quarta-feira, 15 de março de 2017

PAS725. Mata-me enquanto durmo

Sidney perguntou, martelando as palavras:
—Chamas-te Estrella Kurzon?
—Sim.
A voz da mulher era ligeiramente suave, trocista e falava com o quente acento do Sul.
Sidney acariciou o coldre.
— Ias casar-te em Alabama com um homem chamado John Barton?
—Sim.
—Cravaste-lhe duas balas pelas costas?
—Sim.
A mulher respondia firmemente, sem vacilar, enviando-lhe até ao fundo da pele o olhar dos seus olhos negros.
—Estás a reconhecer o teu delito—disse Sidney sem deixar de acariciar o revólver. —Nunca supus tantas facilidades.
—Digo sempre a verdade.
—Sempre? Disseste a verdade a John quando asseguraste que o amavas antes de lhe descarregares um revólver nas costas?
—Essa foi a única mentira da minha vida.
—E não foi nada má. Posso saber, pelo menos, por que o mataste?
—Não.
A negativa da mulher surpreendeu Sidney.
—Confessaste o teu crime e agora não queres dizer isso? Advirto-te que o resultado vai ser o mesmo. Pergunto-o por simples curiosidade.
—Não o digo. E vou fazer uma pergunta. Quem és tu?
—O único irmão de John.
—John tinha aspeto de cavalheiro e pelo contrário tu tens aspeto de malandro.
— É que eu sou um malandro.
— Não te dedicaste aos negócios como ele?
—O meu negócio consistiu em ser explorador, durante a guerra e depois dela. Um prato de feijões e 'Uma chávena de café por dia, forragem para o cavalo, um gole de rum antes de cada caminhada e dez dólares por mês para convidar uma rapariga. Já vez que com isso não pude 'economizar muito. Se fosses outra, deixaria que cuspisses sobre mim. Mas tu não o farás.
—Por que não?
— Persegui-te durante doze meses para te matar.
Os lábios da mulher tremeram por um instante.
—Não viste que estou defendida?
—Esses dois canalhas já estavam contigo, pelos vistos, quando mataste John. E então?
—Seguramente eles matar-te-ão.
--Por quê não experimentamos?
Foi naquele instante, ao saber que iam falar os revólveres, quando os três homens olharam em redor. Estavam sós na planície, próximo de Abilene, e sabiam que ninguém viria interromper o duelo. Ao fundo, a umas duas milhas, distinguiam-se os telhados poeirentos da cidade, e ao norte, a umas quatro milhas, chegava uma manada, da qual só se via a imensa nuvem de pó. Nada mais. O desafio ia ser, por assim dizer, cómodo. E ia ser de morte.
Os dois homens que acompanhavam Estrella Kurzon arquearam lentamente os braços.
Sidney também.
Durante uns intermináveis segundos, sob o sol de Agosto, os três contiveram a respiração. Não se ouvia nada, nem o compasso dos seus corações. Os revólveres brilhavam. Estrella disse:
—Eu darei o sinal.
—Está bem.
Esperou ainda uns dez segundos, pensando que Sidney se poria nervoso e gritou:
—Agora!
Três revólveres brilharam à luz. Sidney apertou os lábios, encolhendo-se, como os índios lhe tinham ensinado a fazer no Arizona, sob as flechas do inimigo, e disparou duas vezes, carregando a arma com frenético movimento da mão esquerda. O homem que primeiro levantara o revólver, fez um estranho movimento ao ficar com o queixo atravessado e caiu para trás, levando o revólver à boca, como se fosse engoli-lo. Na realidade foi una movi- , -mento instintivo da sua mão para chegar até à ferida. Mas Sidney não teve tempo de o contemplar.
O outro disparou quase ao mesmo tempo e a bala arrancou-lhe o chapéu.
A bala de Sidney já ia a caminho.
Alcançou o inimigo no peito, muito perto do coração e fê-lo dobrar-se lentamente. Caiu de joelhos, ia a disparar outra vez, ante o olhar impassível de Sidney, e de repente caiu de bruços sobre o pó, lançando, o seu último suspiro.
Sidney baixou o revólver lentamente. Os seus olhos encontraram os da mulher.
E notou que a mulher de vestido vermelho tinha um olho negro, que parecia trespassá-lo, e que os seios, sob o vestido, palpitavam como -uma chama.
Estrella balbuciou:
—Esta bem, conseguiste o que querias. Já me tens sozinha numa planície onde ninguém poderá ajudar-me, desarmada e tendo tu um revólver na mão. Não 'perdeste o tempo durante os doze meses, no fim de contas. Dispara.
—Não vou fazê-lo como pensas. Os teus homens tiveram que largar as armas e um deles só disparou uma bala. Portanto podes escolher qualquer, na certeza de que encontrarás chumbo. Agarra o que quiseres.
—Para quê?
— Para defenderes a tua vida. Não sabes manejá-lo?
—Não.
—Mas foste muito hábil para matar John.
— Disparei-lhe sobre as costas. Aquilo foi muito simples. E agora não conseguiria pôr o revólver em linha de tiro antes que tu me crivasses.
—Vou dar-te vantagens. Tu podes ser uma víbora, mas não um pistoleiro profissional como eu. Terei o revólver no coldre e só o sacarei quando tiveres o teu na mão.
— Não, Sidney.
O rapaz sentiu uma estranha emoção pel¢ facto de ela se recordar do seu nome.
— Queres morrer como uma cadela?
—Não quero que me mates aqui, Sidney.
Ele olhou-a, desconcertado.
—Como?...
—Não quero que me pisem as manadas ou me devorem pela noite os animais da planície. Eu não sou mais do que uma cobarde, Sidney e a morte. dá-me horror. Talvez nunca tenhas vista um cadáver em decomposição. Eu vi um: o do meu irmão.
Sidney apertou os lábios.
—O que for dos nossos corpos depois da morte, não é assunto nosso. E assim acontecerá, mate-te onde te matar.
—Fá-lo em Abilene.
—A que propósito vem esse pedido tão absurdo? Pretendes enganar-me como enganaste John?
Ela mostrou-lhe as mãos vazias.
—Como posso 'enganar-te? Que armas tenho?
—Pretendes ganhar tempo.
—Para quê?
— Em Abilene podes ter algum amigo ou podes encontrá-lo. Estamos a perder um tempo que tu necessitas para outra coisa. Reza.
— Faz-me um favor, Sidney. Já te disse que tenho horror à morte.
Ele voltou a passar a língua pelos lábios, dando conta e que os tinha espantosamente secos. Notou também que o olhar dos olhas negros penetrava até ao ais fundo de si mesmo. John tinha sido um homem esperto e, todavia, jazia agora com duas balas na costas, apodrecendo num caixão no quente Alabama Certamente Estrella olhou-o com aqueles mesmos lhos, doces e apaixonantes, antes de o matar.
Mas, apesar de tudo, não apertou o gatilho.
— Que espécie de favor me vais pedir?
— Que Me mates sem que eu dê por isso. Que me mates enquanto eu estiver adormecida.
—Isso é uma estupidez.
—Crês que toda a gente é capaz de olhar a morte cara a cara, Sidney?
— As víboras não.
Ela respirava angustiosamente. Via-se com clareza que tinha medo.
— Que estou a pedir-te? — sussurrou. — Perseguiste-me durante um ano, e agora já me tens. Não posso escapar. Quando esta noite me atravessares a cabeça num quarto de hotel, poderás, pelo menos, fazê-lo sem te arrependeres.
—Atravessar-te a cabeça... num quarto de hotel?
—Tomamos o mesmo quarto e inscrever-nos-emos como o senhor e a senhora Barton.
Sideny notou que se lhe toldava a mente por um instante. Conhecia de sobra qual era o jogo dessa mulher, esse jogo tão velho como o mundo conduzir o homem como um cão, despertando ele os instintos adormecidos. Compreendia tudo isso e não o podia evitar. Recordou aquela vez, já longínqua, em que através de uma janela tinha visto aquela mulher a despir-se.
Não, não podia ser.
Se a escutasse agora, se a olhasse outra. vez, cairia nas suas malhas.
Ia a apertar o gatilho. Ela caiu de joelhos.
E então Sidney notou que lhe tremia p. mão, que pela primeira vez era incapaz de disparar.

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