sábado, 18 de setembro de 2021

BIS020.08 Armadilha para um ladrão

 8. Armadilha para um ladrão

No dia seguinte, levantou-se maldisposto. Já ao cair da tarde, ao subir a um pequeno monte donde se avistava todo o rancho «Branco», deu de caras com Marcus que se aproximava. 

— Venho buscá-lo, Grunder. 

— Que se passa? Acho que seria de toda a conveniência que o senhor conhecesse quanto antes esse tal Gregory Wasnur e é agora a ocasião. Olhe ali. É aquele. 

Indicou com o dedo o 'homem que se encontrava a falar com Bernard de costas para o edifício. Ambos gesticulavam muito. Whitted acrescentou: 

— Veio com certeza para recordar a Bernard a dívida. O prazo está quase a expirar. Quer que eu vá escutar o que dizem? 

— Acaso já esqueceu as consequências do seu último acto de espionagem? — perguntou Jerry sorrindo. 

— Não esqueci, não... nem as esquecerei nunca. Mas isso não interessa. 

— Obrigado, Marcus. Fique aqui. Aproximar-me-ei sozinho. 

Sem se ocultar, foi até junto dos dois homens com ar distraído. Batterby apressou-se a desaparecer, enquanto Gregory olhava de alto a baixo o capataz. 

— Deseja alguma coisa? — perguntou Grunder, parando.

— Nada. Porque mo pergunta? 

—Porque está a olhar para num duma maneira que o dá a entender. 

—Pois engana-se. 

— Então... não vai com certeza fazer-me algum retrato? 

Gregory riu sem vontade. Não achou boa a ocasião para o mandar para o diabo e disse: 

— Tem graça você! Desculpe-me. Talvez o tivesse enfadado... sem querer. Passei por aqui e entretive-me a observar tudo isto... 

— Ah! 

—Acha mal? 

— De modo nenhum. Observe o que lhe apetecer, começando por mim... Sou o capataz do rancho «Branco», como já deve saber e chamo-me Jerry Grunder... o que para si não será surpresa nenhuma, senhor Wasnur. 

— Caramba... você conhece-me! 

— Começamos a conhecer-nos os dois. Oiça... estou a notar que me fala com reticências. 

— Impressão sua. Espero que nos voltemos a encontrar. 

— Também o espero. 

Grunder fez uma breve saudação que tinha da sua ironia e afastou-se, seguido pelo olhar de Wasnur que tinha enrugado o sobrolho ponderando bem o género de homem com quem teria de medir forças. 

Bernard deixara o cavalo numa ruela estreita e escura e caminhava cauteloso pelas ruas desertas da povoação. Chegado à porta da pensão, disse em tom perentório ao criado que se lhe dirigia. 

— Leve-me ao quarto do senhor Wasnur. 

O empregado nem se preocupou em perguntar o nome para anunciar a visita. Já o esperava e conduziu-o imediatamente ao quarto do segundo andar onde se se alojava Gregory. 

— Senhor Wasnur, está aqui o senhor Batterby que deseja vê-lo. 

Gregory apareceu. 

— Olá, amigo. Entre. 

Bernard penetrou no quarto, enquanto o seu companheiro fechava a porta à chave. 

— Traz o dinheiro?

— Claro que sim. De contrário não teria vindo. 

O rosto de Gregory alegrou-se subitamente: 

— Sente-se. Aborreceu-me tê-lo apertado tanto, mas negócio é negócio. Eu tenho também os meus compromissos a atender. 

— Não vale a pena dar-me explicações. Você é apenas um homem sem consciência e nada mais. 

Wasnur sorriu trocista, sem se dar por ofendido. 

— Acaso você a tem? Somos lobos da mesma camada, Batterby. Entre nós não há contemplações. Bem. Dê cá os dólares e eu dar-lhe-ei em troca o recibo. 

Batterby tirou o dinheiro do bolso interior do casaco e foi-o colocando sobre a mesa. 

— Conte-o. 

— Ah, claro! 

Fê-lo sem pressas. 

— Está certo, Batterby. E agora... permita-me dizer-lhe que você é um pouco ingénuo. Quero chamar-lhe a atenção para uma coisa: devia ter começado por me exigir o recibo em troca do dinheiro antes, que eu o contasse. Que faria você se eu, tendo já em meu poder as notas, me negasse a entregar-lhe o documento? 

— Seria um caso grave para você, Wasnur. Não sou tão inocente como supõe. Contei com essa eventualidade e embora não toque no revólver que está à vista seguro com a mão esquerda um outro que está pronto a disparar. Se quiser olhar por baixo da mesa, verá que não falo por gosto. 

Gregory acreditou plenamente no que lhe dizia o canalha e sorriu cinicamente: 

— Felicito-o. Gosto de tratar com pessoas inteligentes. E posso até acrescentar que, quanto ao trabalhinho a que me propus, já dei os primeiros passos para me desembaraçar de Grunder. 

— Verdade? — Asseguro-lhe. Foi pouco, muito pouco para o que é preciso. Mas é mais que suficiente para que o mate logo que me apeteça. Falei-lhe agressivamente e ele respondeu-me em igual tom. Já não me escapa. 

Fez menção de guardar o dinheiro, mas deteve-se, ao ouvir Bernard: 

— O recibo, o recibo primeiro. Não toque no dinheiro sem que o recibo esteja tão perto das minhas mãos como o estão as notas das suas! 

— Rapaz! 

— Como disse você há pouco, somos lobos da mesma camada e entre nós não pode haver contemplações. 

— Está bem. Agradam-me as atitudes como a sua. 

Abriu uma caixa e revolveu os papéis. Tirou o documento. O seu pouco simpático sorriso alargou-se mais. Pôs sobre a mesa o recibo. 

— Aqui está o tão ansiado recibo. 

Bernard suava por todos os poros. Recolheu o papel comprometedor, deixando próximo o segundo revólver. Naquele momento preciso, um empurrão fortíssimo na porta fez com que esta se abrisse de par em par. 

Jerry Grunder e o «sheriff» Griff Nopak estavam ali, de revólver em punho. Os dois miseráveis levantaram-se de um salto. 

— Não se mexam... senão para levantar os braços -- avisou o representante da autoridade. 

— Tu! — foi a exclamação surda de Batterby, ao ver Jerry na sua frente. 

E num impulso de ódio e de morte lançou-se sobre a arma que deixara em cima da mesa. Antes que pudesse alcançá-la soou um tiro que a fez ir contra a parede. 

— Aí quieto, Bernard, e não me obrigues a matar-te — aconselhou o capataz. 

Gregory por seu lado conhecendo bem do seu, «ofício» não fez frente ao representante da lei e levantou os braços ao ar, sem que o seu rosto denotasse a mais leve alteração. 

—Não creio que o que está sucedendo tenha justificação possível, mas admito a possibilidade de me ter enganado. Querem dizer-me por que entraram deste modo nos meus aposentos? 

— Fala Grunder — convidou Nopak, que não podia orgulhar-se de ser bom orador. 

— Com muito gosto, «sheriff»; mas antes permita-me que despoje das armas estes «senhores». Podem às vezes tentar-se... 

— Adiante. Se algum se mexe, ficará espalmado contra a parede. 

Grunder desarmou os canalhas e entregou todas a armas a Nopak. Guardou o seu revólver e pediu a «sheriff» que guardasse também o dele. 

— Assim estamos todos mais à vontade. Estes cavalheiros demonstraram ter disciplina e se a perderem pior para eles. Agora vou dar a explicação pedida pelo ilustre «senhor» Wasnur. 

Nopak obedeceu recolhendo a sua arma e Jerry acrescentou dirigindo-se a Gregory: 

— Quer fazer o favor de me entregar esse dinheiro? 

Pestanejou muitas vezes, traindo assim a sua aparente calma e respondeu:

— Se você, sob as ordens do «sheriff» o ordena, claro que entrego. Mas devo avisá-lo de que esse dinheiro é meu. Diz respeito à liquidação duma dívida. 

— Acredito, mas... talvez não saiba que ele é fruto dum roubo. 

— Que me diz? 

—O que acaba de ouvir. A numeração de todas as notas consta duma relação que o «sheriff» tem em seu poder. Acrescentarei, se acha pouco o que lhe disse, que todas as notas têm um pequeno sinal triangular em lugares diferentes, habilmente dissimulado, mas que se vê bem se atentar em todas elas: Pode comprovar, se quiser. Não há necessidade de continuar com os braços no ar. 

O homem fez o que lhe diziam, verificando que tudo correspondia à verdade. 

— — Suponho que não lhe será grato, senhor Wasnur, ficar com um dinheiro que é produto dum roubo, perante o representante da lei. 

Gregory protestou muito «digno». 

— Nem perante um representante da lei nem perante qualquer outra pessoa! Bernard Batterby deve-me seis mil dólares, conforme recibo que acabo de lhe entregar e veio pagarmos. Isto é tudo. Dizem os senhores que a origem deste dinheiro é ilegal e eu não discuto. Levem-no; mas exijo ao meu devedor que me devolva dito recibo. 

Antes que Griff ou Jerry pudessem dizer qualquer coisa, Batterby acendeu um fósforo e pegou fogo ao papel que tanto o comprometia. Lançaram-se os três homens em cima dele, mas não conseguiram impedir que o fogo reduzisse a cinzas o documento. 

— Maldito sejas cão! — rugiu Wasnur. 

Fleumático, Bernard respondeu: 

—Não se aflija, Gregory; também a mim me interessa que se mantenham as nossas relações. Recuperará o seu dinheiro... Se souber conduzir-se, mesmo não existindo prova de que lho devo. Tal promessa, cujo significado não escapou a Wasnur, conteve um pouco a sua fúria. 

— Confio na sua palavra — disse. E acrescentou; voltando-se para o «sheriff» e para Jerry —: Podem levar esses dólares. Nunca poderei ser acusado de ter sido cúmplice dum roubo. 

O próprio Grunder guardou o dinheiro num dos bolsos interiores do casaco. 

— Escute Batterby — disse Nopak, rouco e severo — O que acaba de acontecer seria o bastante para você it direitinho para a cadeia. Não o faço em atenção ao seu pai, um nome honrado e honesto, e à doença grave que o mina. Já há dias que estava prevista esta canalhada sua. Grunder informou-me a tempo e tudo se preparou para o apanhar com a mão na massa. E já que ele, o «intruso», como você lhe chama, não quer nada de si, vai ficar em liberdade; mas... ao mesmo tempo, tem sobre a sua cabeça o laço da forca. Logo que se dê outro delito, darei conhecimento de tudo e não haverá nada nem ninguém que o salve. Veja como é que se porta e siga lá o seu caminho. 

Bernard respondeu, sarcástico: 

— Muito agradecido por tanta bondade. Posso retirar-me, então? 

O «sheriff» consultou Grunder que acenou afirmativamente com a cabeça. 

— Vá-se embora — respondeu o primeiro —; e não esqueça o que lhe disse. Poderá custar-lhe muito cara a falta de memória. 

Sem fazer comentários, Bernard afastou-se. 

— Suponho — disse Gregory — que não adotarão qualquer medida contra mim. 

— Pois claro que não — apressou-se a responder Jerry. 

— No entanto... — acrescentou por seu lado o «sheriff» — tenha também cuidado com o seu comportamento... 

Saíram. Wasnur cerrou os punhos, furiosamente ameaçador. 

Não havia que pensar duas vezes. Agora, mais do que nunca, impunha-se matar o capataz. 

Longe da pensão, Nopak disse a Jerry: 

— Deve estar contente. Prestei-me ao jogo sem hesitações. 

— Agradeço-lhe muitíssimo. Bem sabe que apenas me guiou o desejo de impedir que meu padrinho viesse a sofrer um desgosto que lhe seria fatal. Agora restituirei o dinheiro e não saberá de nada. 

— Mas... acha que adiantámos qualquer coisa? 

— Sim... Bernard, com medo de que você, representante da lei, conte tudo ao pai e o mande prender, terá cuidado daqui para o futuro. 

— Assim seja. Quanto ao que diz respeito a Wasnur... 

— Não se poderia fazer outra coisa. Era ilógico que se perdoasse ao ladrão e se prendesse o seu cúmplice. 

— Mas... você sabe que ele quer matá-lo. Não compreendo como é que você pôde conter-se e tratá-lo quase, com amabilidade. 

Jerry sorriu de maneira estranha e comentou: 

— Que quer você? Gosto de saborear o perigo de quando em quando! Ver no cárcere o homem que sonhai matar-me, não me satisfaz. Prefiro observá-lo, divertir-me com o seu jogo e, se ele se resolve, dar-lhe o castigo merecido. Enfim, não falemos mais no assunto. Vamos beber qualquer coisa, pois bem o merecemos. 

Entraram num bar e beberam até se saciarem. Pouco depois, Grunder empreendeu o caminho do rancho. 


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