Teve a sensação de que voava. Ao abrir os olhos, viu que era transportado quase ao rés do solo. Tentou defender-se, mas não conseguiu mover um só músculo, tão agarrado estava.
—A forca será o teu castigo.
—Assim, todos aprenderão que nesta cidade, há uma Lei!
— Uma corda! Depressa!...
Ted olhou à sua volta e só viu rostos suados e excitados pelo ódio. Apesar de tudo, nesse momento pensou que ainda havia uma esperança: o xerife de Pedra Branda.
Como representante da Lei, o xerife não permitiria o linchamento e exigiria a constituição de um tribunal e a realização de um julgamento.
Mas ao olhar com mais atenção à sua volta, essa esperança também se desvaneceu. O xerife ia à frente do pequeno grupo, que o levava ao sacrifício. Ted fez outro esforço inútil para se libertar, quando ouviu uma voz atrás de si.
—Antecipemos também a execução de Regina Parkinson. Foi ele quem a libertou da prisão... Portanto, devem morrer juntos.
O prisioneiro deitou desesperadamente a cabeça para trás. Pôde ver então, que não estava muito longe da luta que travara.
Ao que parecia, Regina continuava sem sentidos, agarrada ao rifle. Agora, acabava de recuperar o conhecimento da situação em que se encontrava. O homem que gritava, um jovem de feições depravadas que prendia Ted pelo pescoço, largou este, a fim de correr para trás.
—E preciso levá-los juntos..., mas depressa.
O xerife olhou para trás e encolheu os ombros. Devia ter pensado, decerto, que Regina já tinha sido condenada à pena última.
— Canalhas! Soltem essa mulher! Larguem-na! — exclamou Ted.
Os três homens tinham levantado Regina e levavam-na também, suspensa pelos pés e pelos ombros, como Ted. Para eles, só existia um caminho.
--Larguem-na! Não podem fazer isso!
Mas os gritos de Ted foram inúteis, como o foram também os de Anabela, que seguia o grupo, a distância. Como não o conseguisse, pôs-se a chorar encostada ao balaústre de um alpendre. Aquele era o dia do seu casamento e, também, o mais amargo da sua vida.
—Não veem? Ela não larga o seu rifle!...
Com efeito, Regina continuava agarrada à arma que roubara em casa de Anabela, como se ainda pensasse em defender-se. O xerife voltou-se para gritar:
— Não lho tirem! Seria uma descortesia!
Os que transportavam Ted riram. Este cuspiu para o ar e começou a espernear desesperadamente, conseguindo assim que dois dos seus captores o largassem, lançando gemidos de dor.
Mas os outros prenderam-no novamente, com mais força que antes.
Iam-se aproximando dos arredores da cidade, onde se erguia uma árvore solitária. Ted, ao vê-la, compreendeu imediatamente que aquela árvore fora a escolhida para o enforcarem.
Não procurou defender-se. Havia pensado sempre que, quando chegasse o momento da sua morte, aceitá-la-ia com resignação. Ele tivera pouca sorte, sobretudo ao roubar a mulher de Larry Thompson, o «pistoleiro» mais audaz e famoso de Arizona.
Pouca sorte também, pelos últimos acontecimentos da sua vida. Matar em Phoenix o homem mais poderoso, por ter insultado sua noiva, fora um mau negócio. Phoenix era uma cidade onde o ouro abundava, e era muito respeitado numa cidade, onde um tipo como Jonas Ransom pesava mais morto do que vivo.
Ao recordar tudo isso, Ted fechou os olhos e rangeu os dentes.
Recordou também, que os advogados de Ransom tinham oferecido uma verdadeira fortuna—50 000 dólares, ouro—a quem prendesse, vivo ou morto, o assassino de seu patrão. Isso foi na primeira noite, quando ele ainda estava em Phoenix. Horas depois, quando foi aberto o testamento de Ransom e se viu que este deixava toda a sua fortuna aos seus mais imediatos colaboradores, a recompensa teve uma baixa meteórica, até chegar à quantia de 5 000 dólares.
Manteve-se assim, quando Ted num rasgo de audácia, provocou um estampido nos rebanhos e manadas de Ransom, fazendo com que mais de duas mil reses fugissem espavoridas e se misturassem com as dos ranchos vizinhos.
Nessa época do ano, isso equivalia a que todos se apropriassem delas, deixando desapossados e sem recursos os herdeiros do morto.
Mas isso havia posto dois xerifes na sua pista, tinham expedido um aviso para todos os condados do Arizona e quando Pedra Branda apareceu ante os seus olhos e ele se soube perseguido, não teve outro remédio senão trocar o seu vestuário com alguém e continuar o seu jogo até ao fim, tentando procurar desesperadamente uma saída para a sua situação.
Mas a farsa havia terminado e agora era conduzido para junto da árvore escolhida, enquanto mãos pressurosas estendiam a corda de cânhamo.
Havia conseguido a sua morte e a de uma mulher que, em outras circunstâncias, ter-se-ia salvo. Sorriu amargamente. Aquilo era o fim.
Sentindo que o punham de pé, abriu os olhos. A árvore era uma das mais corpulentas e mais belas que tinha visto em toda a sua vida.
Ted amava as árvores. Em rapaz costumava escrever na sua casca, com um canivete, algumas palavras, e plantara dezenas delas na sua terra, próximo de Winslow. Morrer pendurado numa bela e formosa árvore era terrível e consolador, ao mesmo tempo. Quis sorrir e não pôde.
— Já chegámos! Levantem-no até lá acima, rapazes.
Um tipo forte, de rosto intensamente sanguíneo, fez o laço com uma perícia sem igual.
Quatro mãos passaram-no ao pescoço de Ted, para cingi-lo cuidadosamente.
— Para cima!... Vamos
—Esperem pela rapariga...
—Rapariga?! Fera! Ela assassinou um homem a sangue-frio. Não tem entranhas.
As feições de Regina não demonstravam nesse instante nenhum sentimento elevado, mas era compreensível. Continuava apertando o rifle, contra si e fazia esforços desesperados para apontá-lo a alguém.
Puseram-na também em pé e a arma foi atada às suas mãos.
Com a «gravata» ao pescoço, Ted olhou-a com pena. Regina era demasiado jovem para morrer. Boa ou má, digna ou indigna, a sua juventude dava-lhe direito a outra oportunidade.
Ted amaldiçoou intimamente aquela terra, amassada com tanto sangue. Os homens e os povos já se tinham acostumado a procurar na forca a solução de todos os seus problemas e o remédio para todos os seus males.
Tornou a fechar os olhos, para não ver mais nada. Ouviu a seu lado um grito angustioso de Regina Parkinson. Sentiu que lhe atavam as mãos às costas e que lhe puxavam pela corda.
Cerrou os dentes com força e tentou conter um gemido de dor, sempre com os olhos fechados.
De súbito, porém, na sua frente passou-se qualquer coisa de estranho e inconcebível, que lhe fez abrir os olhos. Uma voz acabava de dizer:
—Se apertam mais essa corda, rodearei esta árvore de sepulturas.
No momento de ouvir esta ameaça, dirigida aos seus carrascos, Ted Lambert, mesmo antes de abrir os olhos, pensou que não fora proferida por um amigo seu. Ele não tinha amigos em Pedra Branda, nem em muitas milhas em redor. Aquilo devia ser uma troça de mau gosto ou uma alucinação dos seus sentidos.
Mas não. E o mais inexplicável era que a ameaça havia partido do homem de quem ele menos esperava: um indivíduo de cerca de quarenta e cinco anos, vestido com elegância e que, pela posição que ocupara durante a cerimónia matrimonial, ele considerara como sendo o pai de Anabela.
—Não me ouviram? Alarguem e tirem essa corda imediatamente.
A tensão da corda afrouxou e Ted sentiu-se aliviado, mas nenhuma das cordas foi tirada.
—O senhor Artur está louco? Trata-se de dois assassinos.
—A forma como pensam acabar com eles, não está de acordo com as nossas leis nem com a reputação da nossa cidade. Esse homem, nem sequer foi julgado. Quanto à rapariga, porque querem enforcá-la com um rifle atado às mãos?
—Matou um homem com ele! —explicou o xerife, num tom seco. —Isso servirá de lição a todos quantos pretendem desobedecer às leis do Arizona!
O pai de Anabela tinha umas feições incrivelmente firmes e duras, para um homem da sua idade e que, provavelmente, levava uma existência regalada. Montado no seu cavalo, fitando todos com os seus olhos cinzentos e frios, parecia mais um «pistoleiro» da fronteira do que o homem rico de Pedra Branda. O seu rosto dava a impressão do homem decidido que não recua diante de coisa alguma. O seu vestuário desmentia essa aparência. Do pescoço para baixo era o homem que vive bem e só atira, de vez em quando, para se exercitar ao alvo. Mas do pescoço para cima...
— Levem-nos para a prisão e que fiquem bem guardados. O homem deve ser julgado e quanto à mulher, a data da sua execução está marcada para amanhã.
Ouviu-se um surdo rumor. Ninguém se atrevia a opor-se abertamente a um homem de tanta influência como Artur Loren. Só o xerife avançou uns passos.
—Mas o que é o senhor aqui, para dar ordens?
—A força!
Estas duas palavras tinham partido do outro lado de trás dos espectadores. Todos se voltaram, ao mesmo tempo, inclusivamente Ted, para deparar com um personagem mais insuspeitado ainda do que o primeiro: Larry Thompson, também a cavalo, ameaçando a multidão com os seus dois revólveres engatilhados. E com uma voz fria e lenta, prosseguiu:
—Peço a pena de morte para esse homem, mas quando for julgado.
—E não se fala mais nisso. Tirem o rifle a essa mulher e dêem-mo, porque é meu. E soltem as cordas.
Foi Artur Loren quem disse isto. A sua voz era autoritária e tão firme como pode ser a de um homem que sabe mandar. Ted sentiu que lhe desamarravam as mãos e lhe tiravam a «gravata» de cânhamo. Mas os homens continuavam cercando-o, ameaçadores, e ao mesmo tempo alguns haviam tirado os seus revólveres dos coldres, apontando-lhos.
O tipo sanguíneo que tinha feito o laço, aproximou-se lentamente de Thompson com as mãos nas coronhas dos revólveres.
— Não me agrada nada disto, ainda que seja Larry Thompson quem mande. Este homem deve morrer e morrerá.
—Sim?
A voz do «pistoleiro» tinha um tom trocista. O homem que estava na sua frente soltou uma imprecação, e fez menção de sacar do seu revólver. Mas os seus movimentos foram lentos demais em comparação com os de Larry que, mostrou um revólver negro que pertencera a Ted e fez fogo com ele, atravessando a cabeça do outro.
Um pesado silêncio fez-se de repente em volta dos dois presos e dos seus verdugos. Larry sorriu ligeiramente, com a expressão um tanto enfastiada, de quem já não sente qualquer emoção. Entretanto, Artur Loren havia puxado também pelo seu revólver e fitava todos com um olhar receoso.
—Está bem. Será feito o julgamento! —disse o xerife, ao mesmo tempo que se encaminhava para Regina que desamarrou, cortando-lhe as cordas com uma faca de inato. Depois, pegando no rifle, atirou-o a Artur Loren, ao mesmo tempo que perguntava:
—Não disse há pouco que era seu?!
— Disse, sim! —O rancheiro apanhou-o no ar. Em seguida, tirou a gravata do pescoço de Ted, mas sem libertar as suas mãos.
—É preciso levá-los para a cadeia. Montaremos uma guarda especial até amanhã, à hora do julgamento.
Ted foi cercado novamente por mãos e braços. Fez um violento esforço para se libertar e avançou uns passos para Larry que estava montado a cavalo, ainda coam o revólver na mão direita. E fitando-o, disse-lhe:
—Não havia razão para matar esse homem, quando teria sido bastante perfurar-lhe uma mão. De qualquer modo, porém, devo agradecer-lhe por haver adiado a minha morte. Nas suas circunstâncias o seu procedimento foi nobre.
Ao dizer isto, Ted julgou que o outro responderia qualquer coisa ou, no pior dos casos, lhe voltasse as costas. Em vez disso, Larry, movendo a perna agilmente deu-lhe um terrível pontapé no maxilar, que o fez cair para trás. Da boca de Ted saiu uma golfada de sangue. Mas mais do que a dor dilacerante que o pontapé lhe causou, o que mais o atormentou foi o mar de confusões em que aquela atitude o deixou embrenhado.
*
O lugar tinha sido colonizado dois séculos antes por um missionário espanhol. Era um troço de deserto agreste, cheio de lacraus e de pedras grandes e redondas como gibas de camelo. O missionário descobriu mananciais de excelente água subterrânea e, graças ao seu esforço, tudo aquilo mudou.
Vinte e cinco anos depois foram descobertos ricos jazigos de prata, e alguns aventureiros mexicanos atreveram-se a explorá-los. Chamavam-se Gomez, Mendoza, Martinez, Alonso, Perla, Souza... e falavam tão bom espanhol como manejavam o mosquete e o punhal.
A região prosperou, e durante a vida do missionário que a colonizara foi uma terra pacífica, apesar dos aventureiros e das minas descobertas. Todos os seus habitantes trabalhavam ativamente e centenas de pedras foram partidas e transportadas para construir edifícios.
O próprio missionário ergueu uma grande igreja, da qual, em 1870, não restavam nem os alicerces. Quando alguém o felicitou por ter vencido as pedras do deserto, retorquiu com modéstia:
— Não tem importância! Qualquer outro partiria essas pedras. São todas brandas!
E desde então, a pequena povoação que ali se formara passou a chamar-se Pedra Branda.
Com os anos mudaram os seus habitantes e os seus costumes, mas não o curioso nome que lhe tinham dado. As minas de prata esgotaram-se e foram descobertas outras de cobre. Este metal era de um vermelho parecido com o sangue e estava mais concorde com os novos ventos que corriam por Pedra Branda.
Os Goméz, Mendoza e Souza, que para empunharem um punhal tinham de estar de muito mau humor, foram substituídos por aventureiros chamados Clark, Wolsey, Alastair e Bruce, que sabiam matar com um sorriso nos lábios, e atendendo unicamente, ao puxar o gatilho, a que a morte que iam causar lhes fosse útil.
Assim, introduziu-se em Pedra Branda um novo conceito de vida e de morte: não ser prejudicial para os planos alheios. A cidade adquiriu má fama e durante anos seguidos foi um covil de foragidos e um reduto da pior chusma do Arizona. Ainda hoje, por causa da riqueza das minas, a cidade é frequentada pelos «pistoleiros». Graças à energia do xerife e à preocupação dos habitantes de Pedra Branda que enforcavam os seres humanos, às dezenas, sem perguntar nada e lhes cheirava a qualquer perigo, havia-se conseguido manter a ordem na cidade.
Só um bandido, o «Duas Balas», assim cognominado porque matava sempre os seus inimigos com duas balas na cabeça, trazia em terror a população, assaltando diligências, roubando depósitos bancámos e destruindo Minas de cobre, quando isso lhe agradava.
Só a 'suspeita de que Teci Lambert pudesse ser o «Duas Balas» ou ter algo a ver com ele, era motivo mais do que suficiente para o levarem à forca no espaço de vinte e quatro horas. Ele sabia isso, como aliás todos sabiam. O xerife mandara afixar à porta do tribunal o seguinte aviso:
Membros do Júri
Todos sabem que Ted Lambert, que vão julgar, pode ser o «Duas Balas» ou um dos seus sequazes. Todos sabem que a sua captura e morte são premiados com cinco mil dólares. O modo de ficar em paz com a vossa consciência e o vosso bolso, é condená-lo à forca. Lido este aviso, depositem o vosso voto, conforme o julgarem mais conveniente.»
O que todos julgariam mais conveniente, uma vez realizado o julgamento, seria exigir a pena última para Lambert, o que era lógico e absolutamente natural. A coação que o xerife exercia era supérflua e demonstrava ironicamente o grande interesse pessoal que ele tinha nesse assunto.
Ted Lambert havia sido encerrado numa das celas da prisão e Regina na contígua. Como. as duas comunicavam por um pequeno postigo, os dois prisioneiros podiam falar.
—Porque julgas que Artur Loren nos salvou? — perguntou ele. —Que interesse podia ele ter nisso?
— Não o compreendo. Artur Loren é o homem mais rico da cidade e nunca se preocupou com os assuntos alheios. Em Pedra Branda tem-se enforcado muita gente e ele nunca disse uma palavra.
—E Larry Thompson? A sua atitude é muito mais incompreensível. Eu acabava de brigar com ele e antes tinha-lhe roubado o vestuário de noivo.
A expressão de Regina havia mudado 'ao ouvir aquelas palavras, fitando novamente Ted com o seu olhar de mulher perigosa.
---Larry não casará com essa estúpida.
—Antes, quando estávamos cercados na casa, disseste uma coisa semelhante. Que se passa? Amavam-se porventura os dois?
—Larry era «pistoleiro» profissional em Nevada, até que Loren o conheceu e o trouxe para Arizona. Desde então, tem sido o seu homem de confiança. Ao princípio, eu e ele fomos noivos. Disse a todos que me tiraria do «saloon» onde eu trabalhava e que casaríamos em breve. Mas depois encaprichou-se por essa rapariga estúpida, que se chama Anabela. Seu pai não opôs nenhuma objeção, apesar de conhecer a história de Larry e, por isso, iam casar hoje. Para maior felicidade, eu devia ser executada amanhã.
— Porquê? Ninguém cia fazer nada para te salvar.
— Salvar-me!... Essa estúpida pediu ao tribunal que não me condenasse, mas fez isso por ostentação. Ela sabia perfeitamente que não fariam caso dela. Larry Thompson nem sequer mexeu um dedo.
—Não mataste por sua causa?
—Assim julgo, quando me ponho a pensar no caso. Quis ter uma entrevista com ele, mas um dos seus homens, pois ele tem guarda-costas, esbofeteou-me. Então, não me pude conter e matei-o pelas costas.
— O facto é grave, mas de qualquer modo a pena parece-me excessiva, tratando-se de uma mulher que antes tinha sido ofendida. Aqui, em Pedra Branda, procedem sempre com a mesma severidade?
—Estou em dizer que sim.
—Nesse caso, devemos despedir-nos da vida. Tu já estás condenada e, quanto a mim, o júri não hesitará, um só momento. Bem. Em pequeno, ensinaram-me que não devemos quebrar a cabeça, tentando deitar abaixo uma parede que é mais dura do que ela.
E atirou-se para cima da tarimba. Regina continuou a olhar para ele, através do pequeno postigo.
—Estou pensando que és muito novo. Que diabo te trouxe aqui? Porque roubaste Larry Thompson? Ninguém se atreveria a isso...
—Quando o roubei, não sabia que era Larry Thompson. Só mais tarde, é que o reconheci. A princípio, pensei que o seu vestuário me convinha. Era perseguido por quatro homens e esse era o único meio de desorientá-los.
— Quatro homens? Mas tu disseste-me que te perseguiam por assassino e ladrão de gado! Porque começaste?
—Em Phoenix, havia um homem chamado Jonas Ransom e uma rapariga, de nome Alicia Dawes. Alícia e eu conhecíamos-mos desde crianças e íamos casar. Jonas insultou-a e um dos seus homens matou-a, quando ela procurava defender-se. Depois, eu matei os dois... Estão sepultados com mais de dez balas nos seus corpos. A seguir, dispersei os seus rebanhos. Mas Jonas era um homem importante e tinha amigos. Fui perseguido... até aqui.
Regina teve um ligeiro sorriso e fez uma pergunta, bastante feminina:
— Amava-la?
Com os olhos fechados, Ted procurou lembrar-se de tudo. Tentou fazê-lo, sem que o esmagasse a dor que sentia sempre ao recordar os últimos acontecimentos da sua vida. E Alícia Dawes surgiu na sua mente como uma rapariga doce e humilde, que lhe dera sempre uma sensação de paz.
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— Conhecíamo-nos desde crianças— continuou ele em voz baixa. —E às vezes, um homem não sabe separar a amizade do amor. Acostuma-se a uma pessoa, afeiçoa-se-lhe e não sabe se a estima ou a ama. Só sabe que faz parte integrante da sua vida.
Ted continuava com os olhos cerrados. Depois, abriu-os para fitar o tecto. Pela claraboia entrava uma luz triste, cor de chumbo, que era um prenúncio de chuva.
—Porque amas Larry Thompson, Regina? —perguntou de súbito.
Ela ficou perplexa, durante alguns segundos. As suas mãos apertaram fortemente a grade do postigo que os separava.
— Não sei! Talvez porque se parece comigo, porque é violento e nunca recua diante de coisa alguma. E, Larry precisa de uma mulher como eu, capaz de matar por ele e de defendê-lo, se for preciso.
Voltando a cabeça Ted Lambert examinou Regina com mais atenção. Na verdade, ela era formosa e rostos como o seu, perfeitos e cuidados, não abundavam nas terras do Oeste. Larry podia considerar-se um homem feliz, se despertava paixões assim.
—De qualquer modo, casará com Anabela—disse ele. —As mulheres ricas conseguem sempre o que querem.
Ele ia estender-se melhor sobre a tarimba, disposto a dormir, se fosse possível, quando uma mão correu violentamente o ferrolho da parte de fora. A porta abriu-se para dar passagem a um homem armado com dois revólveres. Anabela ia atrás dele.
Lambert pôs-se em pé, quase de um salto, dominado pelo assombro.
Ela já não tinha o seu vestido de noiva. Em vez disso, envergava um lindo fato saia-casaco, cinzento, próprio para viajar, e que 'lhe cingia ias formas esculturais. Por entre o decote do casaco aparecia uma blusa branca, de rendas, desabotoada na gola. Um delicado chapéu, extremamente pequeno, acentuava o seu ar senhoril.
Ted sentiu-se envergonhado diante dela, sobretudo ao lembrar-se de que, horas antes, o juiz os havia declarado casados, embora essa cerimónia fosse tão inútil como um revólver sem gatilho.
Com o rosto ainda manchado de sangue e as roupas destroçadas, sentiu-se insignificante em frente 'daquela mulher com ares de rainha.
— Suponho que posso entrar— começou ela, fitando-o.
Ted não respondeu. Deixou-se cair, como esmagado, sobre a manta da tarimba.
—Que quer?
—Visitá-lo; despedir-me de si. Compreendo que a nossa situação é muito especial e que, apesar do ódio que lhe professo, ela me obriga a ser condescendente. O senhor deve ter algum desejo antes de morrer...
—Ainda não estou condenado á morte. O julgamento há-de realizar-se amanhã.
—Não seja Ingénuo! Que espécie de comédia julga que os jurados farão? Espera que deliberem durante muito tempo antes de mandá-lo para a forca?
Ted não respondeu. Na realidade, ele estivera a olhar para Regina, receando que esta insultasse Anabela, com o pior calão dos «saloons» que frequentara na sua vida. Mas, ao que parecia, a sua companheira de prisão estava tão assombrada como ele. Olhava através do postigo, sem fazer um só movimento nem pronunciar uma palavra.
O carcereiro ficara à entrada encostado à umbreira da porta, com as mãos, mas coronhas dos revólveres.
—Eu não sairei daqui, «miss» Loren. Esse tipo é perigoso...
Ela sentou-se na tarimba, ao pé de Ted, de costas voltadas para o guarda. Não parecia ter qualquer interesse em que este escutasse a sua conversação.
—Que pretende? —perguntou o prisioneiro. --- Diverte-a muito zombar de mim?
— Não esqueça que foi o senhor quem primeiro zombou de mim.
—Ê verdade. E uma das coisas que eu pensava fazer antes de morrer, era pedir-lhe que me perdoasse. Eu não tentei fazer troça de ninguém. Ê a única coisa que me desculpa. A cerimónia nupcial foi para mim apenas uma possibilidade de escapar. Talvez tivesse feito o mesmo se se tratasse de um enterro.
Anabela sorriu.
—O senhor não é o homem mais indicado para uma rapariga honesta, mas não lhe guardo rancor...
Ao dizer isto, ela teve um gesto que Ted nunca esperaria de Anabela.
Sentiu muito próximo das suas mãos, as de Anabela, quentes e finas, as mãos de uma verdadeira senhorita. E sentiu-as tão perto que, sem se mexer, tocou no revólver que ela tinha na mão.
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