Já era noite fechada. Inquieta, Mary Dewey levantou-se da cama, onde se encontrava. Os vaqueiros dormiam depois da dura faina diária. Ben e seu pai também já haviam recolhido aos respetivos aposentos.
Tinha-lhe parecido ouvir uma leve pancada nos vidros da janela. Encolheu-se toda, sentindo um terror infundado, um medo inexplicável.
Passavam alguns segundos. De novo uma pequena pedra veio bater nos vidros com um ruído seco. Mary, apesar de mulher, cobriu-se com um roupão e avançou para a janela, embora sem se atrever a acender o candeeiro de petróleo colocado sobre a mesinha de cabeceira. Receava aproximar-se. Mas a sua índole rebelava-se não lhe permitindo que se voltasse a deitar sem primeiro averiguar qual a causa daqueles insólitos ruídos.
Teve de fazer um enorme esforço para se dominar e não saltar um grito. Debaixo da janela, com a cabeça quase à altura do peitoril, viu um homem. Estava encostado à parede e parecia esgotado.
Outra, em seu lugar, talvez tivesse gritado pelo pai, pelo irmão ou pelos vaqueiros. Mas uma voz interior sobrepôs-se a todos os seus receios, dando-lhe a coragem suficiente para abrir a janela e debruçar-se. Bem vistas as coisas, ela não corria perigo algum. No Oeste, de acordo com as leis da fronteira, a Mulher era respeitada por todos.
O luar mal permitia ver o rosto do homem. As faces, intensamente pálidas, apresentavam-se cobertas por uma barba espessa e negra. Mary Dewey, ao reconhecê-lo, quase ia soltando um grito. Por fim, conseguiu exclamar:
— Você!
— Ajude-me, por favor! — articulou a custo o homem com urna voz que o cansaço tornara quase inaudível. — Estou ferido, cheio cie fome e com uma tremenda infeção. Não sei para aonde ir. Roubei um cavalo, mas tive de o abandonar rebentado, a umas quatro milhas daqui. Estou à morte, senhora. Se no seu coração há lugar para um pouco de piedade, implora--lhe que me ajude.
As ideias mais desencontradas baralhavam-se no espírito da bela rapariga. Que fazer? Ali, a poucos passos dela, estava o homem que não permitira que ela fosse roubada. Mas fora esse mesmo homem que a obrigara a conduzi-lo à despensa e facilitara a fuga do outro bandido. Pelo que constatava devia ter sido ferido pelos defensores da Lei. Possivelmente o outro, aquele temível Buck Latimer, teria perecido, expirando os seus Inúmeros delitos.
— Latimer feriu-se — declarou Jerry. -- Procurou matar-me, desembaraçar-se ide mim, quando já íamos longe deste rancho. Caí ao, rio e consegui agarrar-me a uns arbustos da margem. A princípio a ferida não era grave. Mais perdi muito sangue, e...
— Foi ele que disparou contra si?
— Juro, que estou a falar verdade! Passei a ser un estorvo para os seus planos. Necessitava do meu cavalo e da minha ração de comida. Tinha-me negado a fazer o que ele pretendia. A minha irmã, urna rapariga séria e honrada, vive em Rincón...
Eia viu-o vacilar. Mary não sabia o que fazer, que partido tornar. Por um lado receava aquele homem e entendia que devia avisar os seus. Por outro lado não ignorava que seu pai e seu irmão a encerrariam para o entregarem à Justiça. E também não podia fingir ignorar que se lhe desse asilo tornava-se cúmplice, talvez, dum assassino. Apesar de tudo, debruçando-se, disse:
— Dirija-se às traseiras do rancho e espere à perta. Procurarei fazer que o caminho esteja livre. Não faça barulho. Percebeu?
— Deus a recompense, senhora.
Dominada por urna profunda emoção, Mary atravessou silenciosamente o vestíbulo. Pouco depois a porta do rancho entreabria-se para deixar passar o foragido. Mar se podia ter ide pé. As suas vestes estavam todas esfarrapadas, cobertas de barro seco, ensanguentadas aqui e além.
Mary conduziu-o ao seu próprio quarto e cuidadosamente, acendeu o candeeiro de petróleo Enquanto se entregava a este trabalho não abriu a boca urna única vez. Depois foi à casa de jantar e à cozinha onde arranjou os apetrechos necessários para um tratamento, sumário e de urgência. Aquela jovem patenteava um valor invulgar, uma vontade indómita. Jerry Tucson admirava-a profundamente, sentindo que lhe era completamente devotado.
A ferida estava perigosamente infetada. A febre desfigurara o ferido de tal maneira que Mary tivera custo em reconhecê-lo quando assomara à janela. Desinfetou e ferida e pensou-a. Em seguida foi buscar roupa do seu irmão Ben e, entregando-a ao ferido, disse:
— Vista-se com cuidado e evite fazer ruído. Vou à cozinha ver se lhe arranjo alguma coisa de comer. Tome estas duas pílulas que ficam, aqui. Tem água na garrafa. Verá que lhe farão desaparecer a febre. E não esqueça de se meter na cama.
— Mas este não é o seu quarto?
— Não tenho sono. Dentro em pouco será dia e tenho de pensar bem no que hei-de fazer e dizer à minha família. Faça o que lhe disse.
Jerry sentiu que os olhos se lhe marejavam de lágrimas. Já tinha perdido as esperanças de encontrar uma pessoa boa, que se compadecesse dele. E fora encontrar aquela formosa rapariga que excedia em bondade todas as pessoas com que contactara no decorrer da sua agitada existência- Quando ela chegou com a comida, ele já estava no leito, Comeu um pouco, fechando depois os olhos.
Mary, logo que viu o ferido mergulhado num sono profundo, abandonou o quarto. Ignorava se teria procedido bem ou mal em relação àquele homem. Mas a consciência não lhe permitiria abandona-lo à sua sorte. Se não acedesse ao seu pedido de clemência, a que podia perfeitamente corresponder, condená-lo-ia à morte. Talvez que fosse um criminoso, merecedor da forca, mas isso era com a Justiça, não com ela. Havia-lhe implorado a hospitalidade do Oeste e ela correspondera, como era seu dever, de acordo com as leis milenárias que regiam aquela terra bravia. O resto pouco lhe importava. Tinha fé em Deus em si própria. Assim, aguardava tranquilamente tudo quanto o futuro lhe trouxesse de bom ou de mau.
Tinha-lhe parecido ouvir uma leve pancada nos vidros da janela. Encolheu-se toda, sentindo um terror infundado, um medo inexplicável.
Passavam alguns segundos. De novo uma pequena pedra veio bater nos vidros com um ruído seco. Mary, apesar de mulher, cobriu-se com um roupão e avançou para a janela, embora sem se atrever a acender o candeeiro de petróleo colocado sobre a mesinha de cabeceira. Receava aproximar-se. Mas a sua índole rebelava-se não lhe permitindo que se voltasse a deitar sem primeiro averiguar qual a causa daqueles insólitos ruídos.
Teve de fazer um enorme esforço para se dominar e não saltar um grito. Debaixo da janela, com a cabeça quase à altura do peitoril, viu um homem. Estava encostado à parede e parecia esgotado.
Outra, em seu lugar, talvez tivesse gritado pelo pai, pelo irmão ou pelos vaqueiros. Mas uma voz interior sobrepôs-se a todos os seus receios, dando-lhe a coragem suficiente para abrir a janela e debruçar-se. Bem vistas as coisas, ela não corria perigo algum. No Oeste, de acordo com as leis da fronteira, a Mulher era respeitada por todos.
O luar mal permitia ver o rosto do homem. As faces, intensamente pálidas, apresentavam-se cobertas por uma barba espessa e negra. Mary Dewey, ao reconhecê-lo, quase ia soltando um grito. Por fim, conseguiu exclamar:
— Você!
— Ajude-me, por favor! — articulou a custo o homem com urna voz que o cansaço tornara quase inaudível. — Estou ferido, cheio cie fome e com uma tremenda infeção. Não sei para aonde ir. Roubei um cavalo, mas tive de o abandonar rebentado, a umas quatro milhas daqui. Estou à morte, senhora. Se no seu coração há lugar para um pouco de piedade, implora--lhe que me ajude.
As ideias mais desencontradas baralhavam-se no espírito da bela rapariga. Que fazer? Ali, a poucos passos dela, estava o homem que não permitira que ela fosse roubada. Mas fora esse mesmo homem que a obrigara a conduzi-lo à despensa e facilitara a fuga do outro bandido. Pelo que constatava devia ter sido ferido pelos defensores da Lei. Possivelmente o outro, aquele temível Buck Latimer, teria perecido, expirando os seus Inúmeros delitos.
— Latimer feriu-se — declarou Jerry. -- Procurou matar-me, desembaraçar-se ide mim, quando já íamos longe deste rancho. Caí ao, rio e consegui agarrar-me a uns arbustos da margem. A princípio a ferida não era grave. Mais perdi muito sangue, e...
— Foi ele que disparou contra si?
— Juro, que estou a falar verdade! Passei a ser un estorvo para os seus planos. Necessitava do meu cavalo e da minha ração de comida. Tinha-me negado a fazer o que ele pretendia. A minha irmã, urna rapariga séria e honrada, vive em Rincón...
Eia viu-o vacilar. Mary não sabia o que fazer, que partido tornar. Por um lado receava aquele homem e entendia que devia avisar os seus. Por outro lado não ignorava que seu pai e seu irmão a encerrariam para o entregarem à Justiça. E também não podia fingir ignorar que se lhe desse asilo tornava-se cúmplice, talvez, dum assassino. Apesar de tudo, debruçando-se, disse:
— Dirija-se às traseiras do rancho e espere à perta. Procurarei fazer que o caminho esteja livre. Não faça barulho. Percebeu?
— Deus a recompense, senhora.
Dominada por urna profunda emoção, Mary atravessou silenciosamente o vestíbulo. Pouco depois a porta do rancho entreabria-se para deixar passar o foragido. Mar se podia ter ide pé. As suas vestes estavam todas esfarrapadas, cobertas de barro seco, ensanguentadas aqui e além.
Mary conduziu-o ao seu próprio quarto e cuidadosamente, acendeu o candeeiro de petróleo Enquanto se entregava a este trabalho não abriu a boca urna única vez. Depois foi à casa de jantar e à cozinha onde arranjou os apetrechos necessários para um tratamento, sumário e de urgência. Aquela jovem patenteava um valor invulgar, uma vontade indómita. Jerry Tucson admirava-a profundamente, sentindo que lhe era completamente devotado.
A ferida estava perigosamente infetada. A febre desfigurara o ferido de tal maneira que Mary tivera custo em reconhecê-lo quando assomara à janela. Desinfetou e ferida e pensou-a. Em seguida foi buscar roupa do seu irmão Ben e, entregando-a ao ferido, disse:
— Vista-se com cuidado e evite fazer ruído. Vou à cozinha ver se lhe arranjo alguma coisa de comer. Tome estas duas pílulas que ficam, aqui. Tem água na garrafa. Verá que lhe farão desaparecer a febre. E não esqueça de se meter na cama.
— Mas este não é o seu quarto?
— Não tenho sono. Dentro em pouco será dia e tenho de pensar bem no que hei-de fazer e dizer à minha família. Faça o que lhe disse.
Jerry sentiu que os olhos se lhe marejavam de lágrimas. Já tinha perdido as esperanças de encontrar uma pessoa boa, que se compadecesse dele. E fora encontrar aquela formosa rapariga que excedia em bondade todas as pessoas com que contactara no decorrer da sua agitada existência- Quando ela chegou com a comida, ele já estava no leito, Comeu um pouco, fechando depois os olhos.
Mary, logo que viu o ferido mergulhado num sono profundo, abandonou o quarto. Ignorava se teria procedido bem ou mal em relação àquele homem. Mas a consciência não lhe permitiria abandona-lo à sua sorte. Se não acedesse ao seu pedido de clemência, a que podia perfeitamente corresponder, condená-lo-ia à morte. Talvez que fosse um criminoso, merecedor da forca, mas isso era com a Justiça, não com ela. Havia-lhe implorado a hospitalidade do Oeste e ela correspondera, como era seu dever, de acordo com as leis milenárias que regiam aquela terra bravia. O resto pouco lhe importava. Tinha fé em Deus em si própria. Assim, aguardava tranquilamente tudo quanto o futuro lhe trouxesse de bom ou de mau.
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