segunda-feira, 5 de outubro de 2015

PAS543. O prémio de um jogo de cartas

Contexto da passagem: O grupo de perseguidores foi capturado pelo bando de Bowles e John Peters, guiados por Nick que tinha ganho a sua confiança. Mabel foi objeto de jogo entre John Peters e Nick que ganhou o direito ao primeiro contato com a jovem…


 
— Nick — implorou. — Não posso crer que te tenhas transformado num monstro. Tem dó de mim!....
O rapaz aproximou-se dela, depôs o candeeiro no chão, de modo que os iluminasse bem, e contemplou-a longamente. A jovem começou a chorar, primeiro baixinho, depois convulsivamente.
— Mabel, tu desprezaste o meu amor honesto. Troçaste de mim...
— Não é verdade! — soluçou ela. — Nunca trocei de ti. Desprezava-te porque eras um jogador incorrigível — debulhou-se em pranto, enquanto tartamudeava: — Até agora jogaste aos dados a minha honra..
— Não foi aos dados, foi às cartas. E ganhei, como vês!
Fitou-a apaixonadamente:
— Sim, joguei e fui inexcedível em batota! Nunca esperei algum dia bendizer essa minha habilidade. Agora, juro-te, Mabel querida, que nunca mais pegarei numa carta ou num dado!
Mabel ficou desconcertada. Uma esperança raiou no seu espírito atormentado. Estendeu-lhe os pulsos amarrados e implorou:
— Nick! Desamarra-me e deixa-me fugir! Suplico-te!
Hunter sorriu e assentiu com a cabeça.
— Nick! — sussurrou ela, docemente. -- Foge connosco! Liberta também o Murray, que é teu verdadeiro amigo... e Hopkins, para que não tenhas remorsos de o deixar nas garras destes malvados... Faz isso Nick! Faz... pelo amor que disseste ter por mim!
Nick sorria, sorria sempre. Mas não se dispunha a cortar os laços que a prendiam. Em vez disso, continuava a contemplar o rosto adorado, com uma devoção que quase a incomodava, pelo que tinha de doentia. E de súbito mergulhou os lábios nos da jovem, beijando-a apaixonadamente, na boca, nos olhos, na fronte, no pescoço...
No primeiro instante, Mabel sentiu-se subjugada pelo cálido amor do rapaz, mas depois, à medida que ele prolongava as ternas carícias, foi-se sentindo em perigo e lograda nos seus anseios de libertação:
— Nick! Por alma da tua mãe, liberta-me... — suplicou, quase a chorar de novo.
— Amo-te tanto, Mabel! Humilhaste-me muito e precisas de ser castigada... Eles também, especialmente Hopkins... Humilhá-lo-ei! Queres que vá arriscar a vida para libertar esse patife que me esmurrou impiedosamente? E mesmo Frank, que me bateu à tua frente? Fá-lo-ei por ti! Dá-me um beijo, Mabel! Dei-te agora cem beijos e não correspondeste uma única vez...
Continuava a sorrir-lhe e acariciar-lhe a face. Um sorriso nervoso, esquisito, desfigurado por um dia extenuante, em que tivera de fazer um esforço prodigioso para captar a confiança dos bandidos e sustentar um jogo de vida ou de morte... As palavras saíam-lhe atabalhoadas, e com um sentido que a rapariga não podia compreender em toda a extensão.
De súbito, Mabel teve a impressão de que ele estivera apenas a divertir-se à sua custa. Que tonta fora em pensar que pudera seduzir um rapaz como Nick, que na véspera andara aos tiros com ela! Que pudera persuadi-lo a arriscar a vida para a salvar, a ela e aos homens que o tinham espancado! E pedia-lhe agora para o beijar!...
Nick curvara-se para receber o beijo que rogara. Num assomo de revolta, Mabel mordeu-lhe a mão que a afagava. Mordeu-a até lhe enterrar os dentes na carne e gotejar sangue. Devia ter-lhe causado uma dor intensa, mas Nick limitou-se a olhar para os sinais dos dentinhos marcados na palma e no dorso da destra e a comentar, com um desconcertante sorriso enternecido:
— É capaz de ficar cicatriz... Talvez um dia beijes a mão que mordeste agora, queridinha...
Empunhou a faca, enquanto ela virava a cara para o lado oposto e começava a chorar baixinho. Ele prosseguiu, como se monologasse:
— Mas tens razão... Já levei longe de mais este teu suplício — e havia na sua voz uma inflexão de amargura que fez interromper o novo pranto da jovem. — Perdoa-me, adorada... Quero que saibas que te amo acima de tudo na vida!
A lâmina da faca brilhou sobre o peito dela e, por uma fração de segundo, Mabel julgou que ele tinha endoidecido e que ia matá-la. Mas num só golpe, cortou-lhe a corda que lhe unia os pulsos. Depois golpeou a corda que lhe prendia os pés e à cama.
Mabel parecia maravilhada. Ainda lhe parecia um sonho ver-se desamarrada e Nick a tratá-la com carinho e sem aquela paixão que a atemorizava.
— Agora fica aqui sossegadinha, enquanto eu v ver se consigo libertar Frank e Hopkins — disse-1 entregando-lhe o revólver que trouxera.
— Mas... é verdade que... vais salvar-nos a todos, Nick? — tartamudeou a pequena, ainda mal poden acreditar no curso dos acontecimentos.
— Vou pelo menos tentá-lo — e afagou-lhe a ponta do queixo. — Vale a pena arriscar-me só para te ver essa expressão radiosa... Ouve: a cabana onde eles estão aprisionados tem um guarda. Não sei se haverá outros por aí... É perigoso e posso não me sair bem. Por isso te dou o revólver. Foge como puderes, se houver azar! Não consintas em cair viva em poder deles... Depois, não haveria mais um Nick para jogar pela tua honra...
Ela rodeou-lhe o pescoço com os seus braços trementes e sussurrou-lhe, comovida:
— Juro-te que se te matarem, eles não me apanharão viva. Matarei quantos puder e a última bala será para mim!
Ofereceu-lhe os lábios e Nick conheceu o sabor do primeiro beijo de amor dado por Mabel Burn. O jovem Hunter saiu da cabana com uma vontade indómita de revolver toda a aldeia dos bandidos, se preciso fosse, para salvar os seus patrícios, acedendo assim ao desejo da sua amada e conquistando-lhe a admiração.

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