, meu pai, mas primeiro quero agradecer a Cass Tirrell..
Avançou para ele, sorrindo. Cas ia a voltar-se para a enfrentar, quando um dos vaqueiros se aproximou dele, dizendo:
— Chamo-me Chandos, Tirrell. Atenda a patroa que eu levo o seu cavalo para a cocheira.
Não teve tempo para agradecer ao vaqueiro, pois a rapariga estava já à sua frente, com a mão, pequenina e bem tratada, estendido para ele.
— Bem-haja pelo que fez por mim, Cass. Eu nunca, o esquecerei.
Depois de ofertar a graciosa mão, Cass respondeu:
— Não tem de que me agradecer, miss Mac Carrigan. Qualquer faria aquilo que eu fiz.
— É muito modesto— baixando a voz, acrescentou: — Espero que fique entre nós. O papá vai oferecer-lhe um emprego. Gostaria que aceitasse. Agora, vou-me embora. Depois voltarei a falar consigo.
Afastou-se e entrou em casa, enquanto que Cass ficava parado a vê-la desaparecer.
A voz do rancheiro arrancou-o da sua contemplação:
— Quer entrar, Tirrell?
Aceitou o convite, sem dizer palavra, Instantes depois, estava sentado no escritório do rancheiro, acompanhando-o num uísque que uma criada mexicana lhes servira.
— Julgo que ainda não lhe agradeci, rapaz — disse Mac Carrigan, iniciando a conversa.
-- Por favor, Mr. Mac Carrigan. Pelos vistos vou passar o resto da vida a ouvi-los falar numa coisa que não tem o mínimo mérito.
Mac Carrigan sorriu-se.
— Está bem, rapaz. Vou fazer-lhe a vontade. Faça de conta que eu não disse nada — interrompeu-se e depois mudou de assunto: — Tenho falta de bons cavaleiros, Tirrell.
— Como sabe que eu o sou?
— Com mil diabos! Não me vem agora dizer que não sabe andar a cavalo, pois não?
— No Oeste, saber montar é absolutamente necessário a qualquer. Agora quanto a ser um bom cavaleiro...
— De acordo, Tirrell, mas eu continuo. Preciso de cavaleiros e você é-o. Além disso estou convencido de que também é um bom vaqueiro. Ou enganei-me e você não percebe nada de gado?
Cass perdeu a sua modéstia e afirmou:
— Sou um bom vaqueiro, patrão.
Mac Carrigan olhou-o fixamente e disse:
— Se veio a Cheyenne à procura de trabalho, não vá mais longe. Eu ofereço-lho.
Cass sorriu.
— O senhor não me conhece, Mr. Carrigan...
Dissera o mesmo a Wood, mas agora acrescentou:
— Eu sou ave de arribação. Hoje estou aqui e posso trabalhar para si durante um certo tempo até que um dia, sem razão determinada, pego no cavalo e vou para outro lado. Se lhe convém assim, posso ficar.
— Espero que em minha casa não sinta mais essa necessidade de viajar, Tirrell. Mas, se assim não for, eu não me aborrecerei, uma vez que já estou avisado.
Pôs-se de pé e Cass imitou-o, compreendendo que a entrevista estava terminada.
— O soldo são cinquenta dólares por mês, comida e roupa. Aos sábados, exceto quando, estiver de guarda ao gado, poderá ir a Cheyenne divertir-se, até segunda de manhã. Interessa-lhe?
Cass sorriu.
— De acordo, patrão. Acaba de contratar um novo vaqueiro.
Apertaram-se as mãos e Mac Carrigan acrescentou:
— Procure o Wood e diga-lhe, da minha parte, que o inscreva. Se precisar de uns dólares, ele lhos adiantará.
— Não é preciso, patrão. Tenho uns dólares amealhados e poderei gastar deles até ao fim do mês.
— Então, nada mais, Tirrell. Embora lhe desagrade, obrigado, mais uma vez,
Tirrell saiu do gabinete e encaminhava-se para a porta quando o vaqueiro chamado Phil Lester apareceu, acompanhado por um velhote de cabelo todo branco. Cass compreendeu que era o médico. Passou por ele e depois dirigiu-se para o barracão dos vaqueiros. Ia' a entrar, quando ouviu uma voz chamar:
— Tirrell... — Era o capataz. Fica?
— Fico. Mr. Mac Carrigan convenceu-me.
— Estará bem aqui, rapaz. Venha comigo que eu mostro-lhe as instalações. Também o apresentarei ao resto da equipa.
Assim o fez e depois pegou no braço de Tirrell, dizendo-lhe:
— Venha comigo. Vou mostrar-lhe os anexos.
Cass pressentiu que o capataz pretendia falar--lhe em particular. O que seria? Sem pronunciar palavra, acompanhou o capataz e escutou as explicações que ele lhe ia fornecendo. A certa altura Wood perguntou-lhe:
— Gosta de cavalos, Tirrell?
— Não seria um bom vaqueiro se não gostasse, Mr. Wood.
— Então vou mostrar-lhe alguns. E trate-me por Wood, apenas. Guiou-o até às cavalariças.
Sempre em silêncio. Cass examinou os exemplares que lá estavam. Passados alguns minutos, virou-se para o capataz e disse-lhe:
— São os mais belos animais que eu jamais vi —comentou com sinceridade. Perdeu a noção do tempo, observando mais minuciosamente um ou outro exemplar que lhe despertava a atenção e interessando-se por todos os pormenores relacionados com a criação do gado.
A certa altura, o capataz reparou que ele se detinha diante de um formoso alazão completamente branco e que, depois de o olhar com cuidado, se agachava e examinava as patas do animal, abaixo dos joelhos.
— Que aconteceu a este cavalo, Wood? - perguntou.
O interpelado olhou-o com ar pensativo e disse:
— Esse cavalo era o que Jessie montava esta manhã, Tirrell. Ao que parece, o animal tropeçou em qualquer coisa e caiu de joelhos, cuspindo a rapariga por cima a cabeça. Depois, levantou-se e, vendo que a dona não se mexia, regressou aqui armando um grande barulho.
Cass olhou-o durante uns segundos.
— Não viu mais nada, capataz? — perguntou, por fim.
Wood franziu a testa.
— A que se refere, Tirrell?
— Ora bolas, Wood! Não adianta estar com fantasias. Tenho a certeza de que você viu o mesmo que eu vi e por isso me trouxe aqui. Este cavalo foi derrubado intencionalmente.
— Isso é uma afirmação muito séria, Tirrell —replicou o capataz. — Já reparou?
— Evidentemente que sim! Sei o que estou a dizer. Se o alazão apresentasse apenas os joelhos esfolados, era uma coisa, mas a verdade é que há mais do que isso.
— Eu também o notei e pergunto a mim mesmo como teria o animal esfolado as patas um palmo abaixo dos joelhos.
— Pois eu julgo que sei. Creio poder afirmar que ele foi derrubado por uma corda atada a dois troncos de árvore, um de cada lado do caminho. O animal tropeçou na corda., produzindo, assim, as esfoladuras. Quando caiu, feriu os joelhos. Quem teria preparado a armadilha e com que fim, Wood? Você sabe?
Wood negou com um aceno de cabeça.
— Eu também já tinha chegado a essa conclusão, mas queria que você observasse o animal e me desse a sua opinião.
— Já disse alguma coisa a Mr. Carrigan? Não e acho que o melhor será que nem ele nem os rapazes o saibam.
— Porquê?
— Escute, Tirrell. Aqui em Cheyenne as coisas não correm tão bem como seria para desejar. Por isso, peço-lhe que, por enquanto, se cale e me ajude a disfarçar estas marcas, na medida em que tal nos seja possível. Foi por isso que o chamei. Porque confio em si.
Sem fazer comentários, Cass começou a ajudar Wood a disfarçar as marcas deixadas pela corda nas patas do cavalo. Terminada a tarefa, encaminharam-se para a habitação dos vaqueiros.
Antes de lá chegarem, um dos homens saiu-lhes ao encontro.
— O patrão chama-o, Tirrell — disse ele. — Está em casa à sua espera.
— Obrigado, amigo — agradeceu Cass, virando-se depois para o capataz: — Voltaremos a falar mais tarde, Wood.
Afastou-se, enquanto que o capataz ficou a segui-lo com a vista e murmurou, logo que o viu a distância:
— Sempre disse que voltarias, Cass Tirrell, apesar de tardares dezoito anos... Mas fizeste mal em te apresentares com o teu verdadeiro nome. De outra forma, nem eu nem ninguém seríamos capazes de te reconhecer.