segunda-feira, 5 de novembro de 2018

BIS164.12 Lutando pelo tesouro

O combate, a partir daquele momento, adquiriu uma virulência extraordinária. O mesmo desejo possuía os dois jovens: fugir quanto antes dali. Haviam conseguido os seus propósitos. O que se impunha, portanto era pôr terra entre eles e os seus inimigos para poderem desfrutar do tesouro.
— Cole, isto complica-se — sussurrou Boyds, indicando-lhes a parte sul do regato. — Esses tipos, se não anda-mos depressa para apanharmos os cavalos, acabarão por nos envolver.
O sardento olhou na direção indicada por Brian. Viu três cavaleiros atravessarem o riacho. A distância era tão grande que não os alcançaria nem mesmo com as espingardas. O seu olhar endureceu.
— Desta vez não atirarei a ferir — murmurou com voz surda. —Defenderei o nosso tesouro com unhas e dentes.
Brian Boyds era do mesmo parecer. Não estava disposto a deixar que outros levassem numa bandeja o que considerava de sua exclusiva propriedade. Mataria, se fosse preciso. Os três tipos, que continuavam abrigados atrás das árvores, aumentaram o fogo, pretendendo com os seus tiros distrair a atenção dos dois jovens.
— Eu me ocuparei deles — sorriu Derry —, tu encarrega-te dos outros três.
Tardaram poucos minutos a aparecer os que haviam atravessado o riacho. Avançavam com os corpos inclinados, por entre as árvores. Boyds esperou tenso e imóvel que se pusessem ao alcance da sua arma.
O que vinha à frente, julgando que os seus passos não eram espiados, atravessou, com rapidez, uma pequena clareira para atingir um pequeno promontório rochoso, situado paralelamente às rochas onde se abrigavam os dois jovens. O dedo indicador de Brian Boyds apertou suavemente o gatilho.
Como que paralisado por uma misteriosa descarga elétrica, o indivíduo permaneceu durante alguns segundos cravado no solo. De súbito, o seu corpo deu uma volta espetacular e caiu pesadamente sobre a erva húmida onde ficou estendido com a arma nas mãos. Os outros dois procuraram uma brevíssima trégua. Cole disse falando por cima do ombro:
— Os nossos inimigos ficaram reduzidos a quatro. Acabo de mandar outro para o inferno. Partia do principio que o tiro de Boyds havia acertado no alvo.
Boyds vigiava atentamente o espesso arvoredo que tinha na sua frente. Não lhe agradava nada aquele silêncio. Teve o pressentimento de que os seus inimigos não haviam fugido, que continuavam ali, escondidos, esperando.
Boliinnnggg...!
— Maldição! Acertaram-me!
O grito foi proferido por Cole Derry. Boyds voltou-se, lívido. Viu o seu amigo recostado contra a rocha, com os dedos apertados para conter os gemidos. Ficou admirado não vendo sinais de sague na camisa nem na cabeça do sardento.
E, subitamente compreendeu tudo. Voltou-se como um raio e levantou o olhar para a copa das árvores próximas. Teve a intuição de que fora dali que haviam disparado contra o seu companheiro.
— Cole, afasta-te dessa rocha — gritou com voz rouca.
O seu grito de alerta chegou tão a tempo que a segunda bala disparada da copa do frondoso castanheiro ricocheteou exatamente no sítio onde o sardento tinha a cabeça recostada um milésimo de segundo antes.
Tinha descoberto o seu inimigo emboscado entre a ramagem da árvore. Graças ao sol, certamente, uma vez que os seus reflexos, incidindo sobre a arma, lhe arrancaram uma centelha vivíssima. Fora então que gritara avisando o sardento. O disparo da «Winchester» fora simultâneo ao seu aviso. A bala cumpriu a sua missão. Um grito de morte fendeu, subitamente a atmosfera poluída. Depois do grito lúgubre ouviu-se o estalar dos ramos a serem quebrados e separados do tronco.
Boyds presenciou, impassível, as cambalhotas grotescas que o cadáver deu ao cair da copa do castanheiro até chocar violentamente com o solo, onde ficou tão imóvel como uma estátua de pedra. A espingarda do tipo, por sua vez, bateu surdamente contra o chão coberto de erva.
Ainda não se havia dissipado a branca nuvenzinha da pólvora quando Brian voltou a apertar suavemente o gatilho da «Winchester». Desta vez na direção de uns arbustos situados à esquerda do castanheiro que servira de refúgio ao outro bandido. Havia visto mover-se um vulto entre a espessa folhagem.
Ouviu um gemido de agonia e, em seguida, a ramagem abriu-se com violência para dar passagem a um tipo atarracado, um pouco baixo e de cabeça grande. Depois de cambalear durante algum tempo, acabou por cair de bruços sobre a erva que regou com uma golfada de sangue. Depois ficou tão quieto como os seus dois companheiros.
— Os meus já estão prontos — murmurou o jovem num tom indiferente.
Acto contínuo, rastejou para junto do sardento. Este continuava recostado contra a rocha tentando vedar a ferida do ombro.
— Deixa ver, Cole.
Verificou que a bala não havia atingido o osso. Tirou-lhe o lenço do pescoço e vendou-lhe fortemente o ombro, evitando dessa forma a hemorragia. Durante o tempo que levou a tratar o sardento, as balas continuavam a zumbir por cima da sua cabeça. Cole empunhou novamente a espingarda. Um fulgor sinistro brilhou nos seus olhos.
— Por nada do mundo consentirei que te ocupes desses. Pertencem-me, Brian. Se gastar mais de três balas para os liquidar, cedo-te a minha parte do tesouro.
Voltou-lhe as costas e apontou a «Winchester» para a margem esquerda. Devido a um movimento brusco qualquer coisa lhe caiu do bolso. Era uma moeda de prata. Boyds ao vê-la baixou-se para a apanhar. Reconheceu-a. Era a que Derry utilizara, minutos antes, quando haviam deitado à sorte qual dos dois ficaria ali a fazer frente aos assaltantes. Ao voltá-la começou a pestanejar, incrédulo. Aquela moeda tinha as duas faces iguais!
Sentiu ali dentro, no peito, uma intensa emoção ao compreender a intenção daquele homem. Havia preferido arrostar o perigo sozinho! Qualquer coisa admirável e que nunca esqueceria.
O estrondo que formaram as espingardas dos três emboscados vomitando chumbo fundido contra as rochas fê-lo despertar da sua momentânea abstração. Os projéteis semelhavam moscardos raivosos, espapaçando as rochas, furiosos.
Boyds, acocorado sob uma rocha observava o sardento. Viu-o esquadrinhar a margem oposta através da estreita fenda entre duas rochas atrás das quais estava abrigado. A sua cara parecia talhada em pedra.
Ao ver uma leve contração da sua pálpebra esquerda compreendeu que era chegada a sua hora de atuar. E não se enganou. Três agulhas de chumbo saíram de improviso do cano da «Winchester». Apenas saíram separadas umas das outras questão de um quinto de segundo. Três agulhas de chumbo que encontraram no seu caminho o alvo previsto.
— Depressa, Brian — exclamou o sardento com um sorriso irónico. — Estes três já não nos voltarão a incomodar mais.
Estabeleceu-se um silêncio curto e tenso. Os olhares dos dois homens haviam-se pousado no pequeno cofre que Brian colocara junto de' uma pequena rocha. Talvez pensassem que era muito o sangue derramado por causa das joias, encerradas naquela caixinha de metal. O repentino ruído produzido pelos cascos de muitos cavalos na outra margem do riacho fê-los saltar instintivamente do solo duro e olhar-se expectantes. Haviam apanhado, instintivamente, as espingardas.
— Diabo, é o xerife, Paul Keener e o ganadeiro Granwley! — murmurou o sardento, perplexo.
— Acompanhados por todos os homens do «Círculo M. G.» como escolta — completou Boyds mais perplexo ainda. Que me matem se entendo isto — resmungou Derry. — Eu pensava que quem nos tinha atacado eram os homens de Granwley.
Olharam-se fixamente. Que fazer ? Fugir a cavalo com o tesouro ou voltar a esconder o cofre e enfrentar aqueles homens, contando-lhes uma história qualquer?
— Guardemos as joias nos bolsos e esconderemos o cofre — sussurrou com rapidez. — Dir-lhe-emos que esses tipos nos atacaram e tivemos necessidade de nos defendermos. Acreditar-nos-ão, estou certo.
Puxou pela sua navalha, introduziu a folha resistente por uma das ranhuras do cofre e, depois de forcejar um pouco, a tampa levantou-se. O brilho que os diamantes, os rubis e as pérolas engastadas nos colares despediam fizeram pestanejar os dois jovens, Tiveram de sacudir fortemente as cabeças para recuperarem o domínio dos nervos. Os reflexos chegantes que aquelas joias espelhavam haviam-nos aturdido de tal forma que, durante alguns minutos, permaneceram absortos, contemplando aquele tesouro fabuloso.
Depois de voltarem a si do aturdimento, começaram a tirar da caixinha as joias e a metê-las nos bolsos, completamente desinteressados dos quinze cavaleiros que acabavam de irromper do bosque vizinho exatamente na frente do local onde eles se encontravam escondidos. Entretanto, o xerife e os seus companheiros, ao descobrirem os cadáveres dos três tipos mortos por Brian Boyds, pararam os seus cavalos. Um assobio escapou dos lábios contraídos do xerife ao reconhecer um dos cadáveres.
— Diabo, é Frost!
O capataz do «Círculo M. G.» havia desmontado de um salto, aproximando-se de outro cadáver ensanguentado. As roupas daquele sujeito eram-lhe vagamente familiares. Voltou-o com a ponta do pé.
— Mas é Spencer Hacker! — exclamou, retrocedendo com o rosto demudado.
O xerife desmontou, nervoso, e ajoelhou-se diante de Hacker. Da sela havia notado que aquele homem ainda respirava. Aplicou o ouvido ao coração do magricela. Ouviu um tique-taque tão apagado que não teve ilusões quanto ao fim próximo do ajudante de Chill Talbott.
Os minutos que lhe restavam de vida eram tão poucos que tinha de se apressar se queria saber o que desejava. As pupilas vidradas de Spencer Hacker olharam turvamente o representante da lei. Este leu a mensagem que aquele olhar lhe enviava e inclinou-se sobre o seu ouvido fazendo-lhe algumas perguntas. Depois, encostou o seu ouvido à boca do moribundo e esperou, ansioso.
Como se o ajudante do negociante de gado estivesse à espera da chegada do xerife para exalar o seu último suspiro, deixou pender a cabeça sobre o ombro e expirou. Loveland encarou o ganadeiro e o seu ajudante:
— Atravessem o regato e vejam o que foi feito de Talbott e dos indivíduos que o acompanham. Quanto a vocês — havia-se dirigido ao capataz e aos seus homens — rodeiem essas rochas mas não façam uso das armas a não ser em defesa própria.
Ajudou Paul Keener a desmontar do seu cavalo, entregando-lhe depois a muleta. Os dois homens dirigiram-se em linha recta para as rochas atrás das quais se ocultavam Boyds e Derry.
Os dois jovens já haviam introduzido nos bolsos o conteúdo do cofre. O sardento, ao ver aproximar-se o xerife acompanhado pelo inválido atirou a caixinha metálica para trás de alguns penhascos, cobrindo-a, precipitadamente, com areia.
Acolheram a chegada do xerife e de Paul Keener com os corpos tensos. Estavam dispostos a tudo antes de se desfazerem daquela fortuna que tinham nos bolsos. Olharam para o inválido, interrogativamente. Keener suportou sem pestanejar os olhares penetrantes dos dois jovens:
— Não fui eu quem avisou o xerife mas sim o dono da pousada — explicou com firmeza. — Suspeitou de alguma coisa estranha ao ver as cordas ligadas às janelas e foi contar ao senhor Loveland.
— É verdade — corroborou o xerife. — Keener estava no meu escritório quando o dono da pousada me veio procurar. Receando que lhes houvesse acontecido alguma coisa de mau, contou-me, então, que lhes tinha proporcionado dois cavalos. Pensei que vocês se tinham dirigido a este rancho e vim com Paul e o meu ajudante com o fim de falar com Granwley. O ganadeiro reuniu os seus homens e dirigimo-nos para aqui, a galope, quando ouvi-mos os tiros.
— Demasiadamente tarde, porém — murmurou Derry calmamente. — Quando atravessávamos o regato atacaram-nos seis indivíduos das duas margens. Conseguimos abrigar-nos aqui e acabar com eles. Pode saber-se o motivo da vossa visita a este rancho a uma hora tão matutina?
— Porque não, sheriff! Já sabe que gosto destas terras. Desejava percorrê-las de ponta a ponta para saber se fazia ou não uma boa inversão de capital comprando-as. O meu amigo Boyds ofereceu-se para me acompanhar — fez uma pausa, olhou fixamente para o xerife e acrescentou: — Eu creio que esses tipos eram os ladrões de gado e que a nossa presença lhes transtornou um golpe, o que significa que o senhor Granwley nos deve estar agradecido.
Brian Boyds contemplava o sardento com admiração. Nunca havia visto mentir com tanta naturalidade. Aquele homem estava a constituir para ele uma caixa de surpresas. Era tão rápido a «sacar» o «Colt» como a urdir uma mentira com visos de realidade.

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