sexta-feira, 5 de julho de 2019

COL025.04 Expedição guiada por um mapa do tesouro

Joe encontrava-se estendido na cama fumando um cigarro. Havia uma hora que tinha regressado do forte.
De repente, a porta abriu-se sem que ninguém batesse. Joe apoiou-se nos cotovelos para erguer-se e ficou perplexo ao ver que a pessoa que entrava no seu quarto era Virgínia Pulver. A jovem, muito séria, fechou e apoiou as costas na porta. Durante uns instantes, os olhos de Joe observaram fixamente a sua visitante.
— Costuma entrar assim nos quartos onde há um homem?
As faces de Virgínia Pulver tingiram-se de rubor.
— Não é necessário que se comporte como um bruto, senhor Brand.
— Bem, peço-lhe desculpa — Joe sorriu. --Mas se vem por causa dos vestidos, dir-lhe-ei que não os tenho. Dirija-se a Dolores.
— Não venho pelos vestidos. Dolores cumpriu a sua palavra e foi entregá-los ao comandante McSeween.
— Sim. Dolores é uma rapariga com muito amor-próprio. — Joe fez uma pausa. — Que é então que a traz por aqui, menina Pulver? Ou vai-me dizer que sou o tipo da sua vida?
Os olhos da ruiva brilharam raivosamente.
— Você não tem nenhum encanto especial para mim, senhor Brand, e é preciso que o saiba desde o princípio... Só vim aqui para contratá-lo.
Fez-se um silêncio. Joe pôs-se em pé.


— Contratar-me para quê, menina Pulver?
— Para que nos acompanhe ao deserto.
— Suponho que ao falar no plural se refere a Harry Coley e a si.
— Exatamente.
Joe sorriu enquanto se levantava.
—Há alguns anos conheci um velho que se chamava Eneas. Deu-me muitos conselhos, sabe? E todos me serviram. Certa vez disse-me que desconfiasse das mulheres que se mostravam generosas comigo. Eneas tinha razão.
— Digo-lhe que não me interessa nada o que lhe possam contar os seus amigos, senhor Brand.
—Não, asseguro que não, mas graças a Eneas compreendo porque decidiu tirar a sua acusação contra mim.
— Já disse ao comandante McSeween que não tinha a segurança que você fosse um dos atacantes.
— Mas tão-pouco tinha segurança de que não fosse, e, como disse Coley, a prova dos vestidos era bastante concludente para mim.
— Mas você não quis saber nada disso. Queria-me em liberdade porque já tinha decidido contratar-me.
— Isso é absurdo! Quando cheguei ao forte não sabia sequer que você existia.
— Assim o creio, menina Pulver, mas no forte inteirou-se de quem era eu antes de conhecer-me. Dolores e o comandante puseram-na bem ao corrente. Joe Brand, um caçador de lagartos do deserto, um tipo que conhece a região palmo a palmo. Exatamente o tipo que lhe fazia falta.
A respiração da ruiva alterava-se pouco a pouco.
—Você receberá vinte dólares diários, senhor Brand —disse, mudando de tema.
— Aonde quer ir?
— A Supay.
—Supay, no Grau Cafion?
—Sim.
— O que perdeu por lá, menina Pulver?
A jovem molhou o lábio inferior com a língua enquanto os seus grandes olhos perscrutavam o rosto de Brand.
—Sabê-lo-á em seu devido tempo.
— Mistérios, hem? — Joe sacudiu a cabeça. — Não, menina Pulver.
— Que quer dizer? Ofereci-lhe vinte dólares diários. Sei que caçando esses asquerosos animais não ganha mais do que mil dólares ao ano.
— Informaram-na bem, menina Pulver, mas eu sou um tipo muito curioso.
— Não penso dizer-lhe porque vou a Supay.
— Pensou que com dinheiro conseguiria a minha colaboração, mas engana-se.
— Estou disposta a chegar até vinte e cinco dólares diários.
— Deve ser muito importante o que a leva ali. São mais de quinhentas milhas daqui a Supay. Entre Forte Diabo e Grau Caiion está o Deserto Pintado. São três semanas para ir e outras três para regressar.
—Já pensei em tudo isso, senhor Brand. E também lhe disseram que havia muitos poucos homens na comarca de Forte Diabo que a pudessem acompanhar até Supay, e que por estas redondezas anda um tal Juan Butchery, um bandido que tem a debilidade de cortar as cabeças às suas vítimas depois de roubá-las.
— Estou advertida a esse respeito.
—E continua a querer ir a Supay e oferece-me vinte e cinco dólares diários para servir-lhes de guia.
— Assim é.
—Diga-me uma coisa. Que tem a ver com Harry Coley?
— É somente outro homem que contratei.
— Onde o contratou?
—Em Santa Fé.
—E recomendou-lho alguém?
—Não, eu mesmo o elegi depois de vê-lo lutar num saloon.
—Sim? Que é que fez?
— Tirou o revólver da mão do homem que se dispunha a matá-lo. Estava jogando uma partida de poker e o rival do senhor Coley era um batoteiro.
— Tem uma maneira especial de eleger os seus colaboradores, mas isso ajuda-me muito, menina Pulver.
—O quê?
--- Você quis-se rodear de dois homens, mas cada um deles tinha de valer por outros tantos. Não é assim? Corrija-me se me engano.
— Você não é muito modesto. Eu não sei qual vai ser o seu rendimento, mas quanto ao senhor Coley já me demonstrou que a minha escolha foi acertada. Matou três desses índios que intentavam assaltar-nos.
—Sim, isso já mo disseram.
— Sairemos amanhã ao amanhecer, senhor Brand. Nesta altura, o senhor Coley está preparando tudo o que necessitamos. Vá a casa de Henrique Garica. Ë onde estou hospedada. Partiremos dali.
A jovem deu meia volta para sair, e quando já tinha a mão na maçaneta, Joe disse:
— A minha resposta continua sendo não.
Virgínia Pulver deu meia volta, enfrentando-se de novo com Joe.
—Não lhe vou dar nem mais um centavo, senhor Brand. O preço é bom e até me teria conformado com menos. Mas não tomarei parte na sua viagem, menina Pulver. A menos que conheça o motivo dessa viagem.
As narinas da rapariga palpitaram. Joe sabia que naquele momento a jovem estava cheia de ira e isso resultou-lhe muito divertido.
— Continue assim, menina. Pulver. Está preciosa.
— Ê um insolente!
— Não tem de preocupar-se acerca da sua expedição, menina Pulver. Nestas casas que há em volta do forte encontrará homens rápidos com a pistola e dispostos a acompanhá-la até Supay. — Joe retrocedeu para a cama. —E agora, se mo permite, queria dormir um pouco.
Aproximou-se da borda do leito, para deitar-se, mas voltou a cabeça porque Virgínia continuava na porta. A jovem disse, com voz raivosa:
—Está bem, senhor Brand. Vou-lho dizer.
Joe abanou a cabeça enquanto cruzava os braços sobre o peito.
—Muito bem, menina Pulver. Escuto-a.
— Vou à procura dum filão de ouro.
Produziu-se a maior pausa desde que Virgínia Pulver tinha entrado no quarto de Brand. Este tinha ficado imóvel olhando a jovem, e agora perguntou:
—Porque espera encontrar ouro em Supay?
—Tenho um plano.
— Bem. Um mapa que lhe vendeu um fulano em qualquer parte.
— Não, senhor Brand. Eu também conheço o truque. O mapa que eu tenho não o comprei a ninguém. Deu-mo o seu próprio autor, um homem que passou por aqui há anos, durante a guerra.
— Para o caso é o mesmo. Comprá-lo ou que lho oferecessem, eu nunca acreditei nessas histórias de fabulosas minas de ouro.
— O homem que fez esse plano era meu irmão.
Joe aproximou-se outra vez da jovem.
—Porque não veio ele consigo?
—Faleceu há uns seis meses.
— Sinto muito.
— Agora já sabe tudo.
—Muito bem. Mostre-me o mapa.
— Não, senhor Brand. Não vou fazer tal coisa.
— Não se fia em mim, hem?
— Não.
—Mas fia-se em Coley.
— Tão-pouco, senhor Brand. Ele não o viu.
— Bem. Então você só quer chegar até Supay e depois correrá tudo a seu cargo.
—Ê para a única coisa que o preciso, para que me leve até lá.
— O facto de eu a acompanhar não quer dizer que tenha assegurada a sua chegada a Supay e, supondo que chegaremos ali, depois teremos de regressar.
— Antes de começar a minha viagem soube os riscos que tinha de correr.
— E decidiu-se a ir pelo seu ouro.
— Vendi tudo o que tinha, senhor Brand. O dinheiro que consegui é com ele que estou financiando esta expedição.
—Ê valente, menina Pulver. Jogou tudo numa única carta — Joe moveu a cabeça. —. Está bem. Irei consigo a Supay.
— Fico muito contente.
— Coley sabe que me veio contratar?
— Sim.
— E que é que lhe disse?
—Tentou tirar-mo da cabeça. Em sua opinião, qualquer homem que conhecesse o deserto bastar-nos-ia para chegarmos a Supay.
—E porque não seguiu o seu conselho?
— Eu queria o melhor, senhor Brand.
Imediatamente após dizer estas palavras a ruiva abriu a porta e saiu. Ia a fechá-la quando de repente Joe ouviu a voz de Salb.
— Eh, Joe!... Encontras-te bem?
Brand também saiu, para o corredor, no momento em que Salb chegava a seu lado. Virgínia Pulver tinha ficado quieta. Joe perguntou olhando o dono da casa.
—Que se passa, Salb?
— Há um momento chegaram três homens. Um deles disse ser irmão de Randall. Justamente nesse momento apareceu Bob pela porta e, depois de saudá-los, Bob contou-lhe o que tu lhe tinhas feito. O outro Randall pôs-se muito furioso e veio procurar-te. Infernos, não me deu tempo a avisar-te.
Joe franziu o sobrolho.
— Quando aconteceu isso? Antes ou depois de subir a menina Pulver?
— Um pouco depois de subir a menina Pulver — Salb engoliu saliva. — Há uns momentos, o novo Randall desceu. Estive esperando ouvir um disparo. Agora pude escapar-me e subi correndo para ver o que se tinha passado.
— Não se passou nada, Salb.
— Bem, antes assim.
— Os dois Randall estão lá em baixo?
— Sim, permanecem em volta duma mesa e também estão os outros dois homens.
— Obrigado pelo aviso, Salb. Será melhor que voltes para o teu lugar atrás do balcão.
Salb fez um gesto afirmativo e caminhou pela escada. Joe olhou então para Virgínia Pulver.
— Ouviu isto, menina Pulver? Tenho a impressão de que Juan Butchery não vai ser o nosso único inimigo no caminho para Supay.
— Pensa que esse homem, Randall, escutou a nossa conversa?
— Não tenho dúvida nenhuma acerca disso. Eu feri o irmão e ele subiu para me matar. Ouviu a nossa conversa através da porta e decidiu escutar. Está tudo demasiado claro.
O rosto da jovem tinha adquirido unia grande palidez.
—Que pensa que vai passar-se agora, senhor Brand?
—Não o sei. O ouro é um forte atrativo para toda a classe de pessoas. É a palavra mágica pela qual muitos têm morto, e a história, todavia ainda não acabou. Teremos de tomar as nossas medidas.
— A que se refere?
— Você disse que se alojava em casa de Enrique Garcia. Irei para ali passar a noite. E agora quero que me responda a uma pergunta se não peço demasiado.
A jovem levantou altivamente o queixo sentindo-se ferida, mas antes que dissesse alguma coisa, ele fez uma pergunta.
—Coley sabe da história do ouro?
—Sim.
— Contou-lha ao contratá-lo?
—Não. Então disse-lhe só que queria chegar até Forte Diabo. Animei-me a dizê-lo quando evitou que caíssemos nas mãos desses ladrões.
— Parece-me que tem muita confiança nele. Sim, senhor Brand. Tenho-a.
— Bem, não lhe vou dizer que está equivocada, mas confessar-lhe-ei que não me agrada esse tipo.
— Vocês correspondem-se nesse amor.
Joe sorriu.
— Sabe que resulta muito atrativa essa viagem? Dois homens que se odeiam defendendo uma mulher... como você.
—Estávamos falando dos Randall, senhor Brand. Como se vai livrar deles?
—Já pensarei em algo.
— Não pensa que o matarão antes que saia daqui?
—É possível que o intentem e, por essa razão, seria preferível que se fosse embora. Desça a escada e eu irei atrás de si. Não se detenha. Se eles me provocarem, continue andando e desapareça pela porta.
—E você que fará?
— Costumo improvisar sabre o terreno — Joe agarrou-a pelo braço. — Vamos, menina Pulver.
A jovem deixou-se conduzir. Quando estavam quase a chegar ao saloon, Joe soltou-a.
—Recorde-se, não se detenha. E outra advertência. Se me suceder algo, será melhor que suspenda a sua excursão e que coma o mapa.
— Sempre me ficará Harry Coley.
—É uma boa oração fúnebre... Desejo-lhe sorte, mas penso que a vai necessitar. Adiante, menina Pulver.
A jovem acabou de descer a escada e abriu a porta. Antes de entrar no saloon voltou a cabeça e ficou olhando uns instantes para a cara de Brand e depois, sem dizer nada, continuou o seu caminho.
Joe desceu os degraus e entrou no saloon. Virgínia empurrou as portas de vaivém e saiu da loja. Joe viu pelo canto do olho os quatro homens ao redor da mesa. Aproximou-se de Salb que, fazendo-se distraído, fingia que lia um periódico.
— Dá-me um whisky, Salb? — disse,
Salb apressou-se a limpar um copo. Enquanto dava meia volta para deixar a garrafa na prateleira murmurou em voz baixa:
—Porque inferno lhes dás as costas, Joe? Os quatro estão-te olhando.
Joe não fez comentário algum e bebeu um pequeno trago.
— Alguém perguntou por mim, Salb? — disse em voz alta.
Salb estremeceu.
— Tornas-te louco, Joe?
— Pensei que alguém estava interessado em conversar comigo— continuou dizendo Brand. —Mas seguramente estava enganado.
Salb tinha fechado os olhos porque esperava que dum momento para outro chegasse a réplica da mesa do fundo. Joe bebeu duma só vez o conteúdo do copo e deixou este sobre o balcão. Voltou-se lentamente e ficou olhando os quatro homens. Bob Randall tinha as mãos ligadas sobre a mesa. A seu lado havia um tipo duns trinta anos de idade que era também louro e bem parecido.
— Já lhe passou a febre, Bob? — perguntou Joe.
Os olhos de Bob Randall despediram raios de fogo.
— Que estás esperando, Nick — gritou. — Mata-o! Maldito seja! Mata-o! Nick Randall, o outro loiro, parecia ter-se convertido numa estátua. Os seus olhos estavam fixos na figura de Joe.
— Porque vou matá-lo, Bob? — murmurou. — Só disparo para me defender. Tu disseste-mo. Foi um duelo limpo. 
Bob fez ranger os dentes.
— Liquidem-no vocês! Que estão esperando?
Dirigia-se aos outros dois homens, um tipo moreno, de cara larga, e outro, de cabelo castanho, que tinha unia cicatriz na face. Ambos começaram a mover as mãos para o revólver, mas de repente, Nick Randall levantou a mão direita.
— Fiquem quietos.
— O que é que se passa, Nick? — gritou Bob. — Deixa-os que o matem.
Nick moveu a cabeça.
— Aqui não se vai disparar um tiro.
— Porquê? — perguntou Bob. — Diz-me porque infernos vais deixar com vida esse bastardo?
Produziu-se um silêncio. Joe Brand soltou um riso.
— Anda, Nick —, murmurou. — Diz a teu irmão porque não os deixas enfrentarem-se comigo, pelo menos neste momento.
Nick Randall falou com voz monótona:
— Joe Brand é uma inversão para nós, Bob, e pensei que vale a pena deixá-lo viver algum tempo... Mas não te preocupes, Bob. Joe Brand é como se já estivesse morto. Posso jurar-te... E como se estivesse morto.
Fez-se outro grande silêncio, e depois Joe Brand girou sobre os tacões e começou a andar para a porta. Salb lançou um suspiro de alívio lá do balcão.

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