quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

PAS822. O beijo ao xerife ferido

Dennis Blake não teve mais que inclinar-se e afastar-se para um lado, para evitar o mineiro, o qual, não encontrando no caminho a resistência calculada, foi cair do outro lado do balcão.
Depois, Dennis retrocedeu para poder abarcar bem com a vista os cinco impulsivos inimigos, perguntando a si mesmo que mosca lhes teria mordido.
Disse para consigo que aquilo era uma conspiração ideada para derrubar o velho xerife.
Também disse a si próprio muitas coisas, mas não conseguiu compreender o significado de nenhuma. Uma era certa: se não andasse com cautela, dariam cabo dele...
Embora dessem, de qualquer maneira. Aqueles tipos eram cinco bestas.
Foram-se aproximando pouco a pouco, com as mãos adiante, como garras. Um deles sorria sinistramente e as pupilas dançavam-lhe de uma maneira arrepiante.
Dennis não esperou. Quem bate primeiro, bate duas vezes. E bateu. Conseguiu atingir um em cheio, em pleno queixo. Os nós dos seus dedos estalaram e no mesmo instante o mineiro foi estatelar-se contra os companheiros, convertidos em divertidos espectadores.
Mas também encaixou um golpe. Não se enganara ao considerá-los umas bestas, pois uma daquelas mãos atingiu-o em pleno rosto e teve a impressão de que lhe arrancavam uma orelha.
Bateu por sua vez; no ventre de um e no nariz de outro.
Enfureceram-se mais. Havia maus instintos nos seus olhos. Um levantou um pé e Denis agarrou-lho, torceu-lho e o indivíduo rolou pelo solo.
Alguém pegou numa garrafa e deu-lhe com ela na cabeça. Tentara fugir-lhe, mas embora não lhe acertasse
em cheio, notou que a vista se lhe nublava.
Caiu de joelhos, mas não ficou vencido. Disparou o punho contra o baixo ventre do mais próximo. Levantou-se e atingiu outro no queixo. Os seus golpes eram contundentes e os seus adversários acusavam-nos com gritos raivosos.
O que recebera um murro no nariz sangrava muito. Era o que tinha a garrafa e tentava utilizá-la de novo.
Dennis evitou-a com alguma dificuldade, conseguiu agarrar o braço armado e torceu-o com fúria assassina.
Ouviu um estalido e um grito. O homem caiu, gemendo entrecortadamente.
Houve um momento de surpresa, que Blake aproveitou para agarrar um pela camisa e por uma perna. Com esforço, levantou-o acima da cabeça e começou a dar-lhe voltas. Os espectadores riram satisfeitos e gritaram quando o mineiro caiu sobre eles.
Mas os que ainda o podiam atacar atiraram-se a ele com verdadeiro furor. Fizeram-no cegamente, dispostos a garrá-lo, ainda que à custa de sofrerem um duro castigo, que o xerife lhes aplicou com os punhos e com os joelhos.
Dois agarraram-no pelos braços, puxaram-lhos para trás das costas e outro, auxiliado depois pelo que caíra sobre os espectadores, começou a castigá-lo.
Procuravam pontos vulneráveis, que arrancavam uivos da garganta de Dennis. Quando o largaram, caiu no chão semi-inconsciente, com o corpo todo dorido. Mesmo depois de vencido, castigaram-no com os pés, propinando-lhe furibundos golpes.
Ficou imóvel; já não podia vencer e nada conseguiria resistindo-lhes. Havia muito tempo que não praticava nenhum desporto e tinha os músculos entorpecidos.
A vida fácil de Menard fora contraproducente e agora pagava o seu erro. Recebia um castigo cruel em troca dos anos de vida fácil.
— Levem-no daqui — ordenou alguém.
Ouviram-se gracejos. Dennis admirava-se de que houvesse tipos capazes de matar à pancada um ser humano e depois encontrassem graça no desprezível acto.
Seguraram-no pelos pés e pelos braços e levaram-no para a rua. Balouçaram-no de um lado para o outro, dispostos a atirá-lo para longe e Dennis preparou-se para a queda.
Mas uma voz feminina interrompeu-os:
— Que fazem? Oh!, que malvados!
Surpreendidos com aquela intromissão, os mineiros puseram de parte os seus propósitos.
— Não diga isso! Estávamos fartos de ter um xerife a quem não se podia dar uma sova e este caiu-nos do céu.
— Larguem-no imediatamente!
Largaram-no. Dennis sufocou um gemido ao cair de costas. Depois virou-se e observou com os olhos semicerrados a sua defensora.
Era uma rapariga de extraordinária beleza, que o observava por seu turno com ar de angústia.
— Mataram-no! — assustou-se ela.
— Com certeza que não, «miss»... Esse tipo é mais forte do que imaginámos. O Louis deu-lhe com uma garrafa no meio da cabeça e ele nem gemeu. Pelo contrário, partiu-lhe um braço.
A jovem aproximou-se de Dennis e inclinou-se para ele. Os mineiros alegaram mil desculpas e mil ocupações e voltaram para a taberna. Pouco depois trouxeram o Louis, que não cessava de gemer.
— Xerife ... — chamou-o ela, baixinho. — Xerife ... como se sente?
— No céu — respondeu ele, notando que as mãos dela, tépidas e suaves, lhe acariciavam o rosto com extraordinária delicadeza.
— Que lhe dói?
— Tudo ...
— Chamo um médico ?
— O quê ? ... Não!
Dennis sentou-se no solo e sacudiu a cabeça, para a libertar do atordoamento. Não era muito heroica a sua posição e olhou à sua volta, receando que alguém o pudesse ver naquele estado. Por sorte, embora cheia de ruídos que saíam dos diversos bares, a rua estava solitária.
Um bêbado saiu de uma das tabernas e, depois de deixar escapar três soluços, cumprimentou com voz entaramelada:
— Boas noites, «miss». Precisa de ajuda?
— Não, obrigada ... — respondeu ela.
O bêbado afastou-se e Dennis fez um esforço para se levantar.
— Eu ajudo-o — ofereceu-se ela.
Fê-lo inclinando-se um pouco e metendo o ombro frágil debaixo da axila dele.
— Aonde vamos?
Dennis não sabia por onde escolher.
— A qualquer sítio onde possa refrescar-me sem que ninguém me veja. Tenho de continuar a ronda.
Começaram a andar. Como estavam numa ponta da Main Street, não tiveram dificuldade em chegar ao que se considerava os arredores.
A jovem ia silenciosa. De vez em quando olhava-o, como se verificasse o seu estado. Dennis atreveu-se a sorrir-lhe.
— Quem é você? — perguntou ele.
— Vivo na povoação.
— Já calculava ... mas, que faz na rua a estas horas? Não parece ...
— Estou a servir em casa do juiz Austin Driffield. Estava a bordar quando se me acabou o petróleo e sai à rua para pedir algum.
— E não tem medo de passear a estas horas?
— Toda a povoação me conhece e respeita.
— Como se chama?
— Dora.
— Bonito nome.
— Sente-se bem? De verdade ?
— Ainda um pouco atordoado.
Apertou-a debaixo do braço contra ele e ela limitou-se a olhá-lo e a sorrir-lhe.
Já não restava nenhum edifício diante deles. Envolvia-os uma escuridão quase absoluta e um silêncio agradável.
— Aqui perto passa um riacho. Quer que lhe lave os ferimentos?
Dennis acedeu imediatamente — por que não?... — e dirigiram-se para lá. Instantes depois estava sentado no chão e ela, com um imaculado pano branco, limpava-lhe com muito cuidado o sangue que tinha na cara.
— Fizeram-lhe muito mal ...Tem muitas feridas.
— Pois não me doem.
Observou-a. Era uma verdadeira beleza. Os seus abundantes cabelos negros entrançados, chegavam-lhe à cintura, que era estreita. Os seus olhos tinham uma cor cinzento-azulada muito bonita, nos quais brilhava a lua. O nariz era arrebitado, gracioso, e a boca formada por lábios grossos, mas pequenos, carnudos.
— Dora ... você é muito bonita.
— Cale-se ou as feridas abrem-se.
O seu busto era perfeito, talvez um bocadinho demasiado pronunciado; esse bocadinho de mais que enlouquece um homem do temperamento de Dennis Blake, embora ultimamente levasse uma existência sedentária.
O seu vestido cor-de-rosa, de tafetá, que rangia a cada gracioso movimento, marcava-o bem; o decote amplo permitia ver o princípio daqueles seios entre brancos e rosados, cheios, Jovens.
Dennis via-os a menos de cinco polegadas dos seus olhos quando ela se inclinava para lhe passar o lenço branco, húmido, pelo rosto suado.
Depois, quando se afastava de novo para humedecer o pano no rio, observara todo o seu corpo. Era delicioso. Os movimentos tinham qualquer coisa de felinos, dessa agilidade feminina que perturba e ao mesmo tempo eleva um homem a estranhas regiões.
Era graciosa a fragilidade da sua cintura, graciosa e fantástica; no entanto, tinha ancas pronunciadas. Era uma beleza. Dennis não se cansava de o repetir a si mesmo.
E pensou que fora uma sorte aqueles selvagens terem-no espancado. Todas as noites repetiria a luta, se em troca aquela rapariguinha cuidasse dele como o estava a fazer naquele momento.
Voltou com o lenço encharcado.
— A frescura da água far-lhe-á bem — disse.
E molhou-lhe todo o rosto, que enxugou em seguida.
— Não pára de sangrar! — protestou, verdadeiramente assustada.
Na realidade, não era nada. Simples fendas abertas na pele. Às vezes, quando a navalha de barbear não cortava muito, Dennis feria-se com mais gravidade.
Não disse nada. Gostava-lhe que ela se preocupasse com ele. Deixou que o tratasse. Até que por fim, quando ela ia voltar ao rio, a reteve por uma das mãos.
— Não vá; fique aqui ...
— Está a sangrar!
— Esperemos que cicatrize.
Ela consentiu, não muito convencida, e sentou-se a seu lado.
— Mas sente-se melhor, não é verdade ?
— Consigo a meu lado, sim.
Como disse isto sorrindo, ela também sorriu. Olharam-se e então ela, talvez adivinhando que não era nada grave, atreveu-se a perguntar:
— E se me fosse embora?
— Morreria.
— Pois tenho de ir. Não posso estar fora de casa a estas horas.
— Pelo menos, fique até que cicatrize. Posso esvair--me em sangue ...
— Quanto tempo demorará?
— Dois ou três dias.
Ela abriu a boca, mas ao ver o sorriso brincalhão dele, voltou a sorrir. Era bonita de todas as maneiras, sorridente e séria, assustada e angustiada.
— Mas conheço um sistema muito bom, que me curará imediatamente.
— Qual? — perguntou ela, crédula.
— Dando-me um beijo.
— Oh!
— É verdade — afirmou ele, muito sério. — Olhe, se me der um beijo, o sangue ferve-me, e então todo o corpo se enche de calor; com o calor, os líquidos evaporam-se, e o sangue também. Então, seca, e ao secar cicatriza-se a ferida.
Ela não acreditava, mas parecia disposta aceitar a teoria. Mas não tinha iniciativa para começar o tratamento.
Dennis segurou-lhe nas mãos. Eram muito pequenas e suaves; teve a impressão de que segurava as asas de uma pomba .
Aproximou-se dela e Dora baixou as pálpebras. Tinha umas pestanas compridas e abundantes, que pareciam leques. Fechou a boca e estendeu os lábios.
Dennis Blake beijou-a longamente, notando que de facto o sangue lhe fervia no corpo, que o coração lhe pulsava apressadamente, como se quisesse aproveitar aquele momento vivendo mais tempo; como o glutão que come sem descanso, para ingerir o máximo no mais curto período.
Quando se separaram, ela demorou a abrir os olhos. A primeira coisa que fez foi aspirar com sofreguidão o ar fresco da noite, depois entreabriu os lábios e levantou a cortina das pálpebras.
— Olá... — disse-lhe ele.
Dora voltou a fechar os olhos e deixou os lábios entreabertos. Muito devagar, libertou as mãos dos dedos do homem e deixou-as cair.
Dennis não se opôs, porque assim pôde agarrá-la pela cintura; depois, adiantou mais as mãos até colocar-lhas nas costas, fez pressão e de novo a boca apetitosa foi ao encontro dos seus lábios.
As asas de pomba rodearam-lhe o pescoço com uma suavidade que o fez estremecer. Também exerceram pressão, mas frouxamente, com uma ternura que, embora não cicatrizasse as feridas, agitou o sangue de Dennis, fazendo-o subir e descer da cabeça aos pés de maneira alarmante.
A segunda carícia foi mais prolongada do que a anterior e os dois participaram dela com idêntica ansiedade.
E Dora também demorou mais a regressar ao mundo real quando se separaram. Permaneceu pelo menos três minutos com os olhos fechados. Depois abriu-os muito devagar e fitou o homem apaixonadamente.
— Há medicamentos que não são de efeito instantâneo — afirmou ele — , e que até às vezes é preciso repetir, aumentando a dose.
Ela continuava a fitá-lo. O seu ar apaixonado converteu-se num de dúvida.
— Continuamos? — perguntou Dennis, largando-lhe as mãos outra vez.
— Perco a respiração! — protestou ela.
Dennis sorriu. Pegou-lhe nas mãos e beijou-lhas suavemente.
— Sou um abusador — reconheceu francamente.
Quando levantou a cabeça, ela disse:
— Voltou a sangrar ...
— Chama-me Dennis.
— Voltaste a sangrar, Dennis ... Não cicatrizaram.
— Para ser sincero, confesso que o sangue ficou mais fluido.
— Queres que te ponha álcool.
— Álcool? Onde está ele?
— Tenho-o em casa.
— Eu também tenho terras em ...
— Lá em casa não está ninguém. Estou sozinha.
— E o juiz ?
— Aos sábados passa a noite fora. Há muito tempo que segue esse costume.
O coração voltou a acelerar-se no peito do homem.
— Dora ... Dora, aconselho-te a não me repetires o convite.
— Só para te pôr álcool e um bocado de adesivo na ferida da sobrancelha.
— Bom ... mas eu não respondo por mim.
— Tu és o xerife e um homem bom, não é verdade?
— Não muito, francamente.
Levantaram-se e começaram a caminhar.

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