O «Starlight Saloon» era, como Beatriz supunha, de escassas dimensões e humildes intenções. Ainda assim, por ser o mais antigo de Wichita e por estar no Oeste, podia considerar-se como um local de luxo onde nem toda a gente podia entrar.
Ali iam os homens mais ou menos importantes, fazendeiros, agricultores, granjeiros, caçadores, comerciantes e algum mineiro que naturalmente, houvesse feito fortuna. Um letreiro na própria porta e outro no balcão, colado um grande espelho diziam: «Proibido usar armas» e, pelos vistos, parecia que todos obedeciam, pois nem só um dos homens que estavam no estabelecimento tinha arma e, à entrada, numa espécie de bengaleiro, alinhava-se quase meia centena de cinturões-cartucheiras com as suas mortíferas cargas. O ar não estava ainda muito carregado pois era cedo e, embora houvesse muita gente, não se gritava.
O estabelecimento podia considerar-se muito agradável. Não para uma mulher, claro, pois possivelmente, morreria intoxicada, mas Beatriz estava imunizada.
Quando empurrou as portas de vaivém, construídas de canas e se deteve depois de entrar, aparecendo diante do público, fez-se um silêncio impressionante que a fez sorrir.
Todos os homens a olhavam imóveis, uns com o baralho de cartas na mão; outros com um copo ou uma garrafa ou ainda uns dados. Mãos imóveis que acabavam por ser muito mais eloquentes que os olhares e mais que as palavras de admiração que se pudessem pronunciar.
Dois degraus desciam até ao piso de madeira, lavado, mas onde se viam inúmeras pontas de cigarros e as clássicas manchas de tabaco cuspido. Desceu-os levantando ligeiramente a saia, pelo que os seus tornozelos ficaram a descoberto. Quase todos os olhares brilharam.
Se se moveram os homens, foi para a contemplarem melhor. Um baralho de cartas caiu por terra espalhando-se estas sem que ninguém as apanhasse. Num canto caiu um copo. Alguém murmurou qualquer coisa. Beatriz sorriu e muitos peitos suspiraram.
Quando se aproximava do balcão, um homem saiu apressadamente de trás dele e foi ao seu encontro esfregando nervosamente as mãos.
— Pergunta por mim? — inquiriu.
Beatriz calculou que fosse o dono da sala e por isso disse:
— Não. Entrei simplesmente para tomar qualquer coisa.
— A senhora?
— Sim.
— Aqui? Onde posso ir? Existe alguma. sala de espetáculos onde sirvam bebidas, unicamente, para mulheres?
— Não... claro. Tone o que quiser, menina... A casa convida-a.
— É muito amável — respondeu ela com um sorriso com o qual o dono do «saloon» se sentiu mais que pago.
Serviu-a ele próprio. Beatriz havia pedido rum, gostava muito de rum, embora preferisse o uísque. Tomou-o com deleite voltando a cabeça e o próprio busto para a sala, na direção dos homens que continuavam a contemplá-la.
Um vendedor de qualquer água milagrosa atreveu-se a passear por entre as mesas anunciando a sua mercadoria. Alguém lhe deu um pontapé nas costas quando se interpôs no campo visual do agressor.
O pequeno palco que ficava ao fundo da sala estava vazio, sem luz, embora o pano de boca estivesse levantado. Beatriz cravou nele os olhos com inopinada inquietação. Afastou-se do balcão e aproximou-se do palco.
Parou junto das pequenas escadas que ali conduziam, junto do velho piano com a tampa aberta, mostrando a sua dentadura amarelenta, gasta já pelo uso. Extraiu algumas notas do teclado.
Nesse instante um homem levantou-se e colocou-se na sua frente. Era de estatura muito baixa, quase um anão, muito magro e nervoso.
— Eu toco... eu toco — disse.
— O senhor é o pianista?
— Sim, menina. Quer cantar? Oh... todos lhe agradeceríamos muito!
Alguém se levantou para acender os candeeiros de petróleo e o dono da sala encarregou-se de abastecer o que estava no centro.
Beatriz subiu. Fez um gesto ao pianista que começou - a tocar a música da melodia que mais tarde se tornaria famosa: «Suave campo».
A doce pradaria ensinou-nos...
Quando acabou, o edifício tremeu por causa da tremenda ovação com que os espectadores agradeceram e admiraram a sua arte. Quando Beatriz agradecia, um homem irrompeu estrondosamente, gritando:
— Chega Michael Erdman!
Houve um movimento geral nas mesas, um claro desejo de se levantarem e saírem ao encontro do homem que chegava ou talvez de lhe arranjarem lugar. Mas a presença de Beatriz reteve-os.
O homem era conhecido da rapariga. Devia tratar-se do dono de Wichita, o dono do gado que se atravessara na via do comboio fazendo parar este durante vários minutos.
Depressa, apesar da ovação com que continuavam a aplaudi-la, se ouviu o galope de vários cavalos. Poucos segundos depois apareceram estes, montados por exuberantes vaqueiros que desmontaram de um salto, embora só três penetrassem na sala. Um deles era o jovem que havia caído entre as reses, o outro o seu salvador, quer dizer, os irmãos Erdman; o terceiro devia ser o capataz da fazenda. Nenhum deles entregou as suas armas.
— Boas tardes, senhores! — saudou o gigante louco.
Com passos exageradamente largos aproximou-se do balcão seguido de seu irmão e do capataz, mas antes de lá chegar reparou na mulher e, depois de a contemplar com a admiração que indiscutivelmente merecia, perguntou ao dono de «Starlight Saloon»:
— Trabalha para ti?
— Não. É uma cliente. Chegou ontem a Wichita.
— Sim, já sei; vi-a no comboio e não nego que a sua beleza me assombrou. Porque é que está no palco?
— Quis obsequiar-nos com uma bonita canção. Tem uma voz maravilhosa. Parece um anjo.
— Diz-lhe que volte a cantar.
— Se me quiser atender...
— Ou vou eu — respondeu o fazendeiro.
Em quatro pernadas ficou a meio da sala, sob o enorme candeeiro e levantou um braço chamando a atenção. Quando a mulher olhou para ele disse:
— Que lhe posso oferecer em troca de a ouvir?
Beatriz sorriu e respondeu:
— Apenas ouvir.
Erdman sorriu satisfeito. Ficou especado no mesmo lugar esperando que a mulher começasse a cantar. O pianista voltou a fazer soar a música. Por um momento pareceu que entoava «Oh, Susana», mas mudou de melodia até se deter numa desconhecida para o público.
Acabou por tocar: «Poison in the blood». Uma canção de música lenta, um tanto sensual e uma letra que encheu todos de assombro, pois nunca tinham ouvido uma melodia com uma letra tão atrevida e muito menos na boca de uma mulher. Mais que atrevida, era picante.
Estou tão apaixonada
Que, desde aquele beijo,
Sinto a alma envenenada,
E talvez te ame por isso.
Os gestos e o rosto de Beatriz tiveram n condão excitar os espectadores. Quando acabou, a ovação não foi tão espontânea como a anterior; não reagiram, adormecidos, enervados pelos pensamentos que a canção lhes havia inspirado.
Michael Erdman não escapou ao encanto da mulher. Quando reagiu, não lhe bastaram as mãos para aplaudir a artista e disparou a sua enorme pistola contra o te abrindo gretas e derrubando teias de aranha.
Beatriz desceu do palco e passou por entre as mesas movendo o corpo com a arte que havia aprendido e bem dominava. Aproximou-se de Erdman que guardou a pistola e se inclinou diante dela. Voltaram juntos ao balcão, acompanhados por todos os olhos.
— Bebe? — perguntou ele.
— Bebo — respondeu ela.
— Peça, por favor.
Pediu uísque. Sabia que aquilo não seria bem recebido por aquela gente, mas estava decidida a começar já. Não queria fingir de mulher inocente, queria demonstrar que tinha vivido e não se detinha diante daquelas coisas que considerava como estupidez.
Erdman. como dono de quase toda Wichita, inevitavelmente vaidoso, podia picar o anzol. Muito depressa seria conhecida na cidade, em Kansas inteiro. Se Erdman se informasse de que aceitava a companhia de algum homem, seria capaz de deitar fogo à povoação e levá-la consigo. Isso no que dizia respeito à vaidade, mas jogava uma cartada muito importante ao procurar despertar-lhe amor ou paixão.
— Está de passagem por Wichita? — perguntou o fazendeiro.
— Sim. Creio que continuarei mais para o Oeste…
— Sozinha?
— Melhor só que mal-acompanhada.
— Que tem a fazer no Oeste?
— Espera-me um homem.
— Noivo?
— Pois, não... embora talvez o sejamos.
— Rico?
—Rico.
—Poderoso?
— Não conheço o conceito de poderoso no Oeste.
— Eu sou poderoso — respondeu Erdman inchando o peito.
— Ah!, sim?
— Toda a Wichita é minha.
— Oh! — o «O» que os lábios femininos desenharam puseram o fazendeiro nervoso.
— E sou solteiro.
Beatriz bebeu um sorvo de uísque deixando que o líquido lhe humedecesse os lábios e os fizesse brilhar; depois sorriu ao homem. Erdman pôs-se nervoso.
— Como se chama? — perguntou.
— Beatriz, para os amigos.
— Eu posso considerar-me seu amigo?
— Porque não?
Beatriz voltou a sorrir. Desta vez fê-lo porque a falta de habilidade do grande homem poderoso lhe dava graça.
— Obrigado... E quando se vai embora?
— Amanhã.
— No comboio?
— Sim, no comboio.
— E não nos voltaremos a ver?
— Porque nos havíamos de ver?
— Pois, porque... bem, a menina... — Erdman teve de procurar auxílio no álcool; bebeu um longo sorvo e depois de passar as costas da mão pela boca, disse — Porque gostaria de a voltar a ver. A menina é muito bonita, compreende-me? Gosto muito de si... Oh! Na sei como dizer-lhe.
— O senhor também me agrada.
O rude fazendeiro não esperava aquilo. Era mais aquilo que ele era capaz de ouvir. Como um louco agarrou as mãos de Beatriz.
— Beatriz!
— Esteja quieto que nos podem ver... Aqui não.
Esta confissão também era mais do que podia ouvir, muito mais. Pôs-se nervoso, corado, trémulo. Olhou para seu irmão Jim e para o captai; os dois pareciam distraídos alheios ao diálogo do par. Voltou a olhar para Beatriz e disse:
— Saiamos.
Puxou-a por um braço. Já não era com timidez, era com cobiça. Ela seguiu-o. O sol já se havia ocultado e a rua estava cheia de gente. Foram vistos. Todos cumprimentavam amavelmente o fazendeiro. Caminharam depressa. Chegaram a um estábulo e Michael Erdman, depois de pedir a Beatriz que o esperasse, entrou voltando a sair pouco depois com u carro puxado por um magnifico alazão. Desceu de um salto e convidou-a:
— Suba.
— Aonde vamos?
— Vamos dar um passeio. Iremos até ao lago.
Ela acedeu. Porque não? Erdman estava a picar o isco. Abandonaram a cidade ao trote alegre e elegante do majestoso cavalo. Quando surgiu diante deles o imenso vale coberto de erva fresca que em certos lugares atingia quase um metro de altura cobrindo por completo as patas do animal e as rodas do carro, o fazendeiro disse:
— Tudo isto é meu.
— Tudo?
— Tudo. «Tudo» eram quilómetros e quilómetros de pastagens, eram montes e rios, terra e céu. Contornou urna pequena colina, ou melhor, um cerro o aos olhos dos dois apareceu uma pequena e longínqua cordilheira, muito suave, apenas uma mancha no horizonte plano. Quando começaram a surgir casas e se distinguiu um majestoso edifício ao longe, Erdman disse:
— Tudo isto é meu.
— Tudo?
Beatriz fingia admiração, assombro. Erdman ia-se animando. Junto de um regato começaram a aparecer algumas reses e depois estas foram-se multiplicando até se contarem mais de mil. Também havia gado cavalar, mais de quinhentas cabeças, magníficos exemplares, uns selvagens e outros produtos de reprodução.
— Tudo isto é meu, Beatriz.
— É imensamente rico.
— E pode ser seu, Beatriz.
Ah! Ali estava o assunto. Quis assegurar-se de que havia ouvido ou interpretado bem as palavras de Erdman.
— Como diz?
O fazendeiro puxou as rédeas e parou o cavalo. Voltou-se para a mulher e, já muito mais animado, disse:
— Gostei de si quando a vi assomada à janela do comboio.
— Não notei que me visse.
— Ceguei... não me atrevi a continuar a olhá-la. Beatriz, eu...
Faltou-lhe a coragem. Ela ajudou-o.
— Quando uma pessoa vê tanta grandeza, sente-se pequena — disse, abarcando com um gesto tudo o que os rodeava.
— Pois pode ser teu. Deixa-me tratar-te por tu, Beatriz. Gosto de ti, compreendes? Sinto que estou a envelhecer. Na minha idade já devia estar casado e a fazenda «M. E.» já devia ter herdeiros. Preciso de ti. Compreendes o que quero dizer?
— Não.
— Um homem como eu não pode casar com uma camponesa, necessita de uma senhora para que o bom nome seja respeitado e os filhos se sintam orgulhosos dos seus apelidos. Tu és muito formosa, tens muita personalidade... quero tornar-te minha esposa.
— Michael! — exclamou ela. — É muito cedo. Só nos conhecemos há algumas horas.
— Não importa, chegaremos a amar-nos. Quero que me digas que sim e depois, se quiseres, esperaremos. Mas temos de nos casar depressa para podermos ter muitos filhos; tu também não és demasiado jovem e devemos aproveitar o tempo.
Beatriz teria soltado uma das suas frases, mas conteve-se. Ao fim e ao cabo, preferia que lhe chamassem velha rica que jovem pobre.
— Michael... eu... Eu não sei que responder.
Foi tudo Ele atreveu-se a tomá-la pela cintura. Beatriz aproximou a cabeça oferecendo a cara, fechando os olhos, fazendo tremer os lábios e as pálpebras, fazendo estremecer o corpo. Erdman não pôde resistir e beijou os lábios que se lhe ofereciam. Afastou o rosto um momento para pedir perdão do seu atrevimento, mas vendo que os olhos da mulher continuavam cerrados, tentou beijá-la novamente, mas então foi ela quem se afastou.
— Michael... compreende.
— Amo-te, Beatriz!
— Michael, deixa-me recapacitar, pensar... Devia ir para a Califórnia; Joe espera-me. Não é que eu o ame nem lhe tenha dado alguma vez esperanças em relação ao matrimónio, mas...
— Não te quero perder — rugiu o homem.
— Não me perderás. Continuarei em Wichita se quiseres, mas deves dar-me tempo. Foi tudo tão repentino!...
— Viverás em minha casa.
— Não, Michael, não pode ser.
— Bem, no hotel, mas só te dou uma semana para pensares; passada esta eu... eu... Rapto-te!
— Oh, que louco és!
Então ele roubou-lhe um beijo e ela correspondeu.
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