Uma calma paradisíaca reinava naquela zona do Lemhi Range. A choça tinha sido reforçada e já tinha características de cabana. Dentro dela continuava o chefe Moose John.
Os três homens que tratavam dele sabiam que os «arapahos» não deixavam de os vigiar, mas também sabiam que não se atreveriam a atacá-los.
Denis O'Donell gastou os seus últimos cartuchos em preparar alguns futuros rebentamentos espetaculares, para o caso de precisarem de impressionar novamente os índios. Fê-los com muito cuidado, para que não observassem os seus movimentos, e sem se afastar muito da cabana.
As mechas, que ficavam ocultas entre a areia, seriam acesas no momento oportuno.
Quinze dias depois de O'Donell se ter apoderado do chefe dos «arapahos», quando amanhecia, um grupo de índios chegou junto do rio. Vinham sem armas e sem pinturas, tão silenciosos como sempre. O'Donell apressou-se a dizer a Klinger:
— Vai para a curva do rio, esconde-te entre os troncos, e quando eu levantar o braço direito acende a mecha e põe-te a coberto.
Klinger obedeceu, deslizando por entre a alta erva, pelo lado oposto da cabana. Step ficou lá dentro, ameaçando o chefe índio com um revólver. O'Donell ficou à porta, esperando.
Pouco depois viu algo que lhe produziu grande alegria. Um dos índios trazia um saco sobre o cavalo. Foi o único a desmontar, aproximando-se com o cavalo pelas rédeas. Falava um pouco inglês:
— Trazemos o ouro. Devolve-nos o chefe Moose John.
O'Donell, com mãos trémulas, desamarrou o saco de couro. As pepitas, envoltas em areia aurífera, brilhavam esplendidamente. Aquele saco valia uma enorme fortuna. O'Donell quis dizer qualquer coisa, mas faltava-lhe a voz. Os «arapahos» olhavam-no inexpressivamente.
Por fim, o que tinha desmontado disse:
— Devolva-nos o nosso chefe. O'Donell assentiu, afastando-se para que o índio entrasse na choça. Moose John estava agarrado a um tronco. O índio disse qualquer coisa no seu idioma e pegou numa faca que estava sobre a rústica mesa que Step construíra. Mas O'Donell bateu-lhe na mão com o revólver, dizendo:
— Mais devagar, rapaz. Segundo parece, foi-lhes muito fácil arranjar o ouro... e têm um grande apreço pelo Moose John. Eu também o aprecio, é um homem silencioso e pouco incomodativo. Creio que vale muito mais que o conteúdo deste saco.
Arrancou a manta que cobria o índio, estendendo-a no solo. Step apontava os seus dois revólveres ao visitante. O'Donell despejou o saco sobre a manta e devolveu-o ao índio, dizendo:
— Encham-no outra vez, se querem que o vosso chefe viva.
O índio não pestanejou. O'Donell empurrou-o para o exterior e ele juntou-se aos seus companheiros, montando a cavalo. Mas nenhum deles se moveu. O'Donell, que estava à porta da choça, gritou:
— Tragam o ouro ou morrerão todos! Destruirei as vossas montanhas, a vossa caça, os vossos povoados. O fogo e o raio obedecem-me! Olhem para o rio!
Levantou o braço direito enquanto falava. Poucos segundos depois a montanha de troncos que se tinham ido juntando na curva do rio saltou pelos ares com grande estrondo, indo cair a grande distância, alguns deles despedaçados.
Os «arapahos» voltaram os cavalos e afastaram-se.
Os cavalos do cartógrafo e dos dois guias estavam perto da cabana, num curral de cordas. Ao princípio O'Donell temera que os índios tentassem roubar-lhos. Depois esqueceu esse temor. Até que uma manhã, quando montava guarda, sobressaltou-o a agitação entre os animais. Foi despertar Kingler.
— Vigia o chefe. Passa-se qualquer coisa no curral.
Armando o revólver, o cartógrafo aproximou-se do curral. Um cavalo estranho era o causador da comoção, um cavalo que tentava reunir-se aos outros. Tinha sela e estribos. Não era um cavalo índio.
O'Donell acalmou-o, afastando as cordas para que ele pudesse entrar. O animal estava coberto de suor, de pó, muito esgotado. E sobre o couro da sela havia manchas de sangue.
— Não me agrada — murmurou O'Donell. — Não quero estranhos no Lemhi. O sangue é fresco. Sem dúvida o. cavaleiro está perto e possivelmente ferido...
Voltou à choça para contar a Step e a Klinger o que acontecia.
— Em algum sítio, certamente ao longo do rio, há um homem sem cavalo. Procurem-no. Tenham muito cuidado.
Kingler olhou para o canto onde estava o ouro, coberto com uns ramos.
— Vai ficar sozinho com o chefe... e com o ouro, O'Donell?
— Sim. Opõe-se?
Klinger encolheu os ombros, pegando no chapéu. Step já estava lá fora, selando os cavalos. Os dois guias, que O'Donell dominava por completo, saíram em exploração, e não tardaram muito em regressar.
Seguindo as pegadas deixadas pelo cavalo encontraram um homem junto ao rio, de bruços no lodo. Estava vivo. Levaram-no para a choça. Tinha sido ferido nas costas por uma seta. Esta tinha-se partido, sem dúvida quando ele caíra do cavalo, deixando uma parte cravada nas suas costas. Tinha perdido muito sangue.
Deitaram-no de barriga para baixo, sobre uma manta. Um palmo da haste da seta sobressaía-lhe das costas, à altura do coração.
— Uns centímetros mais e tê-lo-iam morto, amigo —disse O'Donell, depois de o terem reanimado vertendo-lhe álcool nos lábios. — Quem é você?
O homem quase não conseguia falar. Murmurou:
— Venho de Butte... Trago uma carta para si, do coronel Morgan. Os índios atacaram-me. Não compreendo. Os «arapahos» são pacíficos...
Tossiu, emudecendo. O'Donell revistava a carteira que o homem tinha no cinturão; tirou dela uma carta, que leu com rapidez.
— O coronel admira-se com o nosso silêncio. Diz que os colonos «quáqueres» esperam para partir e que já devíamos ter regressado com o mapa; que o Inverno se aproxima e a passagem tornar-se-á impossível. É um homem impaciente, este coronel. Não sabe que de momento temos outros interesses além de levantar mapas para que uns colonos possam plantar batatas e cenouras.
O ferido estava quase inconsciente e gemia. O'Donell inclinou-se para ele.
— Descanse, amigo, vamos já ajudá-lo. Veja o que fazem os seus homens, Moose John: ferir um homem pacífico. Por pouco não o mataram.
Moose John disse:
— Os meus homens são bons. Vocês enlouqueceram-nos. Agora só verão inimigos em cada homem branco que chegue ao Lemhi.
O'Donell agarrou a haste da flecha com a mão direita. O ferido voltou a gemer.
— Coragem, amigo; é só um instante...
A ampla mão de O'Donell fechou-se sobre a haste de madeira. E, bruscamente, carregou com força, enterrando-a mais na ferida. A ponta da seta seguiu o seu percurso, o ferido agitou-se violentamente, uma golfada de sangue subiu-lhe aos lábios. A seta acabava de atravessar-lhe o coração.
Step e Klinger estremeceram. Moose John fechou os olhos. Só O'Donell disse:
— Pobre homem! Não poderá regressar a Butte. E nós teremos mais tempo para esperar os nossos amigos da montanha, com o seu carregamento de ouro...
*
As gentes de Forte Butte, os militares e as suas famílias, assim como a estranha fauna que se instalava naqueles lugares, taberneiros, comerciantes, jogadores e até escritores, encontravam-se muito desconcertados com a presença dos cinquenta e dois membros da colónia «quáquer» que se tinha instalado no forte, à espera de partir para os terrenos de Lemhi Range.
O coronel Morgan não cessava de receber queixas.
— Coronel, tem de fazer qualquer coisa. Sabe que paguei bem cara a minha licença para vender bebidas. Bebidas da melhor qualidade, saudáveis e reconfortantes para todos. Pois bem, essa gente, além de não fazer uma única compra na minha taberna, tentam convencer o resto dos homens de que não devem beber álcool.
O coronel despedia como podia o taberneiro e pouco depois chegava um dos seus capitães, escandalizado:
— O chefe desses colonos, aquele a quem eles chamam «O Patriarca», está a arengar aos soldados, dizendo-lhes que a violência é pecado, que renunciem às armas e ao uniforme e se juntem a eles, para viver em paz!
— Raios, estão a exceder-se. Falarei com esse homem. Mas tratem-nos com respeito. O Governo quer que os ajudem. Quando diabo voltará o Denis O'Donell com o seu mapa? Eu também respeito esses pacíficos «quáqueres». São honrados e trabalhadores, mas prefiro que se instalem no Lemhi e abandonem o forte.
Os homens «quáqueres» vestiam de negro e as suas mulheres de branco. Os homens cobriam-se com altos chapéus pretos. Falavam suavemente e não tinham uma única arma, nem nas suas pessoas nem nas suas carroças.
Os rudes soldados de Forte Butte tinham-nos recebido com sorrisos e troças, mas em breve deixaram de os incomodar e passaram a respeitá-los.
Tinham-se instalado num extremo do recinto. As mulheres, muitas delas jovens belas, quase não se deixavam ver.
O coronel Morgan começou a preocupar-se quando não regressou o correio que enviara a Lemhi Range. Reuniu os seus oficiais e também o chefe dos «quáqueres», um ancião de longa barba branca.
— Creio que algo de estranho acontece no Lemhi, senhores. Só posso pensar nos «arapahos». Temos autorização deles para instalar colonos na planície, e são índios pacíficos. Há muitos anos que não fazem guerra. Mas receio muito que o Lemhi se tenha tornado demasiado quente. Terão de renunciar a ir este ano para essas terras. Quando chegar a neve não será possível atravessar a passagem. E, sem saber o que aconteceu aos homens que enviámos, é uma loucura arriscar as vossas famílias, senhor.
O «Patriarca» sorriu.
— Só acontece o que está escrito. Precisamos de nos instalar antes que chegue o Inverno. De outro modo as nossas sementes perder-se-ão e os filhos das nossas mulheres não nascerão em terra sua, como deve ser. Iremos para o Lemhi.
— Sem armas? Sabe o que é um levantamento índio, ancião? Vocês são menos de uma centena e eles mais de mil. A luta seria muito desigual...
— Não haverá luta, coronel. Somos gente de paz. Temos a proteção do Senhor, que é muito mais eficaz que a de umas pobres armas. Se não tivermos o mapa, faremos nós próprios as partilhas. Sairemos esta semana.
O coronel despediu os seus visitantes e chamou um velho guia que presumia saber com antecipação as mudanças do tempo. Perguntou-lhe:
— Como vês o tempo? Parece que está a esfriar. Este ano adiantar-se-ão as neves?
— Veja as aves, meu coronel. Teremos bom tempo por mais dois meses ainda.
— Antes assim. E esperemos que o cartógrafo volte um dia.
Sem comentários:
Enviar um comentário