domingo, 11 de dezembro de 2022

BUF145.06 A traição dos mexicanos


Eram três homens. Frederick Wheeler, acostumado àquelas andanças, não teve dificuldade em se aperceber disso através dos vagos ruídos chegados até aos seus ouvidos.

Tinham deixado os cavalos a meio do caminho, acabando de fazer o resto do percurso a pé. Caminhavam dois à frente e um na retaguarda, como a servir-lhes de guarda-costas.

Frederick apoderou-se do seu revólver «Walter» que guardava sob o travesseiro e verificou, silenciosamente, se estava ou não estava bem carregado. Fez girar nervosamente o tambor, não sabendo como devia proceder.

Adela tinha necessariamente de dar conta do que se passava, pois ainda se não tinha recolhido ao seu quarto.

De repente fez-se luz no seu cérebro. Tinha sido denunciado! Atirou-se da cama abaixo. Sentiu uma dor aguda como se alguma fibra se dilacerasse, mas não passou de mera impressão.

Afastou-se da cama e foi colocar-se do outro lado da porta. Colou o ouvido ao tabique de madeira e pareceu-lhe ouvir a respiração ofegante da mexicana. Devia ter sido como ele supunha, mas custava-lhe realmente a acreditá-lo. Não podia convencer-se de que por detrás do sorriso franco daquela mulher e das simples e ingénuas palavras do mexicano, pudesse ocultar-se a traição.

Acabou por se recordar de que o prémio oferecido pela sua cabeça era de dois mil dólares e isso esclareceu tudo.

Segurou com firmeza a coronha do seu revólver. Os passos ouviam-se cada vez mais próximos da parede que lava para o exterior, acabando por se deterem à entrada da porta.

Adela respirava cada vez mais agitadamente. Os seus pulmões resfolegavam como se fossem um fole.

— É ali — disse a mulher.

Os passos encaminharam-se na sua direção, pisando o soalho com o maior cuidado. Frederick desviou-se para um dos lados. Encontrava-se ainda muito fraco e um desfalecimento estranho começava a apoderar-se dele. A causa deveria ser a grande perda de sangue ou, talvez, a sua longa permanência na cama. Receou que a ferida se abrisse. Tinha levado sete dias a cicatrizar e podia sangrar de novo, ao menor esforço.

A porta abriu-se e a silhueta dos dois homens surgiu entre os umbrais.

Naquela posição não lhes era possível descortinar a cama. Empurraram mais a porta e entraram sem se preocuparem com mais precauções.

Frederick ergueu lentamente a arma, mas apercebeu-se a tempo de que isso podia ser-lhe fatal. Era indispensável uma sincronização de movimentos. Tinha de disparar simultaneamente contra os dois, logo que descobrissem que ele se não encontrava na cama.

Disparou à queima-roupa contra o primeiro e levantou novamente o percutor, ao mesmo tempo que se desviava de lado para se esquivar do corpo do seu inimigo, o que, a suceder, lhe poderia ser funesto.

Teve de agir com enorme rapidez, disparando contra o segundo inimigo que apontava já a arma na sua direção.

Mas a precipitação obrigou-o a falhar. O homem recebera um tiro apenas de raspão e deixou cair a arma que empunhava. Não caiu. Cambaleou um momento, desequilibrou-se e acabou por tombar sobre ele. Caíram ambos no soalho.

Wheeler deixou cair também o seu revólver. Tentou apanhá-lo, mas foi impedido de o fazer pelo outro. Iniciou-se uma luta angustiosa.

Fred ergueu a mão e descarregou o punho fechado, com toda a força, no rosto do homem que viera ali para o assassinar. O golpe, dado o seu estado de fraqueza, não teve quaisquer efeitos.

O inimigo lançou-lhe um braço em volta do pescoço, ao mesmo tempo que, com o outro, procurava alcançar--lhe a garganta.

Fred defendeu-se como pôde. Encolheu uma perna e aplicou-lhe uma joelhada no baixo-ventre. Apesar da pancada ter sido violenta, o outro não a acusou, a não ser com um aceleramento da respiração. E continuou a procurar, afanosamente, lançar-lhe a mão ao pescoço. Acabou por consegui-lo.

Fred começou a sentir-se asfixiado, enquanto uma névoa branca lhe velava os olhos. Quis libertar o braço esquerdo fazendo um tremendo esforço e o ferimento começou a abrir. Apercebeu-se de que um líquido viscoso e quente lhe escorria sobre o peito. Conseguiu libertar o braço. A sua fraqueza acentuou-se. Pensou, num relance, que, se a ferida se abrira não devia continuar a retrair-se.

Aplicou um golpe certeiro, com toda a sua força, no rosto do homem, conseguindo assim que a pressão do abraço do seu inimigo afrouxasse um pouco. Valeu-se dos pés e das pernas e logrou afastar-se dele.

Ajoelhou-se, mas começou a sentir que a cabeça lhe andava à roda. Fez mais um esforço.

Reparou que o seu adversário tentava erguer-se, levantou o punho e descarregou-lhe uma violenta pancada sobre a nuca. O homem caiu de bruços sobre o soalho. E desta vez ergueu os dois punhos. Reuniu todas as suas forças e conseguiu descarregar um segundo golpe sobre a nuca do homem que continuava caído na mesma posição.

O seu antagonista soltou um suspiro e Fred acabou por tombar junto dele, respirando e arquejando agitadamente.

O instinto da conservação emprestou-lhe novas energias. Levantou a cabeça e viu Adela à entrada da porta, muito pálida, com as mãos cruzadas sobre o peito e com um esgar de terror estampado nos olhos.

Frederick apoderou-se do revólver e conseguiu levantar-se com enorme dificuldade. Diogo, que naquele preciso momento assomava à entrada, fez-se tão pálido como sua mulher, ao contemplar o espetáculo que tinha ante os seus olhos.

Fred apoiou as costas à parede e recobrou o alento, enquanto visava com a arma o casal que tinha na sua frente. Diogo recuou alguns passos, assustado. Compreendeu que tinha merecido a morte, mas não imaginara o que isso viria a custar-lhe.

— Não dispare — implorou o homem erguendo as mãos trementes. — Eu não queria...

Frederick não respondeu. Continuou respirando o ar em grandes haustos e sentindo dores horrorosas de cada vez que enchia o tórax. — Eu não queria — insistiu o mexicano.

— És um traidor, Diogo! Um miserável traidor.

— Eu não queria — continuava o homem — ela é que se deixou cegar pelos dois mil dólares. Eu não queria! Juro-o!

Levantou o gatilho e apontou à barriga do mexicano.

— Que é que vocês pretendiam? Matar-me e levar depois o meu corpo a Lamar?

— Ela é que foi da ideia... e como necessitamos de dinheiro... toda a vida temos sido pobres... e esse dinheiro valer-nos-ia para...

— Para morrer, Diogo. Tanto tu como tua mulher assinaram a vossa sentença de morte.

O mexicano virou-se para sua mulher que tremia convulsivamente. Tinha o rosto arroxeado e unia as mãos uma à outra, na atitude de quem reza. Qualquer coisa de estranho se deve ter passado no espírito do mexicano que o levou a tornar-se hirto e a cerrar os dentes.

— Não interessa saber, afinal, quem tenha sido, Wheeler. Ganhaste a partida e nós perdemos.

Fred sentiu um frio gelado invadir-lhe todo o corpo e uma névoa descer-lhe sobre os olhos. Fez um esforço para reagir. Se lhe faltassem as forças cairia nas garras do mexicano e tudo estaria perdido.

Conseguiu refazer-se, pouco a pouco, mas, ao encarar com o mexicano, resignado com a sua sorte, não teve coragem para o matar. Pensando bem, tratava-se de uns pobres diabos que se deixaram dominar pela ambição. A não ser isso, nunca teriam dado semelhante passo.

Arrojou a arma aos pés de Diogo e tornou a encostar-se à parede. O sangue começava a empastar-se sobre o seu corpo. Mas não era apenas o seu sangue que escorria do ferimento. Era também o do seu inimigo vencido.

Olhou para Adela que continuava de mãos postas, rogando piedade. Sentiu invadir-se pelo nojo. Nojo e pena. Novamente sentiu velarem-se-lhe os olhos e, desta vez, com mais intensidade. A cabeça começou a andar-lhe à roda; teve a sensação de que a parede lhe caia em cima e que o soalho se erguia contra ele.

Diogo viu cair Frederick, de bruços, sobre o pavimento. Pensou, no primeiro instante, em correr em seu auxílio, mas conteve-se e continuou a olhá-lo em silêncio.

— Que fazemos, Diogo? — perguntou a mulher.

Aproximou-se do corpo e debruçou-se sobre ele.

— Vive.

— Que vamos fazer? — insistiu a mexicana.

Diogo olhou fixamente para sua mulher.

— Vamos deixá-lo.

— Não compreendo.

— O que fizemos não passa de uma canalhice... Que irá pensar o patrão a nosso respeito?

—E que temos nós a ver com isso? Este homem é um assassino reclamado pela Justiça e nós temos absoluta obrigação de colaborar com ela... E além disso ganharemos bom dinheiro.

Diogo meneou negativamente a cabeça.

— Não, Adela... tenho vergonha de mim mesmo. Portámo-nos de uma forma miserável. Nunca mais viverei em paz com a minha consciência. Anda; ajuda-me a deitá-lo na cama.

— Tu não estarás, louco?

— Talvez..., mas não sou só eu. Este homem também o está; podia ter-nos matado e tinha razões de sobra para o fazer. Perdoou-nos a vida, sabendo que em troca nos entregava a sua. Não teve coragem para nos matar. Vamos ter, nós, essa coragem?

— Lembra-te de que é um homem mau — objetou ela, pouco disposta a ajudar.

— Não. Não é um homem mau. Muito pelo contrário... Ë, até, dos poucos homens bons que tenho conhecido. Não pode ser verdadeiro o que se conta a seu respeito. Alegro-me por ter conseguido salvar-se. Caramba!

Voltou a debruçar-lhe sobre ele.

— Ajuda-me, não ouves? Por que esperas?

Adela obedeceu, resmungando. Pegou-lhe pelos pés, enquanto seu marido o segurava pela cabeça e deitaram--no sobre a cama.

— E agora?

— Agora vamos tratar de estancar o sangue e partiremos.

— Partiremos para onde?

— Não faço ideia. Devias ter pensado nisso antes de nos metermos nesta alhada, muito antes de imaginar aquilo que poderíamos fazer com os tais milhares de dólares.

Retiraram os cadáveres, deixando-os sobre o mato, como se fosse roupa estendida. Diogo atrelou o cavalo ao carro e ajudou sua mulher a retirar de casa todos os trastes de que dispunham.

Adela chorava quando Diogo fustigou o cavalo e se afastavam com rumo desconhecido, contritos e envergonhados pelo que o patrão pudesse imaginar a seu respeito.

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