E...
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ATÉ BREVE!
Os expedicionários, gelados, reuniam-se em torno da fogueira; uma mulher servia-lhes café, outra entregava a cada um, um pequeno pedaço de carne seca. Eram os últimos víveres.
«Montana», sentado junto do fogo, aceitou o pequeno pedaço de carne e, empunhando uma grande faca de esfolar, começou a parti-la em pedaços ainda menores, que dava às crianças. Enquanto o fazia, observava os que o rodeavam. Queria que vissem a faca com a qual estivera a ponto de ser assassinado nessa noite.
Só o «Patriarca» lhe disse:
— Não lhe conhecia essa faca, Roscher...
— Encontrei-a esta noite, em circunstâncias bastante curiosas, chefe.
Algumas mulheres gritaram. Vários homens correram junto do seu chefe, o «Patriarca».
Deborah, que avivava uma fogueira, apressou-se a reunir as crianças que procuravam lenha entre a neve.
Os infelizes «quáqueres», que tinham perdido tudo, sem armas e quase sem roupas, tremendo de frio, contemplaram com assombro e temor as várias centenas de índios que os rodeavam.
— São os «arapahos»! Trazem penas de guerra nas suas lanças! — gritou um homem.
O «Patriarca» ordenou:
— Cala-te! Não é necessário assustar mais as mulheres.
— São muitos, e nós não temos armas nem quem nos defenda.
Na imaginação de Roscher «Montana» estava gravada a depressão onde deixara os colonos. O rosto de Deborah, os seus olhos húmidos à despedida. E pensava constantemente: «Os «arapahos» já terão caído sobre eles? Cada minuto que passa pode ser vital!»
Avançava sobre o seu cavalo, à cabeça do grupo. Jonathan seguia-o a poucos passos, sem deixar de vigiá-lo, empunhando um revólver. Atravessavam um bosque, sobre neve muito branda.
— Eh! tem a certeza de que é este o caminho? — gritou Jonathan.
Roscher não respondeu. Pouco depois deteve o animal, desmontando.
— Que se passa agora? Quer que lhe meta uma bala nas costas? — perguntou Jonathan, agressivo.
— Moose Red. O filho do chefe...
Roscher «Montara» tinha virado um dos cadáveres estendidos sobre o gelo. Era o do filho do chefe «arapaho». Depois comprovou que nada podia fazer-se por nenhum dos outros.
— Perfuraram o gelo. Isto quer dizer que era o grupo encarregado de devolver o ouro ao seu lugar de origem. E também que os assassinos levaram o ouro. Os pacíficos «quáqueres»! E um deles era o homem que estava destinado à Deborah!
Examinou os arredores. Quando Moose John descobrisse o assassínio do filho, o Lemhi Range ia pôr-se ao rubro. «E esses infelizes sem armas, meio gelados, que me esperam...».
Uma dor aguda, muito viva, que lhe percorria todo o corpo como se lhe cravassem milhares de pequenas agulhas, acordou Roscher «Montana». Com os olhos ainda fechados, recebeu uma sensação intensa.
— Calor! Está calor!
Através das pálpebras viu um brilho avermelhado. Levantou-as por fim, e as chamas deslumbraram-no. Calor! E aquela dor era provocada pelo seu sangue, circulando de novo, velozmente. Muito calor!
Uma voz disse:
— Afastem-nos, que vão queimá-los. É demasiado fogo.
«Montana» moveu os lábios. Conseguiu emitir um som.
— Deborah?
Sem dúvida a Jovem Deborah tinha recebido uma dura educação, Entre os seus não havia excessivos sentimentalismos; aceitavam-se as disposições do destino com o maior estoicismo, Ela aceitou a morte dos pais e de todos os seus companheiros, limitando-se a voltar as costas a «Montana» para rezar. Depois, Roscher viu lágrimas nos olhos da bela «quáquer». Era um choro doce e resignado.
— Eles chegaram já à sua terra prometida — disse.
Roscher tinha decidido tentar o regresso ao Forte Butte. Os «arapahos» deram-lhes cavalos e viveres e escoltaram-nos até às montanhas. Uma vez aí «Montana» disse ao chefe John Moose que poderiam seguir sozinhos. Os «arapahos» despediram-se com poucas palavras, regressando aos seus povoados.
Na pequena choça só se ouviam os soluços de Deborah, a bela «quáquer». Olhava para Roscher, estendido sobre os ramos que cobriam o solo, inconsciente e bem amarrado.
Moose John, o chefe «arapaho», que a jovem contemplava com medo, disse:
— Acalme-se. Não está morto. É jovem e forte. Você, que está mais perto dele, afaste com os pés esses ramos. Há neve debaixo deles. Deixe que o seu rosto toque a neve. Ajudá-lo-á a despertar.
Estavam sozinhos. O'Donell e os seus cúmplices tinham partido. Deborah conteve as lágrimas e estendeu as pernas para afastar com os saltos das botas os ramos sobre os quais «Montana» estava estendido. Pouco depois o rosto do homem pousava sobre a neve.
— Mataram-no! — disse Deborah.
O frio no alto da montanha Saddle, onde ficava o principal povoado dos «arapahos» era terrível.
Dentro do grande «tupi» do chefe Moose John, ocupado agora pelo seu filho Red, as peles e as pedras aquecidas ao fogo mantinham a temperatura agradável, mas o fumo tornava o ar quase irrespirável.
«Montana» e Deborah, bem amarrados, estavam estendidos em cima de um monte de peles. Vários índios vigiavam em silêncio. «Montana» tinha dito à jovem:
— Os «arapahos» sempre foram pacíficos. Algo de muito poderoso deve tê-los feito mudar.
Duas horas depois de terem chegado ao povoado, Moose Red entrava na tenda. Tinha colocado o peitoral de cobre trabalhado que lhe conferia a dignidade de chefe. Cruzou os braços diante dos seus prisioneiros; Roscher disse:
— Tu não és Moose John. Acaso usurpaste o seu poder? Por isso os «arapahos» estão com pinturas de guerra e faltam à palavra empenhada? Esses colonos são homens bons, só querem cultivar na planície, não caçar!
O pico Saddle erguia-se ante a impressionada caravana de «quáqueres». Roscher tinha-lhes dito:
— Do outro lado fica o vosso novo lar. A passagem sobe por essa ladeira, por entre as rochas. Espero que consigamos atravessá-la antes que comece a neve.
— O coronel Morgan disse que não nevaria antes de dois meses.
— A julgar por como desce a temperatura, começará a nevar muito em breve.
O «Patriarca» disse, com o seu habitual fanatismo:
— Precisamos de passar. Uma das nossas mulheres vai dar à luz muito em breve, e um «quáquer» não pode nascer num caminho; tem de nascer sobre a sua terra.
Roscher deu então ordem para continuarem. A caravana avançava lentamente. Da ladeira do Saddle, um homem vigiava-a. Um homem estendido sobre as rochas, com uma espingarda nas mãos. Era Denis O'Donell. Apertava os dentes, com raiva.
A jovem ia retirar a tábua que cobria o poço, quando um homem se aproximou dela, tirando o chapéu e dizendo amavelmente:
— Não tire água desse poço, menina. Está estragada, atiraram um animal morto lá para dentro.
A jovem «quáquer» pareceu atrapalhar-se. Era muito bela. A touca emoldurava-lhe o rosto, destacando a perfeição das suas feições. Umas madeixas douradas assomavam ousadamente.
— Oh, então... — murmurou.
O homem apontou para as barracas das cavalariças.
— Há outro poço atrás dessas barracas. A água de lá é boa.
A jovem agradeceu a indicação com um sorriso e dirigiu-se para as barracas, com a celha sobre a anca. Ao dar a volta às barracas deteve-se, pois não via poço algum. Só um espaço vazio, abandonado, com o solo coberto de mato entre as traseiras das barracas e a paliçada exterior do forte.
Os três homens que tratavam dele sabiam que os «arapahos» não deixavam de os vigiar, mas também sabiam que não se atreveriam a atacá-los.
Denis O'Donell gastou os seus últimos cartuchos em preparar alguns futuros rebentamentos espetaculares, para o caso de precisarem de impressionar novamente os índios. Fê-los com muito cuidado, para que não observassem os seus movimentos, e sem se afastar muito da cabana.
As mechas, que ficavam ocultas entre a areia, seriam acesas no momento oportuno.
A caixa de chumbo de Denis O'Donell continha várias coisas de interesse para o seu trabalho e também uns pacotes de barras escuras que Kingler, um dos guias, reconheceu imediatamente.
— Diabo, O'Donell! Isto é dinamite! Não me diga que se serve dele para desenhar mapas!
— A si não lhe interessa para que me sirvo dele. Seja como for, não tardará a sabê-lo.
O cartógrafo dedicou-se durante três dias a traçar o curso do rio principal e dos seus afluentes; depois internou-se na enorme planície, para medir a sua extensão e parcelá-la.
A planície tinha apenas erva alta e azulada. Nem uma única elevação e apenas uma ou outra árvore. Foi então que O'Donell mostrou para que utilizava a dinamite.
— Preciso de pontos de referência; para isso servem os explosivos, Klinger. Afastem-se um pouco. Vou colocar aqui alguns cartuchos. O montículo que resultar será o número um.
— Apresenta-se Denis O'Donell, senhor. Cartógrafo de primeira, ao serviço do Exército. Disseram-me que queria ver-me.
O coronel Morgan olhou com expressão cansada para o civil que estava diante da sua secretária.
O coronel Morgan não gostava dos civis que serviam o Exército sem uniforme, cartógrafos, guias, peritos em idiomas índios e todos os outros. Tinha a impressão de que efetuavam aqueles serviços, não muito bem pagos e em lugares perigosos, Unicamente à espera de uma oportunidade para enriquecer fosse como fosse. Ou então permaneciam no Oeste com nomes supostos porque no Este os procuravam, e não precisamente para lhes concederem uma condecoração.
— Sente-se, O'Donell. Tenho aqui uma ordem chegada de Cansas e que o afeta a si.
O grande chefe Moose John nunca terá pensado nas consequências da sua oferta de um conjunto de seis pepitas de oiro ao cartógrafo O’Donnell como prémio da sua habilidade para produzir explosões. Se conhecesse a maldade dos homens, talvez não passasse mais de trinta dias da sua vida preso numa choça enquanto os seus irmãos de raça enchiam sacos e sacos de pepitas sob a ameaça de lhe roubar a vida.
E não se pense que os instintos bélicos se ficaram pela equipa de O’Donnell. É que um grupo de “pacíficos” quakers, homens e mulheres que recusavam a utilizar as armas para se defender ou atacar os seus semelhantes, acabaram por massacrar a tribo de arapahos quando a equipa do cartógrafo já não era problema.
Oiro, maldito oiro! Tu converteste, sob a pena brilhante de Cesar Torre, um local de esperança numa terra amarga, transformando as geladas terras de Lemhi num mar de sangue.
«Terra Amarga» é um excelente livro publicado na Coleção Arizona como número 161 e que aqui reproduziremos ao longo dos próximos dias. Nele, o autor exibe toda a capacidade para demonstrar que, na sua mente, um conflito nunca está resolvido já que das suas consequências se podem produzir diferentes réplicas. A tradução, a cargo de M. Correia, deixa perceber devidamente o conteúdo, nada havendo a apontar-lhe.