Ted Lambert tinha visto muitas coisas na sua vida e julgava estar preparado para qualquer situação que o destino quisesse deparar-lhe. Mas ao ver Anabela naquelas circunstâncias, ao ver nos ombros e no pescoço vestígios de feridas que, de modo algum, ele podia ter-lhe feito, ficou como aniquilado.
Repentinamente, todo o seu furor pareceu diluir-se no ar. E murmurou:
— Que aconteceu, Anabela?
Em baixo, na rua, os tiros dados ao acaso transformavam a noite num inferno. Anabela estava chorando. Não fingia.
— Foi porventura Larry Thompson? — perguntou ele, em voz baixa.
— Não, não foi.
— Então, quem te bateu?
Ela ergueu o olhar, um olhar límpido, cheio de confiança.
—Julgas que conheço quem me atacou hoje. Supões que sei quem é que transformou a minha vida numa sucessão de horrores, num pesadelo que já não posso suportar mais?
Ted estreitou-a pelos ombros. Sem dar conta disso, o gesto da rapariga ao confiar-se-lhe, tinha-lhe dado uma força, de que antes carecia.
—Não compreendo nada, Anabela. Que mistério é esse que tentas explicar-me? Quem te atacou esta noite e quem converteu a tua vida num pesadelo?
—Não sei! —repetiu ela, com voz débil. —Mas é absurdo! Não se pode entrar aqui, sem atrair a atenção e, menos ainda, bater numa mulher, de uma maneira tão selvagem, sem que ninguém dê por tal. Onde estão os criados?
—Saíram a correr, armados, quando começou o tiroteio.
— E teu pai?
— Foi dar uma volta pelo rancho, com Larry e outros homens. Há ladrões de gado que atuam de
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noite. Quando... isso aconteceu, eu estava aqui sozinha...
E deixou-se cair no leito, junto da janela. Ted Lambert pôde ver então, claramente, que ela tinha sido agredida com verdadeira sanha, embora com a intenção de causar-lhe, tão somente, ferimentos superficiais. A expressão de terror que se lia nos seus olhos não podia ser fingida.
—Mas, que se passou na realidade? Quem entrou aqui?
—Um homem!
— Conhece-lo?
—Não. Veste de preto, coberto com uma capa e trazia o rosto oculto por um pano. Mas tive a impressão de que esse homem não é o mesmo que veio da outra vez. Ê.… como que uma série de fantasmas, um terrível pesadelo.
Lambert estava atónito. Tudo aquilo era simplesmente fantástico, incrível. Bastava-lhe pensar assim, para que a visão dos vestidos da jovem lhe demonstrasse que havia qualquer coisa de verdade, em tudo aquilo, por muito estranho que parecesse.
—Disseste... uma vez e outra?! Quer então dizer que isso tem acontecido com frequência?
— Quase todos os meses desde há um ano...
Ted sentou-se na cama, ao lado dela. Tudo aquilo fizera-lhe esquecer os seus próprios ferimentos e que duas dúzias de homens o andavam a procurar nas ruas de Pedra Branda, com intenção de o matar.
—Tudo que estás a dizer-me, Anabela, é absurdo. Pois não és tu a mulher mais distinta da cidade? Quem pode ser teu inimigo ou se pode julgar no direito de maltratar-te, desse modo?
—Não sei. Já te disse que não sei!... — Replicou ela, quase a chorar, novamente.
Ted aproximou-se mais dela.
—Dizes que é um tipo, vestido de preto, com o rosto coberto com um pano!? Não será o «Duas Balas»?
—Não. Eu vi uma vez esse bandido, quando roubava com os seus homens algumas cabeças do nosso gado. Era um homem ligeiramente curvado, ágil e com uma figura que faria lembrar a de um gato, quando se prepara para saltar. Embora vista da mesma maneira, não se parece com os homens que já me têm atacado.
«Homens». Eis a palavra que deixava Ted mais perplexo. Não era só um que a atacara, mas vários, e por diversas vezes.
—Tens inimigos?
— Que eu saiba, não. Tu és o único!
Ted acariciou-lhe os cabelos. Não soube bem por que o fazia, e nem mesmo esse acto obedeceu a um impulso da sua vontade. Pensou simplesmente que ela tinha um lindo cabelo e que era preciso tranquilizá-la. Quando levantou o braço esquerdo, ela viu que Ted tinha um ferimento comprido no músculo dorsal.
— Atingiram-te. Tens de curar-te...
— Não podemos chamar nenhum médico — disse ele, a sorrir. —E antes de tudo, deves responder--me ao que eu te pergunto: quem preveniu esses homens que eu queria fugir da prisão?
— Também não sei.
Ted levantou a cabeça. Era demasiado estranho que a rapariga não soubesse coisa alguma, nem mesmo tratando-se de coisas que lhe interessavam tão diretamente. Apesar da expressão sincera da jovem, uma suspeita acudiu à sua mente.
—Em frente da porta da cadeia, esperavam-me quatro mexicanos. Eram trabalhadores de teu pai?
—Talvez, embora não encontre explicação para isso! Ele não sabia da minha visita à prisão.
—Então...?
— Não pretendas que te explique o que para mim é inexplicável, Ted. Desde há um ano, tenho a impressão de que me vigiam dia e noite, de que conhecem os meus mais pequenos segredos, e os meus mais ocultos pensamentos. Foi isso que me levou a casar com Larry: procurar um homem que me protegesse.
Ted baixou a cabeça, pensando: «Com efeito, ela não podia ter-se fixado melhor num homem, para defendê-la, como Larry Thompson. Com um homem assim, a seu lado, Anabela podia estar tranquila». Depois, perguntou-lhe:
—Foste tu quem o procurou?
A pergunta saiu dos seus lábios quase sem dar por isso, obedecendo a um profundo desejo que queria reprimir. Quase no mesmo instante arrependeu-se de abrir a boca. No fim de contas, que lhe importava tudo isso? Anabela não respondeu. Levantou-se e dirigiu-se para o toucador, no outro lado do aposento.
—E preciso limpar esse ferimento. Vem cá!
Ele obedeceu.
A rapariga tirou de uma gaveta alguns pequenos rolos de ligadura, de gaze, e um frasco de líquido escuro, certamente algum desinfetante. Lá fora, tudo caíra em silêncio, e Ted pensou que, os seus perseguidores ao compreenderem que tinham sido ludibriados, começava para ele o verdadeiro perigo.
—Tens de despir o casaco e a camisa, para tratar dos ferimentos.
Ele tentou fazer isso, mas não pôde. Tinha o lado esquerdo quase completamente imobilizado. Anabela ajudou-o. Foi ao aspirar intensamente o perfume da sua pele que Ted considerou mais incrível a sua situação, e que jamais poderia esquecer aquela fantástica noite, nem o aposento onde ambos se encontravam, tão dedicado e tão cheio da presença da mulher que lhe sugeria mil sensações desconhecidas e apertava o seu coração como um sonho demasiado bonito para ser vivido. Anabela contemplou uns instantes o seu poderoso peito nu. Depois, ajoelhou-se em frente dele.
—Não entendo muito de ferimentos de bala, mas parece-me que esta é superficial. Tens o projétil quase à superfície e cairá só com uma pancada.
Apertando os lábios, passou a mão por cima do ferimento. Ted conteve um gemido de dor quando a bala caiu, sobrevindo uma nova hemorragia. Anabela conteve-a logo com as gazes.
—Obrigado. Ninguém teria feito isso tão bem. E agora creio que não tens nada que ver com os mexicanos que me esperavam em frente da porta da cadeia. Foi certamente uma casualidade inexplicável.
Enquanto limpava e tratava o ferimento, Anabela disse-lhe:
—Há pouco, perguntaste-me se fui eu quem procurou Larry. Não, não fui eu... Sou demasiado orgulhosa para isso. Foi meu pai quem mo recomendou. Ambos são muito amigos. Pode dizer-se que precisam um do outro...
—Mas não conhecias Larry, antes disso?
— Conhecia-o, sim. Vira-o muitas vezes em companhia de Regina. Ele fitava-me com desejo e chegou mesmo a declarar-se. Eu não quis ouvi-lo. Só depois, quando este novo terror começou a entrar na minha vida, pensei que só um homem como Larry poderia defender-me... Ele não tem medo de nada e eu... Pensei muitas vezes que venderia o meu coração a qualquer, contanto que me livrasse deste pesadelo.
Pelos lábios de Ted passou um amargo sorriso.
— Deves estar acostumada a que os homens se te declarem.
— Sim — respondeu ela, sem deixar de fitá-lo. — Desde muito nova.
Ted imaginou Anabela como uma criança, quase. E essa visão foi tão bela e tão pura que um violento rancor, um desejo de matar nasceu nele contra os homens que a tinham maltratado.
—Tens de explicar-me isso melhor. Tens de dizer-me de quem desconfias... Pedra Branda é uma cidade pequena e se alguém te odeia, deves conhecê-lo.
—Ninguém me odeia. Pelo menos, ninguém mo disse ainda.
—Teu pai sabe o ocorrido?
—Sabe, sim.
—E Larry? Disseste-lho?
—Não. Larry não sabe nada. Víamo-nos tão poucas vezes e há tão pouca confiança entre nós, que nunca lhe expliquei as minhas inquietações. Teria matado alguém. Além disso, repugnava-me dizer-lhe que casava com ele só para que ele me protegesse. Ora isso é indigno de uma mulher educada.
Ted estremeceu. Pensou de novo que Anabela era demasiado fina para se preocupar em cuidar de um «pistoleiro» fugitivo, como ele, e que tudo aquilo era como um sonho.
— Pareces sincera, Anabela. E surpreende-me bastante que me fales de coisas que o teu prometido ignora.
O olhar dela tornou-se altivo.
—Expliquei-tas, porque me viste ensanguentada e os meus vestidos também. De outro modo, não saberias nada.
Apertou tanto as ligaduras que magoou Ted; este, porém, limitou-se a morder os lábios, sem gemer. Um estranho silêncio reinava em toda a casa.
— Quando casas com Larry? —perguntou ele, num tom suave.
— Eu disse-lhe esta manhã que devíamos adiar o nosso casamento. Depois do que aconteceu, precisava de uns dias de calma, de sossegar os meus nervos, antes de comparecer de novo perante o juiz.
—Ele devia ter ficado aborrecido.
— Não. Larry é um homem bastante compreensivo.
Mas Ted pensou que Larry era um homem brutal e que, no entanto, contribuíra para salvá-lo da forca; um tipo acostumado a bater e a matar e que, não obstante, conseguira atrair o interesse de uma mulher como Anabela, que era a exigência e a feminilidade mais puras. Depois pensou novamente em Regina e que esta era quem convinha para mulher de um tipo como Larry.
—Vou fazer-te uma pergunta, a que tu, talvez, não respondas —disse em voz baixa, fitando Anabela—mas que para mim é muito importante. Porque me salvaste da prisão? O que te levou a deixar-me aquele revólver?
Ela baixou os olhos, mas sem timidez, enquanto fazia um nó numa das ligaduras.
—Não queria que te matassem. Eu ficaria implicada na tua morte, mesmo sem ser responsável. E não desejo ser a causadora da morte de um homem.
— Singular filosofia para uma mulher do Oeste, onde a grandeza de uma dama se mede pelo número de homens, cujas vidas tem destroçado. Mais ou menos como a grandeza dos «pistoleiros».
Anabela pôs-se de pé.
—O que eras antes de vir para aqui, Ted?
—Rural da fronteira. E ensinava os jovens de «Phoenix» a atirar. Porque mo perguntas?
—Porque adivinhei que tu não és um bandido profissional. E isso faz que a tua sorte seja mais de lastimar, visto que não te livrarás da forca.
Ted olhou para Anabela que se dirigia para uma porta contígua à da sua alcova e que devia pertencer ao seu quarto de banho.
—Não poderás sair de Pedra Branda—disse-lhe ela, quando voltou. — E ainda que saísses, os homens do xerife aparecer-te-iam. Não tens outro remédio senão permanecer na cidade.
—Sim!... Mas... onde?
—Aqui, em minha casa. Conduzir-te-ei à cave, onde permanecerás até amanhã. Então, pensaremos no que se há-de fazer. Mas creio que, mesmo assim, não escaparás.
Ted sentia-se débil e completamente à mercê de qualquer que entrasse de um momento para outro. Por isso não respondeu.
—Antes disso, permite-me que me lave e mude de vestido—disse ela.
—Tu mandas.
Anabela desapareceu e pouco depois, Ted ouvia o som da água, a correr. Levantou-se e procurando não se aproximar das janelas, deu uma volta ao quarto.
A roupa da cama estava intacta, o que indicava que Anabela não se deitara, ao chegar. Sobre uma mesita, havia um livro de orações. Junto dele alguns jornais, dos que apareciam semanalmente na cidade. Folheou-os, ligeiramente.
À falta de melhor assunto, falavam das últimas proezas de «Duas Balas», lamentando que o bandoleiro tivesse escolhido a região como teatro das suas atividades. Dois mortos, três feridos e um roubo importante eram o balanço da última semana: Entre outros pormenores, destacava: «Trinta mil dólares da Companhia das Minas de Cobre, dois guardas mortos e outros três atingidos por balas de «rifle». Os dois mortos foram atingidos com duas balas na cabeça, cada um. Os projéteis eram de «Winchester», do último modelo, ficando alojados no crânio das vítimas.»
Que lhe importava tudo aquilo, se não era para lamentar que o houvessem confundido com o bandido? Derrotado, sem forças, deixou-se cair na cama de Anabela. Sabia que estava completamente à sua mercê e que se ela o denunciasse não poderia escapar dali. Mas a estranha atitude que ela guardara até então, o mistério que parecia envolver a sua vida, engolfavam-no numa invencível confusão.
Nada de tudo aquilo lhe parecia lógico, nem sequer a compaixão que Anabela devia sentir por ele. «Quererá talvez ter-me a seu lado para protegê-la de outro ataque? Mas para que pode servir-lhe um ferido?»
Não quis pensar em mais nada. O certo era que continuava vivo e se encontrava nos aposentos de uma mulher formosa. Os seus olhos cravaram-se como obcecados na porta, por detrás da qual Anabela desaparecera, como se, através dela, pudesse ver todos os seus movimentos.
Pouco depois, tornou a aparecer. Tinha lavado os seus ferimentos que, via-se agora, eram superficiais. Penteara-se também um pouco e os seus lindos cabelos adornavam o seu rosto pálido, mais atraente que nunca.
Ted pensou que jamais vira uma mulher assim e estremeceu. Toda essa escura etapa da sua vida ficava iluminada pelo facto de ter conhecido Anabela, de havê-la tido entre os seus braços, tão perto do seu coração; então, uma ânsia de ternura que Ted não conhecera até esse momento, apoderou-se dele. E procurou dominá-la.
—És muito formosa —disse-lhe simplesmente. —Um homem de juízo pensaria em beijar o teu rosto e nunca em esbofeteá-lo.
Ela não respondeu. Sem o olhar, ocultou-se atrás de um biombo, ao lado da cama.
—Preciso de mudar de roupa. Abre o armário e traz-me um vestido cor-de-rosa que está pendurado à direita, ou antes, uma bata comprida, azul-celeste, que está ao lado. É mais lógico e apropriado neste momento.
Ted obedeceu. Abriu o armário, que estava cheio de lindos vestidos e tirou a bata. Era de seda e, ao ser tocado, acariciava as mãos. Encaminhou-se para o biombo e colocou-a sobre o bordo superior do móvel.
Foi nesse momento que sentiu pela primeira vez um desejo insuportável. Mas tentou dominá-lo. Assegura-se com frequência que, um homem domina pior os seus impulsos e sente-se mais audacioso e, por assim dizer, irresponsável, precisamente quando está ferido ou enfermo.
Há estados febril que não causam depressão, mas exaltação. Ted vivia um desses momentos.
Nesse instante, ocorreu-lhe o pensamento de que, de certo modo, Anabela era sua esposa, e teve de lutar com todas as suas forças para se conter.
Anabela foi colocando as suas roupas na borda do biombo. Ted viu-se a si mesmo, em um dos espelhos. Sentiu-se então envergonhado e deu meia-volta. Esteve assim, entrelaçando nervosamente os dedos, até Anabela sair de trás do biombo.
—Ajuda-me a guardar as ligaduras. Não quero que vejam nada de suspeito.
Ted assim fez. Quando se dirigia para o toucador, roçaram-se. Ambos estremeceram.
—Agora devemos agir rapidamente —disse Anabela. —Acompanho-te à cave e deixar-te-ei, em lugar seguro, até amanhã. Depois, é preciso ocultar todos os tapetes manchados de sangue, que foste deixando à tua passagem. Meu pai poderá desconfiar, quando voltar.
Quando iam a sair do quarto, Ted prendeu-a por um braço, suavemente, mas com tal intensidade que Anabela voltou-se com uma expressão de inquietação e de prazer nos olhos.
—Porque fazes tudo isto? —perguntou Ted num murmúrio.
—Não julgues que o faço porque me enamorei de ti. Faço-o simplesmente porque não és um criminoso profissional e porque não quero ser responsável, direta nem indiretamente, da morte de ninguém. Já to disse.
Ted quis ver um lado de falsidade nos argumentos dela. E retorquiu:
—Sem dúvida, quando me ajudaste a fugir, sabias que na f
uga eu podia matar algum dos guardas. Nesse caso, também serias responsável.
—Eu sabia que farias todo o possível para não matar ninguém...
Ao ouvir isto, Ted cravou o olhar nas lindas feições de Anabela, com um assomo de gratidão. Aquela confiança devolvia-lhe a fé, em si mesmo, a fé num mundo, no qual ainda poderia viver. Depois, murmurou:
—Não matei ninguém. Os guardas estão apenas feridos é viverão.
Fitaram-se, por momentos, junto da porta. Ted sabia que os seus olhos chamejavam e que exprimiam desejo e já não quis simular. Anabela, por seu lado, não baixou os olhos, que brilhavam de prazer. Mas ela foi a primeira a reagir.
—Vamos! Queres que nos encontrem aqui, estupidamente?
Desceram a escada, em silêncio. Ao olhar para a janela do vestíbulo, arrombada, Ted perguntou intimamente que seria feito de Regina. Mas esse pensamento esfumou-se depressa, ao contemplar os torneados ombros de Anabela, ao admirar os seus movimentos gráceis e suaves, cheios de delicadeza.
Parecia-lhe incrível que nas cidades do Oeste pudesse haver uma mulher tão fina e tão distinta como aquela.
Atravessaram o vestíbulo e entraram numa sala espaçosa, cheia de móveis luxuosos. Era ali que havia a porta que dava para a cave. Desceram uma escada de caracol e encontraram-se mima extensa nave subterrânea, na qual se viam dezenas de caixas empilhadas.
— Aqui poderás esconder-te — disse Anabela. —Ninguém entra aqui senão uma vez por semana, para vir buscar sementes a estas caixas. Descansa, enquanto eu vou retirar os tapetes.
E, antes de que Ted pudesse dizer alguma coisa, desapareceu. Ele não procurou detê-la, compreendendo que o mais urgente nesse momento era apagar todos os vestígios que houvesse.
Quando ficou só, foi como se o mundo inteiro se esvaziasse para ele. Lentamente, começou a caminhar por entre as caixas. Estavam quase todas abertas e continham efetivamente várias sementes de cereais.
Só uma luz débil penetrava na cave, dando a impressão de que era realmente nesse momento que se sentia preso.
Foi até à parede do fundo e voltou. Decorreram dez minutos. Anabela não voltava e não se ouvia em cima o mais ligeiro ruido. Começou a ficar intranquilo.
Passaram mais cinco minutos e ele encontrava-se só. Meteu as mãos entre algumas sementes e deixou-as deslizar por entre os dedos. Ele entendia de sementes e de culturas. Fora educado por pais puritanos que lhe tinham ensinado a amar a terra. Fez esse gesto com um pouco de saudade, como a despedir-se do seu passado já definitivamente morto.
Mas, ao enterrar voluptuosamente, pela segunda vez, as suas mãos em uma das caixas, encontrou um objeto duro, sólido e comprido. Tateou-o, compreendendo depressa que se tratava da coronha partida de um «rifle». Tirou-a facilmente para fora e examinou-o com a maior atenção.
— Deve ser o que Regina trazia — pensou. — Partiram-no e esconderam-no. Desagradável recordação para Loren. Foi talvez por isso que o partiram.
Os seus pensamentos não foram mais longe. Pode mais a inquietação que o dominava, perante a longa ausência de Anabela. Teria ela ido denunciá-lo? Não o teria trazido até ali precisamente para tê-lo bem seguro?
Conteve a respiração. Alguém se aproximava, roçando na porta com qualquer coisa dura, um objeto metálico, que ele adivinhou logo tratar-se de um revólver.
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