— Onde diabo...? O barulho vem desse lado! — indicou Matt Coleman, levantando-se um pouco.
Então, ao levantar-se, viu os cavalos. Baixou-se rapidamente, murmurando:
— Não vêm pelo caminho, vêm pelo campo, atrás de nós! Não disparem se não for preciso; mandá-los-emos parar quando chegarem aqui, é preciso evitar que nos escapem! Disparem só se fugirem. Vou tentar enganá-los.
Os dois homens tinham os revólveres nas mãos, preparados. Matt Coleman esperou, levantando-se quando os cavalos estavam quase sobre eles. Ergueu os braços, gritando:
— Alto, por favor, não se assustem, não é um assalto. Façam o favor de...
Emudeceu ao notar que só um dos cavalos estava montado, Os seus homens já se lançavam sobre aquele cavalo, que sujeitaram com força, segurando-o pelas rédeas e pelas crinas. O cavaleiro, que sem dúvida tinha apanhado um bom susto, quis fugir, gritando. Matt Coleman disse, aproximando-se dele:
— Não se assuste, maldição, só queremos comprar-lhe esses cavalos... Segurou-o por uma perna e o cavaleiro caiu ao solo, voltando a gritar. Então, Matt notou que era um grito demasiado agudo. Compreendeu que se tratava de uma mulher.
Os seus companheiros notaram algo mais. Os três cavalos que levava pela arreata, eram os deles!
— Chefe, são os nossos cavalos, foi esta rapariga que os roubou!
Maria tinha-se levantado e tentou fugir. Só naquele momento compreendeu que durante horas cavalgara em círculo, voltando ao ponto de partida. Só então notou que aqueles eram os homens de quem fugia. Viu a massa escura da estalagem de Jones, a amarelenta luz que saía da porta. E lançou um grito de desespero.
A jovem estava encostada a uma coluna do tejadilho. Matt Coleman tinha mandado levar para o portal todos os candeeiros da casa, para examinar os cavalos e ver se não estavam magoados. E também para observar a jovem.
— Bela rapariga. Que vida! Jovem, bonita, e roubando cavalos. Sem dúvida, os teus amigos paravam por aí. Tu! Vê o que ela leva nesse saco!
Maria gritou:
— Não lhe toquem! Não se atrevam!
Um dos homens, rindo, abria o saco. Matt dizia:
— Temos o direito de enforcar-te, rapariga, é a Lei deste território. Portanto, a tua vida pertence-nos. Que há nesse saco?
O homem meteu a mão entre as roupas. Maria fechou os olhos, voltando a cabeça. O homem riu, fechando o saco.
—Roupas, roupas íntimas, Matt! Veja-se um ladrão com roupas delicadas. Quem havia de dizer?
Maria abriu os olhos. De momento, o dinheiro estava salvo. Mas, e ela?
— Que vão fazer comigo? — perguntou.
Bertha e Jones contemplavam a cena da porta. Bertha murmurava de vez em quando algo pouco agradável dedicado aos três homens.
— Não sei ainda. Depende. Talvez te entregue ao primeiro xerife. Desconcertas-me, pequena. És bonita, pareces educada... Para que querias esses cavalos?
— É que... Os meus irmãos perderam os deles, estão no deserto e eu...
Matt Coleman riu.
—De que deserto estás a falar? Aqui não há nenhum deserto. Estás a mentir, pequena. Continua a revistar, tu, vê bem a sela.
— Este ladrão de saias tem um magnífico cavalo uma sela excelente.
— Pode ser que também o roubasse — disse Matt.
— Não, esse cavalo é do meu pai, não o roubei!
— Agora pareces sincera, rapariga. Se o teu pai tem um cavalo como esse e uma sela assim...
O homem que olhava para a sela lançou um assobio de admiração, chamando:
— Chefe! Veja isto!
Matt Coleman aproximou-se do cavalo. O homem indicou-lhe uma parte da sela, que era uma magnífica peça de couro vermelho com adornos de prata que Benjamin Andella comprara em Green River, ao receber o dinheiro de Grosvenor. No bordo direito da sela, estava gravado, sobre a prata, o nome do dono.
— Benjamin Andella! Esta sela pertence a Benjamin Andella! — murmurou Matt Coleman, estupefacto. —E a rapariga, suando disse que a sela era do pai, parecia não mentir...
Voltou-se para Maria, sorrindo. Se aquela era a filha de Andella, o homem não podia estar longe. Matt era astuto, começava a compreender...
— Tu ouviste-me ontem à noite perguntar por Benjamin Andella. Tu não és ladra de cavalos, não é verdade? Claro que não! Um ladrão de cavalos, homem ou mulher, nunca se teria perdido tão lamentavelmente, voltando a esta pousada. Levaste os cavalos para impedir que pudéssemos encontrar o teu pai. Ias avisá-lo, querias ganhar tempo. Muito valente, pequena! Mas como vês... não conseguiste nada. Só demonstraste que o teu pai está perto. E facilitaste-nos o modo de encontrá-lo. É muito simples. O que faremos será deixar que ele nos encontre a nós... Limitar-nos-emos a esperá-lo. Porque tenho um palpite de que ele virá até aqui. Tu és a filha dele, tens o seu cavalo e a sua sela com o nome gravado... Não sei o que fazias por aqui sozinha, mas, se não voltares para junto dele, virá procurar-te. Não deve querer perder uma sela como esta.
Matt acariciava a sela de couro vermelho, olhando muito sorridente para a rapariga, que não dizia nada, parecia a ponto de desmaiar. Bertha aproximou-se dela, resmungando:
— Deixem de torturar esta menina! Que espécie de cavalheiros são vocês?
Matt empunhou o revólver, apontando-o à mulher e contendo-a com um gesto.
— Não se mova, senhora. Taberneiro, recomendo-lhe cuidado. A partir deste momento, vamos dirigir a vida nesta estalagem. A partir deste momento e até que cheguem os que esperamos. Entrem na casa, todos!
As lâmpadas fumegavam, enchendo a sala de fumo. A triste luz do amanhecer entrava pelas janelas. Aquela hora, a miserável estalagem era mais desagradável que Jones balbuciou:
— Posso apagar as lâmpadas? O azeite é caro e...
— Apague-as e cale-se! — gritou Matt Coleman.
Tinha continuado a beber da garrafa. Estava impaciente, nervoso, o que o tornava ainda mais perigoso. De vez em quando olhava para Maria Andella, sentada a um canto, com Bertha, que tentava distraí-la um pouco. Os dois pistoleiros permaneciam no portal, lutando contra o sono.
— Isto é um negócio, senhor. Quer que feche, que receba só quem ordena. Mas eu tenho despesas... isto é um negócio...
— Pagar-lhe-ei os prejuízos, mas cale-se! — gritou Matt. — E dê-me outra garrafa!
— Bebe como uma esponja. Mas isso é assunto seu.
Matt destapou a garrafa com os dentes, servindo-se depois de uma generosa dose. Bertha murmurou para a rapariga:
— Se continua a beber assim, está debaixo da mesa não tarda.
—É um homem de ferro. E o meu pai virá, virá atrás de mim, vou trazê-lo a esta armadilha!
— Minha filha, fizeste uma loucura. Mas não desesperes, é possível que o teu pai não te encontre, e nesse caso esse homem ficaria burlado...
— O meu pai não descansará. Deixaram o cavalo lá fora para que ele o veja do caminho. Tem de passar por este caminho...
Bertha obteve autorização para preparar um pequeno--almoço, vigiada por um dos homens. Matt Coleman perguntou a Maria, aos gritos:
— Que espécie de pai tens tu, que não aparece por aqui?
— Disse-lhe que não viria. Não vai procurar-me...
O homem que estava no portal entrou anunciando:
— Aproxima-se uma carroça de Noroeste chefe! Guia-a um homem muito corpulento! Maria empalideceu, e Matt, que a observava, começou a rir.
—Um homem corpulento! O ferreiro, todos os ferreiros o são! Entra, deixa-o ver o cavalo! Não conhece nenhum de nós, não desconfiará!
Maria pôs-se de pé, suplicando:
— Não o matem! Por Deus, tenham compaixão, não o matem!
— Não tenciono matá-lo, pequena. Não sou um assassino. Ele tem algo que me pertence. Enganou um mensageiro e apoderou-se de um dinheiro que é meu. Quando mo der, tudo terá terminado. Não lhe reprovo o engano, talvez eu tivesse feito o mesmo no lugar dele. Cuidado, rapariga, se o avisas, se o impedes de entrar, matámos-te a ti e a ele também. Vamos vê-lo da janela. Vocês, taberneiros, fiquem no balcão, limpem, ajam com naturalidade! Um sinal de alarme e ficam sem estabelecimento!
Os três homens sentaram-se à volta de uma mesa, junto de uma janela. A carroça tinha-se detido, com grandes gritos do condutor para conter os cavalos. Benjamin Andella, que era o condutor, dizia:
— Margaret, aqui está o cavalo! Encontrámo-la por fim! Olha, o meu cavalo! Maria! Maria!
Saltou para o solo, depois de amarrar as rédeas ao travão. Com grandes saltos entrou na estalagem, enquanto Matt avisava, a meia voz:
— Cuidado, menina!
Benjamin Andella apareceu arquejante, sorridente e sufocado. Em frente dele estava a filha, angustiada, pálida. O ex-ferreiro disse:
— Maria, como és impulsiva! Podias ter-te perdido, e...
Matt Coleman levantou-se, dizendo em voz alta:
— Levante as mãos, senhor Andella. Estamos a apontar para si, não faça asneiras e obedeça, pois, pode perder a sua filha se não o faz. Chamo-me Matt Coleman e venho do Llano Estacado. Sou primo do seu velho amigo.
O ferreiro voltou-se, muito lentamente, murmurando:
— Uma armadilha, utilizaram a minha filha... uma suja armadilha...
— Não fale de armadilhas. Você disse ao doutor Grosvenor que a Lena Coleman vivia. Você é o aldrabão número um. Bom, a Lena morreu há muitos anos. Assim eu sou o legitimo herdeiro do meu primo Matt. Espero que não me façam perder tempo. A vida é melhor que o dinheiro. Está disposto a devolver o que não é seu?
Benjamin Andella gritou:
— Não sei quem é você! Porta-se como um salteador de estradas, não vou acreditar nas suas palavras!
Matt Coleman abanou a cabeça. com desgosto.
— Não me agrada gente desconfiada, Andella. Mas esquecerei isso. Posso provar quem sou, trouxe documentos suficientes, garantidos por um Banco sério, inclusivamente uma fotografia minha também certificada pelo Banco. Sabia que exigiriam que provasse a minha identidade. Vou pôr tudo sobre essa mesa para que examine. E lembre-se, a cabeça da sua linda filha está em frente dos nossos revólveres...
Andella olhou para os documentos. Além da fotografia, havia uma descrição minuciosa de Matt Coleman. Tudo parecia legal e autêntico. O ferreiro, que já tinha poucas dúvidas, convenceu-se de que, pelo menos naquilo, aquele homem não mentia. Mas nem mesmo assim estava disposto a renunciar à fortuna.
— Pode ser que você seja primo do Matt Coleman. Há mais de dezassete anos que não vejo o Matt. Se se julga seu herdeiro, vá ao Llano Estacado reclamar, ele vivia lá. Não tenho nada dele!
Antes que Coleman respondesse, Maria Andella interveio, com a voz afogada pelos soluços.
— Pai, dê-lhe o dinheiro, não é nosso, dê-lho de uma vez para que parta. Não precisamos dele para ser felizes! Esse dinheiro está amaldiçoado, dê-o a esse homem!
— Cala-te, Maria!
— Matar-nos-ão a todos! Não quero que nos convertamos em fugitivos! Dê-lho ou nunca voltarei para junto de si! Dê-lho!
Andella, com as lágrimas nos olhos, não respondia. A rapariga pegou então no seu saco de lona e lançou-o aos pés de Matt Coleman.
— O dinheiro está aí! O dinheiro de um bandido, é justo que vá para outro bandido! Tome-o, e parta de uma vez, senhor Coleman!
Matt Coleman ajoelhou-se. Com mãos trémulas abriu o saco, espalhando a roupa pelo solo. Depois removeu-a até que os maços de notas apareceram.
— Aqui estão! O dinheiro do primo Matt! Por fim consegui- o! O meu dinheiro! Não me enganou o velho bandido!
Ria, contando apressadamente as notas. Os seus companheiros olhavam fascinados. Tinham dado uns passos, aproximando-se do dinheiro. Estavam tão absorvidos, que não notaram que uma nova personagem entrara na estalagem. Um homem que, depois de olhá-los por instantes, disse em voz alta:
— Despeçam-se desse dinheiro. Não lhe pertence, senhor Coleman. Mesmo que seja realmente primo do outro Coleman.
Matt voltou a cabeça, sorrindo com troça.
— Você outra vez, doutor?
— Eu, outra vez e com um revólver. Não lhes aconselho que tentem disparar os vossos.
Matt levantou-se, com calma. Ele tinha guardado a sua arma, mas os seus dois amigos tinham as deles ainda que apontando para o solo.
— A sua missão já terminou, doutor. Se trata de ser leal ao meu primo, e, uma vez que a Lena Coleman morreu, não deve ter inconveniente em que eu tome conta do dinheiro. Na mesa estão os meus documentos.
— Não duvido que seja quem diz. Inclusivamente que seja o único parente de Matt Coleman. Nesse caso, suponho que a casa do Llano Estacado e as suas terras passarão a ser suas quando o juiz o decidir. Mas este dinheiro, amigo, este dinheiro não pertence à herança do «Senhor do Llano Estacado». Entregou-mo com um destino determinado, antes de morrer: era para a sua filha Lena. E se esta não vivesse ou não fosse encontrada, destinava-se a construir um hospital em Abilene. Afaste, pois, as suas mãos do dinheiro. Será para um hospital, que terá o nome de Matt Coleman, que é também o seu, amigo.
— Isso é muito divertido. Espera que eu renuncie a uma fortuna só pelo que diz, que lhe permita levar o dinheiro para um hipotético hospital. Você é louco, doutor. Esteve à beira da morte, há dias, e volta a tentar a sorte. Os meus homens matá-lo-ão se tentar apoderar-se deste dinheiro, jovem.
— E eu mato-o a si se lhe toca, Matt — disse Grosvenor, com calma, sem violência. — Em Abilene faz muita falta esse hospital. O seu primo ganhou esse dinheiro com poucos escrúpulos; é justo que volte para aqueles a quem o roubou, através do hospital.
Matt Coleman rugiu, alterando o tom da sua voz, tornando-a furiosa:
— Basta! É meu e basta! Disparem, disparem contra ele!
Jim Grosvenor, que apontava para Matt Coleman, saltou para trás. Para ter mais campo de ação, teve de desviar a sua arma para um lado, para o mais rápido dos pistoleiros, que já levantava o revólver. Apertou o gatilho e ainda a detonação atroava o pequeno edifício, enquanto Bertha gritava histericamente, e já Jim voltava a disparar.
Desta vez a sua bala alcançou o outro. O chumbo disparado pelo segundo pistoleiro roçou a cabeça de Grosvenor, fazendo brotar o sangue. O projétil de Grosvenor não roçou a cabeça do seu adversário. Atravessou-a limpamente, fazendo-o tombar de costas.
Matt Coleman tocou nas notas; depois afastou-se delas, e de joelhos, como estava, perto do tesouro do seu primo, o «Senhor de Llano Estacado», «sacou» um revólver, armando-o com uma pancada da mão esquerda e apontando-o ao jovem médico.
Grosvenor inclinou-se para um lado, disparando de novo. Matt Coleman dobrou a cabeça, apoiando-a no peito e, depois de largar a arma, caiu sobre a roupa de Maria, sobre os maços de notas que tinham provocado a sua morte. Seguiu-se um silêncio, uma pausa. Jones, o taberneiro, suspirou ruidosamente.
— O dinheiro... sempre o mesmo, E ainda há quem proteste quando se lhes quer cobrar uma cerveja... A verdade é que o dinheiro é uma porcaria.
Maria olhava para Grosvenor sem se atrever a dizer nada, sem se mexer. O pai murmurou:
— Ajudá-lo-ei a guardar esse dinheiro, senhor Grosvenor. Disse-o com as palavras exatas: fazendo esse hospital, será bem empregado. Nós voltaremos a Green River, procurarei trabalho, espero que me perdoem a minha indignidade...
— Eu tenho trabalho para si, Benjamin, se quiser aceitá-lo. Em Abilene. Será o encarregado das obras do hospital, e depois seu administrador. Apanhe esse dinheiro, pois a partir deste momento ficará a seu cargo.
Benjamin corou.
— Atreve-se a pô-lo nas minhas mãos? Depois de eu querer roubá-lo?
— Faremos uma coisa. A Maria que diga se posso confiar-lho.
Maria baixou a cabeça.
— É muito bom... depois do que lhe fizemos...
— Queres vir para Abilene, Maria? — perguntou Jim. — Comigo?
— Não te mereço, Jim — murmurou ela.
Jim segurou-a por um braço, para tirá-la da estalagem. A senhora Andella e as suas outras filhas estavam ao pé da carroça, muito assustadas com os tiros. Quando viu a filha com Jim, e depois Benjamin, que saía com o saco do dinheiro, abraçou-se às filhas:
— Parece-me que acabaram as nossas amarguras, filhas!
Jim ajudava Maria, que montava no cavalo do pai. Benjamin guardou o saco na carroça, dizendo alegremente:
— Subam para a carroça, vamos embora daqui! Para Abilene!
-- E a Maria, Benjamin?
— A Maria já não precisa de nós, Margaret. Salvou--nos da desonra e agora abre-nos uma nova vida. Deus a abençoe!
Empreenderam a viagem para o Llano Estacado.
FIM
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