domingo, 22 de maio de 2016

PAS630. Companhia indesejada

Naquela manhã «Lucky» passeava na companhia de Tes. Era perto do meio-dia e faziam horas para o almoço. O céu estava enevoado e soprava urna brisa agradável.
O jovem pestanejou; acabava de ver Nelly. A rapariga saía de uma loja e dirigia-se para uma carruagem. Daquela vez não viera à cidade na égua. As compras deviam ser mais importantes.
Depressa se aproximou dela Rudell Liston. «Lucky» franziu o sobrolho desgostoso. Ver o seu inimigo aproximar-se da jovem causava-lhe um efeito indescritível. E, contudo, não podia ir ao seu encontro para o evitar, devendo conter-se. Dois motivos o impediam: o primeiro, por ser a atitude do pistoleiro correta; o segundo para não estragar o desenvolvimento do seu plano.
Agora apresentava-se-lhe a oportunidade de tirar a desejada desforra. Podia demonstrar aos rancheiros da região a pérfida finalidade daqueles miseráveis, não demorando a ficarem arruinados. Seriam obrigados a vender os ranchos por uma quantia muito inferior ao seu verdadeiro valor.
O único meio para o impedir era enfrentar-se abertamente com os pistoleiros de Rudell Liston, pois não poderiam recorrer ao xerife, que estava sob as ordens de Wade, coisa que não foi difícil descobrir. Bastou-lhe falar urnas poucas de vezes com o representante da lei.
— Que feliz encontro, Nelly! — exclamou Liston alvoroçado.
A rapariga olhou desgostosa para aquele homem. Era a primeira vez que se atrevia a tratá-la com tanta intimidade e, na aparência, estava muito seguro de si próprio.
— Como está, senhor Liston? — respondeu friamente.
Com efeito, Rudell Liston estava muito senhor de si. Julgava-se dono da situação. No dia seguinte, faria o primeiro aviso aos rancheiros, indicando-lhe a conveniência de cederem às suas exigências.
A presença da formosa rapariga cegava-o; desjava fazê-la sua quanto antes. A sua paixão era forte que até desejava fazê-la sua esposa.
— Muito bem, Nelly. Regressa ao rancho?
— Sim.
— Se me dá licença acompanho-a.
— Não é necessário que se incomode, senhor Liston.
— Não é incómodo algum. Não se apresentam muitas oportunidades para acompanhar uma rapariga bonita, e você é-o muito.
Nelly não pôde deixar de olhar a cicatriz. Esta ainda lhe parecia mais sinistra.
— Não gosto de ouvi-lo falar nesse tom.
— Por que não? — perguntou aproximando-se', insinuante.
Ela olhou-o enojada, mas agora estava assustada. Aquele homem mostrava-se demasiado atrevido; até então tratara-a cortesmente.
Fez um movimento para se aproximar da carruagem, procurando fugir dele. Ainda que sem o mostrar, Liston pôs-se em frente dela, impedindo-a de prosseguir.
— Faça o favor de me deixar passar.
— Porque o há-de fazer? Gosto de estar na sua companhia.
— Mas não pensou se eu gosto de estar a seu lado.
Rudell Liston soltou uma gargalhada brutal.
— Isso não tem importância. Habituar-se-á à minha presença. Chegará um dia em que só desejará ver-me a seu lado; até esta cicatriz lhe parecerá agradável. Realmente, não se nota muito. Não acha?
— Não gosto de o ouvir falar desse modo.
— Nelly, será minha esposa.
Foram pronunciadas tão bruscamente estas palavras, que a jovem ficou paralisada pelo espanto. Diante dela, Liston sorria triunfante.
— Sim, casar-se-á comigo.
Nelly reagiu, respondendo com veemência:
— Não continue a falar, senhor Liston. Caso contrário direi ao meu irmão.
Liston actuou com audácia, agarrando o braço da rapariga e puxando-a para si.
Nelly procurou libertar-se, sem o conseguir. Liston continuou a agarrá-la com força.
— Largue-me — ordenou a rapariga, furiosa.
— Não o farei, minha querida menina. — O pistoleiro sorria e parecia divertido. — E será melhor para si não dizer nada a seu irmão.
— Joel vai matá-lo por causa disto.
Liston soltou uma gargalhada. Tentou rodear a cintura da jovem com a outra mão. Não chegou a realizar o seu propósito, pois uma mão poderosa agarrou-o pelo pescoço, dando-lhe uma forte sacudidela, fazendo-o largar a presa.
Nelly afastou-se, olhando com admiração a alta e esbelta figura de «Lucky» Flowers. O jogador largou o inimigo e Liston, surpreendido, voltou-se para ele.
— Como se atreveu?... — perguntou, furioso.
— Ë uma acção feia abraçar uma mulher à força, Liston.
«Lucky» interrompeu-o com calma, corno se não) desse importância ao que estava a suceder. O rosto do pistoleiro estava lívido de cólera.
— Já o deixei espatifado uma vez — rugiu exasperado. — Agora dar-lhe-ei o que merece por ser intrometido.
— Não lhe será possível fazê-lo, Liston — replicou «Lucky» calmamente.
— Por que não?
As veias do pescoço do pistoleiro estavam inchadas; a sua cicatriz dava a impressão de chegar à boca. A atitude era ameaçadora, dando a sensação de se lançar de um instante para o outro sobre o jovem.
«Lucky» Flowers não se impressionou o mínimo. O seu olhar continuava fixo no pistoleiro.
— Desta vez nenhum dos seus homens me agarrará   à traição e não o julgo capaz de me bater de homem para homem. Você é um cobarde, Rudell Liston.
Este não se pôde conter mais e lançou-se sobre o jogador, pronto a atingi-lo com a direita. Não chegou a lançar o golpe. «Lucky» foi mais rápido, alcançando o seu punho o queixo do inimigo. O golpe foi potente, seco e certeiro, produzindo um som forte. O efeito foi altamente espetacular. Liston abriu os braços, como se tivesse a certeza que a terra desaparecia, deu meia volta e estatelou-se de bruços no solo.
Ficou no meio do passeio, mexendo a cabeça, aturdido, sem ter forças para se levantar. A seu lado, «Lucky» olhava-o com desprezo. Não estava satisfeito por lhe ter batido de modo tão demolidor, pondo-o fora de combate com um só soco. Gostaria de o ter submetido a um rude castigo, obrigando-o a pagar mais caro a sua insolente conduta para com Nelly.
A rapariga apressou-se a agarrar-lhe o braço. «Lucky» deu a impressão de não notar, mas a sua impassibilidade ocultava a sua perturbação.
Numerosas pessoas contemplavam a cena com admiração. Uma vez mais «Lucky» Flowers acabava de demonstrar a sua galanteria. Tes achava-se próximo, pronto a intervir se o amigo fosse atacado à traição.
— Não devia ter intervido, «Lucky». — Nelly chamou-o pela alcunha sem o notar. — Liston pro-curará vingar-se de si.
-- Não se preocupe com isso. Sei defender-me, não receio esse pistoleiro.
— Liston é vingativo, não lhe perdoará ter-lhe batido.
— Regresse ao rancho, Nelly. Não diga nada a seu irmão, é preferível que não saiba o que se passou. Rudell Liston pode ser um inimigo perigoso para ele. Eu conheço o sistema para lutar contra homens da sua espécie.
Acompanhou-a à carruagem, ajudando-a a subir. Despediu-a com um cumprimento cortês, Nelly fez tenção de continuar a falar, mas «Lucky», com um gesto eloquente, fê-la calar, indicando-lhe a conveniência de se afastar.
Obedeceu. Sentia-se dominada por uma estranha sensação e, coisa incrível, estava muito contente., Se estivesse sozinha com «Lucky» não teria vacilado em beijá-lo, como prova de gratidão pela sua ajuda, e porque... o queria com toda a sua alma.
Puxou as rédeas e a carruagem afastou-se. Vai; tou a cabeça para ver pela última vez o seu providencial salvador, mas este voltara-se para o seu inimigo.
Liston pôs-se de joelhos. O seu olhar turvo, fixou-se no jogador, vendo-o à sua frente, com as pernas abertas. Apertou os lábios com força e a sua mão direita agarrou a culatra do «Colt». A voz, serena de «Lucky» obrigou-o a largá-la.
— Não faça disparates, Liston. Se puxa o revólver mato-o.
— Não me devia ter batido, «Lucky».
— Não se preocupe com isso; agora estamos em paz. Eu fiquei muito mais maltratado da outra vez em que nos enfrentámos, pois teve a cobardia de mandar um dos seus homens espetar-me uma faca nas costas,
O seu tom de voz era agora despreocupado, como se não desse a menor importância ao facto que tinha ocorrido.
Liston não respondeu, pondo-se de pé com dificuldade.
As pernas tremiam-lhe, ameaçando cederem ao peso do seu corpo. Abaixou-se e apanhou o chapéu, sacudindo-o para lhe tirar o pó.
Depois afastou-se lentamente.

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