sexta-feira, 5 de junho de 2015

PAS476. A vida difícil de um texano após a guerra da Secessão

Nove de Abril de 1866. Fazia precisamente um ano que a guerra terminara. Teoricamente era um dia de alegria para toda a gente. Para todos, menos para John Foster.
O dia amanhecera encoberto. Nuvens cinzentas apareciam no horizonte, avançando lentamente.
Enquanto iam desfraldando bandeiras na rua principal de Cortewood, caíram os primeiros pingos. O pó transformou-se em lama. Logo que a chuva parou, a animação voltou a aumentar.
Chegavam vaqueiros de toda a região, dispostos a divertir-se, desejosos de passar um bom dia. Formavam--se grupos alegres e coloridos, de velhos e novos.
Alguns traziam gorros militares, com os distintivos e números dos batalhões a que haviam pertencido. Outros envergavam peças de fardamento. Outros, ainda, transportavam os bornais de folha que o Sul usara durante a guerra e que nessa altura foram objeto de constantes zombarias.
Só numa coisa coincidiam todos: nos revólveres. Pendurados sobre as coxas, presos por correias atadas às pernas. Os cabos das navalhas brilhavam, reluzentes e limpos. Os cinturões-cartucheira apareciam cheios de balas.
 John Foster contemplava a cena da varanda de sua casa.
Era proprietário de uma loja em que se podia encontrar de tudo: desde selas de montar a jogos de ferraduras, desde chicotes a cordas para forcas, desde vassouras a «Winchester» último modelo.
John Foster tinha tudo o que se podia desejar. E, contudo, o negócio não corria bem.
Ao regressar da guerra foi encontrar dívidas contraídas por seu pai no Bank West Texas, propriedade de Charles Butler, um tipo seboso, gordo, de olhos pequeninos, pálpebras salientes, que passava o dia com o lenço na mão, enxugando o suor que lhe escorria do corpo.
O pai de John Foster morrera um mês antes da assinatura da paz. E quando Foster chegou a Cortewood foi justamente a tempo de salvar o negócio, que ia cair nas mãos de Butler, devido a uma hipoteca contraída por seu pai.
Foster conseguiu salvá-lo, vendendo ao desbarato toda a existência.
Mas os rumores de que estava à beira da falência chegaram aos fornecedores, que lhe cancelaram o crédito. Teve de lutar muito para conseguir novas mercadorias, que pagou a dinheiro, mas o prestígio do armazém ressentiu-se e os clientes não acorriam de vontade.
Uns meses mais tarde, Foster casou com Mary Brown, filha de um modesto criador de gado. Conheciam--se desde a infância e era inevitável.
E empreendeu a luta pela vida, a mais terrível e brutal das lutas.
Fez todo o possível para levar por diante o negócio. Mas toda a gente estava acostumada a comprar noutras lojas e era difícil atraí-la. Foi saldando algumas dívidas, mas outras não as pôde pagar. Novos fornecedores deixaram de o abastecer. Era uma cadeia, um círculo que não podia vencer.
Mary ignorava a verdadeira situação do negócio e Foster procurava que ela vivesse feliz e tranquila.
Naquele nove de Abril Mary estava a vestir-se para o baile do Município. Faltava ainda uma hora, tempo suficiente para fazer muitas outras coisas.
Foster observou a rua através da vidraça da varanda da casa de jantar, situada no primeiro andar do armazém. Eram sete da tarde.
Tinha chovido por diversas vezes e na rua as poças de água obrigavam os vaqueiros a saltar para não se enlamearem. O céu continuava coberto de nuvens e preparava-se uma nova tromba de água.
Isso, porém, não fazia diminuir a alegria daquela, gente, que se cruzava, mudando de «saloon», rindo e gesticulando.
Foster era um dos homens mais tristes da cidade pelo menos naquele momento. Ideias e recordações amontoavam-se-lhe na mente.
Tudo havia começado cinco dias antes, quando pra-% curava nos fundos da loja um par de sapatos para um vaqueiro.
Ouviu um ruído na porta de entrada, mas não sentiu curiosidade de ver quem chegava.
Ouviu, indiferente, as primeiras palavras daquele que supunha ser um cliente.
— Que desejam, senhores? — perguntou sua mulher.
— Falar com um tal John Foster...
 — Vou avisá-lo... Da parte de quem?
— De uns amigos.
Mary dirigia-se para os fundos da loja quando Foster saiu, carregando um montão de sapatos, atraído em parte pela curiosidade despertada pelo que acabara de ouvir.
Na sua frente, um apoiado no balcão, outro sentado numa sela e o terceiro espreitando, curioso, o conteúdo de um barril, estavam três homens.
Três homens que imediatamente reconheceu.
— Diabo! Mas és o Clermont...! E o Dayli! E Buck!
Os três sorriram.
— Boa memória, amigo — disse Clermont.
-- Ter-me-ia custado a reconhecer-te, carregado de sapatos e rodeado de sacos de arroz e de feijão — acrescentou Dayli.
— Olá! — cumprimentou Burk, homem que sempre fora conhecido pelo uso moderado que fazia das palavras.
Foster pousou os sapatos no balcão.
— Despacha-te, Mary... Conversarei com estes velhos amigos... Mary é a minha mulher — acrescentou, apresentando-a.
Ela sorriu. Os seus olhos fixaram-se nos de Clermont.
Os três forasteiros eram altos e magros, de aspeto sujo e descuidado.
— Muito prazer — murmurou Clermont.
— Venham, lá em cima tenho um pequeno escritório...
Seguiram Foster e entraram numa sala. Sentaram-se em cómodas poltronas e Dayli tirou três charutos de uma caixa, oferecendo-os aos companheiros.
— Como vão vocês, rapazes? — perguntou Foster.
— Bem, vamos vivendo. Não podemos queixar-nos.
— Continuam juntos?
— Crês que podemos separar-nos? O Destino uniu--nos na guerra e pensámos que, se durante quatro anos conseguimos salvar a pele, não há razão para que nos separemos agora.
— Trabalham?
— Não... Temos negócios. Como tu. Vai bem o armazém?
Foster esboçou um gesto ambíguo com os ombros, revelando indiferença.
Os três recém-chegados entreolharam-se.
— Vai mal? — insistiu Clermont.
— Não muito bem, esta é a verdade.
— Já sabíamos — murmurou Buck.
— Quem lhes disse?
— Repito que nos dedicamos a negócios, e, antes de empreender algum, procuramos inteirar-nos de tudo o que pode ajudar, compreendes?
— Fazem vendas?
— Não se trata exactamente disso.
— Compram?
— Tão-pouco. –
— Então...?
— Negociamos com dólares — replicou, com um sorriso cínico, Dayli. — E pensámos em ti para o nosso próximo negócio.
— Não tenho dinheiro.
— No fundo, isso favorece-nos, porque assim custará menos a convencer-te.
— Que quereis dizer?
— Os nossos negócios são um pouco raros. Não exigem a aquiescência das duas partes, como nos negócios normais. Prescindimos da opinião de quem tem de nos fornecer a mercadoria. Por outras palavras, nós arrancamo-la.
Foster ouviu, em silêncio. Depois fixou, um por um, os três homens.
— São... ? — principiou a dizer, lentamente.
 Buck moveu a cabeça afirmativamente, sem o deixar findar.
 — E pensámos em ti — comentou Dayli.
— Não, não... Não quero saber nada disso.
— É muito simples, Foster. Além disso, trata-se do teu bom amigo Charles Butler.
— O do Bank West Texas?
-- Sim, o que te arruinou... Nunca pensaste que a hipoteca que teu pai assinou era falsa e que Butler pretendia apoderar-se do teu negócio... ? Nunca pensaste que se os fornecedores te cancelaram o crédito foi porque Butler não quis avalizar-te?
— Não podia avalizar-me... Conhecia a minha verdadeira situação, e se houvesse aconselhado um crédito...
— Foster, creio que não passará uma semana antes que te faça urna oferta ridícula. E aceitarás, porque estás sem meio dólar. Enganei-me?
 — Não... Estou à espera que alguém me ofereça um punhado de dólares, para partir.
— Nós viemos oferecer-te mais do que um punhado, sem necessidade de partires.

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