Mirtha, desconfiada, olhou bem Hatter a ver se descobria no seu rosto, qualquer indício de que Ronald o tivesse mandado ali. Mas o ar bonacheirão, Inocente e simpático, do velho gordo, fez que se dissipassem aquelas nuvens duvidosas.
— Foi precisamente há uma semana que ele aqui esteve a falar comigo e... a nossa conversa não foi das mais agradáveis.
— Que me diz? — perguntou agora o secretário, como se o espantasse muito aquela declaração.
— Falámos muito duramente um ao outro.
— Oh! Aquele homem é doido! Então ele descompõe a senhora sem mais nem menos? Às vezes chego a pensar que ele já não tem salvação possível. Pobre senhor Bradley! Tem a vida arruinada.
Mirtha dominou a custo a sua imensa curiosidade por saber qual o drama que envolvia a vida de Ronald.
Depois de hesitar um pouco, resolveu perguntar:
— Mas... o que é que lhe sucedeu?
— Sofreu muito, muito!
— Refere-se a essa tragédia íntima que mencionou há pouco?
— O quê? Mas eu falei-lhe disso?
— Sim... falou...
— Sou um papagaio incorrigível. Mas... não faz mal. A senhora é merecedora de toda a espécie de confidências. Visto que o seu pai e o do meu chefe foram muito amigos e que o senhor Bradley lhe tem especial amizade, talvez a senhora queira ajudar-me a afastá-lo do caminho que o conduz à morte.
— Ajudá-lo?
— Por que não? Merece-o bem! Pois vou cantar-lhe a história em poucas palavras.
Bebeu devagar o resto da cerveja, aumentando assim o interesse da jovem rancheira.
— Desde muito novo que o senhor Bradley tinha um amigo a quem queria como a um irmão. Chamava-se George Borah. Juntos sofreram muitas privações e juntos gozaram algumas alegrias. Separaram-se um dia e cada qual seguiu seu rumo. Mais tarde voltaram a encontrar-se e George já havia casado. Margery, a mulher deste, era uma das mais belas mulheres que vi até hoje. O senhor Bradley, infelizmente, enamorou-se dela.
Parou para acender um cigarro. Mirtha quase não respirava.
— Quando o meu chefe descobriu que a amava perdidamente era já tarde. Apesar de tudo, o seu cavalheirismo, o seu carinho pelo amigo, a sua nobreza de carácter, foram barreiras fortes e poderosas contra tão desgraçada paixão. Ronald preferia morrer a trair o seu melhor amigo. Nunca disse a Margery o que sentia nem lho mostrou jamais. George, porém, descobriu o inferno em que a ardia a alma e o coração do seu companheiro.
Voltou a calar-se. A jovem, sem se poder conter mais, disse-lhe:
— Continue, por favor.
— Interessa-lhe?
— Claro!
— Bem... Certa noite aziaga, Borah, ciumento até à loucura, acusou o senhor Bradley de traidor, insultando-o e querendo, até, matá-lo. Meu amo obrigou-o a largar a arma e, para não mentir ao melhor amigo da sua vida, disse: «Não nego que estou apaixonado por Margery, mas ela ignora-o e eu, porque te quero como irmão e porque a considero muito digna e honesta, nunca ousaria trair-te. A tua mulher é para mim sagrada». George deixou-o, mas a sua alma ardia de ciúme e de loucura. Horas mais tarde assassinava a esposa inocente.
— Oh!
— A Justiça foi inflexível. Condenou-o a morrer na forca e a sentença cumpriu-se.
Novo silêncio. A rapariga estava emocionada e não sabia que dizer. Danny tinha os olhos húmidos e a voz tremia-lhe. Naqueles momentos não representava; ao recordar tão angustiosos acontecimentos, o secretário de Ronald comovia-se profundamente e as lágrimas atropelavam-se-lhe na garganta. Acrescentou, procurando acalmar-se:
— Receei que o senhor Bradley perdesse a razão. Os que o estimavam em vão lhe diziam que o culpado não fora ele. Mas considerava-se responsável pela tragédia e não se resignava por ter perdido um amigo tão querido e a mulher tão nobremente amada. Queria esquecer e para isso lançou-se nas empresas mais arriscadas, sem dúvida, na esperança de encontrar depressa a morte. Mas a «dama negra» não quis nada com ele e sempre o salvou. Poucos homens terão corrido tantos perigos saindo ileso de todos eles. O tempo foi passando e a chaga aberta no coração do senhor Bradley já não está a sangrar. O mundo, porém, não tem encantos para ele e só procura a aventura e o perigo como um meio de distração para a sua alma vazia. As grandes riquezas que possui, as suas relações com as personalidades mais destacadas do país são, para ele, uma carga difícil de suportar. Enfim... esta é a história crua que eu queria contar-lhe e espero que com, ela a senhora modifique bastante a sua opinião acerca do senhor Bradley. Em meio das suas loucuras, o meu chefe tem semeado o bem às mãos cheias.
Mirtha estava profundamente emocionada e a sua dureza habitual desaparecera para dar lugar a uma doçura triste que a tornava mais bela!
— Como é que o senhor Bradley se lembrou de voltar aqui? — decidiu perguntar.
— Soube que o irmão não seguia raminho muito reto quis ser-lhe útil. Anda a enfrentar a morte, mas por mais que se lhe diga, não há meio de se convencer a sair daqui.
Mudou de tom enquanto se erguia da ladeira onde estivera sentado.
— E agora é que me vou embora. Já é muito tarde.
— Volte sempre que lhe aprouver.
— Obrigado. Aceito o seu oferecimento. Significará para mim um motivo de desabafo.
Hatter despediu-se e saiu finalmente.
— Foi precisamente há uma semana que ele aqui esteve a falar comigo e... a nossa conversa não foi das mais agradáveis.
— Que me diz? — perguntou agora o secretário, como se o espantasse muito aquela declaração.
— Falámos muito duramente um ao outro.
— Oh! Aquele homem é doido! Então ele descompõe a senhora sem mais nem menos? Às vezes chego a pensar que ele já não tem salvação possível. Pobre senhor Bradley! Tem a vida arruinada.
Mirtha dominou a custo a sua imensa curiosidade por saber qual o drama que envolvia a vida de Ronald.
Depois de hesitar um pouco, resolveu perguntar:
— Mas... o que é que lhe sucedeu?
— Sofreu muito, muito!
— Refere-se a essa tragédia íntima que mencionou há pouco?
— O quê? Mas eu falei-lhe disso?
— Sim... falou...
— Sou um papagaio incorrigível. Mas... não faz mal. A senhora é merecedora de toda a espécie de confidências. Visto que o seu pai e o do meu chefe foram muito amigos e que o senhor Bradley lhe tem especial amizade, talvez a senhora queira ajudar-me a afastá-lo do caminho que o conduz à morte.
— Ajudá-lo?
— Por que não? Merece-o bem! Pois vou cantar-lhe a história em poucas palavras.
Bebeu devagar o resto da cerveja, aumentando assim o interesse da jovem rancheira.
— Desde muito novo que o senhor Bradley tinha um amigo a quem queria como a um irmão. Chamava-se George Borah. Juntos sofreram muitas privações e juntos gozaram algumas alegrias. Separaram-se um dia e cada qual seguiu seu rumo. Mais tarde voltaram a encontrar-se e George já havia casado. Margery, a mulher deste, era uma das mais belas mulheres que vi até hoje. O senhor Bradley, infelizmente, enamorou-se dela.
Parou para acender um cigarro. Mirtha quase não respirava.
— Quando o meu chefe descobriu que a amava perdidamente era já tarde. Apesar de tudo, o seu cavalheirismo, o seu carinho pelo amigo, a sua nobreza de carácter, foram barreiras fortes e poderosas contra tão desgraçada paixão. Ronald preferia morrer a trair o seu melhor amigo. Nunca disse a Margery o que sentia nem lho mostrou jamais. George, porém, descobriu o inferno em que a ardia a alma e o coração do seu companheiro.
Voltou a calar-se. A jovem, sem se poder conter mais, disse-lhe:
— Continue, por favor.
— Interessa-lhe?
— Claro!
— Bem... Certa noite aziaga, Borah, ciumento até à loucura, acusou o senhor Bradley de traidor, insultando-o e querendo, até, matá-lo. Meu amo obrigou-o a largar a arma e, para não mentir ao melhor amigo da sua vida, disse: «Não nego que estou apaixonado por Margery, mas ela ignora-o e eu, porque te quero como irmão e porque a considero muito digna e honesta, nunca ousaria trair-te. A tua mulher é para mim sagrada». George deixou-o, mas a sua alma ardia de ciúme e de loucura. Horas mais tarde assassinava a esposa inocente.
— Oh!
— A Justiça foi inflexível. Condenou-o a morrer na forca e a sentença cumpriu-se.
Novo silêncio. A rapariga estava emocionada e não sabia que dizer. Danny tinha os olhos húmidos e a voz tremia-lhe. Naqueles momentos não representava; ao recordar tão angustiosos acontecimentos, o secretário de Ronald comovia-se profundamente e as lágrimas atropelavam-se-lhe na garganta. Acrescentou, procurando acalmar-se:
— Receei que o senhor Bradley perdesse a razão. Os que o estimavam em vão lhe diziam que o culpado não fora ele. Mas considerava-se responsável pela tragédia e não se resignava por ter perdido um amigo tão querido e a mulher tão nobremente amada. Queria esquecer e para isso lançou-se nas empresas mais arriscadas, sem dúvida, na esperança de encontrar depressa a morte. Mas a «dama negra» não quis nada com ele e sempre o salvou. Poucos homens terão corrido tantos perigos saindo ileso de todos eles. O tempo foi passando e a chaga aberta no coração do senhor Bradley já não está a sangrar. O mundo, porém, não tem encantos para ele e só procura a aventura e o perigo como um meio de distração para a sua alma vazia. As grandes riquezas que possui, as suas relações com as personalidades mais destacadas do país são, para ele, uma carga difícil de suportar. Enfim... esta é a história crua que eu queria contar-lhe e espero que com, ela a senhora modifique bastante a sua opinião acerca do senhor Bradley. Em meio das suas loucuras, o meu chefe tem semeado o bem às mãos cheias.
Mirtha estava profundamente emocionada e a sua dureza habitual desaparecera para dar lugar a uma doçura triste que a tornava mais bela!
— Como é que o senhor Bradley se lembrou de voltar aqui? — decidiu perguntar.
— Soube que o irmão não seguia raminho muito reto quis ser-lhe útil. Anda a enfrentar a morte, mas por mais que se lhe diga, não há meio de se convencer a sair daqui.
Mudou de tom enquanto se erguia da ladeira onde estivera sentado.
— E agora é que me vou embora. Já é muito tarde.
— Volte sempre que lhe aprouver.
— Obrigado. Aceito o seu oferecimento. Significará para mim um motivo de desabafo.
Hatter despediu-se e saiu finalmente.
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