quinta-feira, 11 de agosto de 2022

CLF002.01 Dois homens, um só nome


 — Sooooh! Quietos, cavalos! — gritava o carreiro, puxando pelas bridas que lhe permitiam manejar o veículo sobre o solo duro e seco e que parecia uma prancha de metal, posta no forno.

Quando conseguiu que parassem, deitou o chapéu para trás e olhou as aves que descreviam uns círculos que eram sintomáticos para ele.

— Esperem aqui! — disse, dirigindo-se aos animais —. Tenho tanta pressa como vocês em chegar à pedreira.... Há aqui qualquer coisa que talvez precise do meu auxílio...

E com um passo incerto pelas dificuldades do terreno, avançou com firmeza. Calculou mentalmente numas trezentas jardas a distância que o separava do ponto em que as aves vigiavam.

Quando chegou a uma pequena meseta, sobre a colina mais próxima, viu um cavalo caído e um homem inclinado sobre ele, a tirar-lhe a sela.

Não podia haver dúvidas acerca do que se passara. As aves, com o seu olfato especial, haviam-se dado conta da morte do animal e esperavam a ausência do cavaleiro, para cair sobre a sua presa.

O carreiro devia ter sido visto, porque o cavaleiro, abandonando a sela, empunhou com rapidez o rifle.

— Cuidado! — gritou o carreiro. — Não tenho nada contra si! Vi as aves a pairarem e vim espreitar, para saber o que acontecera.

O cavaleiro não respondeu nada, mas permaneceu com a arma apontada. O carreiro continuou a avançar, sem medo. Quando chegou próximo dele, acrescentou:

— No outro lado da colina, tenho o meu carro. Podes ir nele, se te diriges para a pedreira.

— Não faço a mais pequena ideia do lugar onde estou, e nada sei para onde ir. Fiquei sem cavalo, o que é uma grande contrariedade, porque não disponho de dinheiro para comprar outro...

O carreiro olhou com atenção para o animal morto e depois para o cavaleiro. E exclamou:

— Mataram-no a tiro!

— Exatamente!... Eu vinha a fugir de uns homens que me perseguiram durante muitas milhas. O animal foi ferido há algumas horas e acabou por morrer aqui... Nunca julguei que pudesse durar tanto tempo. Quando entrámos nesta parte tão seca e quente, os meus perseguidores voltaram a garupa.

— Podes trabalhar na pedreira. Costumam admitir todos os que chegam e queiram trabalhar. Chamo-me Hal Boyer e estou como carreiro no bórax. Não é um trabalho lá muito agradável, mas não pagam mal. Cem dólares por mês I

— É um bom ordenado! — disse o cavaleiro - -O meu nome é Preston Madison.

Hal fitou-o, surpreendido.

— Disseste Preston Madison?

— É o meu nome.

O outro coçou a cabeça.

— Será conveniente que dês outro nome, quando chegares à pedreira!

— Não compreendo! — disse Preston, intrigado. Porque hei-de dar outro nome que não seja o meu?

— Porque há duas semanas chegou à pedreira Preston Madison.

Os olhos de Preston abriram-se com assombro.

— Não é possível!... Eu chamo-me Preston Madison!...

— Pois asseguro-te que há pouco chegou ali outro com o mesmo nome. Por sinal, tornou-se muito amigo do capataz geral.

— É muito estranho! Chamar-se-á assim, na realidade?

— Pelo menos, foi esse nome que deu! Por isso, é melhor inventares outro nome. Suponho que não te há-de importar muito.

— É que não me acostumarei, facilmente. Sou capaz de não responder pelo nome que der... Creio que, chamando-me realmente Preston Madison, não é correto que o oculte!...

— Dei-te um conselho!... Agora podes fazer o que quiseres!...

— Como é esse Preston?

— Muito alto também, mas não tanto como tu!

— Sabes alguma coisa da sua pessoa?

Preston ficou pensativo.

— Não... porquê?

— Porque a perseguição que me fizeram foi originada por eu dizer o meu nome. Eu não lhes tinha feito nada e chamaram-me muitas coisas desagradáveis... vi-me obrigado a disparar e creio que matei alguém...

— Na pedreira, ninguém sabe nada da vida dos que ali trabalham. E tu deves guardar o mesmo silêncio.

— Continuo sem compreender nada. Mas visto insistir nisso, é porque terá as suas razões... julga que encontrarei lá trabalho? — continuou Preston.

— Julgo que sim... Que linda sela que tens... é um belo trabalho. Foi oferta de um índio «navajo» ... É trabalho dele!...

— E tem as iniciais bem visíveis!... Tens de inventar um nome que coincida com elas...

— Estava a pensar nisso... — disse Preston — Serei Pete Mason.

— Admirável!... Podes vir comigo?... Guardarás a sela, no carro... Os dois cabemos bem nele, debaixo do toldo, por causa do Sol... Mas, espera! Que bom «rifle»!

— E com as minhas iniciais também!

— Parece de concurso... ganhaste-o nalgum?...

— Não disse há pouco que, na pedreira, ninguém se preocupa com a vida passada de cada um?... — replicou Pete.

— Tens razão. Desculpa! E Hal pôs-se a rir.

Quando chegaram ao carro, acomodaram-se nele e caminharam com lentidão, visto que, naquele terreno, não podiam dar mais velocidade. Conservaram-se calados, durante os primeiros momentos. Mas, por fim, o cavaleiro perguntou:

— Há muitos homens ali, a trabalhar?

— Bastantes. Depende daquilo a que tu chamas muitos... Talvez, uns quarenta...

— Há, assim, tanto mineral?

— Tanto, que não se extrairá em muitos anos, nem mesmo que trabalhassem dez vezes mais...

— E levam-no para muito longe?

— Para Trona. E dali, para um porto de embarque...

— Deve ser um bom negócio! — exclamou Pete.

— Deve ser!

Houve nova pausa.

— Realmente, não compreendo o caso do nome!

E tu, não há dúvida, és Preston Madison. Os pasquins que há no «bar» dão uns sinais que coincidem com os teus!

— Pasquins? — disse o outro, intrigado — A que te referes? Se temos de ser amigos, é melhor que nos tratemos com confiança.

— Li no «bar» uns pasquins, que, ao que parece, chegaram há pouco, e que se referem a ti, Preston Madison... Podes falar disso, se queres... Se te parece melhor, guarda silêncio. Mas esta é a verdadeira razão por que te disse que mudes de nome...

— Pasquins com o meu nome?!... E que dizem que eu fiz?

— Várias coisas e, entre elas, o assalto à diligência, entre Phoenix e Tucson...

— Quem os assina?

— O governador do Arizona.

— Não compreendo!... Mas isso explica o que aconteceu nesse povo... Ao dizer o meu nome, olharam-me com estranheza e chamaram-me assassino e ladrão de gado. Devem ter recebido também esses pasquins...

(') Manifestos, editais ou cartazes afixados em lugares públicos, difamatórios ou satíricos, contra qualquer pessoa, apontando criminosos à execração pública, ou ainda oferecendo prémios pela sua captura-- N do T.

 

 

— Sem dúvida... E é muito possível que tenha chegado algum à pedreira...

— Tudo isso é demasiado estranho...

Calaram-se de novo. Só quando chegaram à vista das vivendas da pedreira, é que Pete quebrou o silêncio:

— Parece ama povoação.

— É, quase... há alguns armazéns e estabelecimentos.

— E bares?

— Há um, muito bom.

— É da Companhia?

— Não. É independente. A dona é uma rapariga, com quem não se pode chalacear. E menos ainda, se tiveres em conta que há vários que estão enamorados dela.

— É bonita?

— Não podes fazer ideia! Mas tem um grande valor. Maneja o «Colt», que é o que mantém, na realidade, a distância, os seus admiradores.

Ninguém se preocupou com a chegada do carro. Pelo menos, ninguém lhe deu importância. Não encontraram uma só pessoa, na maior parte do caminho que era como que a rua principal. se vê

— Hoje é dia festivo? — perguntou Pete — Não se vê ninguém.

— Trabalha-se de noite e dorme-se de dia — respondeu Hal.  — Mas quando há pressa, também se trabalha de dia. Por isso, encontrarás todos assim como eu: com a pele curtida e enegrecida.

Quando os dois saíram do carro, apareceram à porta de dois armazéns e do «bar» várias cabeças.

— Soooh! — gritou Hal.

Pete pegou na sela de couro cinzelado e encaminhou-se para o «bar», para esperar ali o carreiro. Ao entrar, deixou a sela encostada à porta.

— Olá! — disse aos que se encontravam ali, a resguardarem-se do calor.

— Olá! — responderam num tom seco.

Pete dirigiu-se ao balcão, onde uma mulher jovem e bonita, como Hal lhe dissera, com o queixo apoiado na palma das mãos e os cotovelos, no balcão, o olhava atentamente.

— És novo aqui, não é verdade? — perguntou-lhe ela.

— O mais novo que pode ser quem acaba de chegar — respondeu Pete, sorrindo.

— Vieste no carro do Hal? Parece-me que o vi passar agora.

— Vim, sim. Recolheu-me no deserto, quando perdi o meu cavalo...

— Queres beber alguma coisa?

— Confesso que tenho sede...

— Como te chamas?

— Pete!

Aproximaram-se do balcão alguns curiosos de que Pete não tinha dado conta.

— Que querem vocês? — perguntou a rapariga —Nunca viram um homem?

-- Esperamos que ele nos convide! — disse um.

-- Pois eu aconselho-o a que não o faça.

— E eu assim farei, pois estou quase sem dinheiro — retorquiu Pete.

— Sempre restará algum para convidar um velho amigo — disse outro. Pete fitou-o.

— Estás certo disso? Pois não me lembro de ter-te visto vez alguma.

— Vamos lá! É preciso ter muito má memória. Serve-me de beber, Nora. Pagará o meu amigo Pete.

— Não te preocupes! — disse ela para o recém-chegado — Não faço caso... Ele faz sempre o mesmo com todos os que chegam, pela primeira vez. E parece-me que só dois é que o convidaram a beber.

— Não me agrada que te metas nos nossos assuntos — protestou o outro.

A rapariga serviu um refresco a Pete. Ele bebeu-o, sem descansar.

— Continuo com sede... Mas este animou-me bastante. Sabes tratar os que atravessam este deserto!

— Então?! Convidas-me ou não?

— Já ouviste que trago pouco dinheiro!

— Aqui, não é preciso. Nora fia-nos a todos.

— Então, não é necessário que sejas convidado—observou Pete.

— Pensas trabalhar aqui? — perguntou ela.

— Se me admitirem, é o único meio de ganhar para comprar um cavalo. Quando o conseguir, continuarei a viagem!

— Vinhas para a pedreira? — perguntou um dos homens.

— Não. Ia de passagem — respondeu Pete. — E se não me matassem o cavalo, é possível que não tivesse sabido que existia aqui este grupo de vivendas e de homens.

— Louca imaginação! — exclamou outro. — É o mesmo que outros têm dito!

Pete fitou-o, sem lhe responder.

— Já bebeste? — perguntou Hal, entrando. — Já sabes, Nora! Um triplo, com muita soda!

— Que tal essa viagem, Hal? Já reparaste? Este novato nega-se a pagar-me um «whisky»!

— E porque o havia de fazer? — objetou Hal.

— Também tu? — protestou aquele que queria ser convidado, à força.

— Tens um quarto para este rapaz, Nora? — perguntou Hal, sem fazer caso do importuno. — Tenho, sim.

— Vou falar ao capataz, para que lhe dê trabalho —disse Hal.

E olhando para Pete, indicou-lhe com um gesto que esperasse.

— Não creio que o admita! — exclamou o chupista.

— Admite todos. E este rapaz é forte. O que interessa a Leo é que trabalhe. Ele está sempre a protestar que vocês são uns «sornas» ...

Hal entrou no escritório, onde foi encontrar o capataz.

— Já me disseram que trouxeste um passageiro no carro. Quem é?

— Não conheço. Perdeu o cavalo no deserto e quer trabalhar aqui...

— Falarei primeiro com ele — disse Leo.

— Nunca fizeste isso — observou Hal.

— Os tempos mudaram. Irei contigo até ao «bar».

— Como quiseres. Mas devo dizer-te que é um rapaz bastante forte. Mais do que qualquer dos que estão aqui, a trabalhar...

— Agrada-me isso. Pelo menos, será um dos que não enganam no trabalho.

Os dois entraram no «bar». Nora fitou o capataz com atenção. Este era um homem ainda novo, de olhos cinzentos, acerados e duros. Era bastante alto, mas não tanto como Pete. A medida que avançava, sorria para a rapariga.

— Porque me fitas assim, com tanta atenção?

— Porque me surpreende ver-te aqui, a estas horas!

— É que Hal disse-me que há aqui um rapaz que quer trabalhar.

— Mas tu nunca fizeste isso — observou Nora.

— O mesmo lhe disse eu — comentou Hal. — Mas replicou-me que os tempos mudam e parece que quer deitar uma olhadela, ao meu amigo...

Pete examinou o capataz, Leo Franklim.

— É este que quer trabalhar? — perguntou o capataz, ao carreiro.

— Sou eu mesmo.

— Hal disse-me que o teu cavalo morreu no deserto. Estava doente?

— Adoeceu no caminho. Apanhou uma indigestão de chumbo — respondeu Pete, sorrindo.

— Mataram-to? Quem foi?

— Eu sei lá... não os conheço... Mas hei-de encontrá-los um dia...

— Conheces as condições nesta pedreira? É preciso trabalhar firme e duro. Se o fizeres bem, ganharás cem dólares por mês! É preciso extrair a quantidade de bórax, correspondente àquela quantia. Se a ultrapassares, receberás a diferença. Se não chegares, a diferença para menos é descontada no ordenado do mês seguinte.

— Aceito as condições. Hei-de ganhar para comprar um cavalo. — E depois?

— Isso é comigo! — replicou Pete — não creio que entre nas condições do trabalho...

— Como quiseres. Amanhã podes começar. Hoje deves precisar de descanso!

 

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