terça-feira, 21 de setembro de 2021

BIS020.11 Herança inesperada

 11. Herança inesperada

Nell e a mãe ficaram instaladas em casa duma família amiga de Jerry. 

— Casar-nos-emos — disse ele — logo que eu arranjar um emprego que nos permita viver relativamente bem. Entretanto, gozaremos a vida de noivos que é a mais deliciosa de todas. 

E a gozá-la em toda a sua plenitude consagravam maior parte do tempo. 

Stanley tinha razão quando disse que não lhe seria difícil arranjar emprego. Efetivamente Jerry recebera já várias propostas e entre elas a dum rico fazendeiro que lhe oferecera um bom lugar de mando. Jerry disse que aceitava, mas que primeiro queria gozar uma temporada de liberdade absoluta. Todos os outros arranjaram logo colocação, exceto Marcus. 

— Não se preocupe — disse-lhe Jerry — também havemos de nos colocar. 

Entretanto, circulavam pela povoação certos rumores de que Batterby desejava vender o rancho «Branco» e recebia ofertas. 

Certa manhã veio uma carta para Jerry, assinada por Claude Dads, notário, convocando-o para as seis da tarde do dia seguinte, no seu escritório. Estava ele dando voltas ao papel quando se apresentou Stanley. Tinha recebido outra convocatória 

— Isto cheira-me a testamento — declarou o administrador — e surpreende-me. O senhor Batterby sempre disse que não faria testamento. Dizia que tais medidas são de mau agoiro e que encurtam a existência. 

— Enfim, amanhã lá estaremos. 

Ao outro dia, no escritório de Claude Dads, encontravam-se: Jerry, Stanley, Janis e Bernard. Este último nem para eles olhou. 

Dads explicou o motivo por que os havia chamado. Existia de facto, um testamento feito por Alan Batterby e ia proceder-se à sua abertura. Todos se sentaram e fez-se um silêncio solene. 

O notário, depois das devidas formalidades, tirou os lacres do sobrescrito e disse enquanto desdobrava pausadamente as várias folhas: 

— Este documento data de alguns anos. Disse-me recentemente o senhor Alan que talvez lhe introduzisse algumas modificações, caso o seu filho chegasse a merecê-las; mas... a verdade é que não o alterou. Oiçam, meus senhores. Vou começar a leitura. 

Depois de várias considerações, veio o mais importante: 

«Deixo cinco mil dólares a Janis Ford como recompensa dos seus bons serviços e dez mil ao fiel administrador de meus bens, Stanley Kasbert. O resto da minha fortuna, tanto em dinheiro como em propriedades lego-o a meu afilhado Jerry Grunder...». 

Um rugido de verdadeira fera interrompeu o notário. Fora Bernard, cujos olhos lhe saíam fora das órbitas e que mordia os punhos, desesperado e furioso. Claude Dads impôs silêncio e continuou a leitura dos documentos: 

«Não quero deixar na miséria o meu único filho, Bernard, embora reconheça que era o que ele merecia. Receberá, por isso, cinquenta por cento dos benefícios que rendam as referidas propriedades. Nada de continuar feito fidalgo, gastando o que os outros ganham com o suor do rosto. Colaborará lealmente com o meu herdeiro submetendo-se à sua disciplina. Se o não fizer, o meu herdeiro poderá reduzir esta percentagem até o mínimo, deixando-lhe apenas o estritamente necessário para que não morra de fome. No caso de Jerry Grunder resolver vender um dia as propriedades, destinará a quarta parte do produto para constituir uma renda vitalícia a favor de Bernard Batterby, mas de modo que este não possa dispor nunca da totalidade dos dinheiros. Conto com provas mais do que suficientes para acreditar e contar com a lealdade do meu afilhado Jerry Grunder e para ter a certeza de que este meu último desejo será em tudo atendido». 

Continuava o documento com várias considerações de importância e com a relação de todos os bens do testamenteiro. 

Batterby interrompeu de novo o notário, caindo redondo no chão, sem sentidos. Auxiliaram-no e logo que recobrou ânimo, saiu cambaleante como se estivesse embriagado. O acto terminou com as felicitações do notário aos herdeiros e os fortes abraços que estes deram entre si. 

Todos os vaqueiros voltaram aos seus lugares no rancho «Branco». Nem um quis continuar nos empregos que haviam arranjado. Janis e Kasbert ocuparam, os seus postos. Marcus andava delirante. Havia entusiasmo e alegria a rodos. 

Os preparativos da boda iam já adiantados e Fanny, esquecida dos conselhos que em tempos dera a sua filha, repetia: 

— Vês?... Estás a ver?... Tinha ou não tinha razão ao aconselhar-te que rompesses com Bernard e te casasses com... com... com Jerry! Tinha um palpite de que este homem ainda havia de ser rico! 

— Já te disse que o era, mãe! Não te lembras? Foi naquela noite em que te acordei para contar do passeio, que tínhamos dado pelos campos: é rico em dignidade, simpatia, carácter, desprezo pelas ninharias e mesquinhices. Isto que sucedeu agora é um complemento, mas nunca a base essencial da felicidade. 

— Bom, bom... Mas devemos dar graças a Deus por este «complemento» ter chegado na hora precisa para que não vivêssemos depois a contas... sem dinheiro! 

Marcus aproximou-se de Grunder, tinha este acabado de dar instruções a Joe, novo capataz do rancho «Branco». 

— Importa-se que o acompanhe, patrão? Tenho que falar-lhe. 

Jerry disse-lhe que sim e afastaram-se juntos. 

— Diga Whitted. 

— Sabe, patrão, não perdi ainda o vício da curiosidade... inclusivamente gasto parte do meu soldo com alguns amigos que me trazem notícias frescas. Saem-me baratas. Costumam conformar-se com alguns copos de «whisky». Um deles, escutou à porta duma taberna, uma conversa que me vendeu e que tem bastante interesse. Oiça-a: Bernard e Wasnur acordaram no seguinte: o primeiro. apresentar-se-á ao patrão dizendo-se arrependido e desejando colaborar com você. Deste modo, cumpre-se a vontade do falecido patrão e ele entrará no gozo de todos os benefícios. Dias depois, chegará Gregory pretendendo que você lhe pague os seis mil dólares que o outro lhe deve; contam, claro está, com a sua recusa e ele, então, atirar-lhe-á à cabeça uma boa porção de chumbo... têm em mente, arranjar testemunhas em como a luta foi travada segundo as leis do Oeste e assim ficará o caminho livre para Bernard que fará à sua vontade o que muito bem entender. Como você não é casado e não tem herdeiros, os miseráveis confiam em que todas as propriedades do velho Batterby passem a seu poder. Não acha que a coisa foi bem escutada? Valeu ou não valeu a pena? 

— Claro que sim, Whitted. 

—Eu, em seu lugar, começaria por apressar o casamento. Nell passaria a ser legalmente sua herdeira direta e o plano dos canalhas ficaria por terra. 

— Não é má ideia, mas tem um inconveniente. Os assassinos seriam capazes de repetir o crime fazendo dela a sua segunda vítima. Prefiro aguardar o desenrolar dos acontecimentos. 

Deu uma palmada amiga nas costas de Marcus e dirigiu o cavalo para casa de Nell. 

A meio da tarde do outro dia, Bernard apresentou-se no rancho «Branco» pedindo para falar com urgência a Grunder. Fez uma cena dramática acusando-se de ingrato e jurou que estava arrependido, vindo colaborar com ele na administração das fazendas. 

Jerry escutava-o muito sério, dando a entender que o acreditava e maravilhando-se Intimamente da perversidade e hipocrisia a que podia chegar um homem. Quis dar-lhe ainda uma oportunidade para que não manchasse as mãos no crime. 

— Esse teu arrependimento merece um prémio. Sei que te não é agradável viver neste meio; além disso tu e eu não poderemos nunca ser amigos. Vais para San Diego e a tua colaboração consiste em vender os produtos do rancho. Dar-te-ei uma mesada e no final de cada ano terás a metade dos lucros. Sempre que o desejes poderás visitar os livros de contas. 

A proposta era tentadora. Batterby hesitou ainda, mas... e o ódio de morte que votava ao «intruso» como satisfazê-lo?! 

— De maneira nenhuma — protestou humildemente. — Trabalharei junto de ti, esforçando-me por conquistar o teu afeto. 

Grunder teve que morder a língua para não exteriorizar a indignação e a revolta que lhe produzia a infâmia do seu inimigo. 

—Seja como quiseres — disse e retirou-se apressado para não mostrar a excitação em que estava. 

Durante alguns dias, Bernard portou-se à maravilha. Trabalhou com entusiasmo e até falava aos vaqueiros em tom mais amável e simpático. 

A semana ia no fim. Jerry, depois da costumada visita a Nell, regressava a casa quando divisou ao longe um cavalo a galope em direção contrária à que seguia. Reconheceu Joe e deteve a sua montada, perguntando: 

— Que se passa?! 

—Uma coisa curiosa, patrão: temos ali mais abaixo amarrados às árvores cinco indivíduos, um dos quais Gregory Wasnur. Logo que vi o patrão, corri a dar-lhe a notícia. 

— Mas... tudo isso porquê? Bem... é que Marcus acha que o patrão confia demasiado nos outros e contou-nos a bonita história que já conhece, e... nós resolvemos andar à espreita não fosse o diabo tecê-las. Há pouco, descobrimos estes homens e apanhámo-los. Você dirá o que se lhes deve fazer. 

— Vamos — respondeu, Jerry. 

Minutos depois estavam junto dos cinco meliantes. 

—Caramba, senhor Wasnur! Não era isto o que eu esperava. Acaso o plano sofreu alteração? Porque o combinado era que você me havia de visitar exigindo-me o pagamento do que lhe deve Batterby e perante a minha natural negativa você não teria mais do que mandar-me ao diabo. Mas vejo que pensou melhor. É mais cómodo esperar o inimigo e disparar, do que apresentar-se junto dele e jogar a pele... 

A estupefação e a ira apoderaram-se do canalha. Nunca suspeitara que Grunder estivesse inteirado de tais coisas e menos ainda que ele lhe adivinhasse até o pensamento mais escondido. Dominou-se e respondeu com mal fingida naturalidade: 

— Não sei do que se trata nem a que se refere. Vinha, efetivamente, para falar consigo acerca da dívida em questão, quando estes homens me manietaram de surpresa. Dê você ordem para que nos soltem ou serei obrigado a pensar que acamarada com eles. 

Um sorriso duro fez entreabrir os lábios de Grunder.

— Vou satisfazê-lo em parte, ilustre senhor Wasnur. Não seria difícil conseguir metê-lo na cadeia... ou mesmo mandá-lo para a forca; mas gosto de resolver eu mesmo as questões que me afetam. Pensa você que é infalível com o revólver? Verifiquemos! 

Dirigiu-se aos vaqueiros: 

— Rapazes, libertem o muito ilustre pistoleiro, senhor Wasnur! 

Houve hesitações, mas Jerry, franzindo o sobrolho, ordenou: 

— Obedeçam! 

Gregory ficou livre das ligaduras. 

— Entreguem-lhe o revólver -- ordenou de novo. 

A arma caiu aos pés de malfeitor. Os vaqueiros desaprovavam a atitude do chefe, mas, no meio de tudo, sentiam crescer a admiração por ele. 

— Quando estivermos os dois com os revólveres em punho apontamos ao mesmo tempo. 

Gregory obcecado pela ideia fixa de matar, apertou imediatamente o gatilho. A bala passou a muitos centímetros de Grunder que, certo do que ia suceder, se arrojou ao solo ao mesmo tempo que atirava em cheio no coração de Gregory. 

De repente ouviu-se um grito: 

— Cuidado, Jerry! 

Novos tiros, um tanto distantes cortaram os ares. Alguns vaqueiros correram para o local, enquanto Jerry se aproximava de Wasnur, verificando que estava morto: 

— Um diabo a menos no mundo — foi o seu comentário. 

Seguiu atrás dos «cow-boys» não tardando em descobrir Bernard num charco de sangue, retorcendo-se com dores. 

— Aqui, patrão! — chamou Joe. 

Acudiu pressuroso. Marcus, com a camisa manchada de sangue, era assistido pelos companheiros. 

— Que foi isso? 

Entreabriu os olhos... 

— Olá, Jerry... joguei a minha última cantada. Já há tempo... desde que você me defendeu... que eu estava apenas ao seu serviço. Vigiei Bernard quanto pude para lhe ser útil, patrão. Segui-o sempre. Há bocado, ao vê-lo apontar, lancei o grito de alarme. Voltou-se contra mim... e matou-me..., mas... eu acertei-lhe também! É verdade que o matei? Queria vê-lo. A emoção embargava-lhe a voz. — Leve-me, leve-me onde ele está; quero morrer corn essa satisfação. 

Jerry, com precauções, pegou no corpo de Marcus e levou-o junto de Batterby, que acabava de expirar. 

— Morto! Ah; Que pena!... Gostaria de o matar outra vez! Bom, Jerry, adeus; adeus companheiros. Vou com... a satisfação de... ter feito alguma coisa de bom neste mundo. 

Minutos mais tarde, deixava de existir. Grunder colocou o corpo sobre o seu cavalo e levou-o até ao rancho, dizendo: 

—Entreguem os prisioneiros ao «Sheriff», contem-lhe o que se passou e ele que resolva. 

Enquanto falava, olhava para o corpo de Bernard e dispunha-se a colocá-lo em cima doutro cavalo. 

— Patrão... que vai você fazer? 

— Levar este corpo para a casa onde nasceu até ser enterrado. Se o meu padrinho puder ver-nos lá de cima, concordará com certeza. 

*

Fanny agitava o seu lenço branco, despedindo-se dos noivos que seguiam para a sua viagem de núpcias. 

— Adeus, filha, adeus! Não te demores por lá, que me deixas só e cheia de saudades. E tu, Jerry, — já não me esquece o teu nome — tu trata-me bem dela e traz-ma depressa. 

Os convidados sorriam. De repente a boa senhora dirigiu-se a Joe: 

— Aprontem a minha égua! 

—Posso saber o que deseja? 

— Ora essa!? Vou ter com os noivos! Quando eles pensarem que estão sós e me virem aparecer... ai que vai ser uma 'coisa estupenda! Vai ser soberbo! 

—Permita-me uma pergunta: acha que eles acharão muita graça? 

—Pois claro! 

Não conseguiram demovê-la. Joe encolheu os ombros e ele próprio preparou a montada. Fanny subiu e despediu-se dos convidados: 

— Divirtam-se! 

A égua, porém, olhou a amazona e pareceu perceber as suas intenções. Começou a galopar, mas em direção contrária à que levavam os noivos. Fanny desesperou-se: 

—Não é por aí... Oh, que animal este... Não é por esse lado... 

A égua, no entanto, galopando alegremente, levou-a dum sítio ao outro até a cansar e depois, calmamente empreendeu o caminho de regresso ao rancho.




F I M


Sem comentários:

Enviar um comentário