quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

PAS827. Uma forma original de conseguir trabalho

Os salões de jogo, de baile e outros centros de diversão abriam as suas portas às seis da tarde. Perto das sete encontravam-se quase cheios e às nove da noite a abarrotar de gente. Harold Rodney chegou ao «Stanzer's» cerca das oito horas, quando grande parte das mesas já estavam ocupadas por jogadores e, em torno da grande roleta, lamentavam-se os apostadores mais fanáticos.
A primeira pessoa que o viu foi Aline. A jovem tinha-se sentado em cima de uma mesa e cantava o «Querido e Velho Kentucky», acompanhando-se à guitarra.
Não deixou de tocar, mas arregalou os olhos, muito surpreendida. A seguir, quem o viu foi o xerife que beberricava encostado ao balcão. «Ghost» reparou nele, quase ao mesmo tempo.
O xerife interrogou «Ghost» com o olhar e este baixou a cabeça, numa silenciosa afirmação. A rapariga parou de cantar e dirigiu-se paira o palco, com um andar ondulante.
O xerife avançou para Harold que não se havia afastado do limiar da porta. •
 -- O senhor está... — principiou a dizer.
— Vá para o inferno, velha catatua! — respondeu-lhe Harold, vincando bem as palavras. — Não volte a dizer que estou preso, porque lhe prego um tiro. E quando Harold Rodney dispara contra alguém é a matar! Há aqui quem o saiba...
O xerife retrocedeu prudentemente. Rodney encaminhou-se para o recanto onde se encontrava «Ghost» e estacou diante dele, com as pernas abertas.
— Quero ver o teu amo!
«Gost» não esboçou qualquer gesto. Mas dois dos homens encarregados da vigilância do local tinham-se ido aproximando. Rodney repetiu o que acabara de dizer e, acto contínuo, voltou-se para trás, com a agilidade de um tigre. Os homens já haviam formado o salto para lhe caírem em cima. Eram ambos fortes e pareciam não possuir muitos escrúpulos. Nem a hora se prestava para tal.
— Não quero matar nenhum de vocês — disse Rodney esquivando-se.
O seu punho atingiu as costas de um deles e atirou-o ao chão, de boca aberta e com falta de ar. O segundo indivíduo saltou sobre o corpo do companheiro e caiu em cima de Rodney. Este recebeu-o com dois murros secos em plena cara e que tiveram o condão de lhe abrandar os ímpetos. Depois, um soco no estômago e o homem dobrou-se em dois, baqueando sem um gemido. Mas haviam surgido outros dois e a figura corpulenta do xerife entrava também em cena.
— Não me matem esse homem! — gritou uma voz autoritária. Karl Stanzer acabava de aparecer sobre o palco. — Desarmem-no, mas não o liquidem!
Durante dez minutos, os frequentadores do «Stanzer's» tiveram ocasião de assistir à melhor luta que lhes fora dado ver em toda a sua vida. Aqueles cinco homens mal puderam conter Rodney quando este os atacou, distribuindo golpes selváticos. Atiraram-lhe pontapés, bateram-lhe com as coronhas dos revólveres e, contudo, conseguiu pôr fora de combate três dos agressores. Mas a arma do xerife desceu com violência sobre a nuca de Harold. Então, o vaqueiro foi-se abaixo, como rês abatida.
— Atem-no e levem-no para um lugar seguro —ordenou Karl Stanzer. Depois acrescentou: — é mesmo um homem! Cinco contra ele e apenas lograram sujeitá--lo à traição. Cobardes!
— Penso como tu — observou Aline fazendo trinar a guitarra. — É um verdadeiro homem!
Stanzer virou-se para ela e lançou lhe um olhar glacial.
— Retira-te — disse. — Vai dançar. Não quero que te metas nisto. Cumpre •a tua obrigação!
Aline afastou-se. As mesas de jogo tornaram a formar-se e na roleta ouviu-se novamente o ruído caraterístico da bola saltitante.
Harold .Rodney foi levado para um quarto situado por detrás do palco e contíguo ao escritório de Stanzer. Deixaram-no no chão.
— Despejem-lhe a água fria na cara — ordenou Stanzer.
Harold recuperou os sentidos, meio afogado, porque parte da água lhe entrara pela boca. Abriu os olhos e mirou as faces que o rodeavam.
— Podes ouvir-me bem? — perguntou o proprietário, brincando com os berloques da corrente do relógio. Harold assentiu com um gesto de cabeça. —Assinaste a tua sentença de morte!
— Deveras. — E Harold tocou ao de leve no sítio da cabeça que recebera a coronhada.
— A minha força é lei em Stanzerville — prosseguiu o outro, sem o escutar. — O que eu ordeno é o que se faz e há-de ser executado no momento em que o digo. Não permito que lancem areia nas engrenagens da minha organização. Ouviste bem?
— E eu desejava exatamente o contrário — disse Harold. — Procurava o senhor para lhe oferecer os meus serviços.
Karl Stanzer franziu os olhos, sem deixar de fitá-lo.
— Isso é um truque, um estratagema para que eu não mande que te matem.
— Não. Fui expulso do rancho de Stanzer e busco trabalho.
— E porque é que te despediram?
— Porque não, obedeço a pessoas que não sabem mandar. Que não têm qualidades de chefiar, em suma...
—E é por essa razão ...— Stanzer deixou de brincar com os berloques. — Consideras-me um chefe?
— Basta ver tudo isto — respondeu Harold encolhendo os ombros. — Refiro-me à povoação e ao resto. Um incompetente não criaria semelhante obra. Só alguém capaz de mandar e fazer-se obedecer...
O rosto de Stanzer não permitia que Rodney lhe adivinhasse os pensamentos.
— Está a enganá-lo, chefe — disse o xerife imprudentemente.
Stanzer voltou-se para ele como uma serpente.
— Não me julgas um chefe? — perguntou numa voz aguda. O xerife arrepiou caminho, embora um pouco tarde.
— Não é isso, chefe. O que eu quis dizer é que...  – E calou-se, confundido.
Stanzer virou-se, de novo, para Harold.
— Só faço ofertas uma vez. Já te ofereci um bom emprego e desprezaste-o. Karl Stanzer não perdoa uma coisa dessas. Morrerás amanhã mesmo!
Harold sentiu como que um dedo gelado a percorrer-lhe a espinha.
— Como o preferir, chefe — disse com um ar indiferente. — Mas se viu a minha forma de lutar... Não acredito que tenha muitos homens como eu.
— Tanto se me dá — respondeu o outro. — Morrerás!
Deu meia volta e saiu do aposento.
— Acompanhem-me — ordenou.
E Harold ficou só. Haviam-lhe atado as mãos atrás das costas, de tal maneira que nem pensava na possibilidade de se libertar. O quarto, por outro lado, só possuía uma porta. Nenhuma janela quebrava a monotonia das suas paredes despidas. Ignorava quanto tempo tinha decorrido, quando a porta se abriu e «Ghost» apareceu.
— Vais morrer, rapaz — disse-lhe com a sua voz inexpressiva.
Sacou do coldre o revólver e aproximou-se de Harold. Este sentiu um suor frio a banhar-lhe a fronte.
— Mas o chefe não quer que desapareças tranquilamente — prosseguiu o homem. — Os rapazes pensaram que um bocado de diversão não lhes desagradaria. Eu venho apenas preparar a encenação, com diria Aline. Vamos, amigos, peguem nele e levem-no para o salão — acrescentou, dirigindo-se a dois homens que acabavam de entrar.
Haviam afastado várias mesas do centro da sala, dispondo-as de modo a formarem um círculo em torno de um espaço livre.
Sentaram Harold numa cadeira, enquanto os clientes interrompiam os jogos e rodeavam o grupo. Karl Stanzer encontrava-se na primeira fila e sorria sinistramente.
— Rapaz — disse então. — Embora não faltem as diversões em Stanzerville, não desprezamos mais esta que ainda por cima é grátis! — E voltou-se para os rostos que o cercavam.
— Claro! — foi a resposta unânime.
Aline, mais bela que nunca, fumando um cigarro e tendo nos lábios um sorriso misterioso, dirigiu-se para eles. Harold observou-a com atenção. Não sabia se a jovem se sentia satisfeita pelo que lhe estava a acontecer. Pelo menos não parecia demasiado preocupada.
— Na mão de «Ghost» existe um revólver — prosseguiu Stanzer.
— Essa arma não tem mais que uma bala. «Ghost» fará girar o tambor, encostará, seguidamente, o cano do revólver à tua cabeça e premirá o gatilho: Veremos quanto tempo vai levar a bala para se instalar no sítio conveniente! Porque «Ghost» rodará o tambor sempre que dispare... sem êxito. Rapaziada, toca a apostar!
Harold fez um enorme esforço para se dominar. Não era um cobarde, mas aquilo ultrapassava os limites do medo ou da coragem.
— Foi o senhor quem se lembrou deste jogo? — perguntou.
— Evidentemente...
— É digno de si — respondeu Harold com um ar de admiração que encheu Stanzer de contentamento. As apostas tinham principiado. Stanzer ergueu a mão e «Ghost» fez girar rapidamente o tambor do revólver.
Harold fez um esforço sobre-humano para não perder a calma.
«Pelo menos não lhes darei a satisfação de me verem empalidecer», pensou.
Fitou todos aqueles rostos à sua volta, mirou o cabelo loiro da rapariga e sorriu. Nesse instante o revólver tocou-lhe na testa e ouviu-se um estalido. Não houve nenhuma detonação.
— Outra vez — ordenou «mister» Stanzer.
«Continua a sorrir, continua a sorrir», disse Harold para consigo, procurando que esse sorriso não se transformasse num esgar.
De novo o revólver entrou em contacto com a sua cabeça e de novo o percutor bateu em falso.
«Continua a sorrir».
— Como vão as apostas? — indagou com uma voz tranquila.
— O tipo é duro de roer — comentou alguém.
Aline, disse algo ao ouvido de «mister» Stanzer. Este sorriu.
— Traz-me cá esse revólver, «Ghost» — pediu o proprietário.
Quando «Ghost» lhe entregou a arma, Stanzer abriu-a e mostrou-a a todos. Em nenhum dos orifícios do tambor se via uma bala.
— Tens sorte comigo, rapaz. Pretendes trabalho e eu preciso de um homem como tu.
Harold engoliu em seco e por uns instantes julgou que ia perder os sentidos. Mas admirou-se de si próprio, ao perguntar:
— Você sabia, Aline, que o revólver estava descarregado?

Sem comentários:

Enviar um comentário