quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

PAS823. Uma jovem confessa ter receio

Caminhavam de mãos dadas.
Dennis gostava do à-vontade, da sinceridade e da simplicidade da mulher. Não cessava de agradecer aos céus terem-lhe designado aquele anjo maravilhoso.
Fizeram um curto rodeio até chegarem a casa do juiz. Era um vistoso edifício de dois andares, de tijolo e mármore, rodeado por um jardinzinho.
Estava situada no centro da cidade, mas fora dela, quer dizer, afastado da Main Street, à qual se podia chegar por uma travessa estreita.
A cancela estava aberta e Dora puxou-o pela mão, para que a seguisse. Percorreram um curto carreiro ensaibrado e chegaram à porta, que Dora abriu com uma chave que tirou debaixo do tapete metálico. Entraram, fecharam a porta e ficaram às escuras.
—E o petróleo? — perguntou Dennis, procurando nervosamente a caixa de fósforos nas profundezas das algibeiras das calças. Encontrou-a num do colete e, depois de acender um fósforo, observou quanto o rodeava.
Era um vestíbulo regular, ricamente mobilado. A direita, uma escada de mármore levava ao andar superior. Um grande lustre pendia do centro do tecto.
Julgou encontrar-se num daqueles palácios que as pessoas chegadas da Europa afirmavam ter visto. Dennis imaginara-os tal como via naquele momento a casa do juiz.
— Subamos — disse ela. — O juiz tem uns castiçais velhos e posso acender um. Julgo que não me ralhará por isso.
Subiram a escada. Dennis acendia um fósforo atrás de outro. Por fim, depois de percorrerem um largo corredor, detiveram-se diante de uma porta que Dora abriu empurrando-a.
— Entra.
Havia uma cama larga, muito bem arranjada. Os lençóis eram cor-de-rosa, da mesma cor que o vestido dela. O resto do mobiliário compunha-se de duas poltronas, uma mesa-de-cabeceira, um armário e um toucador.
No mármore do toucador estavam dois artísticos castiçais antigos, apenas destinados a adornar o aposento.
— Acende-os — disse Dora.
Tratava-o por tu. A situação era um pouco enervante para Dennis, Sentia a impressão de que não estava a proceder bem, mas não podia retroceder; qualquer coisa o impedia ... talvez a recordação da existência monótona passada em Menard e do futuro não menos monótono que o esperava quando regressasse.
A luz inundou o aposento e então Dennis descobriu que a epiderme de Dora era tão suave como a cera das velas dos castiçais. Era ainda mais bonita do que ao luar.
Estendeu as mãos, para tomar a mulher nos braços, mas ela esquivou-se, com um sorriso.
— Viemos para tratar da ferida ...
— Portanto ... continuemos o tratamento.
Ela afastou-se dele e tirou do armário um frasco de álcool, e doutro sitio um maço de algodão. Molhou-o e disse:
— Senta-te.
Dennis sentou-se numa das poltronas. Quando ela se aproximou, pôs-lhe as mãos na cintura. Sentiu que estremecia e fitou-a. Então, ela disse:
—Não, Dennis; sejamos amigos. Sou a mesma que era quando estava fora de casa. Não me faças envergonhar dos meus actos.
Dennis afastou as mãos imediatamente, compreendendo que o seu comportamento não estava a ser muito cavalheiresco. Ela limpou de novo as feridas com álcool e depois cobriu-as com adesivo.
— Magoei-te?
Dennis olhou-a, sério, arrependido, e meneou negativamente a cabeça.
— Então, sorri — pediu ela.
Não pôde; saiu-lhe uma careta. Dora compreendeu.
— Ah! >T por causa do que disse ?
Dennis esforçou-se por sorrir outra vez e conseguiu-o bastante bem. Viu uma hesitação no rosto da rapariga, mas antes de poder interpretá-la, Dora aproximou-se, pegou-lhe nas mãos e obrigou-o a levantar-se.
— E o mesmo, Dennis — disse. — Abraça-me com força, como te agradar ... que a mim também me agrada.
Ele abanou a cabeça.
— Vá — animou-o a rapariga. — Pensei que se morrer... enfim. Ou por que julgas que me atrevi a andar na rua a estas horas?
Fitou-a sem compreender.
Dora explicou-lhe:
— Tenho a impressão de que vou morrer muito breve, Dennis, e a vida ... bom ... compreendes o que quero dizer, não é verdade? Dennis redarguiu: — Que significa essa tolice? Morreres, tu? ...
— Oh, sim, é uma tolice, Dennis! Um disparate, bem sei. Mas, diz-me: que farias se eu morresse?
— Que pergunta! ...
— E se morresse envenenada?
Fitou-a, ainda mais admirado.
—Dora ... Dora ...
— Oh, perdoa-me! — respondeu ela, reagindo.
Pendurou-se-lhe ao pescoço, fechou os olhos e pediu:
— Beija-me, mas beija-me com força ... muito, Dennis.
O homem esqueceu o veneno, o xerife velho e tudo o mais. Mergulhou no prazer de beijar aquela boca ardente, que tinha o condão de converter em rios de fogo liquido o sangue das suas veias.
Juntaram os rostos quando terminaram a carícia.
— És o primeiro homem que me beija — afirmou ela. — Oh, Dennis, diz-me o que tenho! ...
Era delicioso o contacto do seu corpo ao longo do corpo dele. O das suas faces e da sua cabeleira loura no rosto dele; o das suas mãos no seu pescoço.
Ela afastou-se para o olhar na cara, nos sítios feridos.
— Estás bem?
Respondeu, com um sorriso.
— Achas que pode ter sido por causa da angústia ? Que o meu comportamento ...
— Não sei. Eu só sei ...
Era melhor explicar-lho com um beijo. Como poderia dizer-lhe quanta admiração lhe produzia a sua beleza, o seu comportamento franco, a sua maneira de amar e de se deixar amar ... seguindo unicamente os ditames do seu coração?
Era agradável a atmosfera do quarto. Pela janela aberta via-se o céu coalhado de luzinhas trémulas, como milhares de olhos risonhos que os observassem com malícia.
Via-se a colina distante, como um sombra cinzenta pintada no horizonte. Mares de prata, agitados por ondas suaves que não eram outra coisa senão a brisa a fazer ondular a salva alta e verde iluminada pelo luar.
— Dennis ... tenho medo ... — murmurou-lhe ao ouvido.
— Medo ? — perguntou ele.
— De quem?
—De ti ...
Disse isto muito baixinho, com os lábios colados ao ouvido dele.
Ardia. Dennis notava-o no rosto pelo contacto do dela; nas suas mãos, pelo calor do corpo que atravessava a roupa.
— Também eu, Dora.
Separaram-se um pouco. Dennis, consciente do seu dever, disse.
— Tenho de ir. Devo fazer a ronda; prometi-o a Simons e não estaria bem que ...
— Vai, Dennis, vai e ...
Continuava a segurar-lhe nas mãos. Chegaram juntos à porta.
— Que ias a dizer-me? — perguntou ele.
— Que ... Oh, Dennis! Não te zangues comigo, mas creio ... creio que me apaixonei por ti. Não é bonito que o diga, mas ...
— Dora ...
Ela pôs-lhe um dedo nos lábios, para que não fa-lasse.
— Deixa-me dizer-te o que quero, Dennis, e é que ... Amo-te; não julgava que isto pudesse acontecer, mas aconteceu e não me arrependo ... Oh, não me perguntes nada! ... Contenta-te com o que te digo.
Blake interrogou-a com o olhar. Não compreendia nada, absolutamente nada. Ela prosseguiu:
— Tu és o xerife de Menard; amanhã partirás e talvez já não te recordes de mim. Prefiro que seja assim, que esqueças isto ... embora gostasse que não te esquecesses de mim.
— Voltarei amanhã.
— Não, Dennis. Não me obrigues a dizer porquê, mas prefiro que partas sem te despedires. Quando romper o dia, pega no teu cavalo e regressa a Menard; esquece-me, se for preciso, mas não voltes.
Falava agitadamente, estava pálida e tremia. Dennis não compreendia o que tinha a rapariga; pensou que podia ser um ataque de histerismo, mas parecia tão afetada por uma mágoa profunda, que não se atreveu a dizer nada. Chegava a parecer que tinha medo, como se a possibilidade de serem surpreendidos a aterrasse.
Dennis considerou que era melhor ir-se embora, com o que, sem dúvida, a mulher se tranquilizaria.
Beijou-a fugazmente, com suavidade, e saiu. Os olhos dela seguiram-no até que desapareceu na noite.
Percorreu as ruas como num sonho, sem que os seus ouvidos pudessem escutar os gritos, os risos e a música que saiam das salas.
Já meia povoação parecia bêbeda; mas, apesar de toda a agitação, Dennis Blake considerava que a mais absoluta calma reinava em Llano. Onde havia verdadeira agitação era no corpo dele.
Não teve de intervir toda a noite. Duas horas antes de amanhecer foi-se deitar numa das celas do escritório do xerife.

Sem comentários:

Enviar um comentário