Richard Kennedy parecia uma fera enjaulada dentro daquela dependência, na tosca e pequena cabana que tinha escolhido para encerrar Marah Stivens.
Center, Curley e Corberry estavam com ele jogando as cartas a um canto. Marah atada e amordaçada encontrava-se caída sobre uma tosca esteira na dependência contígua.
Finalmente Kennedy deixou de passear de um lado para o outro para ir diretamente para a janela talvez pela centésima vez naquele dia. Esperava a chegada de Mac Gregor.
Sabia de certeza absoluta que este se lançaria em busca daquela mulher logo que notasse o seu desaparecimento. Também, conhecendo-o como conhecia, não receava enganar-se sobre as suas primeiras atuações.
Tinha a certeza de que iria a Cheyenne e reduzi ria a cinzas tudo quanto ele ali possuísse. Depois, talvez tocasse a vez do seu rancho. Mas ele não tinha medo. Cento e cinquenta mil dólares e aquela mulher... era a sua vitória certa sobre aquele homem!
Depois, tendo-a a ela como refém, ninguém levantaria um dedo contra Richard Kennedy e muito menos depois de saberem que Spencer Mac Gregor tinha sido morto. Obrigá-los-ia a sair da cidade. Depois, as coisas voltariam a correr como ele quisesse.
Ao chegar a este ponto dos seus pensamentos, Richard Kennedy, afastou-se da janela. Em duas passadas atravessou a pequena peça e penetrou na dependência contígua.
Marah estava a olhar para a porta quando este entrou. Depois cravou os olhos no rosto de Kennedy e este soltou uma praga ao reparar no infinito desprezo que neles havia.
A seguir deu dois passos rápidos e com um violento puxão tirou-lhe a mordaça. A rapariga aspirou com fruição umas duas vezes, enchendo os pulmões de ar antes de dizer, mastigando as palavras:
— Porco imundo! Que tencionas fazer de mim, assassino?
Parecia reforçar pausadamente as sílabas, pondo toda a fúria nestas últimas. Kennedy riu suavemente perante aquela ira.
— Vou matar-te, Marah. Embora a minha primeira ideia fosse meter-te uma bala no corpo. — tuteou-a. — Pensei melhor. Ele morrerá primeiro, por te amar, além de ter conseguido a minha ruína. E tu também o amas, não é verdade?
— Amo-o, sim. Amo-o muito, Richard Kennedy. E é melhor que metas a viola no saco e utilizes mais a massa cinzenta! Mac Gregor não virá. É uma armadilha demasiado estúpida para um homem tão inteligente como ele — olhou-o atentamente, admirada do tom que Kennedy empregara na sua última pergunta, e acrescentou depois com malícia: — Amo-o muito, Kennedy. Muito.
No mesmo instante o rosto de Kennedy transfigurou-se num estranho esgar. Depois riu como louco e quando deixou de rir, explodiu:
— Uma figa, Marah Stivens, nunca será teu! Estás a ouvir-me? Por isso, só por isso, ainda que não houvesse outra razão, te mataria. Estúpido! Nunca foi capaz de vencer-me. Como seria agora?
— Assassino maldito! Mas não o vencerás, Richard Kennedy. Ainda mesmo que ele venha. Porque se morrer, ficarão os seus homens.
— Ora! Para os vencer tenho-te a ti. Ou desaparecem ou te meto uma bala nessa linda cabecinha. És um refém muito valioso para mim, Marah.
— Pensou em tudo, não é verdade?
— Sim. Como na cartada de Cheyenne. Durante dias fiz correr o boato que andava a tratar com Terrence para a compra do seu rancho. Sabia que Mac Gregor iria visitá-lo deixando-te sozinha. Depois, apoderar-me de ti, seria coisa fácil. Quer na tua cabana, quer no caminho para Cheyenne — fez uma pausa para rir, acrescentando depois: — Tive sorte. Foram cento e cinquenta mil dólares que caíram do céu.
Era Marah quem ria agora.
— Muito senhor de ti te mostras, Richard Kennedy — tratou-o também por tu — mas ele não virá.
— Mandarei um dos meus homens ao «Três Barras». Ou vem, ou a tua cabeça irá dentro de um saco como um lindo presente de amor, Marah Stivens. Depois, a fronteira. Com cento e cinquenta mil dólares, pode-se começar outra vez e esperar que a sorte volte novamente.
Kennedy notou nesse instante um estremecimento na rapariga.
— Tremes, Marah?
Havia troça nos seus olhos e ironia nas palavras. Marah mediante um esforço, refez-se no mesmo instante.
— Matar-te-á, Kennedy. Se ele vier transformará o teu imundo corpo num passador.
Kennedy riu-se novamente. Quando se riu, algo de subtil flutuou no ambiente. Marah viu-se novamente envolta naquela estranha sensação que agora se lhe tornava intolerável. Remexeu-se inquieta sob as ataduras, enquanto no seu cérebro se formulava uma muda pergunta.
Kennedy deixou de rir e esta sensação desvaneceu-se, deixando-a completamente confusa. Depois...
— Ele não disparará contra mim. Mete isso bem na tua linda cabecinha, Marah.
Expressava-se com absoluta confiança e seus olhos brilhavam felinos. Marah voltou a estremecer. Se aquilo era verdade, que seria de Spencer e dela nas mãos daquele louco?
Fechou os olhos. A cabeça doía-lhe horrivelmente.
No mesmo instante recordou-se com clara nitidez do que acontecera próximo dos pastos do «Três Barras», quando juntamente com Millan, Rigdon e Talbot se dirigiam para ali, levando os cento e cinquenta mil dólares das rendas. A inesperada descarga que soara por detrás deles e que estendera sem vida os três homens. A sua tentativa de fuga e a pancada que Curley lhe dera na nuca quando conseguira alcançá-la, montado num cavalo infinitamente melhor do que o seu.
Que maldito segredo haveria entre aqueles dois homens de tão díspares pensamentos e que impedia um deles de matar o outro?
Marah continuou a pensar na conversa mantida com Richard Kennedy. O cacique de Cheyenne tinha sabido jogar bem a sua última cartada. Se Spencer, fosse à sua procura iria ao encontro da morte.
Uma infinita angústia se apoderou dela. Então abriu os olhos, não desejando pensar em mais coisa alguma.
Em frente dela, permanecia Kennedy com os olhos mais brilhantes do que nunca. Parecia ter adivinhado parte dos pensamentos da rapariga, visto que lhe perguntou, precisamente quando ela olhava para ele:
— Não encontras uma explicação, não é verdade?
Não. Para ela, pelo menos, não havia explicação possível. Mas o que respondeu foi algo bem distinto do que pensava:
— Assassino imundo!
Kennedy, por resposta, deu meia-volta e afastou-se rindo. Novamente ela se viu envolta naquela estranha sensação. Mas agora de uma maneira fugaz, pelo que mal conseguiu aperceber-se.
Reparou que Kennedy fechava a porta atrás de si, e então começou a lutar silenciosamente com as cordas que lhe oprimiam os pulsos e as pernas. Meia hora mais tarde, desistia.
A suar e ofegante, ficou quieta sobre a esteira, sem conseguir nada de positivo, a não ser, encher os pulsos de sangue.
O tempo foi passando lentamente para ela. Com os olhos cravados no azul do céu, que se via através da janela aberta, Marah, sentiu que a esperança e o temor que sentia de que Spencer Mac Gregor aparecesse inopinadamente, se desvaneciam por completo dentro de seu peito.
Entretanto, na dependência contígua, a partida continuava e Kennedy, com os seus vaivéns do centro da dependência até à janela. Tão seguro estava da sua impunidade perante Mac Gregor, que nem sequer lhe ocorrera ordenar a um dos seus homens que permanecesse do lado de fora, vigiando.
Mas, ao cair da noite, sem que nenhum tivesse levado nada à boca para mitigar a fome, Kennedy mudou repentinamente de opinião. Se Mac Gregor alcançasse a cabana sem que eles o vissem, poderia dar-lhes uma surpresa desagradável. Uma coisa era não querer disparar contra ele, e outra, bem distinta, era que, favorecido pelas sombras da noite, lhe assentasse uma boa pancada deixando-o momentaneamente fora do combate, para desfazer-se depois dos outros a tiro, com o que Marah Stivens, e com ela o triunfo que tinha como certo, lhe escaparia das mãos.
De novo junto da janela, olhando para o exterior, Kennedy maldisse-se por não ter pensado nisso antes. Porque aquilo bem poderia ter sucedido em pleno dia, enquanto ele perdia o tempo a falar com Marah, e os seus homens se encontravam enfronhados na partida de «poker», partida que ainda continuava.
Tudo era trevas fora da cabana. No horizonte havia certa claridade precursora do rápido aparecimento da lua. Kennedy afastou-se da janela e disse, encarando os dois jogadores.
— Deixem o jogo. É noite.
As cartas ficaram abandonadas sobre a mesa suja, imóveis.
— Mac Gregor não virá, senhor Kennedy.
— Cala a boca, Corberry. Conheço-o melhor do que ninguém... e virá. Se fosse por causa do dinheiro seria outra coisa. Mas há... Marah Stivens. És preciso lá fora. Em frente da casa, Corberry. Curley e Genter que vão para a parte detrás. Se puder ser, apanhem-no vivo. Eu fico cá dentro.
Não replicaram. Mas os olhos de Curley adquiriram um inusitado brilho perante as palavras finais de Kennedy. Este sorriu, com um sorriso onde havia um pouco de asco e bastante desprezo.
Corberry foi o primeiro a sair. As suas armas, repousavam nas fundas quando atravessou o umbral da cabana. O mesmo não aconteceu com Genter e Curley que as levavam nas mãos muito antes de alcançar a saída. Depois, colados com a parede de troncos deram a volta ao edifício, acabando por se embrenharem por entre as árvores.
No interior, Kennedy, com os «Colt» nas mãos foi até junto da rapariga deixando a porta aberta. Não apagou a luz da lâmpada de petróleo. O homem que entrasse por aquela porta oferecia um alvo magnífico. Sentou-se aos pés da esteira, e Marah Stivens estrebuchou nela.
— Reza, mas não grites, Marah Stivens. Vai nisso a tua vida.
Ela imobilizou-se imediatamente, sentindo que a esperança e o temor voltavam ao seu peito.
Então, Richard Kennedy voltou a pensar em Mac Gregor e com mais insistência do que nunca, noutra possibilidade que lhe não tinha ocorrido até então. E se viessem todos? Não poderiam falhar todas as suas conjeturas no último momento. Mas não. Não podia ser. Ele conhecia muito bem Mac Gregor. Tinha a certeza, de que viria só. Caso contrário expunha-se a que alguém do «Três Barras» lhe metesse uma bala na cabeça. Sim. Com certeza que era suficientemente estúpido para isso e muito mais!
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