quinta-feira, 13 de abril de 2017

PAS735. Morte de víbora

King entrou no «saloon» para tomar um copo. Sentia-se em parte triste e em parte de bom humor. Conseguira a intimidade de Hazel e parecia-lhe que tudo corria bem. Todavia, não conseguia afastar do pensamento aquele olhar triste e amargo da jovem.
Não podia negar que estava apaixonado por ela e desejava fazê-la sua esposa. Voltaria para o Sul a incorporar-se na equipa de Matthews. Com o tempo, seria o capataz, e acabaria por ter um rancho próprio. Com ela ao seu lado, nada o impediria.
Hazel todavia acolhia-o com agrado, tratando-o com simpatia, mas dir-se-ia que evitava todas as tentativas do jovem para lhe declarar o seu amor.
«Porquê? — perguntava-se. — Se ela lhe não correspondia, dizia-lho, e estava tudo arrumado. Desde pequeno sabia que os desejos das mulheres, sob este aspeto, eram irrevogáveis».
Sentou-se junto do balcão, e pediu um copo de «whisky». Notou que os clientes da casa vaqueiros, fazendeiros e cavaleiros sem ocupação definida, o olhavam com interesse, cochichando entre si. Não lhes ligou importância. Sentia uma tão grande indiferença por eles como antipatia sentiam por ele. A sua fala nasalada grosseira, o seu aspeto ordinário e os seus modos rudes não se conjugavam facilmente com os hábitos de Estrela Solitária.
De repente, uma voz desagradável cantou, num ordinário arremedo do sotaque do Texas:
«I just come from
 way down in Texas.» (1)
Os restantes, segundo o costume daquele Estado, bateram palmas e desataram à gargalhada. King voltou-se ofendido. Não era seu costume tolerar troças, nem insultos, e estava bem à vista a mofa que aqueles homens estavam fazendo.
No centro do grupo, via-se um cavaleiro corpulento, de cabelo encaracolado e rosto bem barbeado. Tinha chapéu quase caído para os olhos e um revólver ao lado muito baixo, junto da anca.
Acostumado a medir os homens com um simples golpe de vista, pois muitas vezes a sua vida dependera disso, compreendeu tratar-se do pistoleiro local, o orgulho dos vaqueiros e dos cavaleiros da terra. Conteve um sorriso. Talvez ali, no «Estado da erva curta» (2) fosse um virtuoso do revólver, mas no Sul, na terra dos pistoleiros e dos lutadores, não passaria de medíocre
(
O cavaleiro acrescentou então:
— É fácil, à força de falar, convencer toda a gente uma coisa, mesmo que seja mentira.
Outro indagou:
—Que queres dizer com isso, Jack?
O chamado Jack sorriu, olhando com insistência para Lorringer.
— É o sistema de todos os sudistas e dos texanos em particular. Não fazem outra coisa senão, falar, falar da sua valentia, da sua maneira de combater, para impressionar toda a gente e não se notar o medo que têm.
Riram todos, enquanto um cavaleiro acrescentava:
 - Conta-nos o que fizeste combatendo contra Bill Anderson (3).
— Não tem importância. Eu servia às ordens do major Heston e soubemos que Anderson e os seus guerrilheiros vinham invadir o Kansas. Andámos à procura deles e, por fim, encontrámo-los a comer as sobras do nosso rancho. É o que fazem sempre os texanos. Comer o que nós deixamos.
Uma gargalhada geral coroou as últimas palavras, enquanto Jack cravava os olhos em Lorringer. Este deixou o copo no balcão e voltou-se para o cavaleiro.
—Você julga que nós, os texanos, não fazemos mais do que recolher os despojos que vocês abandonam?
Jack assentiu:
— Você mesmo, Lone Star (4), o demonstrou. Não faz outra coisa senão falar com alguém, com quem nemos negros nem os vagabundos falariam. Mas é natural. Você é igual a ela.
King sorriu, sentindo que o invadia uma fria cólera. Estava bem claro o insulto a Hazel. Aquele homem procurava a luta, e tê-la-ia. Naquele momento, o proprietário do «saloon», um homem corpulento e pacífico, preveniu em voz baixa:
— Não faça caso. Está bêbado e não sabe o que diz.
Mas Lorringer não o escutou.
—Poderia falar mais claro — convidou.
Jack, animado pelo riso dos companheiros, sentia-se alvo da atenção geral, retorquiu:
—Como queira. Não sou homem para falar por meias palavras. O que desejávamos era saber quanto lhe pagam para distrair Hazel.
Lorringer não se alterou aparentemente:
—Continuo sem o compreender.
— Pois não se percebe que a não ser por dinheiro algum homem, um homem de verdade, evidentemente, se entretenha a conversar com Hazel. Esta é a razão minha pergunta, e por isso volto a insistir em saber quanto lhe ofereceram para entreter uma perdida desse tipo. Claro que talvez os texanos tenham por costume fazê-lo. Não se preocupam muito com quem são as mulheres com que falam.
Lorringer contemplava-o com um frio sorriso, ia exasperando o outro, mas que ao mesmo tempo incutia confiança.
— E tudo o que diz não será despeito?
Jack abriu a boca estupefacto.
— Despeito? — repetiu. — Despeito? Não se esqueça de que se eu mesmo tivesse querido...
— Se tivesse querido o quê? — insistiu o jovem. — Você tem o mau costume de deixar as frases em meio. Mas eu acabo-a. Se tivesse querido, sofreria o maior ridículo da sua vida.
Jack, enfurecido, recuou um passo, exclamando ao mesmo tempo que levava a mão ao revólver:
—Essa perdida vai fazê-lo morrer.
--É por essa razão que não se aproxima dela?
Uma cólera surda dominava o jovem, que procurava o meio de matar o seu rival. Queria provocar a luta, unis antes desejava gozar a cólera do seu adversário.
Jack exclamou, empunhando o revólver:
—Basta já de conversa!
Lorringer não se mexeu, mantendo as mãos juntas do corpo, sem afastar os olhos do seu contendor que tirara o revólver do coldre e o apontava ao seu peito.
Lorringer fez de repente um rápido movimento de ombros inclinando-se ligeiramente para a frente e, sem que alguém pudesse ver as suas mãos, na direita reluziu um «Colt», que cuspiu uma bala antes de Jack poder apertar o gatilho. Jack deu um salto como se alguém lhe tivesse batido no peito e cambaleou, tentando manter a pontaria. Lorringer guardou o revólver, mantendo o olhar fixo no adversário, enquanto sorria com a mesma frieza de há pouco.
Jack não pôde suster a arma, que acabou por apontar para o chão, cravando-se ali o projétil. Depois, perdendo as forças, caiu de joelhos, levantou a cabeça, contemplando com assombro o seu rival. Este, sem deixar de sorrir, exclamou:
—No Texas, mata-se o que insulta uma mulher.
Jack compreendeu que ia morrer. A bala roubara-lhe a vida e, então, sentiu um medo horrível pelo Além. Imaginara urna luta fácil, que ele mesmo provocara e encontrava-se moribundo.
—Piedade, piedade — gemeu, caindo no chão.
King voltou-se para o balcão, colocando uma moeda junto do copo de «whisky». Depois, disse para todos os presentes:
— Tomem nota. Insultar as mulheres é próprio de víboras. E as víboras, matam-se.
Ia a retirar-se, quando alguém o deteve:
—Ouça, texano. — O jovem voltou-se e viu um ajudante do xerife avançar para ele. — Tem de vir comigo, para responder pelo assassínio desse homem.
—Assassínio? — repetiu King admirado. — Todos viram ele provocar-me, sem eu dizer nada.
—Isso já não é comigo. Será com o juiz, mas eu prendo-o por assassinar um homem:
King olhou para ele, medindo-o dos pés à cabeça enquanto sorria.
— Você prende-me a mim? Você, sozinho?
Fez-se um pequeno silêncio.
O ajudante da autoridade estremeceu, ao ver aquele sorriso, que precedera a morte de Jack. Depois Lorringer preveniu:
— Contarei até cinco. É o tempo que lhe concedo para sair daqui pelo seu próprio pé. Um... dois... três..,
Não pôde continuar. O agente da autoridade saiu disparado, esquecendo-se até de levar o chapéu.
(1) «Eu venho dali, lá de baixo, do Texas». Canção popular daquela terra. Os texanos acompanham as suas canções populares à viola, batendo as palmas.
(2) Alcunha que no Oeste tem o Estado do Kansas.
(3) Guerrilheiro confederado que serviu às ordens do famoso Quantrell e depois se desligou dele, organizando um grupo sob o seu comando.
(4) Estrela Solitária.
 

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