domingo, 4 de novembro de 2018

BIS164.11 Procura-se um tesouro

O quarto que Brian Boyds ocupava na pousada «O Cervo» era contíguo ao do sardento. E os dois davam para uma estreita ruela, pessimamente iluminada por um candeeiro de petróleo, colocado na esquina. Naquela noite, porém, não iluminava nada. Alguém o devia ter tomado por alvo para a sua pontaria e o pulverizara com um tiro ou uma pedrada.
O primeiro a chegar, naquela noite, ao seu quarto foi Brian Boyds. Riscou um fósforo na parede e acendeu um candeeiro. Um sorriso duro entreabriu-lhe os lábios. ao ver a janela entreaberta.
— Bem a coisa começa a animar — murmurou por entre os dentes.
Não pareceu admirar-se muito ao ver a sua cama desfeita e o colchão estripado e rasgado por um longo golpe. A lã formava um branco e volumoso tapete no chão. Alguns golpes suaves na parede lateral fizeram-no desinteressar-se de tudo. Respondeu às pancadas com outras e depois sentou-se sobre a cama.
Segundos depois, Cole Derry entrava no seu quarto sem produzir ruído.
— Não julgues que deixaram o meu quarto melhor que este — sussurrou, sorrindo. — Esses tipos caminham pelo seguro. Suspeitam de que alguma coisa se esconde no rancho de Granwley e que deve existir um plano. Por isso, revistaram os nossos quartos.
— Estou a pensar se não será o próprio Granwley o autor de tudo isto — disse Boyds pensativo. — E muito significativo o facto de desistir de vender o seu rancho a Talbott.
— Com efeito, assim é — admitiu o sardento —, também eu me inclino para Granwley. Não se terá dado o caso de o fazendeiro ter ouvido qualquer coisa estranha e se querer aproveitar do assunto ?
Estabeleceu-se um curto silêncio. Derry aproveitou-o para enrolar um cigarro. Havia-se sentado junto de Boyds. Foi este quem quebrou o silêncio:
— Paul Keener cumpriu a missão de que o encarreguei esta tarde — murmurou. — Um amigo seu emprestou-lhe os cavalos. Deixou-os escondidos atrás do estábulo de Richard, à saída da povoação.
O sardento pôs-se em pé. Fumava com prazer, como que preso de um nervosismo interior.
— Sabes uma coisa, Brian? — sussurrou, roucamente, com os olhos brilhantes como brasas. — Estas quatro horas que nos esperam serão as mais longas da minha vida.
— Fazes mal — sorriu Boyds. — Eu penso dormir a sono solto. Estenderei uma manta sobre o colchão. E preciso estarmos descansados para o que suceda depois.
— Procurarei imitar-te, embora não saiba se o conseguirei. Chamar-te-ei.
Quatro horas depois, com efeito, Brian voltou a ouvir as suaves pancadas na parede. Levantou-se, em silêncio, da cama e pôs o chapéu. Depois, abriu, com todo o cuidado, a janela, assomando-se. Viu o amigo deslizar como uma sombra pela janela abaixo servindo-se de uma corda. Apanhou então o seu laço de vaqueiro, atou-o à escápula cravada na parede e começou a deslizar para a rua.
Ao pisar terreno firme enrolou a corda e atirou-a para cima metendo-a pela janela aberta. Cole Derry havia feito outro tanto. Ao chegarem à esquina assomaram as cabeças, cautelosamente. Olharam-se satisfeitos ao verem a rua Maior na mais completa solidão e silêncio.
Ainda faltavam duas horas para amanhecer. Sentiam um pouco o vento gelado que, procedendo do Norte, lhes lambia os rostos. Colados às paredes das casas, avançavam nas pontas dos pés para não produzirem ruído.
Tinham a intuição de que o inimigo vigiava na sombra, disposto a saltar sobre eles como um lobo faminto. E nisso não se enganavam. O que ignoravam era que haviam sido descobertos no próprio momento em que saiam da ruela. O perigo, pois, rondava-os muito mais cedo do que esperavam.
A sombra oculta num portal, quase fronteiro à pousada, foi seguindo com toda a cautela os dois jovens. Devia usar solas de borracha porque os seus passos mal se ouviam.
Ao ver o sardento e Boyds dobrarem a esquina do estábulo meio destruído de Richard Holcut atravessou a rua na ponta dos pés e ocultou-se atrás de um carro carregado de luzerna. Engatilhou o revólver e esperou.
Os cascos dos dois cavalos ferindo a terra ressequida, a trote largo, desfizeram o profundo silêncio da noite.
Uma maldição se soltou então da boca contraída do indivíduo escondido atrás do carro. Abandonou, precipitadamente, o seu abrigo e aproximou-se da esquina do estábulo com o «Colt» empunhado.
— Devia ter imaginado — resmungou de mau-humor, vendo os dois cavaleiros afastarem-se.
Durante vários minutos ficou pensativo, contemplando o caminho que os dois cavaleiros levavam. Um sorriso distendeu-lhe, subitamente, os lábios. Voltou pelo mesmo caminho, desta vez sem precauções nenhumas. As suas pernas longas moveram-se com rapidez até alcançar uma ruela próxima do «saloon» «Duas Estrelas».
Amarrado a um poste, junto de uma janela baixa, estava um cavalo negro. Montou-o de um salto e entrou na rua Maior. O caminho que tomou foi o mesmo que antes haviam tomado Cole Derry e Brian Boyds. Esporeou, freneticamente, os flancos do animal e partiu num galope furioso em direção aos primeiros contrafortes da montanha.
Meia hora depois, chegava a uma cabana situada no meio de um bosquezinho de larícios. Da cabana não saía qualquer luz. Saltou do cavalo, quase em plena marcha, e subiu velozmente os dois degraus do alpendre. Antes de chegar à porta esta abriu-se silenciosamente fechando-se depois atrás do cavaleiro.
Cinco minutos depois, o indivíduo voltava a sair da cabana. Tornou a montar o cavalo que voltou a esporear selvaticamente lançando-o num galope tão desenfreado como o anterior. Desta vez, as patas do cavalo cor de azeviche dirigiram-se em linha recta para o rancho de Max Granwley.
*
Os dois jovens haviam desmontado junto de um grupo de salgueiros e castanheiros. O rumor da corrente chegava-lhes por sobre o ruído da folhagem da espessa vegetação que crescia junto do regato. O ar era húmido, cheio de um rumor suave, cavernoso, com o bater do vento na copa das árvores. A noite ficava para trás em passos gigantescos e uma luz acinzentada, a luz da madrugada, começava a assomar por sobre as cristas dos montes próximos, afugentando as sombras.
— Espero que, desta vez, tenhamos mais sorte que anteriormente — observou Boyds num tom suave.
Deixaram os cavalos atados a uns arbustos. A vegetação era tão alta que os cobria por completo. Atravessaram o regato e puseram-se a procurar, afanosamente, por entre os penhascos que ladeavam a margem da corrente.
Nenhum dos dois notou a silenciosa chegada à outra margem do regato de um indivíduo montado num cavalo negro. A fronte do cavaleiro estava coberta de um sor espesso que demonstrava claramente a longa cavalgada que acabava de fazer.
A espessa ramagem atrás da qual se ocultava tornava-o totalmente invisível. Durante alguns minutos esteve a observar a busca
afanosa dos dois cavaleiros. Considerando suficiente o que acabava de ver, fez voltar silenciosamente a sua montada com um sorriso enigmático à flor dos lábios. Segundos depois, afastava-se pelo mesmo caminho que havia trazido levando o cavalo a passo para não produzir qualquer ruído.
O plano dos dois era bem simples: haviam decidido acampar a uns quatrocentos metros do local onde se encontravam os três castanheiros indicados pelos seus parentes como o lugar onde haviam enterrado o cofre com as joias.
Pensaram que, no caso de existir algum vigilante de Granwley por aqueles lugares mandá-los-ia parar quando atravessassem o regato. Se assim fosse far-lhes-iam frente mas disparando para o ar. O vaqueiro ou vaqueiros persegui-los-iam. Então eles abrigar-se-iam na margem oposta e começariam a disparar contra os homens do «Circulo M. G.», embora não a matar.
Quer dizer, quem lutaria contra os vaqueiros de Granwley seria apenas um, uma vez que o outro aproveitaria a confusão dos tiros para deslizar até aos três castanheiros apoderando-se do cofre com as joias.
Tudo sucedeu tal como haviam imaginado. Seis cavaleiros apareceram subitamente entre o arvoredo da margem oposta. Conduziam os cavalos com a mão esquerda porque na direita traziam as espingardas com os canos virados para o céu.
— Já aí estão, Boyds — sussurrou o sardento — enviar-lhes-emos uma saudação para ficarem quietinhos onde estão. Já sabes o combinado: só assustá-los.
Haviam-se abrigado atrás de alguns penhascos, as mãos fortemente cerradas sobre as coronhas da «Winchester». Segundos depois os pontos de mira ficavam dirigidos para os alvos eleitos respetivamente.
— Agora! — ordenou Derry num sussurro.
Os dois tiros soaram como um só, dando a impressão de terem sido produzidos por uma só arma. Os chapéus sebentos que cobriam as cabeças dos dois cavaleiros situados na primeira fila dos ginetes empreenderam um voo para a erva húmida que crescia atrás deles. Presas de um pânico súbito picaram esporas na direção do arvoredo, desmontando velozmente dos seus cavalos e procurando o abrigo dos salgueiros e castanheiros.
— De momento conseguimos — sorriu o sardento divertido. — Enquanto se recuperam do susto terás tempo de deslizar para o lugar do nosso tesouro. Eu chegarei para os conter.
— Havíamos combinado que seria a sorte a decidir qual de nós dois ficaria a fazer frente a esses indivíduos.
— Ficarei eu — insistiu Derry. — Já sabes que disparo mais rápido e certeiramente do que tu.
— Isso é coisa para se ver. O mesmo que tu fizeste fi-lo eu também. E na mesma fração de tempo. Além disso, este posto pertence-me... por muitas razões. Se um de nós tiver de cair prefiro ser eu. Tu tens mulher, e uma filha. Eu estou só no mundo, ninguém me choraria nem sentiria a minha falta.
Cole sentiu um estranho fogo no peito ao ouvir aquelas palavras. Havia compreendido o que pretendiam dizer. Desviou o olhar para a margem oposta para que Boyds não visse a sua emoção.
 — Bem, tiraremos à sorte — murmurou com voz rouca.
Puxou de uma moeda de prata, colocou-a na concavidade da mão esquerda, cobriu esta com a direita e agitou-a dentro das mãos. Depois estendeu-as em frente de Boyds e disse, sem lhe dar tempo a descolar os lábios:
— Eu peço caras, sempre me dá sorte.
Abriu as mãos sorrindo. A cara de Abraham Lincoln, ossuda e larga, ficou a olhá-los fixamente.
— Ganhei — murmurou o sardento guardando a moeda. — Serei eu a ficar aqui para conter esses tipos, enquanto tu procuras o nosso tesouro.
Boyds moveu a cabeça, pesaroso. Ia abrir a boca para insistir que o deixasse ficar naquele posto apesar de não lhe ter correspondido.
— Lamento, Brian, mas foi a sorte quem decidiu. Não insistas porque não conseguirás convencer-me. Quando viu Boyds rastejando por entre os penhascos que se divisavam à entrada da curva um suspiro entrecortado escapou-se do seu peito.
Voltou a tirar a moeda e observou-a com os olhos risonhos, dando-lhe voltas entre os dedos. Brian Boyds teria tido uma grande surpresa se tivesse visto o reverso da moeda. Nela aparecia a mesma, efígie do presidente Lincoln, visto que carecia de anverso.
Entretanto, os cavaleiros haviam-se abrigado convenientemente atrás das árvores e das suas pesadas espingardas começaram a brotar estampidos secos na direção dos penhascos onde Cole Derry se abrigava.
Experiente na arte da guerra, o louro sardento havia escolhido sabiamente aquele intrincado dédalo de rochas para manter os seus agressores a distância. Os penhascos estavam situados de tal forma que semelhavam um forte em miniatura, podendo-se mudar de lugar sem que os inimigos notassem os seus movimentos. O seu pensamento era o de lhes fazer crer que, em vez de um só homem, eram vários que estavam abrigados atrás daquelas rochas. Cumpria admiravelmente a sua missão. A sua ‹Winchester» começou a cuspir chumbo com rapidez arrepiante na direção da margem oposta. E sempre mudando de sítio.
Saltava de um lugar para outro com a velocidade de um gamo e, do seu novo lugar, enviava outra rajada de projéteis contra os tipos abrigados atrás das árvores. A sua pontaria endiabrada tinha os seus inimigos retraídos.
Dois que se haviam atrevido a assomar o nariz mais que a conta procurando a maneira de se aproximarem dos penhascos desistiram dos seus propósitos ao verem voar misteriosamente os chapéus das suas cabeças. Colaram-se aos grossos troncos com as faces lívidas e as pernas trémulas. Uma voz grossa, encolerizada, gritou de um dos troncos:
— Rodearemos esses coiotes, não são mais de dois.
Cole Derry enrugou o nariz preocupado. Pensou que se Boyds não regressasse depressa para junto dele ia passar dificuldades. Se aqueles tipos realizassem um movimento envolvente o seu fim era inevitável.
— Bem, acabaram-se as contemplações — murmurou.
Daquela vez não atirou a assustar. Tinha de reduzir o número dos seus atacantes para não poderem realizar o plano de o caçarem dentro daquela toca.
Um gemido desgarrado rasgou de improviso a atmosfera poluída. Soltara-o um dos seus inimigos ao sentir a queimadura do chumbo numa perna. Cole Derry sorriu com dureza. Podia ter morto aquele homem, mas não quisera. Contentara-se em o inutilizar. Como se o grito desgarrado do ferido tivesse espevitado os seus companheiros, uma chuva de balas abateu-se furiosamente contra as rochas onde se escondia o sardento. Muitos dos projéteis fizeram saltar lascas dos penhascos que rebolavam depois aos pés de Derry.
— Ânimo, rapaz, já estou aqui.
O louro sardento voltou-se com a surpresa estampada no rosto ao ver aparecer Brian Boyds. Nem sequer o havia ouvido aproximar-se, devido ao estrondo dos tiros.
— Conseguis...
Não conseguiu terminar a pergunta. Impediu-lho o nó repentino que se formou na garganta ao ver o pequeno cofre que Brian lhe mostrava com o rosto radiante.
— Dei imediatamente com ele. Cole — sorriu Boyds, sentando-se a seu lado ao abrigo de uma rocha. Estava enterrado onde as cartas diziam. Agora va...
Boiinng...! Boiinnnggg...! Boliinnnggg...!
Os estampidos raivosos interromperam Boyds. Uma das balas introduziu-se pelas aberturas das rochas e passou tão perto da orelha do sardento que até sentiu o calor que emanava.
— Diabo — exclamou, atirando-se ao chão —, esses porcos afinam cada vez mais a pontaria.

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