sexta-feira, 14 de outubro de 2022

BIS207.09 A lápide delatora / o legítimo herdeiro


Maria Andella, que tinha aprendido a responder quando lhe chamavam Lena, quase não falava, quase não sorria. Dissera ao pai: 

— É uma canalhice, estamos a enganar um homem bom que arriscou a vida para encontrar a Lena Coleman. 

— E já a encontrou, filha. Tu és a Lena! 

— Oh, mamã! O dinheiro transformou-nos a todos! Não devíamos ter feito isto! 

—O teu pai decidiu-o, ele sabe o que nos convém. Ao fim e ao cabo, a Lena não existe; portanto, não privámos ninguém do seu dinheiro. Minha filha, o que deves fazer é olhar menos para esse jovem, é preciso que ele parta, pois, a sua presença aqui é um perigo constante. Em qualquer momento podemos ter um deslize e denunciar-nos. É necessário que o doutor Grosvenor volte à sua terra. 

— Eu não o retenho, mamã. 

— Sim, filha, reténs; ele apaixonou-se por ti. Ou ainda não o notaste? E isso sim, é uma loucura. E preciso que esse jovem nos deixe quanto antes. O teu pai quer abandonar esta região, desaparecer. Compreendes? Com esse dinheiro que temos no Banco compraremos terras longe daqui, na Costa, e viveremos maravilhosamente, conhecerás outros jovens com o teu próprio nome, tão atraente como esse médico. 

— Como o Jim não, mamã. Como ele não há outro —murmurou Maria. 

Margaret Andella exclamou: 

— Meu Deus, o que temia! Também tu o amas! É uma loucura, perderíamos tudo, não compreendes? E ele desprezar-te-ia por teres tomado o lugar da Lena! 

Maria começou a chorar. 

— Vocês obrigaram-me a fazê-lo, eu não quero esse dinheiro, prefiro-o a ele! 

—Pequena, minha pequena, já é impossível! Ficas neste quarto e não saias dele até que esse jovem parta de Green River. Eu ocupar-me-ei do que isso suceda quanto antes. 

Maria ficou a chorar. A mãe fechou a porta do quarto e desceu ao salão, onde se encontrava Jim Grosvenor com Benjamin. Margaret aproximou-se deles, fazendo um esforço para dissimular a sua preocupação. 

— Ainda cá está, senhor Grosvenor? Ainda agora Lena me perguntou quando regressaria ao Texas. 

O tom de Margaret Andella foi quase grosseiro. Jim Grosvenor corou um pouco. 

— Talvez a Lena deseje que eu parta, senhora. 

Margaret, em tom seco, porque a situação lhe desagradava, replicou: 

— Na verdade, jovem, a Lena sente-se um pouco incomodada pela sua maneira de olhar para ela. Sou da opinião que a sua missão entre nós terminou. Não pretendo ser ingrata, sei que lhe devemos muito, mas devo preocupar-me com a Lena e com os seus interesses. Ela é agora uma rapariga muito rica, pode aspirar a um casamento vantajoso, e não me agrada que se entretenha com jovens agradáveis, simpáticos, inteligentes, como você, mas que não pertence à classe social dela... 

— Margaret! — exclamou Benjamin. — Não deves falar assim ao Jim! 

Jim Grosvenor sorriu. 

— Ela sabe o que diz, Benjamin, e além disso tem razão. A Lena é agora uma rapariga demasiado rica para que um medicastro, que nem sequer clientes tem ainda, pense nela. E muito menos quando poderia parecer que o fazia precisamente por causa da sua riqueza. Tem razão, senhora, devo regressar ao Texas, já nada me retém aqui. Partirei hoje mesmo. 

Margaret disse, com a mesma forçada secura. 

—É preferível que não se despeça da Lena. Eu fá-lo-ei em seu nome. E, naturalmente, você já sabe que seremos sempre seus amigos e que nunca esqueceremos quanto lhe devemos.  Jim respondeu com ironia: 

— Sei que não esquecerão. Diga à Lena que lhe desejo muita sorte e que encontre o homem que merece. 

Benjamin Andella balbuciava desculpas. Quando Jim Grosvenor saiu do salão, increpou a esposa: 

— Não o devias ter tratado assim, é nosso amigo, trouxe-nos uma fortuna e... 

—E apaixonou-se pela Maria, e se fica cá mais tempo acaba por descobrir que ela não é a Lena, ou algum de nós denuncia-se por um deslize. É um homem honrado que, mesmo amando a Maria, nos tiraria o dinheiro. É isso que queres? 

— Não, claro que não. Tens razão, Margaret, és muito esperta. Mas é tão duro... é um rapaz encantador. 

— De qualquer modo, é melhor que ele parta, Benjamin. 

Jim Grosvenor partiu nesse dia, com o coração cheio. de amargura. Despediu-se friamente dos Andella e, com a sua maleta presa à sela, empreendeu o regresso ao Llano Estacado. 

Grosvenor regressou pelo mesmo caminho que o tinha levado a Green River, ainda que muito mais rapidamente, pois não tinha de procurar ninguém. Numa semana chegava a Telluride, o sítio onde tinha iniciado a perseguição aos Andella, e como o seu cavalo estava exausto, decidiu descansar um par de dias. 

Alojou-se no mesmo hotel em que ficara da primeira vez. O empregado sorriu-lhe, ao reconhecê-lo. Jim inscreveu-se no livro e, depois de verificar que o seu cavalo era atendido, subiu ao seu quarto. O encarregado esperou que Jim desaparecesse pela escada, para chamar um criado e dizer-lhe: 

— Fica aqui um momento, preciso de ver uma pessoa! 

Atravessou a rua, caminhando uns passos pelo passeio oposto, e depois entrou num «saloon». Aquela hora não havia muitos clientes, mas um destacava-se entre todos. 

Um homem alto, de cabelo grisalho, ar altivo, que estava sentado a uma mesa, falando com outros dois homens. O empregado do hotel aproximou-se dele, dirigindo-lhe com respeito. 

— Senhor Coleman... tenho para si uma notícia de interesse. 

— Fale. 

O homem falou rapidamente e pouco depois conduzia os três homens para o hotel e, precedendo-os, subia ao primeiro piso, assinalando uma porta. Grosvenor estava a lavar a cara quando ouviu bater. Sem se voltar, disse: 

— Entre! 

Os três homens entraram. Grosvenor, ao ver que não se tratava de um criado, voltou-se, olhando-os com surpresa, ao ver as armas que empunhavam. O mais alto disse: 

— Permita-me que me apresente, doutor Grosvenor. Chamo-me Matt Coleman. 

—Matt Coleman? Que espécie de brincadeira é esta? 

Matt Coleman sentou-se na cama e estendeu as pernas. 

— Não é nenhuma brincadeira. Sou primo do outro Matt Coleman, o que foi seu paciente no Llano Estacado. Dizem mesmo que nos parecemos um pouco. Eu sou mais novo que o pobre primo Matt... Avisaram-me de que você tinha voltado a esta linda cidade. Precisamente eu preparava-me para continuar viagem à sua procura... Pobre primo Matt! Quando soube que tinha morrido, fiz uma longa viagem para ir rezar sobre a sua tumba. Não nos víamos havia muitos anos... talvez ele me tivesse esquecido. Mas já havia algum tempo que eu sabia da sua prosperidade e tinha decidido ir visitá-lo um dia ou outro. Infelizmente, não foi possível, mas fui para rezar por ele e também para reclamar a herança, pois julgava ser o seu único parente. No Llano Estacado ninguém sabia o que tinha acontecido à fortuna do pobre Matt, nem advogados, nem amigos... ninguém. Até que me disseram que você tinha empreendido uma certa viagem. Você contou a algumas pessoas da cidade o motivo dessa viagem: a filha do pobre Matt, o dinheiro em notas de Banco. 

Grosvenor olhava com desgosto para aquele homem que podia na verdade ser primo de Coleman ou outro ambicioso bandido como Harold. 

— Perdeu o seu tempo, pois o senhor Coleman tinha uma filha e ela é a herdeira. Não compreendo o que faz aqui. Entreguei esse dinheiro e tenho um recibo que prova. 

— Sim? É curioso... este assunto é todo ele muita curioso. Vim a Telluride na esperança de encontrar a filhe do meu primo, só para expressar-lhe a minha simpatia só para isso. Isto é, desinteressadamente, pois a herança era dela. E também para comprovar se você era um homem tão honrado como devia pensar o pobre Matt e realmente entregava o dinheiro à pequena. E cheguei à conclusão de que o Matt se enganara, de que você é um vulgar patife! 

Grosvenor, que escutava com impaciência o segunde senhor Coleman, rugiu: 

— Que diz você? 

— Que você é um ladrão, senhor Grosvenor, que ficou com o dinheiro do meu primo. 

Grosvenor lançou o punho direito, alcançado Coleman na boca. O homem caiu na cama, mas, quando os seus dois companheiros já amartelavam as armas, teve tempo de impedi-los de disparar. 

— Não, quietos! Não disparem! 

— Receio que você seja um ladrão, amigo! — dizia Grosvenor, furioso. — Não sei se é realmente primo do Coleman ou não, mas perdeu o seu tempo. O dinheiro tem-no Lena Coleman e não tenciono dizer-lhe onde se encontra! Prefiro que você não a conheça! 

Matt Coleman levantou-se, tocando na cara. 

— Tirem-lhe as armas. Vamos dar um pequeno passeio, doutor. 

Grosvenor tentou resistir, mas empurrando-o com os revólveres, obrigaram-no a sair. Tinha empalidecido, pois calculava que iam assassiná-lo num descampado ou, pelo menos, espancá-lo até que falasse. 

Esperando o momento de agir, deixou-se levar pela rua, e depois para fora de Telluride. Um muro de tijolos foi o seu destino. Tinha um portão gradeado e Coleman riu. 

— Sim, isto é o cemitério, mas não se assuste, doutor, não vamos matá-lo. Não o trouxemos aqui para que fique como inquilino... por agora! Entre! 

Empurraram com tanta força que o fizeram cair, depois de tropeçar. Coleman inclinou-se para ele, dizendo--lhe em tom violento: 

— Vamos, olhe para essa lápide que está junto de si, leia a inscrição, veja bem! 

Grosvenor obedeceu. E imediatamente levantou-se, aturdido, sem compreender. Na lápide havia dois nomes e uma só data: 


VIRGINIA ANDELLA E LENA COLEMAN 

MORTAS EM PLENA INFÂNCIA, NUM DESGRAÇADO ACIDENTE


A data, dezasseis anos antes. 

-- Lena Coleman! -- murmurava Grosvenor. 

— A filha do Matt, do meu pobre primo Matt, morta há dezasseis anos! Enterrou aí o dinheiro, doutor? Não me diga que o fez! E a não ser assim, como o entregou a alguém que morreu há dezasseis anos? 

Dois revólveres apoiavam-se na cabeça de Grosvenor, que respondeu, sem olhar para Coleman: 

— Não sabia... Eu perguntei pela família do Benjamin Andella, disseram-me que tinha partido para o Noroeste havia anos... Segui para Noroeste... 

Matt Coleman olhava para ele com curiosidade. 

— Você parece realmente surpreendido. Eu perguntei por Lena Coleman e trouxeram-me aqui. Finge muito bem a surpresa, doutor. Se não houvesse essas centenas de milhares de dólares pelo meio, acreditaria em si, mas, nas atuais circunstâncias, vejo-me obrigado a desconfiar. Morta a Lena, sou eu o único herdeiro conhecido, amigo. Eu e não você! Portanto, venha o dinheiro! Largue-o, ou não sairá daqui! 


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