quarta-feira, 16 de agosto de 2023

ARZ161.07 Uma caravana de gente pacífica é dizimada pelo cartógrafo

Na pequena choça só se ouviam os soluços de Deborah, a bela «quáquer». Olhava para Roscher, estendido sobre os ramos que cobriam o solo, inconsciente e bem amarrado.

Moose John, o chefe «arapaho», que a jovem contemplava com medo, disse:

— Acalme-se. Não está morto. É jovem e forte. Você, que está mais perto dele, afaste com os pés esses ramos. Há neve debaixo deles. Deixe que o seu rosto toque a neve. Ajudá-lo-á a despertar.

Estavam sozinhos. O'Donell e os seus cúmplices tinham partido. Deborah conteve as lágrimas e estendeu as pernas para afastar com os saltos das botas os ramos sobre os quais «Montana» estava estendido. Pouco depois o rosto do homem pousava sobre a neve.

— Mataram-no! — disse Deborah.

— Não. Abre os olhos — respondeu Moose John.

Roscher «Montana» agitou-se. O frio da neve devolvia-lhe a consciência. Abriu os olhos, girando um pouco a cabeça. A primeira coisa que fez foi sorrir a Deborah. Depois perguntou ao chefe índio:

— Você é Moose John?

— Era — respondeu o índio.

— Voltará a sê-lo. O seu filho e alguns dos seus homens estão perto daqui. Agora tentaremos cortar estas cordas. Já calculava que o O' Donell me dispensasse uni acolhimento deste género. E que só me tirariam os revólveres...

Tateou nas costas à altura da cintura. Tinha uma faca presa ao cinturão-cartucheira. Levantando a samarra, conseguiu chegar à lâmina. As cordas foram cortadas.

Moose John, que tinha permanecido muitos dias amarrado, quase não conseguia manter-se de pé. Deborah ajudava-o, enquanto Roscher levantava as peles e as mantas que cobriam o ouro amontoado por O'Donell.

— Compreendo que esse miserável quisesse manter Lemhi Range fechado aos colonos!

— Fui eu o responsável! Quis que se mostrasse favorável ao meu povo, que não empregasse o seu poder em nós, e trouxe-lhe umas pepitas. Mas ele quis mais e mais. — explicava Moose John.

— Esse homem não tem poder algum, chefe. Olhe!

«Montana» abriu a caixa de metal, mostrando os cartuchos de dinamite. Explicou ao chefe em que consistia a sua força e como se usava.

— Enganou-os preparando os rebentamentos. Possivelmente tem outros preparados para os assustar, se se negarem a trazer-lhe mais ouro.

Deborah segurava o chefe, enquanto Roscher chegava à porta da choça e agitava os braços. O filho do chefe «arapaho» e os seus homens aproximaram-se então, com os cavalos. Moose John e o seu filho limitaram-se olhar-se. Estavam sem dúvida comovidos, mas nem sequer sorriram.

— Esses homens foram-se, pai. Vimo-los passar ao longe... — disse Moose Red.

«Montana» indicou os fardos com o ouro.

— Voltarão. Devem estar a vigiar a caravana. Possivelmente tentam averiguar se nos seguiram. Mas voltarão. E antes que o façam tentaremos desmontar os rebentamentos que devem ter preparado.

Era simples. Não havia demasiados lugares em torno da choça onde pudessem montar-se rebentamentos espetaculares.

«Montana» encontrou facilmente as mechas preparadas e os cartuchos. Os «arapahos» observavam-no, primeiro com receio; depois, eles próprios começaram a procurar os explosivos.

Acabavam de descobrir um novo segredo dos homens brancos, acabavam de perder o medo a um mistério.

*

Começava a soprar um vento que tornava mais difícil caminhar sobre a neve. Denis O'Donell amaldiçoava o frio, até que Step lhe disse, gritando-lhe:

— Não protestes, esta neve está a tornar-nos ricos!

O'Donell riu. Os três levavam raquetas sob as botas. A neve tinha endurecido muito. Tentaram encontrar o rasto de Roscher e da rapariga, mas já tinha desaparecido.

— Não é preciso, sei orientar-me — disse Step. — Dentro de duas horas estaremos sobre a caravana.

— Pode ser que tenham continuado a viagem — opinou Kingler.

— Impossível! Não podem mover-se na encosta.

O'Donell resmungou, aborrecido:

— Mas poderão seguir o Roscher e a rapariga e irem ter à cabana. E fá-lo-ão muito em breve, se não o impedirmos.

Não foram duas horas, mas sim quatro as que tardaram em alcançar a montanha, subir pela passagem e chegar à vista da encosta onde a caravana continuava detida. Step indicou um alto rochoso, de onde poderiam dominar a encosta. Os três homens colocaram-se nele. Lá em baixo os carroções pareciam brinquedos. Das fogueiras elevava-se fumo. Tudo era silêncio.

— Refugiaram-se nos carroções, ou meteram-se debaixo deles. Malditos estúpidos! Não se perderá grande coisa se nunca chegarem ao Lemhi! Deviam ter ficado nas suas casas, nas suas terras, com os seus fatos negros e a sua seriedade! Ajudem-me!

— Que vais fazer, Denis?

— Impedir que esses desgraçados morram de frio, lentamente, à porta da sua terra de promissão.

Kingler, que era bastante ingénuo, murmurou.

— Vamos levá-los para a planície?

O'Donell nem sequer lhe respondeu. Tinha tirado de dentro da samarra duas das suas preciosas barras castanhas. Pondo-se de joelhos atrás de uma rocha começou a remover a neve junto da base dela; depois usou uma faca. Finalmente, os dois companheiros ajudaram-no.

Os explosivos foram colocados. O'Donell acendeu a mecha de enxofre e retrocederam os três, protegendo-se atrás de outra rocha. A explosão não foi muito ruidosa, mas a enorme rocha rolou pela encosta, arrastando outras.

O'Donell tinha escolhido perfeitamente o sítio para iniciar a avalancha. Os três homens, estendidos sobre as pedras, viram como a enorme massa de neve e rochas, misturada com terra, ia aumentando de volume, provocando pequenos estalos, arrancando pela base árvores inteiras.

Step empalideceu, murmurando:

— Vai cair sobre eles meia montanha!

O'Donell sorria, molhando os lábios. Já a grande massa que descia pela encosta lhes escondia a caravana imobilizada. Um grande ruído aturdia-os. E por fim a avalanche caiu sobre o acampamento, os carroções saltaram no ar para serem imediatamente absorvidos pela massa; o estrondo foi-se afastando e com ele a avalancha, que por fim se foi convertendo noutras mais pequenas, que desapareceram no vale.

Os três homens ficaram em silêncio. Na encosta não havia o menor sinal da caravana dos «quáqueres»; pessoas, cavalos e carroções, tudo tinha ficado enterrado sob a neve.

— Assunto arrumado. Agora poderemos ficar todo o Inverno no Lemhi, recebendo tranquilamente o ouro dos «arapahos» — disse O'Donell.

— Não haverá sobreviventes, Denis? -- perguntou Klinger.

—Nem um. As montanhas são traiçoeiras. Só restam os dois que temos na choça. Pensei matar o rapaz e ficar com a pequena. Sempre é bom ter uma mulher em casa.

Esperaram cerca de quinze minutos, mas nada se movia ao fundo da encosta. Conseguiram ver as varas de um carroção emergindo da neve, mas mais nada. Silêncio e quietude absolutos! Denis O'Donell levantou-se, muito satisfeito. Os seus amigos imitaram-no. O vento soprava com mais força e voltaram-se para iniciar o regresso à choça.

Então viram Roscher «Montana». O jovem guia, montado num cavalo índio sem sela, um cavalo capaz de mover-se com certa facilidade sobre a neve, acabava de chegar ali. Roscher tinha-se detido. Sem dúvida via a encosta. Estava muito pálido.

O'Donell não perdeu tempo em discutir o assunto, Era sem dúvida um homem de ideias rápidas, pois enquanto «Montana» gritava já ele tinha empunhado um, revólver. Apesar das grossas luvas que tinha calçadas, conseguiu armar a arma e dispará-la em poucos instantes.

Roscher «Montana» saltou do cavalo, como se o chumbo lhe tivesse acertado, e o gorro de pele foi-lhe arrancado da cabeça. O guia rolou sobre a neve até ficar quase junto dos pés de O'Donell, que o tinha seguido com a arma e apertava novamente o gatilho. Mas desta vez não conseguiu terminar o gesto.

Do solo partira uma seca detonação e a bala entrou no queixo do cartógrafo, destroçando-lhe o cérebro. Denis O'Donell, que era naquele momento um dos homens mais ricos do país, ainda que não tivesse podido gastar nem um cêntimo da sua fortuna, crispou-se brutalmente, caindo de costas.

Step e Klinger olharam para ele, surpreendidos; já tinham empunhado as suas armas; não eram tão rápidos como Denis O'Donell, mas tentaram imitá-lo.

«Montana», quase sem se mover, meio enterrado na neve, fez fogo por duas vezes com o seu «38». Os dois guias tombaram quase a seu lado. Um deles deixou cair o revólver, que bateu na cara de Roscher, fazendo-lhe uma pequena ferida. «Montana» endireitou-se, respirando com força; ainda não sabia se tinha sido ferido. Quando comprovou que tinha apenas um arranhão na cara, chegavam os «arapahos», comandados por Moose Red.

— Tiveste muita pressa; esse homem era nosso — disse o jovem índio.

— Lamento. O senhor O'Donell furou o meu gorro de pele. E momentos antes... — «Montana» olhou para a encosta. — Momentos antes acabava de assassinar cinquenta pessoas inofensivas e pacificas...

 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário