quarta-feira, 3 de julho de 2019

Col025.02 Duelo que culmina em passeio ao luar

Joe Brand avançou por entre as casas até deter-se diante da fachada de uma delas na qual havia um letreiro em que se lia: «Bar de Salb Keller».
Antes de descer do cavalo dirigiu um olhar para a paliçada que se via ao longe. Era o Forte do Diabo. O grande portão estava aberto e um soldado fazia guarda com a baioneta calada.
Joe pôs o pé em terra e retirou os vestidos femininos que tinha tirado ao índio. Subiu os degraus e empurrou as portas de vaivém, penetrando na loja. Salb Keller limpava um copo atrás do balcão.
— Olá, Joe — saudou o recém-chegado.
Brand deteve-se olhando para as mesas do fundo. Ao redor duma delas, quatro homens jogavam o poker. De pé, junto de um dos jogadores, estava a mexicana Dolores com a sua blusa de decote redondo e a sua saia de cores berrantes.
Dolores voltou-se rapidamente ao ouvir o nome de Joe e os seus olhos brilharam muito.
—Joe! — exclamou, e começou a correr para a porta.
Brand tinha-se detido junto aos batentes. Tinha vinte e oito anos de idade e era muito alto, moreno, de rosto queimado pelo sol do deserto. Vestia uma jaqueta e calças de pele de búfalo e tinha em volta do pescoço um lenço vermelho. O seu chapéu estava muito sujo com a aba da frente levantada.
Dolores lançou-lhe os braços ao redor do pescoço, e ele sorriu com as mãos nas costas.
— Olá, rapariga!


Dolores beijou-o na boca e depois pôs a cabeça de lado porque era essa a posição que mais a favorecia, com os seus brilhantes olhos cheios de picardia.
— Oh, Joe! Como demoraste tanto em regressar? Há mais de quatro semanas que te foste embora.
— Andei em negócios.
— Onde?
— Uma mulher não deve fazer perguntas.
— És um ingrato, Joe. Eu pensando sempre em ti e tu... anda, diz-me, quando te lembraste de mim? Aposto que nem um só momento em cada dia. –
— Recordei-te, Dolores.
—E mentira.
— Posso demonstrar-te que é verdade.
—De que forma? Com um beijo, talvez? Conheço-te bem, Joe — A jovem soltou-o, retrocedendo um passo. —Não me queres senão um pouquinho.
Foi este o momento que Joe achou próprio para mostrar-lhe os dois vestidos, um em cada mão. Dolores ficou com a boca aberta, olhando-os.
 — Que é isso, Joe?
— A minha prova de que tu ocupaste um lugar no meu pensamento.
— Joe! — exclamou Dolores, agarrando um dos vestidos.
Depois correu uns passos afastando-se do balcão, e pondo o vestido colado ao seu corpo.
Mas como não podia ver-se ao espelho que tinha em frente, subiu para uma cadeira e depois para uma mesa. Ali, no alto, pôs-se em pontas dos pés e começou a mover-se para a direita e para a esquerda.
—Joe! E maravilhoso! É exatamente a cor verde que me favorece mais.
Joe ria com prazer e agora atirou-lhe o outro vestido. Dolores apanhou-o e, deixando cair o primeiro a seus pés, sobre a mesa, começou a provar o segundo da mesma forma que tinha feito antes.
—Azul, Joe! És maravilhoso. Como encontraste exatamente as minhas medidas?
Joe olhou-a, medindo-a dos pés à cabeça.
— Não to disse já, querida? Tenho-te gravada a fogo e foi-me fácil dar as medidas ao vendedor.
— Quanto te fizeram pagar por eles?
Joe riu-se e olhou para ela. Finalmente, disse:
—Ouve, isso não se pergunta.
Salb Keller ria atrás do balcão contemplando a cena. Dolores desceu da mesa e começou a correr para uma porta que havia ao fundo. De repente, deteve-se apontando para Brand com um dedo.
— Não te movas daí, Joe! Eu volto já!
— De acordo, querida. Aqui me encontrarás. Anda, Salb, põe-me um copo.
A jovem desapareceu pela porta e então Joe aproximou-se do balcão movendo a cabeça.
— Esta rapariga ...
Keller limpou o copo, rindo.
— Tem cuidado com ela ou vais torná-la louca por ti.
— Não tenhas cuidado, avô. Dolores não quer a ninguém.
—Não a conheces bem.
— A ela agrada-lhe andar com uns e com outros. Como dizem os do seu pais, é uma mulher de temperamento.
E depois de ter dito a sua sentença, Joe levou à boca o copo. Depois, soltou uma baforada.
— Que é isto, Salb?
— Whisky.
— A quem o dizes?
Keller fez uma careta.
—Ninguém se queixa, Joe.
— Claro que não. Todos os tipos que andam por aqui até bebiam álcool destilado na cabeça dum asno.
Salb lançou uma risada e foi-se embora para o outro extremo do balcão para continuar a secar os seus copos. De repente, um dos homens que estavam jogando na mesa, disse:
— Ouve, Salb, pensei que no teu saloon só deixavas entrar pessoas.
Salb olhou com as sobrancelhas franzidas Joe e depois dirigiu-se ao homem que acabava de falar.
— Que eu saiba, aqui só há pessoas, Bob.
—Estou ouvindo ladridos... E se não me engano isso só pode ser feito por um cão.
Salb olhou outra vez Joe e viu-o imóvel dando as costas para a mesa de jogo.
— Será melhor que continues jogando, Bob —disse.
— Está bem, Salb. Continuarei jogando, mas deverias ter mais cuidado com os cães. Algum pode estar raivoso.
Brand moveu-se para o lugar onde se encontrava Salb.
— Quem é esse? —perguntou.
— Bob Randall.
— Nunca ouvi falar nele.
— Chegou há um par de semanas.
— Outro fugitivo da lei, hem?
—Sim. Matou um par de tipos em Santa Fé. Não se cansa de dizê-lo.
— Bem.
— A Randall agrada-lhe Dolores.
— E a ela? Dolores só se tem rido com ele. Randall sabe contar boas piadas.
— Muito bem. Talvez me agrade a mim que mas conte.
Brand voltou-se.
— Espera, Joe — disse Salb.
— Que se passa, avô?
—Bob Randall atira muito bem. Com as duas mãos... esteve fazendo uma demonstração com uma lata... Infernos, fê-la voar até que os seus revólveres ficaram sem balas.
Joe deu definitivamente meia volta e começou a andar para a mesa de jogo. Deteve-se atrás de Bob Randall. Os outros três homens olharam Joe e alguns começaram a mover-se desassossegadamente. Bob Randall estava deitado sobre as costas da cadeira. Devia ter vinte e cinco anos e era loiro, de cabelo seco e rosto muito belo. Agora começava a enrugar o nariz e disse:
— Cheiro de cão — voltou a cara para o lado contrário daquele em que se encontrava Brand.
— Eh, Keller! Não te disse antes? Outra vez te descuidaste! Porque não limpas duma vez a tua loja?
Joe disse:
—Eu também sou da mesma opinião, Salb. Faz uma limpeza. Mas seria melhor que comeces por obrigar a sair os tipos que chegaram de Santa Fé. Dizem que por lá se criam em pocilgas.
Na sala fez-se um impressionante silêncio. Um dos jogadores deixou cair as cartas das mãos. Bob Randall moveu a cabeça lentamente, ficou olhando para a cara de Brand, que, por sua vez, também o estava observando.
—Eu sou de Santa Fé, Brand.
— Não te posso felicitar.
—Retire o que disse.
— Não tenho nada a retirar.
Randall sorriu, torcendo a boca.
— Podem-se complicar as coisas, Brand.
—Escuta, rapaz. Estou cansado de ver chegar por estes sítios tipos como tu, matadores de galinhas que pensam ser os donos do mundo. Por aqui não temos nada contra os tipos de Santa Fé sempre que se comportem com decência.
Na cara de Randall tinha desaparecido pouco a pouco o sorriso. Com um movimento lento do braço, deixou cair as cartas sobre o tapete verde. Depois, começou a levantar-se. Naquele instante, Dolores apareceu na porta interior da casa.
—Eh, Joe! —começou a dizer, mas de repente interrompeu-se.
Tinha posto o vestido azul e assentava-lhe tão bem que parecia seu. Randall tinha semicerrado os olhos, observando atentamente a cara de Joe.
—Tenho ouvido falar de ti, «Cão Raivoso». Contaram-me muitas coisas.
—Então, não me devias provocar.
Randall sorriu.
—Não acreditei em nada.
—Não se pode acreditar em ninguém, em algo que não se viu, mas isso não te dá direito a ires por aí metendo-te com toda a gente. E outra coisa, rato. Essa alcunha com que me chamaste, só consinto que a digam certas pessoas. Os índios. —Brand fez uma pausa. —E agora que estão aclaradas as coisas, espero que tu e eu nos daremos um pouco melhor.
Brand deu meia volta, dirigindo-se para o lugar onde se encontrava a formosa Dolores.
— Estás preciosa, rapariga —disse-lhe, sorridente.
A voz de Randall chegou-lhe por detrás com a força duma chicotada.
—Não lhe toques, «Cão Raivoso».
Joe tinha levantado uma mão para agarrar o cotovelo de Dolores e conteve-se. Sem se voltar, disse:
— Vou-te advertir pela última vez, Randall. Se voltares a pronunciar essas palavras, arrepender-te-ás.
— Porque vou arrepender-me, «Cão Raivoso»?
Joe deixou cair os braços ao longo das ancas. Fechou os olhos com força e abriu-os.
— Estás pronto, Randall? —perguntou, olhando ainda Dolores.
Randall murmurou baixo.
— Claro que estou. Ponha-se de frente e atire quando quiser.
— Afasta-te, querida — disse Joe.
Dolores retrocedeu muito assustada para o balcão. Joe voltou-se enfrentando Randall. Os lábios deste distenderam-se num sorriso.
—Ela é para mim, Brand. Randall. Ela nunca poderá ser para ti.
— Lastimo que não vivas para vê-lo, Brand.
Randall, depois de pronunciar a sua última palavra, moveu a mão direita com uma velocidade estonteante. Joe fletiu os joelhos adiantando o pé esquerdo e apertou o revólver sem o retirar do coldre. O projétil atravessou a mão direita de Randall, mas logo o jovem loiro mexeu a esquerda e de novo sacou a pistola. Brand disparou outra vez e o segundo projétil atravessou igualmente a mão do seu inimigo. Randall disse uma maldição, olhando as mãos ensanguentadas.
— Maldito sejas, Brand! Olha o que me fizeste!
—Não te matei porque me pareceste demasiado jovem, e tenho a esperança de que, a partir de agora, serás menos quezilento. Tu aqui és um homem como qualquer outro. Não o esqueças. Será melhor para ti.
Randall observou que Dolores olhava Joe com os olhos entreabertos, os olhos muito brilhantes. Sentiu-se possuído por uma grande raiva. Ia para replicar, mas então falou Salb Keller do balcão.
—Eh, rapaz. Vem cá e curar-te-ei.
Randall murmurou qualquer coisa durante uns instantes, mas finalmente começou a andar para a porta, junto da qual se encontrava Salb. Quando os dois homens desapareceram no interior da casa, Dolores correu para o lado de Joe e começou a beijá-lo nas faces, na boca.
— Oh, Joe. Tu queres-me.
— Que estás dizendo, rapariga?
— Lutaste por mim.
— Donde tiraste essa ideia?
— Tu o disseste.
— Ouviste mal, rapariga. Não disse nada.
Joe agarrou-a pelos pulsos e baixou os braços femininos do seu pescoço. Dolores enrugou as sobrancelhas.
— Não te agrada confessá-lo, não é verdade, Joe? Só te atreverás a dizê-lo quando estiveres a morrer.
— Isso é possível — admitiu Brand. — Não me custaria nada, ao ir-me para o outro mundo, dizer-te uma mentira.
Dolores apertou os punhos enquanto deixava escapar as palavras por entre os dentes.
—Bastardo, vaidoso, fanfarrão, puma do deserto, patas curvas...
— Ouve, parece-me que aumentaste o teu reportório desde a última vez. Ê esse o teu agradecimento por ter-te trazido dois vestidos, depois do dinheiro que me custaram?
A formosa mexicana mordeu o lábio inferior enquanto pestanejava com os olhos cobertos por uma nuvem húmida.
— Oh, Joe! Tu és o culpado.
Joe sorriu-lhe.
—Bem, rapariga. Palavra que estás estupenda. Pareces uma autêntica dama.
— Pensas, assim Joe? — disse ela, enquanto secava uma lágrima com um dedo.
Brand levantou a mão mostrando a palma para a jovem.
—Juro-o, Dolores. És uma dama.
— Oh, Joe! E a coisa mais bonita que me disseste em toda a tua vida. E agora suponho que cumprirás a tua palavra.
— A minha palavra? A que te referes, rapariga?
— Disseste-me que havia um dia em que me comprarias um vestido e me levarias a San Jacinto. Neste momento tenho dois, Joe. Podemos sair agora mesmo. Justamente amanhã é lá o dia do mercado.
— Não posso ir a San Jacinto, pequena.
—Porque não?
— Fiz uma grande viagem e estou cansado.
— Tu cansado? — Dolores fez uma careta. — Tu és Joe Brand, um lagarto do deserto, e os lagartos nunca se cansam de estar ao sol nem de andar.
—Bem, há outra coisa.
— O que é? — perguntou Dolores.
— Estou sem massa, entendes? Não tenho dinheiro.
Dolores juntou as mãos sobre o seu peito.
— Oh, Joe! Isso é estupendo.
—Pensas isso?
— Eu tenho vinte e cinco dólares economizados. Posso-te emprestar um par deles e os gastarmos em San Jacinto. Depois mos devolverás quando puderes.
— Tens um grande sentido da economia, rapariga. Mas pareces esquecer algo muito importante. Joe Brand nunca aceita dinheiro das mulheres.
— Mas é um empréstimo, Joe!
— Nem sequer isso. — Joe abanou a cabeça. — Proponho-te um plano melhor, rapariga. Esta noite tu e eu daremos um passeio. Que te parece?
—Um passeio à luz da lua?
Joe olhou pela janela para o céu.
— Bem, daremos de qualquer maneira. Com lua ou sem ela.
Naquele momento, Keller saiu da porta seguido de Randall, que trazia as suas mãos ligadas. O loiro de Santa Fé ficou olhando com olhos muito fixos a figura de Joe Brand e depois começou a andar para a mesa do jogo. Joe dirigiu-se a Keller.
— Tens um quarto disponível, Salb?
— Tenho um. Está livre o número três.
— Aceita o meio dólar e junta a importância de vinte e cinco centavos do whisky. Não tenho dinheiro.
— Está bem — concordou Salb.
Joe começou a andar para a porta do fundo, mas de repente foi chamado por Dolores.
—Eh, Joe!
— Diz-me, pequena.
—Recorda-o, querido.
A luz da lua. Joe fez uma careta e prosseguiu o seu caminho.

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