O frio no alto da montanha Saddle, onde ficava o principal povoado dos «arapahos» era terrível.
Dentro do grande «tupi» do chefe Moose John, ocupado agora pelo seu filho Red, as peles e as pedras aquecidas ao fogo mantinham a temperatura agradável, mas o fumo tornava o ar quase irrespirável.
«Montana» e Deborah, bem amarrados, estavam estendidos em cima de um monte de peles. Vários índios vigiavam em silêncio. «Montana» tinha dito à jovem:
— Os «arapahos» sempre foram pacíficos. Algo de muito poderoso deve tê-los feito mudar.
Duas horas depois de terem chegado ao povoado, Moose Red entrava na tenda. Tinha colocado o peitoral de cobre trabalhado que lhe conferia a dignidade de chefe. Cruzou os braços diante dos seus prisioneiros; Roscher disse:
— Tu não és Moose John. Acaso usurpaste o seu poder? Por isso os «arapahos» estão com pinturas de guerra e faltam à palavra empenhada? Esses colonos são homens bons, só querem cultivar na planície, não caçar!
Moose Red respondeu:
— Sou o filho do chefe. Substituo-o porque ele foi capturado por um homem poderoso, que destrói as montanhas com um gesto, como tu fazes. Não podemos lutar contra um homem tão poderoso. Ele faz brotar fogo da terra, como te vimos fazer a ti na encosta. Por isso estás aqui. Terás de nos ensinar como lutar contra esse homem poderoso que nos obriga a procurar ouro para ele, ou morrerás, e a mulher também. E morrerão todos os que estão na encosta, todos!
Roscher «Montana» murmurou para si:
— Ouro... E esse homem poderoso... — levantou a voz, perguntando: —É o homem que mede as terras?
— Sim, o meu pai fez-lhe uma oferta, umas pedras de ouro dos arroios. Ele então fê-lo prisioneiro e exige sacos e sacos de ouro, quer sempre cada vez mais. Não podemos lutar contra ele; é dono do fogo e do raio e disse-nos que destruiria a montanha inteira. Tu também tens esse segredo, esse poder! Tens de dizer-nos qual é. Assim poderemos lutar contra ele e salvar o nosso povo.
«Montana» respondeu:
— O segredo chama-se dinamite, explosivos. Tu já viste disparar uma arma de fogo. É algo semelhante, mas mais poderoso ainda. Esse homem coloca-o debaixo da terra e pega-lhes fogo. Isso é tudo. Como fiz eu hoje na encosta, para abrir caminho à caravana. Não é nada fantástico.
Moose Red disse, turvamente:
— Quero vê-lo. Mostra-mo.
— Não o temos aqui, está na caravana. Deixa-nos regressar e trá-lo-emos.
Moose Red negou, terminantemente.
— Não. Os meus homens trá-lo-ão. Diz-nos onde está.
«Montana» alarmou-se.
—Não! Matariam alguém! Essas gentes são pacíficas!
— Ninguém os verá — disse Moose Red. — Chegarão de noite e ninguém poderá vê-los nem ouvi-los. Diz-nos onde está, ou...
Um dos índios apoiou a lâmina de uma faca ao pescoço de Deborah. A jovem fechou os olhos, estremecendo.
— Está bem. Diz ao teu homem que afaste essa faca. Trata-se de uma caixa de madeira pintada de vermelho e tem um letreiro; se me soltares, desenhar-te-ei o tamanho da caixa. Soltaram-no; Roscher desenhou na areia do solo a palavra dinamite e marcou o tamanho da caixa.
Os «arapahos» olhavam-no fixamente.
— Dentro de um carroção amarelo, o último. Não vai gente nele, só ferramentas e sementes. Esses homens não têm armas, Moose Red. Só cobardes os atacariam e os «arapahos» nunca foram cobardes.
Moose Red respondeu, assentindo:
— Os «arapahos» não são cobardes nem assassinos.
Cinco silenciosos índios partiram para a encosta onde a caravana continuava encravada na neve e voltaram ao amanhecer. Traziam com eles a caixa pintada de encarnado. Puseram-na diante de «Montana».
Moose Red perguntou-lhes qualquer coisa no seu idioma e fê-los mostrar as suas facas e lanças. Nenhuma arma estava manchada de sangue.
— Ninguém os viu, não houve necessidade de as usar. Agora mostra-nos o que há nessa caixa.
Roscher «Montana» hesitava. Só o conteúdo daquela caixa poderia salvar a caravana apanhada na montanha. Se desperdiçava a dinamite, estariam perdidos. Mas talvez os «arapahos» se contentassem com uma pequena demonstração.
Tinham-nos desamarrado. Deborah tinha-se tranquilizado ao verificar que os índios não os atacavam. Roscher abriu a caixa, pegando num cartucho e num pouco de mecha.
— Não aproximem essa caixa do lume. Ponham-na lá fora.
Saíram do «tupi»; dois homens ficaram a vigiar a caixa. «Montana» escolheu uma pedra afastada do povoado, introduzindo o cartucho numa das suas fendas A pedra pulverizou-se; foi uma demonstração espetacular. Os «arapahos» afastaram-se de «Montana», impressionados. Só Moose Red ficou a seu lado.
— Esse homem mau usa estas barras. Não tem nenhum poder especial. E outro ardil dos homens brancos Cairemos sobre ele e destrui-lo-emos.
«Montana» negou.
— Não o tentes. Deve ter colocado explosivos em torno do seu refúgio, está avisado e o teu pai morreria antes que conseguissem chegar até ele.
Moose Red olhou para Roscher desconfiado.
— Que te importa, homem branco, a vida do meu pai?
—Importa-me muito a vida das pessoas que estão na encosta a morrer de frio. São boas gentes. Se o teu pai morrer, os «arapahos» vingar-se-ão neles e em todos os brancos que entrarem no Lemhi. Por isso me importa a vida do teu pai. Espero poder aproximar-me do cartógrafo O'Donell. A menos que ele me mate, para que não veja o ouro que lhe deram. Quem está com ele?
— Dois homens. Fizeram uma casa com ramos. O meu pai e o ouro estão dentro dela. Podes ir, tens dois dias. Nós vamos cercar a caravana. Só dois dias; se o meu pai não voltar dentro de dois dias, essa gente morrerá.
Deborah lançou um grito de espanto. Moose Red mandou trazer dois cavalos sem selas, cobertos apenas por mantas de cores. «Montana» ignorava se a jovem seria capaz de montar um animal assim, mas Deborah segurou-se muito bem sobre ele.
Devolveram a Roscher as suas armas e também a caixa dos explosivos, que o jovem devia segurar com muito cuidado. Um grupo de «arapahos», com Red à frente, ia guiá-los até à cabana de Denis O'Donell.
— Aproxima-se alguém!
Entre a névoa apareceu um homem que caminhava penosamente. Tinha colocado sob as botas umas raquetas improvisadas com ramos entrelaçados, ao estilo dos caçadores, que o impediam de enterrar-se na neve. Era Step.
— Da próxima vez que vá outro — disse, resmungando. — Pensei que morria gelado! E esses malditos lobos a seguirem-me o rasto!
Entrou na choça, aproximando-me do lume. O'Donell perguntou-lhe:
— Que fazem?
— Nada, absolutamente nada; estão parados a meio da encosta. Devem ter-se-lhes acabado os explosivos. A neve cobre os carroções e não tardarão em desaparecer todos.
O'Donell sorriu.
— Sim, mas para o meu gosto estão a tardar demasiado, Uma boa avalancha nessa ladeira seria uma grande coisa... Eu domino o fogo e o raio e as forças ocultas da terra! — disse, rindo e olhando para o chefe dos «arapahos». — Podia muito bem ordenar à montanha que lançasse uma avalancha sobre esse acampamento.
Step murmurou:
— Há mulheres e crianças, O'Donell!
O cartógrafo olhou-o friamente.
— Estás a tornar-te tão sentimental como o Zavala?
Step apressou-se a negar.
—Não, de modo nenhum! Faremos o que tu mandares.
— Vou convertê-los em milionários; quando os «arapahos» já não conseguirem arrancar mais ouro aos seus arroios, partiremos daqui com um carroção bem carregado.
— Que carroção? Não temos nenhum!
O'Donell murmurou:
— É verdade. Teremos, pois, de salvar um desses colonos, com os respetivos cavalos, Prescindiremos da avalancha. Deixaremos que os mate o frio. Quando todos estiverem mortos, os cavalos ainda viverão. Disporemos assim de bons carroções e cavalos.
— E se conseguem atravessar a montanha e chegar até aqui?
O' Donell encolheu os ombros.
— Não o conseguirão. Mas, se passarem, o chefe Moose John ajudar-nos-á, ordenando aos seus homens que os aniquilem. Não é verdade, chefe?
Moose John não falava havia muitos dias, O seu aspeto era lamentável. Era um homem orgulhoso e suportava muito mal a sua situação. O'Donell riu-se. Step dispunha-se a preparar um pouco de comida quando Flingler avisou:
— Vem aí alguém, Denis.
— Devem ser os «arapahos» com outro saco... Esses índios são de uma inocência infantil, Ainda esperam que lhes devolvamos o chefe...
Os três homens saíram da choça.
— Esse maldito rapaz! — exclamou O' Donell. — O guia da caravana conseguiu atravessar a montanha!
Step perguntou entre dentes:
—Disparamos já?
— Espera, temos de saber o que se passa. Pode ser que todos esses estúpidos estejam no vale, ainda que pareça impossível. Diabo, vem com uma mulher!
Roscher «Montana» e Deborah avançavam com esforço, a pé. Tinham deixado os cavalos escondidos, ao cuidado do grupo de índios. A pobre rapariga tremia. O' Donnell ordenou aos seus dois homens:
— Guardem as armas. Não devem entrar na choça. Se veem o chefe, teremos de matá-los.
Roscher, segurando a jovem por um braço, aproximou--se, gritando:
— O'Donell! Finalmente o encontro! Estamos presos na montanha! Toda essa gente morrerá, se não receber ajuda!
O'Donell e os seus cúmplices adiantaram-se, para que os visitantes não chegassem à choça e vissem o prisioneiro e as sacas de ouro.
— Que loucura! Disse-lhes que regressassem. Estamos rodeados de índios, não compreendo como conseguira chegar até aqui! — disse O'Donell. — Tentem sair dessa armadilha como puderem! Retrocedam, é a única salvação!
— Já não é possível! Vamos abandonar os carroções e tentar chegar até aqui, O'Donell! Têm de ajudar-nos! Você conhece bem este vale...
O'Donell assentiu. Não era possível conter aquele impaciente jovem por mais tempo. Por isso disse:
— Entrem na choça. Está frio.
«Montana» lançou um olhar de advertência à jovem e entraram na choça, seguidos pelos três homens. Quando passou a porta, O'Donell, que ia atrás dele, bateu-lhe na cabeça com a coronha do revólver.
Roscher caiu de bruços. Deborah não teve tempo de gritar. Uma mão forte cobriu-lhe a boca e agarraram-lhe, os braços.
— Amarrem-na e ponham-na junto do índio! — disse O'Donell, com raiva. — Eu ocupo-me do rapaz.
Sem comentários:
Enviar um comentário