quarta-feira, 31 de janeiro de 2018
terça-feira, 30 de janeiro de 2018
segunda-feira, 29 de janeiro de 2018
PAS838. Duas mulheres montam a armadilha
A Eleonor chegou a notícia de que Richard morrera e o homem que ocupava o seu lugar era um impostor. A jovem ficou mergulhada numa estranha confusão, parecendo-lhe impossível que isso pudesse ser verdade; se assim era, não havia dúvidas de que o jovem era exatamente igual a Richard.
Não obstante, havia qualquer coisa que a induzia a dar crédito a tão extraordinário rumor. Ela amara Richard Graham, mas ao ver que ele se afastava atraído pela beleza exuberante de Linda Morgan, deixara de o fazer, acreditando na firmeza desta decisão. Não aconteceu assim, o' encontro com o desconhecido voltou a agitar-lhe o coração. Tornara a amá-lo, desta vez com uma força irresistível, superior à sua vontade. Era este motivo que a induzia a acreditar que não era Richard o homem que a beijara no meio da rua da povoação. Reprovava a si mesma o facto de se alegrar porque o homem que amava não fosse Richard, embora deplorasse a morte deste.
Recebeu a visita de Ruth e as duas jovens abraçaram--se. Ruth não pôde reprimir as lágrimas quando explicou à amiga a forma como se informara de que Richard tinha morrido. Eleonor tentou consolá-la e quando ela acalmou, perguntou-lhe:
— Então quem é esse homem?
— Chama-se Harry Milton, é um vaqueiro valente e generoso.
— Como sabes?
— São os factos que o demonstram. Acedeu aos pedidos de Frankie e Benne para me ajudar; apesar dos perigos que teria de enfrentar aceitou a disparatada proposta desinteressadamente. Isso, só por si, já é um facto a seu favor. Continuo a querer-lhe como se fosse meu irmão.
— Sim, não há dúvida de que é merecedor da tua amizade.
Ruth olhou-a, antes de responder:
— E tu, ama-lo?
Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça, ao mesmo tempo que dava a si mesma uma resposta definitiva.
— Não te critico, Eleonor, pelo contrário. É merecedor do teu amor. Richard portou-se muito mal para contigo e com todos, embora ultimamente se tenha redimido ao enfrentar Bipsho, negando-se a vender o rancho.
— Pobre Richard!
— Harry ama-te — afirmou Ruth, depois de uma breve pausa.
— Como sabes? — perguntou a jovem, ansiosa.
— Compreendi-o pela maneira como te olha e por m pormenores difíceis de explicar.
— Se fosse verdade...
E Eleonor não terminou a frase, mas a sua atitude foi suficientemente eloquente. Todavia, reagiu com violência.
— Não, não me ama, é um miserável!
A jovem olhou-a assombrada por causa daquele repentino impulso.
— Por que dizes isso?
— Vi-o a beijar Linda Morgan.
Ruth começou a rir. Foi então Eleonor quem a olhou assombrada.
— Não sejas ciumenta. Viu-se obrigado a fazê-lo, pois essa mulher suspeitava da verdade, vendo-se na necessidade de a prender numa cabana do rancho.
— Obrigada, meu Deus — murmurou a jovem com fervor.
— Alegro-me de que assim seja — disse Ruth com gravidade. — Harry é um grande rapaz, tens de ter cuidado para que não te escape.
— Que queres dizer? -- perguntou Eleonor alarmada.
— Conheço Harry, é generoso e valente, com um coração de ouro, mas tem um grande defeito: é orgulhoso. Se sair vitorioso da luta que iniciou fará o possível por desaparecer sem que dêmos por isso, para evitar que suspeitemos que foi guiado por algum interesse. Ama-te, mas é capaz de partir sem te ver, embora o coração se lhe despedaçasse de dor.
-- Tu achas?
— Estou convencida.
Os belos olhos de Eleonor relampejaram. Ergueu a cabeça e afirmou com decisão:
— Eu também estou convencida de que não o conseguirá.
Ruth começou a rir e apertou com afeto a mão da amiga.
Não obstante, havia qualquer coisa que a induzia a dar crédito a tão extraordinário rumor. Ela amara Richard Graham, mas ao ver que ele se afastava atraído pela beleza exuberante de Linda Morgan, deixara de o fazer, acreditando na firmeza desta decisão. Não aconteceu assim, o' encontro com o desconhecido voltou a agitar-lhe o coração. Tornara a amá-lo, desta vez com uma força irresistível, superior à sua vontade. Era este motivo que a induzia a acreditar que não era Richard o homem que a beijara no meio da rua da povoação. Reprovava a si mesma o facto de se alegrar porque o homem que amava não fosse Richard, embora deplorasse a morte deste.
Recebeu a visita de Ruth e as duas jovens abraçaram--se. Ruth não pôde reprimir as lágrimas quando explicou à amiga a forma como se informara de que Richard tinha morrido. Eleonor tentou consolá-la e quando ela acalmou, perguntou-lhe:
— Então quem é esse homem?
— Chama-se Harry Milton, é um vaqueiro valente e generoso.
— Como sabes?
— São os factos que o demonstram. Acedeu aos pedidos de Frankie e Benne para me ajudar; apesar dos perigos que teria de enfrentar aceitou a disparatada proposta desinteressadamente. Isso, só por si, já é um facto a seu favor. Continuo a querer-lhe como se fosse meu irmão.
— Sim, não há dúvida de que é merecedor da tua amizade.
Ruth olhou-a, antes de responder:
— E tu, ama-lo?
Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça, ao mesmo tempo que dava a si mesma uma resposta definitiva.
— Não te critico, Eleonor, pelo contrário. É merecedor do teu amor. Richard portou-se muito mal para contigo e com todos, embora ultimamente se tenha redimido ao enfrentar Bipsho, negando-se a vender o rancho.
— Pobre Richard!
— Harry ama-te — afirmou Ruth, depois de uma breve pausa.
— Como sabes? — perguntou a jovem, ansiosa.
— Compreendi-o pela maneira como te olha e por m pormenores difíceis de explicar.
— Se fosse verdade...
E Eleonor não terminou a frase, mas a sua atitude foi suficientemente eloquente. Todavia, reagiu com violência.
— Não, não me ama, é um miserável!
A jovem olhou-a assombrada por causa daquele repentino impulso.
— Por que dizes isso?
— Vi-o a beijar Linda Morgan.
Ruth começou a rir. Foi então Eleonor quem a olhou assombrada.
— Não sejas ciumenta. Viu-se obrigado a fazê-lo, pois essa mulher suspeitava da verdade, vendo-se na necessidade de a prender numa cabana do rancho.
— Obrigada, meu Deus — murmurou a jovem com fervor.
— Alegro-me de que assim seja — disse Ruth com gravidade. — Harry é um grande rapaz, tens de ter cuidado para que não te escape.
— Que queres dizer? -- perguntou Eleonor alarmada.
— Conheço Harry, é generoso e valente, com um coração de ouro, mas tem um grande defeito: é orgulhoso. Se sair vitorioso da luta que iniciou fará o possível por desaparecer sem que dêmos por isso, para evitar que suspeitemos que foi guiado por algum interesse. Ama-te, mas é capaz de partir sem te ver, embora o coração se lhe despedaçasse de dor.
-- Tu achas?
— Estou convencida.
Os belos olhos de Eleonor relampejaram. Ergueu a cabeça e afirmou com decisão:
— Eu também estou convencida de que não o conseguirá.
Ruth começou a rir e apertou com afeto a mão da amiga.
domingo, 28 de janeiro de 2018
PAS837. Liberdade para a prisioneira
Harry Milton estava decidido a lutar abertamente contra Bipsho. Tinha de o provocar sem motivo justo, visto que não lhe era possível continuar a fingir que era Richard Graham: a farsa havia ficado a descoberto.
Não sabia como atuar, faltava-lhe um motivo justo para disparar o seu «Colt», pelo que se sentia desconcertado. Não era possível deixar-se levar pelos seus impulsos e começar sem mais nem menos uma luta a tiro. Toda a razão que estava do lado deles se perderia, pelo que os dois grupos se colocariam ao mesmo nível.
Tinha Linda Morgan em seu poder, pois compreendia que os seus sentimentos não eram bons e a sua presença em qualquer lugar só serviria para semear discórdias e ódios, mas repugnava-lhe a ideia de a matar e muito mais ainda o fazê-lo a sangue-frio. Sabia que ela não serviria de refém pois Bipsho não se importaria muito com a sua sorte. Ao seu espírito cruel não importava absolutamente nada que a sua cúmplice fosse morta. Harry também não sentia pena dela. Todavia, o seu cavalheirismo revoltava--se perante a violência para com uma mulher, apesar de reconhecer que se trataria de um ato de justiça.
Optou por pô-la em liberdade, mas de forma que não constituísse um obstáculo para eles.
Comunicou a sua decisão a Ruth, Simmons e Benne e estes concordaram.
Linda Morgan estava há cerca de quarenta e oito horas encerrada naquela miserável cabana. Maldissera-se mil vezes pela sua falta de habilidade, De maneira nenhuma teria imaginado que o audaz substituto de Richard Graham fosse capaz de a prender. Não receava pela sua vida, pois o seu inimigo não era daqueles homens que exercem violências sobre uma mulher, mas tinha a certeza de que os planos de Eddie Bipsho seriam desbaratados e isso constituiria um duro golpe para eles, pois significava perder uma imensa fortuna que estava ao alcance das suas mãos. Ficou surpreendida quando vira que o esbelto forasteiro se lançou em sua perseguição. Foi então que se apercebeu do seu erro, mas era tarde para o remediar. Estava exasperada e também receosa.
Não desconfiava do cavalheirismo do seu inimigo, mas sim que Bipsho fosse derrotado por completo. Não podia prever qual fosse o curso dos acontecimentos e, portanto, qual seria a sua sorte. Era este o problema que teria de enfrentar: a sede de vingança daqueles homens submetidos até então às exigências de um punhado de pistoleiros.
Tudo se podia esperar deles, inclusive que a linchassem, que lhe aplicassem a lei de Lynch. Não seria o primeiro caso naquelas paragens semisselvagens do Oeste. A indignação popular era muito para temer, o seu poder avassalador constituía a morte horrível de quem provoca o levantamento da multidão. Tratava-se de um feroz animal de cem cabeças, que não reparava no sexo da vitima.
Linda cravou o olhar na porta ao ouvir ranger a chave na fechadura. Desejava que fosse Harry Milton o seu visitante, pois desde que a deixara encerrada naquela cabana não o voltara a ver. A única visita que recebera fora a de um silencioso e hermético vaqueiro que se limitava a deixar-lhe comida. O seu instinto não a enganara; junto da porta apareceu a figura esbelta e varonil de Harry.
— Como está, Linda? — perguntou o jovem.
Esta, como única resposta, encolheu os ombros, desdenhosa. Harry avançou para Linda e, atrás dele, entraram na cabana Simmons e Benne.
— Vamos, pô-la em liberdade.
A artista não pôde reprimir um sorriso de triunfo que foi notado pelo jovem.
— Sim, está livre, mas aconselho-a a não regressar a Evil Town. Vamos tentar matar Eddie Bipsho e todos os que estiverem ao seu lado terão a mesma sorte.
O tom grave com que Harry pronunciou estas palavras impressionou-a.
— Que devo fazer? — perguntou Linda, atemorizada a seu pesar.
— Apanhar a diligência que parte de Rock High para. Phoenix, quanto antes.
— E o que possuo na povoação?
— Dê isso por perdido. A sua vida vale mais que um punhado de joias.
Linda Morgan meditou durante alguns instantes e compreendeu que o seu inimigo tinha razão; a situação era critica e o chumbo não tardaria a sulcar o espaço daquela povoação que até então estivera submetida à vontade de Bipsho. Poria ponto final àquela etapa da sua vida, conformando-se com perder a parte conquistada.
— Tenho medo de ir só para Rock High.
— Não se preocupe com isso, acompanhá-la-emos até a diligência partir.
— O senhor é muito amável.
— Esteja preparada para partir dentro de uma hora —foi a resposta lacónica que recebeu.
Harry Milton foi pontual e Linda saiu da cabana, pestanejando ao receber os raios do sol. Aspirou com deleite o ar puro e não hesitou em montar o cavalo que Harry lhe indicava. Denne juntou-se a eles e os três cavaleiros empreenderam o galope em direção a Rock High, entrando na povoação. Fizeram-no a tempo, pois cinco minutos depois partia a diligência levando Linda Morgan que agradeceu com lágrimas nos olhos as atenções que com ela tivera Harry Milton, aceitando a seu pesar os cem dólares que o jovem lhe entregou.
— Bem, Benne, já terminámos este aborrecido assunto.
— És admirável, Harry — comentou o jovem.
Não sabia como atuar, faltava-lhe um motivo justo para disparar o seu «Colt», pelo que se sentia desconcertado. Não era possível deixar-se levar pelos seus impulsos e começar sem mais nem menos uma luta a tiro. Toda a razão que estava do lado deles se perderia, pelo que os dois grupos se colocariam ao mesmo nível.
Tinha Linda Morgan em seu poder, pois compreendia que os seus sentimentos não eram bons e a sua presença em qualquer lugar só serviria para semear discórdias e ódios, mas repugnava-lhe a ideia de a matar e muito mais ainda o fazê-lo a sangue-frio. Sabia que ela não serviria de refém pois Bipsho não se importaria muito com a sua sorte. Ao seu espírito cruel não importava absolutamente nada que a sua cúmplice fosse morta. Harry também não sentia pena dela. Todavia, o seu cavalheirismo revoltava--se perante a violência para com uma mulher, apesar de reconhecer que se trataria de um ato de justiça.
Optou por pô-la em liberdade, mas de forma que não constituísse um obstáculo para eles.
Comunicou a sua decisão a Ruth, Simmons e Benne e estes concordaram.
Linda Morgan estava há cerca de quarenta e oito horas encerrada naquela miserável cabana. Maldissera-se mil vezes pela sua falta de habilidade, De maneira nenhuma teria imaginado que o audaz substituto de Richard Graham fosse capaz de a prender. Não receava pela sua vida, pois o seu inimigo não era daqueles homens que exercem violências sobre uma mulher, mas tinha a certeza de que os planos de Eddie Bipsho seriam desbaratados e isso constituiria um duro golpe para eles, pois significava perder uma imensa fortuna que estava ao alcance das suas mãos. Ficou surpreendida quando vira que o esbelto forasteiro se lançou em sua perseguição. Foi então que se apercebeu do seu erro, mas era tarde para o remediar. Estava exasperada e também receosa.
Não desconfiava do cavalheirismo do seu inimigo, mas sim que Bipsho fosse derrotado por completo. Não podia prever qual fosse o curso dos acontecimentos e, portanto, qual seria a sua sorte. Era este o problema que teria de enfrentar: a sede de vingança daqueles homens submetidos até então às exigências de um punhado de pistoleiros.
Tudo se podia esperar deles, inclusive que a linchassem, que lhe aplicassem a lei de Lynch. Não seria o primeiro caso naquelas paragens semisselvagens do Oeste. A indignação popular era muito para temer, o seu poder avassalador constituía a morte horrível de quem provoca o levantamento da multidão. Tratava-se de um feroz animal de cem cabeças, que não reparava no sexo da vitima.
Linda cravou o olhar na porta ao ouvir ranger a chave na fechadura. Desejava que fosse Harry Milton o seu visitante, pois desde que a deixara encerrada naquela cabana não o voltara a ver. A única visita que recebera fora a de um silencioso e hermético vaqueiro que se limitava a deixar-lhe comida. O seu instinto não a enganara; junto da porta apareceu a figura esbelta e varonil de Harry.
— Como está, Linda? — perguntou o jovem.
Esta, como única resposta, encolheu os ombros, desdenhosa. Harry avançou para Linda e, atrás dele, entraram na cabana Simmons e Benne.
— Vamos, pô-la em liberdade.
A artista não pôde reprimir um sorriso de triunfo que foi notado pelo jovem.
— Sim, está livre, mas aconselho-a a não regressar a Evil Town. Vamos tentar matar Eddie Bipsho e todos os que estiverem ao seu lado terão a mesma sorte.
O tom grave com que Harry pronunciou estas palavras impressionou-a.
— Que devo fazer? — perguntou Linda, atemorizada a seu pesar.
— Apanhar a diligência que parte de Rock High para. Phoenix, quanto antes.
— E o que possuo na povoação?
— Dê isso por perdido. A sua vida vale mais que um punhado de joias.
Linda Morgan meditou durante alguns instantes e compreendeu que o seu inimigo tinha razão; a situação era critica e o chumbo não tardaria a sulcar o espaço daquela povoação que até então estivera submetida à vontade de Bipsho. Poria ponto final àquela etapa da sua vida, conformando-se com perder a parte conquistada.
— Tenho medo de ir só para Rock High.
— Não se preocupe com isso, acompanhá-la-emos até a diligência partir.
— O senhor é muito amável.
— Esteja preparada para partir dentro de uma hora —foi a resposta lacónica que recebeu.
Harry Milton foi pontual e Linda saiu da cabana, pestanejando ao receber os raios do sol. Aspirou com deleite o ar puro e não hesitou em montar o cavalo que Harry lhe indicava. Denne juntou-se a eles e os três cavaleiros empreenderam o galope em direção a Rock High, entrando na povoação. Fizeram-no a tempo, pois cinco minutos depois partia a diligência levando Linda Morgan que agradeceu com lágrimas nos olhos as atenções que com ela tivera Harry Milton, aceitando a seu pesar os cem dólares que o jovem lhe entregou.
— Bem, Benne, já terminámos este aborrecido assunto.
— És admirável, Harry — comentou o jovem.
sábado, 27 de janeiro de 2018
PAS836. Desmascarado
Linda Morgan viu Richard Graham (aliás Harry Milton) sair do «saloon», e o seu olhar ficou fixo nele.
Sabia que o jovem devia ser vítima de uma armadilha e eis que saía tranquilamente do gabinete de Bipsho como se a sua visita fosse apenas de cortesia.
Não lhe agradava o curso que os acontecimentos tomavam; temia aquele homem. Não acreditava que fosse Richard Graham. Tinha a certeza de que não era; apesar de a ideia ser absurda continuava a acreditar que aquele homem não era o jovem indolente com quem ela estava acostumada a lidar e dominar com um só olhar.
Pelo contrário, sentia-se aturdida perante a fixidez dos seus olhos escuros. Em que se fundamentava para não acreditar que era Richard Graham? Não podia precisar. Era igual, mas por outro lado existia qualquer coisa de indefinido que lho dizia. O seu aspeto era mais varonil e o seu passo mais firme.
Por um instante os seus olhares cruzarem-se e Linda inclinou a cabeça num cumprimento amistoso, mas ele fingiu não a ver. Esta indiferença indignou-a, pois estava acostumada a que os homens a admirassem e não podia perdoar aquela demonstração de desdém.
Se o seu pressentimento fosse certo e aquele homem não era realmente Richard Graham, quem seria então? Devia ser um audaz aventureiro e já dera fartas provas de que era perigoso ao derrotar de forma tão rotunda um lutador extraordinário como Joe Murphy. Ela estava ligada pelos mesmos interesses a Eddie Bipsho e se o desconhecido representava um obstáculo para os seus planos, devia ser suprimido por muito que a atraísse a sua varonil presença.
Sabia que o jovem devia ser vítima de uma armadilha e eis que saía tranquilamente do gabinete de Bipsho como se a sua visita fosse apenas de cortesia.
Não lhe agradava o curso que os acontecimentos tomavam; temia aquele homem. Não acreditava que fosse Richard Graham. Tinha a certeza de que não era; apesar de a ideia ser absurda continuava a acreditar que aquele homem não era o jovem indolente com quem ela estava acostumada a lidar e dominar com um só olhar.
Pelo contrário, sentia-se aturdida perante a fixidez dos seus olhos escuros. Em que se fundamentava para não acreditar que era Richard Graham? Não podia precisar. Era igual, mas por outro lado existia qualquer coisa de indefinido que lho dizia. O seu aspeto era mais varonil e o seu passo mais firme.
Por um instante os seus olhares cruzarem-se e Linda inclinou a cabeça num cumprimento amistoso, mas ele fingiu não a ver. Esta indiferença indignou-a, pois estava acostumada a que os homens a admirassem e não podia perdoar aquela demonstração de desdém.
Se o seu pressentimento fosse certo e aquele homem não era realmente Richard Graham, quem seria então? Devia ser um audaz aventureiro e já dera fartas provas de que era perigoso ao derrotar de forma tão rotunda um lutador extraordinário como Joe Murphy. Ela estava ligada pelos mesmos interesses a Eddie Bipsho e se o desconhecido representava um obstáculo para os seus planos, devia ser suprimido por muito que a atraísse a sua varonil presença.
Na manhã seguinte, Linda Morgan levantou-se decidida a confirmar as suspeitas que tão profundamente arraigadas tinha no espírito. Admirava o porte varonil e a temeridade do ousado farsante, sentia-se atraída pela sua forte personalidade, mas tratava-se de um poderoso obstáculo que se interpunha no caminho para os seus ambiciosos projetos, pelo que estava decidida a eliminá-lo.
Vestiu umas elegantes calças de montar e o seu admirável busto ficou coberto por uma fina blusa que lhe dava um aspeto muito atraente. Montou uma formosa égua e encaminhou-se para o rancho dos Graham.
Não deu pela presença de Eleonor e foi observando com atenção o outro lado da rede de arame, procurando Richard. Teve sorte, pois não tardou a divisar o jovem que estava acompanhado de dois vaqueiros. Chamou-o com um gesto e o jovem apressou-se a ir junto dela.
Admirou o salto que obrigou a dar à montada, demonstrando ser um bom cavaleiro. Não pôde conter um sorriso ao ver a rapidez com que Richard atendia o seu chamamento; a sua vaidade de mulher ficava compensada do desprezo que lhe manifestara na noite anterior.
— Bons dias, Linda. É um prazer vê-la por aqui —cumprimentou Harry.
— Creio que me engana, Richard — respondeu ela aceitando a mão que o jovem lhe oferecia para a ajudar a desmontar.
—Por que diz isso? Ofende-me com essa suposição, é como se me acusasse de que a sua presença não me é grata.
— Exatamente.
— É muito cruel.
— Tenho motivos para isso.
Harry estava em guarda contra o ataque que a artista ia lançar contra si. Aquela mulher era muito sagaz e o verdadeiro móbil da sua presença naquele lugar era certificar-se da sua verdadeira personalidade. Além disso era muito formosa e a sua proximidade era perturbante.
Pararam num lugar onde não podiam ser vistos do rancho.
— Que motivos são esses? — perguntou Harry com ousadia.
— Ontem à noite vi-o no 4<saloon» e nem respondeu ao meu cumprimento.
— Garanto-lhe que não a vi, Linda.
— Não acredito...
— Acaso me julga capaz de semelhante ação?
— Sim.
E Linda olhou-o fixamente, apoiando a mão direita no peito varonil. Se se tratasse de Richard Graham, este teria corado, mas o homem que estava diante dela continuava
impassível e o seu rosto bronzeado não demonstrava perturbação alguma.
— Engana-se.
— O senhor é um farsante, não me convencerá.
E inclinou-se sobre ele, cheia de mimo. Harry enlaçou-a pela cintura e não pôde resistir à tentação de beijar aqueles lábios vermelhos que se lhe ofereciam tentadores.
Foi isto que Eleonor viu, apressando-se a afastar-se para não ver aquela cena que lhe fazia tanto mal.
Linda sentiu-se subjugada e, por um instante, deixou--se vencer pelo atração que sobre ela exercia Harry Milton, mas refez-se imediatamente. Agora já tinha a certeza de que aquele homem não era Richard Graham.
— Quem é o senhor? — perguntou com rudeza, empurrando-o para trás.
— Quem sou eu? — respondeu Harry, fingindo uma grande admiração.
— Sim, o senhor não é Richard Graham.
— Não sou Richard Graham? Então quem sou?
— Isso gostaria eu de saber, o seu verdadeiro nome.
— Está muito brincalhona esta manhã.
— Não, esta manhã consegui averiguar o que me interessava.
E, com um gesto enérgico, desprendeu-se dos braços de Harry e montou agilmente sobre a sua égua, afastando--se a galope.
O jovem olhou-a a sorrir. Acontecera o que ele temia, aquela mulher era muito astuta e não se deixara enganar pelo jogo organizado tão habilmente por Frankie Sim-mons. Agora tinha de evitar que fugisse. Custava-lhe ter de agir contra uma mulher, mas era preciso fazê-lo; havia muitas coisas em jogo para andar com contemplações.
Linda galopava para Evil Town quando Harry montou o seu cavalo, seguindo-a, segundo parecia, sem pressa nenhuma; mas o potente galopar da sua montada ganhava terreno à égua a olhos vistos. A artista voltou-se, e ao compreender que era perseguida, açoitou a sua montada, sendo inútil o seu esforço, pois Harry não tardou a chegar junto dela.
— Lamento, Linda, mas tenho de o fazer.
— Canalha! — rugiu ela, exasperada.
O braço férreo do jovem rodeou-lhe a cintura e, sem esforço aparente, arrancou-a da sela, colocando a jovem sobre a sua montada, sem reduzir a velocidade do animal. Linda tentou agredir o seu raptor, mas não lhe foi possível pois este, apercebendo-se das suas intenções, apertou-a com força contra si, privando-a de todos os movimentos.
— É inútil tudo o que fizer, minha bela inimiga. É muito esperta, mas enganou-se ao dar-me conhecimento da sua descoberta.
— É um miserável! Largue-me!
— Não o farei. Não tenho outro remédio se não encerrá-la em lugar seguro.
— Não se atreverá a fazê-lo.
— Quem me vai impedir?
— Eddie Bipsho matá-lo-á por causa desta façanha.
Harry começou a rir.
— Continua a enganar-se, minha bela menina — disse com o seu peculiar acento texano —, serei eu a matar esse malvado. Não o temo, nem aos seus pistoleiros e creio que todos eles me temem.
Estava satisfeito de ter podido falar sem fingir uma voz que não era a sua, fazendo-o com a lentidão que lhe era habitual.
Linda mordeu os lábios com despeito, compreendendo que aquele homem era capaz de fazer o que dizia. Também compreendia a sua falta de tato ao revelar que conhecia a identidade do seu raptor, ou melhor, que ele não era Richard Graham. Mas fora qualquer coisa superior à sua vontade, a satisfação que lhe produzira a certeza de que as suas suspeitas eram certas e por julgar que o desconhecido não se atreveria a detê-la. Estava furiosa por se ter deixado apanhar de forma tão estúpida.
Tentou libertar-se, mas a pressão do braço varonil aumentou de tal forma que a sua respiração se tornou entrecortada, tendo de desistir, com o receio de perecer asfixiada.
— Não tente resistir — avisou Harry — de contrário, ver-me-ei obrigado a magoá-la e garanto-lhe que não o desejo fazer.
Linda, compreendendo que o seu inimigo tinha razão, ficou quieta, resignando-se à situação em que se encontrava. Harry galopou na direção da égua que trotava desconcertada, como se não encontrasse explicação para o que sucedia, visto que a amazona se desprendera da sela em pleno galope, Tinha de se apoderar do animal para evitar que aparecesse só na povoação, semeando o alarme entre os seus inimigos. Foi-lhe fácil apanhar a égua pelas rédeas. Acariciou-a com a mão, tranquilizando-a. Apoderou-se então de um minúsculo revólver que Linda levava e, com movimento rápido, colocou-a novamente sobre a égua.
Vestiu umas elegantes calças de montar e o seu admirável busto ficou coberto por uma fina blusa que lhe dava um aspeto muito atraente. Montou uma formosa égua e encaminhou-se para o rancho dos Graham.
Não deu pela presença de Eleonor e foi observando com atenção o outro lado da rede de arame, procurando Richard. Teve sorte, pois não tardou a divisar o jovem que estava acompanhado de dois vaqueiros. Chamou-o com um gesto e o jovem apressou-se a ir junto dela.
Admirou o salto que obrigou a dar à montada, demonstrando ser um bom cavaleiro. Não pôde conter um sorriso ao ver a rapidez com que Richard atendia o seu chamamento; a sua vaidade de mulher ficava compensada do desprezo que lhe manifestara na noite anterior.
— Bons dias, Linda. É um prazer vê-la por aqui —cumprimentou Harry.
— Creio que me engana, Richard — respondeu ela aceitando a mão que o jovem lhe oferecia para a ajudar a desmontar.
—Por que diz isso? Ofende-me com essa suposição, é como se me acusasse de que a sua presença não me é grata.
— Exatamente.
— É muito cruel.
— Tenho motivos para isso.
Harry estava em guarda contra o ataque que a artista ia lançar contra si. Aquela mulher era muito sagaz e o verdadeiro móbil da sua presença naquele lugar era certificar-se da sua verdadeira personalidade. Além disso era muito formosa e a sua proximidade era perturbante.
Pararam num lugar onde não podiam ser vistos do rancho.
— Que motivos são esses? — perguntou Harry com ousadia.
— Ontem à noite vi-o no 4<saloon» e nem respondeu ao meu cumprimento.
— Garanto-lhe que não a vi, Linda.
— Não acredito...
— Acaso me julga capaz de semelhante ação?
— Sim.
E Linda olhou-o fixamente, apoiando a mão direita no peito varonil. Se se tratasse de Richard Graham, este teria corado, mas o homem que estava diante dela continuava
impassível e o seu rosto bronzeado não demonstrava perturbação alguma.
— Engana-se.
— O senhor é um farsante, não me convencerá.
E inclinou-se sobre ele, cheia de mimo. Harry enlaçou-a pela cintura e não pôde resistir à tentação de beijar aqueles lábios vermelhos que se lhe ofereciam tentadores.
Foi isto que Eleonor viu, apressando-se a afastar-se para não ver aquela cena que lhe fazia tanto mal.
Linda sentiu-se subjugada e, por um instante, deixou--se vencer pelo atração que sobre ela exercia Harry Milton, mas refez-se imediatamente. Agora já tinha a certeza de que aquele homem não era Richard Graham.
— Quem é o senhor? — perguntou com rudeza, empurrando-o para trás.
— Quem sou eu? — respondeu Harry, fingindo uma grande admiração.
— Sim, o senhor não é Richard Graham.
— Não sou Richard Graham? Então quem sou?
— Isso gostaria eu de saber, o seu verdadeiro nome.
— Está muito brincalhona esta manhã.
— Não, esta manhã consegui averiguar o que me interessava.
E, com um gesto enérgico, desprendeu-se dos braços de Harry e montou agilmente sobre a sua égua, afastando--se a galope.
O jovem olhou-a a sorrir. Acontecera o que ele temia, aquela mulher era muito astuta e não se deixara enganar pelo jogo organizado tão habilmente por Frankie Sim-mons. Agora tinha de evitar que fugisse. Custava-lhe ter de agir contra uma mulher, mas era preciso fazê-lo; havia muitas coisas em jogo para andar com contemplações.
Linda galopava para Evil Town quando Harry montou o seu cavalo, seguindo-a, segundo parecia, sem pressa nenhuma; mas o potente galopar da sua montada ganhava terreno à égua a olhos vistos. A artista voltou-se, e ao compreender que era perseguida, açoitou a sua montada, sendo inútil o seu esforço, pois Harry não tardou a chegar junto dela.
— Lamento, Linda, mas tenho de o fazer.
— Canalha! — rugiu ela, exasperada.
O braço férreo do jovem rodeou-lhe a cintura e, sem esforço aparente, arrancou-a da sela, colocando a jovem sobre a sua montada, sem reduzir a velocidade do animal. Linda tentou agredir o seu raptor, mas não lhe foi possível pois este, apercebendo-se das suas intenções, apertou-a com força contra si, privando-a de todos os movimentos.
— É inútil tudo o que fizer, minha bela inimiga. É muito esperta, mas enganou-se ao dar-me conhecimento da sua descoberta.
— É um miserável! Largue-me!
— Não o farei. Não tenho outro remédio se não encerrá-la em lugar seguro.
— Não se atreverá a fazê-lo.
— Quem me vai impedir?
— Eddie Bipsho matá-lo-á por causa desta façanha.
Harry começou a rir.
— Continua a enganar-se, minha bela menina — disse com o seu peculiar acento texano —, serei eu a matar esse malvado. Não o temo, nem aos seus pistoleiros e creio que todos eles me temem.
Estava satisfeito de ter podido falar sem fingir uma voz que não era a sua, fazendo-o com a lentidão que lhe era habitual.
Linda mordeu os lábios com despeito, compreendendo que aquele homem era capaz de fazer o que dizia. Também compreendia a sua falta de tato ao revelar que conhecia a identidade do seu raptor, ou melhor, que ele não era Richard Graham. Mas fora qualquer coisa superior à sua vontade, a satisfação que lhe produzira a certeza de que as suas suspeitas eram certas e por julgar que o desconhecido não se atreveria a detê-la. Estava furiosa por se ter deixado apanhar de forma tão estúpida.
Tentou libertar-se, mas a pressão do braço varonil aumentou de tal forma que a sua respiração se tornou entrecortada, tendo de desistir, com o receio de perecer asfixiada.
— Não tente resistir — avisou Harry — de contrário, ver-me-ei obrigado a magoá-la e garanto-lhe que não o desejo fazer.
Linda, compreendendo que o seu inimigo tinha razão, ficou quieta, resignando-se à situação em que se encontrava. Harry galopou na direção da égua que trotava desconcertada, como se não encontrasse explicação para o que sucedia, visto que a amazona se desprendera da sela em pleno galope, Tinha de se apoderar do animal para evitar que aparecesse só na povoação, semeando o alarme entre os seus inimigos. Foi-lhe fácil apanhar a égua pelas rédeas. Acariciou-a com a mão, tranquilizando-a. Apoderou-se então de um minúsculo revólver que Linda levava e, com movimento rápido, colocou-a novamente sobre a égua.
sexta-feira, 26 de janeiro de 2018
PAS835. Sinais de traição
Eleonor Horner sentia outra vez a alegria de viver. O seu coração batia apressadamente, o seu olhar adquirira de novo aquele brilho que fazia que os seus formosos olhos resplandecessem, dando-lhe um encanto peculiar que a tornava irresistível para qualquer homem. Já sem isso Harry Milton sentira-se rendido pela sua beleza, tal como Eddie Bipsho.
O homem amado voltava a ser o que ela sonhara, superava, na sua esperada reação, o Richard que fora seu noivo, antes de se sentir atraído pelos encantos de Linda Morgan, aquela aventureira a quem aborrecia. O jovem nunca fora mau, apenas fizera uso do seu revólver uma vez e a sua atitude fora justificada, demonstrando a sua admirável pontaria.
Se Linda não tivesse chegado a Evil Town, estava convencida de que o jovem teria voltado aos seus costumes anteriores, não dando lugar ao atual estado de coisas, que era sumamente perigoso, e ela temia pela vida do seu amado.
Não se podia equivocar, o seu instinto de mulher não a podia enganar. Richard continuava a amá-la, talvez com maior intensidade que antes e ela desejava imenso que assim fosse. Seus pais estavam contentes ao verem que a atitude tristonha da jovem desaparecera; ambos gostavam de Richard, conheciam-no desde criança e sempre haviam abrigado a esperança de que fosse o homem indicado para fazer feliz a sua filha querida.
John Horner era um homem que tinha perto de sessenta anos, duro e curtido nas rudes tarefas de ganadeiro. Depois de muitos anos de esforço tenaz, de lenta, mas continua prosperidade, quando pensava poder legar a sua filha única uma fazenda importante, vira-se envolvido nos sujos manejos daqueles bandidos que haviam chegado à povoação de improviso e lhe dizimavam o gado. Mas não deixava de lutar com afinco na defesa dos seus direitos, rogando a Deus que não tardasse a chegar àquele longínquo recanto do Oeste a verdadeira justiça, aquela que não permitia que um grupo de bandidos, ao amparo dos seus «Colt», semeasse o pânico entre os homens honrados.
Eleonor montou o seu cavalo. Desejava ver Richard e ao mesmo tempo esperava que este não se apercebesse das suas intenções e que a sua chegada ao rancho dos Graham fosse tomada com uma visita a Ruth. De maneira nenhuma queria que o jovem soubesse a verdade sobre a sua visita. A simples ideia de que isto pudesse ocorrer fazia corar intensamente as suas lindas faces.
Galopava com brio, sentindo prazer com o ar que lhe afagava o rosto e a sua cabeleira flutuava como se estivesse sustentada por uma mão invisível. A vista do rancho reduziu a velocidade do cavalo pois se continuasse naquele galope ninguém duvidaria do verdadeiro motivo que a impulsionara a visitar Ruth Graham.
Serenou, aspirando o ar com prazer, gozando aquela
manhã cheia de luz; o sol punha maravilhosos reflexos nas montanhas longínquas, fazendo-as parecer irreais.
De súbito estremeceu, pois um cavaleiro aproximava-se do rancho e, apesar da distância que os separava, não duvidou de que se tratava de Linda Morgan. Esta visão fê-la mudar instantaneamente de humor, todo o encanto que flutuava à sua volta desapareceu como por artes de magia e os raios ardentes do sol pareceram-lhe cruéis e desapiedados,
Por que se dirigiria aquela mulher para o rancho?
O motivo não podia ser outro senão o de encontrar-se com Richard. Isto produziu-lhe um profundo desassossego. Sentindo um repentino mal-estar. mordeu os lábios para não soltar um gemido de dor. Aquela mulher atravessava-se novamente na sua vida
Por um instante esteve tentada a voltar o animal, mas conteve-se. Era preferível certificar-se da realidade, comprovar por si mesma se as suas suspeitas eram verdadeiras. Por muito doloroso que pudesse ser, sempre seria melhor que ter dúvidas de que tudo tivesse consistido numa simples coincidência.
O seu orgulho de mulher resistia àquela espionagem, pois parecia-lhe um ato indigno, mas o amor que sentia por Richard foi superior e por isso decidiu seguir Linda Morgan.
Procurando não ser vista pela artista, prosseguiu a marcha com lentidão. Pela atitude de Linda compreendeu que ela não ia a uma entrevista, mas que procurava alguém e embora esse alguém devesse ser Richard Graham, um raio de esperança entrou no seu espírito abatido.
Linda Morgan galopou ao longo da cerca de arame farpado, olhando com atenção para o interior da fazenda.
De súbito deteve-se e agitou uma das mãos num gracioso gesto de chamamento. Eleanor viu Richard que respondia à artista e depois de dizer algumas palavras aos dois vaqueiros que estavam junto de si, iniciou o galope na direção da cerca, que devia ter mais de jarda e meia de altura. Ao chegar junto do arame o nobre animal, destramente conduzido pelo cavaleiro, lançou-se no espaço e, num salto espetacular, caiu no outro lado, prosseguindo a marcha com normalidade.
As duas mulheres olhavam com admiração para o hábil e elegante cavaleiro. Eleonor ocultou-se atrás de um tufo de mato, pois teria escolhido a morte de preferência a ser vista por Richard.
Do seu improvisado observatório viu como o jovem cumprimentava Linda, e como ele desmontava e oferecia a mão para ajudar a artista. O par, conduzindo os cavalos pelas rédeas, caminhou lentamente e Eleonor, que não perdia nenhum pormenor, apesar de não poder ouvir o que diziam, viu que ela se mostrava atrevida e que o homem parecia render-se aos seus encantos.
Pararam num lugar onde não podiam ser vistos do rancho e, depois de uma breve troca de palavras, Richard enlaçou a cintura da artista e beijou-a apaixonadamente. Eleonor sentiu que um calafrio percorria todo o seu ser e uma dor aguda, como um punhal acerado feriu-lhe o coração.
O seu pressentimento confirmara-se. Não esperou mais. Montou o seu cavalo e iniciou o regresso a casa. Aquele seria o seu último desengano amoroso; não voltaria a amar.
O homem amado voltava a ser o que ela sonhara, superava, na sua esperada reação, o Richard que fora seu noivo, antes de se sentir atraído pelos encantos de Linda Morgan, aquela aventureira a quem aborrecia. O jovem nunca fora mau, apenas fizera uso do seu revólver uma vez e a sua atitude fora justificada, demonstrando a sua admirável pontaria.
Se Linda não tivesse chegado a Evil Town, estava convencida de que o jovem teria voltado aos seus costumes anteriores, não dando lugar ao atual estado de coisas, que era sumamente perigoso, e ela temia pela vida do seu amado.
Não se podia equivocar, o seu instinto de mulher não a podia enganar. Richard continuava a amá-la, talvez com maior intensidade que antes e ela desejava imenso que assim fosse. Seus pais estavam contentes ao verem que a atitude tristonha da jovem desaparecera; ambos gostavam de Richard, conheciam-no desde criança e sempre haviam abrigado a esperança de que fosse o homem indicado para fazer feliz a sua filha querida.
John Horner era um homem que tinha perto de sessenta anos, duro e curtido nas rudes tarefas de ganadeiro. Depois de muitos anos de esforço tenaz, de lenta, mas continua prosperidade, quando pensava poder legar a sua filha única uma fazenda importante, vira-se envolvido nos sujos manejos daqueles bandidos que haviam chegado à povoação de improviso e lhe dizimavam o gado. Mas não deixava de lutar com afinco na defesa dos seus direitos, rogando a Deus que não tardasse a chegar àquele longínquo recanto do Oeste a verdadeira justiça, aquela que não permitia que um grupo de bandidos, ao amparo dos seus «Colt», semeasse o pânico entre os homens honrados.
Eleonor montou o seu cavalo. Desejava ver Richard e ao mesmo tempo esperava que este não se apercebesse das suas intenções e que a sua chegada ao rancho dos Graham fosse tomada com uma visita a Ruth. De maneira nenhuma queria que o jovem soubesse a verdade sobre a sua visita. A simples ideia de que isto pudesse ocorrer fazia corar intensamente as suas lindas faces.
Galopava com brio, sentindo prazer com o ar que lhe afagava o rosto e a sua cabeleira flutuava como se estivesse sustentada por uma mão invisível. A vista do rancho reduziu a velocidade do cavalo pois se continuasse naquele galope ninguém duvidaria do verdadeiro motivo que a impulsionara a visitar Ruth Graham.
Serenou, aspirando o ar com prazer, gozando aquela
manhã cheia de luz; o sol punha maravilhosos reflexos nas montanhas longínquas, fazendo-as parecer irreais.
De súbito estremeceu, pois um cavaleiro aproximava-se do rancho e, apesar da distância que os separava, não duvidou de que se tratava de Linda Morgan. Esta visão fê-la mudar instantaneamente de humor, todo o encanto que flutuava à sua volta desapareceu como por artes de magia e os raios ardentes do sol pareceram-lhe cruéis e desapiedados,
Por que se dirigiria aquela mulher para o rancho?
O motivo não podia ser outro senão o de encontrar-se com Richard. Isto produziu-lhe um profundo desassossego. Sentindo um repentino mal-estar. mordeu os lábios para não soltar um gemido de dor. Aquela mulher atravessava-se novamente na sua vida
Por um instante esteve tentada a voltar o animal, mas conteve-se. Era preferível certificar-se da realidade, comprovar por si mesma se as suas suspeitas eram verdadeiras. Por muito doloroso que pudesse ser, sempre seria melhor que ter dúvidas de que tudo tivesse consistido numa simples coincidência.
O seu orgulho de mulher resistia àquela espionagem, pois parecia-lhe um ato indigno, mas o amor que sentia por Richard foi superior e por isso decidiu seguir Linda Morgan.
Procurando não ser vista pela artista, prosseguiu a marcha com lentidão. Pela atitude de Linda compreendeu que ela não ia a uma entrevista, mas que procurava alguém e embora esse alguém devesse ser Richard Graham, um raio de esperança entrou no seu espírito abatido.
Linda Morgan galopou ao longo da cerca de arame farpado, olhando com atenção para o interior da fazenda.
De súbito deteve-se e agitou uma das mãos num gracioso gesto de chamamento. Eleanor viu Richard que respondia à artista e depois de dizer algumas palavras aos dois vaqueiros que estavam junto de si, iniciou o galope na direção da cerca, que devia ter mais de jarda e meia de altura. Ao chegar junto do arame o nobre animal, destramente conduzido pelo cavaleiro, lançou-se no espaço e, num salto espetacular, caiu no outro lado, prosseguindo a marcha com normalidade.
As duas mulheres olhavam com admiração para o hábil e elegante cavaleiro. Eleonor ocultou-se atrás de um tufo de mato, pois teria escolhido a morte de preferência a ser vista por Richard.
Do seu improvisado observatório viu como o jovem cumprimentava Linda, e como ele desmontava e oferecia a mão para ajudar a artista. O par, conduzindo os cavalos pelas rédeas, caminhou lentamente e Eleonor, que não perdia nenhum pormenor, apesar de não poder ouvir o que diziam, viu que ela se mostrava atrevida e que o homem parecia render-se aos seus encantos.
Pararam num lugar onde não podiam ser vistos do rancho e, depois de uma breve troca de palavras, Richard enlaçou a cintura da artista e beijou-a apaixonadamente. Eleonor sentiu que um calafrio percorria todo o seu ser e uma dor aguda, como um punhal acerado feriu-lhe o coração.
O seu pressentimento confirmara-se. Não esperou mais. Montou o seu cavalo e iniciou o regresso a casa. Aquele seria o seu último desengano amoroso; não voltaria a amar.
quinta-feira, 25 de janeiro de 2018
PAS834. Artista com perfil para enfermeira
Harry não se atreveu a voltar a cabeça.
Ele mesmo não compreendia como a sua conduta podia ter sido tão absurda, adulando de forma descarada uma mulher que via pela primeira vez. E o pior era que a sua recordação não lhe saía do pensamento e julgava sentir ainda a doçura daqueles lábios encantadores.
Apaixonara-se por Eleonor Horner? Esta pergunta assaltou-o de improviso e não se atreveu a pensar. Até então sempre tentara evitar que aquela possibilidade surgisse, pois queria andar sempre de um lado para o outro, desfrutando uma vida alegre e despreocupada, gozando o espetáculo maravilhoso que a natureza lhe oferecia continuamente. Logo que vira o lindo semblante de Eleonor sentira-se subjugado e atraído pela sua beleza. Tudo o que fizera não fora ordenado pela sua vontade, mas sim por uma força superior a ela, que até então desconhecia. Era como se estivesse embriagado e os vapores do álcool o obrigassem a fazer coisas que, estando no seu estado normal, seria incapaz de fazer. Todavia, não se arrependia, pois, se voltasse a apresentar-se-lhe a mesma oportunidade, voltaria a beijar Eleonor Horner.
Ao divisar o «saloon» voltou a recobrar a serenidade; talvez estivesse a chegar o momento mais perigoso que teria de enfrentar. Sem nunca ter estado em Evil Town, conhecia-a como se tivesse andado pelas suas ruas, por lhe ter sido descrita por Frankie Simmons e, na realidade, por ser, também muito semelhante às diversas povoações do Oeste que visitara durante a sua existência errante. Sim, aquele luxuoso edifício de madeira era o «saloon» de Eddie Bipsho.
Desmontou e amarrou o cavalo à barra e, com passo firme, entrou no estabelecimento. Este estava bastante frequentado, apesar de ser quase meio-dia.
A entrada de Harry despertou uma inusitada expectativa. O jovem apercebeu-se disso por causa do espanto que se refletiu em alguns semblantes e pelo ruído produzido por algumas cadeiras, ao levantarem-se precipitadamente os que nelas se sentavam. Todavia, fingiu que não compreendia e aproximou-se tranquilamente do balcão.
— Bill — pediu com indolência — quero um copo de cerveja. O «barman» serviu-o de forma automática, como se não acreditasse no que os seus olhos viam.
— Acaso te surpreende o facto de me veres aqui, Bill? — perguntou com suavidade.
O homem respondeu com um movimento afirmativo da cabeça.
— Compreendo — e Harry sorriu divertido — julgavas que aqueles coiotes me tinham matado. Mas não foi assim, dois deles caíram para não mais se levantarem. Creio que um deles era Shapiro.
Bebeu um gole de cerveja e, pelo espelho, viu que se aproximava dele um homem alto e corpulento. O seu aspeto era brutal e não duvidou de que se trataria de um dos homens de Bipsho. Permaneceu imperturbável até que ouviu um forte vozeirão que dizia: Richard Graham, disse que não te queria voltar a ver aqui. Harry voltou-se lentamente. — E porquê? — perguntou.
A serenidade de que o jovem dava mostras impressionou o seu interlocutor, que coçou o queixo, perplexo.
— Já te fiz demasiados avisos. E o homenzarrão deu dois passos, ameaçador, para Harry que o via aproximar e estava imperturbável. S6 se voltou ligeiramente quando o formidável punho do seu adversário lhe passou roçando a cabeça; graças a um hábil movimento evitou ser atingido pelo potente soco. Afastou-se do balcão enquanto o seu inimigo recobrava o equilíbrio.
— Duro nele, Murphy — disse uma voz — mas não batas com muita força que podes estragar o seu belo físico.
O corpulento Murphy soltou uma gargalhada e dispôs-se a socar o jovem. Tudo sucedeu como da vez anterior, com a diferença de que, quando o punho de Murphy passou roçando a cabeça de Harry, este, com rapidez, atingiu secamente o nariz do seu inimigo que soltou um grito de dor.
O gigante enfureceu-se e lançou-se para a frente, batendo à esquerda e à direita; mas de súbito, dois socos secos e potentes que o atingiram em pleno rosto fizeram-no retroceder vários passos. Harry contemplou-o surpreendido. Havia batido com prazer, os dois socos haviam atingido Murphy e este limitara-se a recuar, quando ele julgava que cairia pesadamente.
***
Ele mesmo não compreendia como a sua conduta podia ter sido tão absurda, adulando de forma descarada uma mulher que via pela primeira vez. E o pior era que a sua recordação não lhe saía do pensamento e julgava sentir ainda a doçura daqueles lábios encantadores.
Apaixonara-se por Eleonor Horner? Esta pergunta assaltou-o de improviso e não se atreveu a pensar. Até então sempre tentara evitar que aquela possibilidade surgisse, pois queria andar sempre de um lado para o outro, desfrutando uma vida alegre e despreocupada, gozando o espetáculo maravilhoso que a natureza lhe oferecia continuamente. Logo que vira o lindo semblante de Eleonor sentira-se subjugado e atraído pela sua beleza. Tudo o que fizera não fora ordenado pela sua vontade, mas sim por uma força superior a ela, que até então desconhecia. Era como se estivesse embriagado e os vapores do álcool o obrigassem a fazer coisas que, estando no seu estado normal, seria incapaz de fazer. Todavia, não se arrependia, pois, se voltasse a apresentar-se-lhe a mesma oportunidade, voltaria a beijar Eleonor Horner.
Ao divisar o «saloon» voltou a recobrar a serenidade; talvez estivesse a chegar o momento mais perigoso que teria de enfrentar. Sem nunca ter estado em Evil Town, conhecia-a como se tivesse andado pelas suas ruas, por lhe ter sido descrita por Frankie Simmons e, na realidade, por ser, também muito semelhante às diversas povoações do Oeste que visitara durante a sua existência errante. Sim, aquele luxuoso edifício de madeira era o «saloon» de Eddie Bipsho.
Desmontou e amarrou o cavalo à barra e, com passo firme, entrou no estabelecimento. Este estava bastante frequentado, apesar de ser quase meio-dia.
A entrada de Harry despertou uma inusitada expectativa. O jovem apercebeu-se disso por causa do espanto que se refletiu em alguns semblantes e pelo ruído produzido por algumas cadeiras, ao levantarem-se precipitadamente os que nelas se sentavam. Todavia, fingiu que não compreendia e aproximou-se tranquilamente do balcão.
— Bill — pediu com indolência — quero um copo de cerveja. O «barman» serviu-o de forma automática, como se não acreditasse no que os seus olhos viam.
— Acaso te surpreende o facto de me veres aqui, Bill? — perguntou com suavidade.
O homem respondeu com um movimento afirmativo da cabeça.
— Compreendo — e Harry sorriu divertido — julgavas que aqueles coiotes me tinham matado. Mas não foi assim, dois deles caíram para não mais se levantarem. Creio que um deles era Shapiro.
Bebeu um gole de cerveja e, pelo espelho, viu que se aproximava dele um homem alto e corpulento. O seu aspeto era brutal e não duvidou de que se trataria de um dos homens de Bipsho. Permaneceu imperturbável até que ouviu um forte vozeirão que dizia: Richard Graham, disse que não te queria voltar a ver aqui. Harry voltou-se lentamente. — E porquê? — perguntou.
A serenidade de que o jovem dava mostras impressionou o seu interlocutor, que coçou o queixo, perplexo.
— Já te fiz demasiados avisos. E o homenzarrão deu dois passos, ameaçador, para Harry que o via aproximar e estava imperturbável. S6 se voltou ligeiramente quando o formidável punho do seu adversário lhe passou roçando a cabeça; graças a um hábil movimento evitou ser atingido pelo potente soco. Afastou-se do balcão enquanto o seu inimigo recobrava o equilíbrio.
— Duro nele, Murphy — disse uma voz — mas não batas com muita força que podes estragar o seu belo físico.
O corpulento Murphy soltou uma gargalhada e dispôs-se a socar o jovem. Tudo sucedeu como da vez anterior, com a diferença de que, quando o punho de Murphy passou roçando a cabeça de Harry, este, com rapidez, atingiu secamente o nariz do seu inimigo que soltou um grito de dor.
O gigante enfureceu-se e lançou-se para a frente, batendo à esquerda e à direita; mas de súbito, dois socos secos e potentes que o atingiram em pleno rosto fizeram-no retroceder vários passos. Harry contemplou-o surpreendido. Havia batido com prazer, os dois socos haviam atingido Murphy e este limitara-se a recuar, quando ele julgava que cairia pesadamente.
***
O sangue brotou da ferida recebida ao ser atingido por um soco na face que o atirou sobre os espectadores. Sentia-se aturdido, e viu que Murphy avançava para ele, com um sinistro sorriso de triunfo no semblante sanguinolento.
Reunindo as suas energias disparou o punho sobre ele, ao mesmo tempo que recebia um potente golpe. Encaixou-o bem e sentiu que se dissipavam os efeitos adormecedores em que o seu cérebro estava mergulhado, dando-se conta perfeitamente de que o soco que acabava de aplicar provocara efeitos demolidores no seu adversário.
Não se entreteve mais e os punhos castigaram Murphy sem cessar, obrigando este a retroceder cambaleando. Perseguiu-o sem lhe dar tréguas, pois não lhe queria permitir que se recompusesse, desejando acabar de vez com aquela luta cruenta, visto que as suas energias se esgotavam. O seu punho direito partiu violentamente e o gigante caiu para trás. Um silêncio absoluto reinava no «saloon», ouvindo-se as respirações agitadas dos dois contendores.
Harry deu a luta por terminada, mas, surpreendido, viu que Murphy se endireitava cambaleando e se dirigia para ele. Evitou com facilidade o murro que o seu antagonista lhe dirigira, ainda cheio de potência e o seu punho esquerdo castigou o fígado do corpulento foragido que caiu, retorcendo-se de dor no solo. Harry esfregou os nós dos dedos doridos, enquanto olhava o corpo maltratado do seu inimigo; agora, sim, Joe Murphy ficara fora de combate de forma definitiva.
Dirigiu-se para o balcão, enquanto vários homens o felicitavam efusivamente. De um trago bebeu o conteúdo do copo que, continuava no lugar onde o deixara.
O «barman» contemplava-o com pueril admiração e não pôde deixar de sorrir ao vê-lo. Viu então avançar na sua direção um homem alto e elegante. Vestia com gosto e um sorriso punha-lhe a descoberto a dentadura branca.
— Felicito-o, Richard, foi uma façanha o facto de ter vencido Joe Murphy.
— Acho que sim, Bipsho — respondeu com ironia.
Não tinha dúvidas de que o homem que estava na sua frente era o que ordenara a morte de Richard Graham e que acabava de enviar o gigante para o eliminar. Alegrou-se de que o engano não tivesse sido descoberto, de que estivessem persuadidos de que se tratava do próprio Richard. Eddie Bipsho fingiu que não se apercebia do tom do seu interlocutor e, voltando-se para o «barman», ordenou:
— Bill, serve dois uísques.
— Obrigado, creio que me saberá bem.
— Um bom uísque sabe sempre bem e muito mais depois de se ter realizado um duro exercício.
Harry não respondeu, pois olhava para uma atraente loira que se aproximava dele. Devia ser Linda Morgan.
Era tal e qual como a descrevera Frankie Simmons: formosa e insinuante.
— Esteve magnífico, Richard.
— Obrigado pelo elogio, Linda. E Harry bebeu o uísque de um trago, sentindo-se reconfortado.
— Venha, Richard, vou curar-lhe as feridas.
— Sim, esse porco rasgou-me uma das faces com uma cabeçada.
O jovem seguiu a formosa artista, depois de fazer um ligeiro cumprimento com a cabeça a Eddie Bipsho que franziu as sobrancelhas ao vê-lo partir.
Linda conduziu o jovem para uma pequena sala e limpou-lhe o rosto com habilidade, tratando-lhe do ferimento que aliás não tinha importância.
— Estou-lhe muito agradecido, Linda.
Ela moveu a cabeça desdenhosamente.
— Não diga tolices. Fi-lo com prazer. Entusiasmou-me a sova que aplicou a Murphy, pois ele é um tipo brutal. O senhor limitou-se a vencê-lo; ele tê-lo-ia matado, se pudesse.
— Acredito.
—E por que aceitou a luta?
— Não podia recusá-la e passar por um cobarde. Além disso tinha a certeza de o vencer.
O perturbador olhar das pupilas verdes cravou-se com insistência em Harry. Este sentiu-se perscrutado até ao mais íntimo do seu ser, tendo de recorrer a toda a sua força de vontade para o sustentar com indiferença. Estava convencido de que as relações entre Richard e Linda Morgan não haviam passado da superficialidade e que a artista não sentia pelo jovem fazendeiro muita simpatia e de que, se fizera alguns esforços para o atrair, fora devido a qualquer plano traçado por Eddie Bipsho.
— E por que não a aceitou há seis dias, em vez de se ir embora como um cobarde?
— Agora é diferente.
— Acho-o estranho, Richard.
Harry não desejava ouvir estas palavras. Queria ter uma grande semelhança com o irmão de Ruth, embora a conduta a seguir fosse muito diferente. Sentia-se mais intranquilo, quando se enfrentava com Eleonor Horner e Linda Morgan que quando os seus interlocutores eram Eddie Bipsho e os seus pistoleiros ou os vaqueiros do rancho.
As mulheres eram mais perspicazes, os seus olhares pousavam sobre ele, inquiridores, como se quisessem ler nos seus olhos o segredo daquela súbita transformação, pois já não o viam com um jovem indiferente, ávido de prazeres, mas sim como um homem forte e decidido, dispondo-se a lutar contra todos os obstáculos que se apresentassem no seu caminho.
Ambas o amavam: Eleonor desde criança e vira como no seu rosto o amor ressuscitava poderoso e pujante, apesar dos esforços que fizera para não se denunciar.
Linda Morgan, pelo contrário, era diferente. Tratava-o como se ele acabasse de nascer, como se a indiferença que Richard Graham sempre lhe inspirara se dissipasse perante a audaz entrada que fizera no «saloon», sem receio de ser atacado e a formidável sova que aplicara a um homem tão temível como Joe Murphy.
Harry sentia tão perto de si o corpo perturbador da artista, via o rosto de Linda tão perto do seu e os lábios sensuais a tão curta distância oferecendo-se-lhe de forma irresistível que teve de fazer um esforço poderoso para não a estreitar entre os braços e a beijar com ardor. Linda sorriu despeitada, ao ver que o homem não se rendia aos seus encantos.
—É uma excelente enfermeira. Terei de procurar outra oportunidade para ficar ferido e as suas belas mãos me tratarem.
E, tomando uma das mãos da artista, beijou-a com suavidade. Linda acariciou os cabelos negros, enquanto os seus lábios soltavam um impercetível suspiro.
— Acho-o muito estranho, Richard, como se fosse outro homem muito diferente.
— De certo modo sou-o, Linda, de forma alguma estou disposto a vender a minha propriedade e por isso já não sou o indiferente desocupado que fui até agora, mas enfrentarei todo aquele que quiser arrebatar-me o rancho.
Reunindo as suas energias disparou o punho sobre ele, ao mesmo tempo que recebia um potente golpe. Encaixou-o bem e sentiu que se dissipavam os efeitos adormecedores em que o seu cérebro estava mergulhado, dando-se conta perfeitamente de que o soco que acabava de aplicar provocara efeitos demolidores no seu adversário.
Não se entreteve mais e os punhos castigaram Murphy sem cessar, obrigando este a retroceder cambaleando. Perseguiu-o sem lhe dar tréguas, pois não lhe queria permitir que se recompusesse, desejando acabar de vez com aquela luta cruenta, visto que as suas energias se esgotavam. O seu punho direito partiu violentamente e o gigante caiu para trás. Um silêncio absoluto reinava no «saloon», ouvindo-se as respirações agitadas dos dois contendores.
Harry deu a luta por terminada, mas, surpreendido, viu que Murphy se endireitava cambaleando e se dirigia para ele. Evitou com facilidade o murro que o seu antagonista lhe dirigira, ainda cheio de potência e o seu punho esquerdo castigou o fígado do corpulento foragido que caiu, retorcendo-se de dor no solo. Harry esfregou os nós dos dedos doridos, enquanto olhava o corpo maltratado do seu inimigo; agora, sim, Joe Murphy ficara fora de combate de forma definitiva.
Dirigiu-se para o balcão, enquanto vários homens o felicitavam efusivamente. De um trago bebeu o conteúdo do copo que, continuava no lugar onde o deixara.
O «barman» contemplava-o com pueril admiração e não pôde deixar de sorrir ao vê-lo. Viu então avançar na sua direção um homem alto e elegante. Vestia com gosto e um sorriso punha-lhe a descoberto a dentadura branca.
— Felicito-o, Richard, foi uma façanha o facto de ter vencido Joe Murphy.
— Acho que sim, Bipsho — respondeu com ironia.
Não tinha dúvidas de que o homem que estava na sua frente era o que ordenara a morte de Richard Graham e que acabava de enviar o gigante para o eliminar. Alegrou-se de que o engano não tivesse sido descoberto, de que estivessem persuadidos de que se tratava do próprio Richard. Eddie Bipsho fingiu que não se apercebia do tom do seu interlocutor e, voltando-se para o «barman», ordenou:
— Bill, serve dois uísques.
— Obrigado, creio que me saberá bem.
— Um bom uísque sabe sempre bem e muito mais depois de se ter realizado um duro exercício.
Harry não respondeu, pois olhava para uma atraente loira que se aproximava dele. Devia ser Linda Morgan.
Era tal e qual como a descrevera Frankie Simmons: formosa e insinuante.
— Esteve magnífico, Richard.
— Obrigado pelo elogio, Linda. E Harry bebeu o uísque de um trago, sentindo-se reconfortado.
— Venha, Richard, vou curar-lhe as feridas.
— Sim, esse porco rasgou-me uma das faces com uma cabeçada.
O jovem seguiu a formosa artista, depois de fazer um ligeiro cumprimento com a cabeça a Eddie Bipsho que franziu as sobrancelhas ao vê-lo partir.
Linda conduziu o jovem para uma pequena sala e limpou-lhe o rosto com habilidade, tratando-lhe do ferimento que aliás não tinha importância.
— Estou-lhe muito agradecido, Linda.
Ela moveu a cabeça desdenhosamente.
— Não diga tolices. Fi-lo com prazer. Entusiasmou-me a sova que aplicou a Murphy, pois ele é um tipo brutal. O senhor limitou-se a vencê-lo; ele tê-lo-ia matado, se pudesse.
— Acredito.
—E por que aceitou a luta?
— Não podia recusá-la e passar por um cobarde. Além disso tinha a certeza de o vencer.
O perturbador olhar das pupilas verdes cravou-se com insistência em Harry. Este sentiu-se perscrutado até ao mais íntimo do seu ser, tendo de recorrer a toda a sua força de vontade para o sustentar com indiferença. Estava convencido de que as relações entre Richard e Linda Morgan não haviam passado da superficialidade e que a artista não sentia pelo jovem fazendeiro muita simpatia e de que, se fizera alguns esforços para o atrair, fora devido a qualquer plano traçado por Eddie Bipsho.
— E por que não a aceitou há seis dias, em vez de se ir embora como um cobarde?
— Agora é diferente.
— Acho-o estranho, Richard.
Harry não desejava ouvir estas palavras. Queria ter uma grande semelhança com o irmão de Ruth, embora a conduta a seguir fosse muito diferente. Sentia-se mais intranquilo, quando se enfrentava com Eleonor Horner e Linda Morgan que quando os seus interlocutores eram Eddie Bipsho e os seus pistoleiros ou os vaqueiros do rancho.
As mulheres eram mais perspicazes, os seus olhares pousavam sobre ele, inquiridores, como se quisessem ler nos seus olhos o segredo daquela súbita transformação, pois já não o viam com um jovem indiferente, ávido de prazeres, mas sim como um homem forte e decidido, dispondo-se a lutar contra todos os obstáculos que se apresentassem no seu caminho.
Ambas o amavam: Eleonor desde criança e vira como no seu rosto o amor ressuscitava poderoso e pujante, apesar dos esforços que fizera para não se denunciar.
Linda Morgan, pelo contrário, era diferente. Tratava-o como se ele acabasse de nascer, como se a indiferença que Richard Graham sempre lhe inspirara se dissipasse perante a audaz entrada que fizera no «saloon», sem receio de ser atacado e a formidável sova que aplicara a um homem tão temível como Joe Murphy.
Harry sentia tão perto de si o corpo perturbador da artista, via o rosto de Linda tão perto do seu e os lábios sensuais a tão curta distância oferecendo-se-lhe de forma irresistível que teve de fazer um esforço poderoso para não a estreitar entre os braços e a beijar com ardor. Linda sorriu despeitada, ao ver que o homem não se rendia aos seus encantos.
—É uma excelente enfermeira. Terei de procurar outra oportunidade para ficar ferido e as suas belas mãos me tratarem.
E, tomando uma das mãos da artista, beijou-a com suavidade. Linda acariciou os cabelos negros, enquanto os seus lábios soltavam um impercetível suspiro.
— Acho-o muito estranho, Richard, como se fosse outro homem muito diferente.
— De certo modo sou-o, Linda, de forma alguma estou disposto a vender a minha propriedade e por isso já não sou o indiferente desocupado que fui até agora, mas enfrentarei todo aquele que quiser arrebatar-me o rancho.
quarta-feira, 24 de janeiro de 2018
PAS833. A ilusão do reencontro romântico
Harry vencera a primeira escaramuça, mas isto, na realidade, não tinha nenhum significado, além de não ser atacado com facilidade, pois os seus inimigos já o temeriam. O momento cruciante seria quando enfrentasse Eddie Bipsho; não duvidava de que se iniciaria uma luta cruenta entre eles, e antes que esta se produzisse dose java tomar algumas posições que diminuíssem a vantagem dos seus inimigos.
Agora os seus inimigos já sabiam que ele não era indolente rapaz que não se importava absolutamente nada com o que pudesse acontecer em Evil Town e no seu próprio rancho, mas sim um homem rápido, um lutador temível que não hesitava em fazer frente aos seus inimigos, embora estes fossem superiores em número.
De súbito deteve o seu cavalo; acabava de ouvir o nome de Richard e não teve dúvidas de que o chamavam. O seu olhar pousou numa jovem que vestia um simples, mas elegante vestido. Harry pestanejou deslumbrado.
A sua beleza ultrapassava muitíssimo os elogios que Frankie Simmons lhe fizera ao descrevê-la, e isso apesar de o capataz não ter sido nada parco nos seus elogios.
O intenso olhar em que o envolviam aquelas formosas pupilas azuis desconcertou-o. Tratava-se de Eleonor Horner, a ex-noiva de Richard Graham. Aquele encontro não havia entrado nos seus cálculos daquele dia, pelo que ficou aturdido. Recuperou imediatamente a serenidade. Saltou do cavalo e ficou em frente da jovem.
— Bons dias, Eleonor, há muito tempo que não te via.
— Sim, há muito tempo e a verdade é que não me importa — respondeu a jovem desdenhosamente,
Harry tirara o chapéu e dava-lhe voltas nas mãos. Não sabia como atuar, as relações entre Richard e aquela jovem haviam ficado interrompidas pela incorreta conduta do irmão de Ruth Graham. Eleonor era orgulhosa, demonstravam-no as palavras que acabava de proferir, de modo que não compreendia o motivo que a levara a chamá-lo e na sua voz julgara notar um tom de ansiedade. Decidiu apelar para a sua audácia.
— Então por que me chamaste?
O rosto de Eleonor empalideceu.
—És um insolente.
— E tu muito bonita.
— Não consinto que troces de mim, Richard.
— Nunca o fiz, Eleonor, tu bem sabes, nunca me atreveria, és a pessoa que mais amo.
Harry ficou surpreendido com o que acabava de dizer. Como se atrevia a falar daquela forma à formosa jovem que estava trémula diante dele? Não o sabia, mas fora devido talvez a qualquer coisa de mais poderoso que a sua vontade, sentia-se capaz de todos os sacrifícios para lhe arrancar um sorriso, ou que aqueles formosos olhos o fixassem com ternura e tudo o que conseguira fora fazê-la empalidecer.
Acabava de cometer uma patifaria, bem digna das que cometia Richard Graham de forma inconsciente. Notou uma lágrima trémula nas pupilas azuis e admirou a forte vontade da jovem ao fazê-la desaparecer; tudo foi questão de um instante e até chegou a duvidar de que tivesse divisado aquela lágrima furtiva.
— Não tens o direito de me falar assim.
— Tenho, Eleonor e tê-lo-ei até que um de nós deixe de existir.
— Portaste-te muito mal, Richard. — A voz de Eleonor estava impregnada de tristeza.
— Eu sei, e gostaria que alguma vez pudesses esquecer.
E Harry ergueu a mão direita e acariciou a face lisa da jovem, que estremeceu ao seu contacto. Depois introduziu os dedos na cabeleira loura.
— Está quieto, Richard, podem ver-nos.
— Não tens o direito de me falar assim.
— Continuas a ser odioso.
Eleonor ia dar meia volta, mas foi detida pela mão firme dele, que lhe agarrou o braço com força.
— Ainda não me disseste, o motivo por que me chamaste.
A expressão de Eleonor suavizou-se.
— Tem cuidado, Richard. Sai da povoação, a tua vida corre perigo.
— E, segundo parece, isso inquieta-te.
— Não sejas cruel.
— Alegra-me poder comprová-lo. Não partirei, não quero continuar a cometer os numerosos erros destes últimos anos. Cumprirei o meu dever apesar de todos os riscos que tenha de afrontar.
Eleanor olhava-o, subjugada.
— Não sei porquê, mas vejo-te muito diferente, como se fosses outro.
Harry estremeceu. Talvez tivesse ido muito longe na sua audácia e ele próprio se tivesse denunciado. Recordou ter ouvido dizer que uma mulher enamorada é muito perspicaz.
— Gostas mais de mim assim? — perguntou ironicamente.
A jovem assentiu sem se aperceber, mas refazendo-se, respondeu:
—És odioso.
Harry inclinou-se e beijou com suavidade os lábios vermelhos.
— Não te zangues comigo, Eleonor.
E, com um salto ágil montou o seu cavalo, afastando--se sem voltar a cabeça.
— Se voltas a fazê-lo...
E Eleonor deteve-se, ao mesmo tempo que desaparecia toda a sua indignação. O seu rosto estava avermelhado. Olhou em todas as direções para verificar se a inesperada conduta de Richard fora observada e tranquilizou-se ao ver que não era objeto da atenção das escassas pessoas que andavam pela rua poeirenta. Sim, Richard Graham pareceu-lhe muito diferente daquele que sempre conhecera. Notava nele uma maior desenvoltura e uma expressão de rosto mais firme.
A prova da sua maior decisão estava em que até então nunca se atrevera a beijá-la e agora acabava de o fazer em plena rua, sem recear que ela se zangasse. Sorriu, sem saber o motivo por que voltava a confiar naquele homem a quem amava desde criança e que depois demonstrara não ser digno do seu amor.
Agora os seus inimigos já sabiam que ele não era indolente rapaz que não se importava absolutamente nada com o que pudesse acontecer em Evil Town e no seu próprio rancho, mas sim um homem rápido, um lutador temível que não hesitava em fazer frente aos seus inimigos, embora estes fossem superiores em número.
De súbito deteve o seu cavalo; acabava de ouvir o nome de Richard e não teve dúvidas de que o chamavam. O seu olhar pousou numa jovem que vestia um simples, mas elegante vestido. Harry pestanejou deslumbrado.
A sua beleza ultrapassava muitíssimo os elogios que Frankie Simmons lhe fizera ao descrevê-la, e isso apesar de o capataz não ter sido nada parco nos seus elogios.
O intenso olhar em que o envolviam aquelas formosas pupilas azuis desconcertou-o. Tratava-se de Eleonor Horner, a ex-noiva de Richard Graham. Aquele encontro não havia entrado nos seus cálculos daquele dia, pelo que ficou aturdido. Recuperou imediatamente a serenidade. Saltou do cavalo e ficou em frente da jovem.
— Bons dias, Eleonor, há muito tempo que não te via.
— Sim, há muito tempo e a verdade é que não me importa — respondeu a jovem desdenhosamente,
Harry tirara o chapéu e dava-lhe voltas nas mãos. Não sabia como atuar, as relações entre Richard e aquela jovem haviam ficado interrompidas pela incorreta conduta do irmão de Ruth Graham. Eleonor era orgulhosa, demonstravam-no as palavras que acabava de proferir, de modo que não compreendia o motivo que a levara a chamá-lo e na sua voz julgara notar um tom de ansiedade. Decidiu apelar para a sua audácia.
— Então por que me chamaste?
O rosto de Eleonor empalideceu.
—És um insolente.
— E tu muito bonita.
— Não consinto que troces de mim, Richard.
— Nunca o fiz, Eleonor, tu bem sabes, nunca me atreveria, és a pessoa que mais amo.
Harry ficou surpreendido com o que acabava de dizer. Como se atrevia a falar daquela forma à formosa jovem que estava trémula diante dele? Não o sabia, mas fora devido talvez a qualquer coisa de mais poderoso que a sua vontade, sentia-se capaz de todos os sacrifícios para lhe arrancar um sorriso, ou que aqueles formosos olhos o fixassem com ternura e tudo o que conseguira fora fazê-la empalidecer.
Acabava de cometer uma patifaria, bem digna das que cometia Richard Graham de forma inconsciente. Notou uma lágrima trémula nas pupilas azuis e admirou a forte vontade da jovem ao fazê-la desaparecer; tudo foi questão de um instante e até chegou a duvidar de que tivesse divisado aquela lágrima furtiva.
— Não tens o direito de me falar assim.
— Tenho, Eleonor e tê-lo-ei até que um de nós deixe de existir.
— Portaste-te muito mal, Richard. — A voz de Eleonor estava impregnada de tristeza.
— Eu sei, e gostaria que alguma vez pudesses esquecer.
E Harry ergueu a mão direita e acariciou a face lisa da jovem, que estremeceu ao seu contacto. Depois introduziu os dedos na cabeleira loura.
— Está quieto, Richard, podem ver-nos.
— Não tens o direito de me falar assim.
— Continuas a ser odioso.
Eleonor ia dar meia volta, mas foi detida pela mão firme dele, que lhe agarrou o braço com força.
— Ainda não me disseste, o motivo por que me chamaste.
A expressão de Eleonor suavizou-se.
— Tem cuidado, Richard. Sai da povoação, a tua vida corre perigo.
— E, segundo parece, isso inquieta-te.
— Não sejas cruel.
— Alegra-me poder comprová-lo. Não partirei, não quero continuar a cometer os numerosos erros destes últimos anos. Cumprirei o meu dever apesar de todos os riscos que tenha de afrontar.
Eleanor olhava-o, subjugada.
— Não sei porquê, mas vejo-te muito diferente, como se fosses outro.
Harry estremeceu. Talvez tivesse ido muito longe na sua audácia e ele próprio se tivesse denunciado. Recordou ter ouvido dizer que uma mulher enamorada é muito perspicaz.
— Gostas mais de mim assim? — perguntou ironicamente.
A jovem assentiu sem se aperceber, mas refazendo-se, respondeu:
—És odioso.
Harry inclinou-se e beijou com suavidade os lábios vermelhos.
— Não te zangues comigo, Eleonor.
E, com um salto ágil montou o seu cavalo, afastando--se sem voltar a cabeça.
— Se voltas a fazê-lo...
E Eleonor deteve-se, ao mesmo tempo que desaparecia toda a sua indignação. O seu rosto estava avermelhado. Olhou em todas as direções para verificar se a inesperada conduta de Richard fora observada e tranquilizou-se ao ver que não era objeto da atenção das escassas pessoas que andavam pela rua poeirenta. Sim, Richard Graham pareceu-lhe muito diferente daquele que sempre conhecera. Notava nele uma maior desenvoltura e uma expressão de rosto mais firme.
A prova da sua maior decisão estava em que até então nunca se atrevera a beijá-la e agora acabava de o fazer em plena rua, sem recear que ela se zangasse. Sorriu, sem saber o motivo por que voltava a confiar naquele homem a quem amava desde criança e que depois demonstrara não ser digno do seu amor.
terça-feira, 23 de janeiro de 2018
segunda-feira, 22 de janeiro de 2018
ARZ156. Cavagada trágica
(Coleção Arizona, nº 156).
Harry Morgan tinha a particularidade de ser extraordinariamente parecido com Richard Graham. Ao aproximar-se de Evil Town foi abordado por dois cavaleiros que lhe propuseram que adotasse a identidade de Richard o qual havia sido baleado e estava às portas morte. Seria essa a forma de o rancho permanecer na família.
Harry aceitou o desafio e preparou-se para esclarecer as causas da morte de Richard. Foi preparado para se parecer com este em todos os aspetos e até conseguiu iludir a noiva. Curiosamente foi perante a artista Linda Morgan que teve mais dificuldades, as quais acabou por superar com relativa eficácia para desespero da mesma.
A cavalgada acabou por ser trágica para os facínoras, a artista teve que abandonar a povoação escoltada por Harry e amigos e a noiva de Richard acabou por se apaixonar pelo herói e não permitiu que se escapasse.
domingo, 21 de janeiro de 2018
sábado, 20 de janeiro de 2018
sexta-feira, 19 de janeiro de 2018
quinta-feira, 18 de janeiro de 2018
quarta-feira, 17 de janeiro de 2018
terça-feira, 16 de janeiro de 2018
PAS832. Uma rosa vermelha e traiçoeira
Isto cantava a bailarina Aline Norman, enquanto as suas seis «girls» dançavam, balouçando premeditadamente os quadris. Aline viu entrar a figura atlética de Harold Rodney e dirigiu-lhe um olhar interrogativo. Rodney pareceu não reparar no gesto da rapariga e esta continuou a descrever para uma assembleia pouco interessada de jogadores a cor vermelha das rosas e do seu coração.
*****************************************
Aline falava com Harold...
— Não é «mister» Karl Stanzer um tipo demoníaco? Ele não pode atacar Martin Stanzer em virtude do que está expresso no testamento. Contudo, um punhado de foragidos pode destruir o rancho numa noite. E as carroças, cheias de sal e de água, deixarão improdutivas, por muito tempo, as terras de Karl Stanzer. Sim. O senhor Karl Stanzer deve ter pensado nestes pormenores. Não é em vão que se medita, durante anos inteiros. Todos esses forasteiros, com «mister» Kerr à cabeça, darão cabo de tudo o que se lhes deparar. Que dizes a isto, xerife?
Rodney ficou pensativo. A rapariga não deixava de olhar para ele.
— Que tencionas fazer? — perguntou, de novo, Aline.
— Necessito de dar uma passeata — retorquiu Harold, com um sorriso. — Sim. Preciso de sair...
A bailarina interpôs-se, então, entre ele e a porta.
— Não penses que me vais enganar, Harold — disse--lhe muito séria. — Sei que vieste para Stanzerville, não por gostares da cidade ou da gente que nela vive. Não vale a pena negares esta verdade. Tu nunca me conseguiste enganar. Vieste, sim, porque ouviste, certo dia, o senhor Karl explicar o que tencionava fazer...
— Admitamos isso — respondeu Harold. A sensação de estar a ser espiado voltara a apoderar-se dele.. — E o que tem?
Olhou em redor, mas não conseguiu descortinar de onde poderiam observá-lo.
— Tem muito — disse Aline. — Não tens qualquer possibilidade de escapar, vivo, deste «negócio». Nem tão-pouco poderás evitar o que parece ser inevitável. Mas existe uma oportunidade. Uma ocasião, para te salvares agora.
— E qual é? — indagou Harold sentindo que o perigo se tornava mais real.
— Fugires daqui... comigo.
Harold fitou-a e, por um momento, abrandou a vigilância.
— Que disseste, pequena?
— Aquilo que ouviste. a única possibilidade que tens de sair vivo desta casa acrescentou, baixando a voz.
— Eu… eu já sabes que... — e os olhos dela brilharam. — Bem... Eu estou a brincar, meu palerma.
Harold sorriu. Agarrou-a pelos braços e, mirando-a nos olhos, disse:
— Na minha opinião, és a rapariga mais engraçada que vi até hoje. Todavia, não posso fazer o que me aconselhas.
— Porquê? — perguntou ela num tom irritado. —Compreendo! Trata-se da filha do Stanzer, não é? O motivo que te impede de seguires o meu alvitre é essa rapariga?
Harold largou-a.
—Suponhamos que sim... O caso muda de figura?
— Pelo menos és sincero... Brutalmente sincero —respondeu a jovem.
Hesitou um momento. Os seus olhos tinham um brilho estranho.
— Continua, rapaz — acrescentou.
— Ê bem feito por eu andar a sonhar quando deveria... — principiou ele com ternura.
Nesse instante soaram duas pancadas na porta. Aline ergueu os olhos, mas Rodney não pôde ler neles qualquer surpresa.
— Já conheces o caminho -- disse a bailarina. Vai a minha casa...
Com a sensação de que a cada momento se ia fechando mais à sua volta algo que não sabia explicar, Harold refugiou-se no quarto contíguo. Aline abriu a porta enquanto ele se detinha para ouvir, antes de verificar se a janela estava ou não aberta. Deixara o cavalo nas traseiras da casa. Para encontrá-lo, bastava-lhe, pois, sair dali. Quatro homens entraram.
Eram Karl Stanz. «Ghost» e dois dos seus guarda-costas. Karl perguntou qualquer coisa em voz baixa e a rapariga respondeu-lhe no mesmo tom. Depois, o senhor de Stanzerville, levantou a voz.
— Amanhã à noite — disse, como se respondes, a uma pergunta da jovem -- soarão as trombetas do juízo final, para esse miserável que tentou humilhar-me com as suas belas e nobres acções. Soará o castigo para o homem que, quando éramos crianças, roubou até o pão que eu devia comer, o homem que..:
Rodney notou que «Ghost» e os outros dois brutamontes, apesar de atentos às palavras do chefe, avançavam lentamente para a porta do quarto onde se ocultara. Foi então que compreendeu tudo. A. armadilha tinha funcionado perfeitamente.
«Aline, Aline — pensou. — Não serias mulher se procedesses de outro modo!».
Experimentou a janela, sem fazer ruído. Estava E chada. O revólver saiu silenciosamente do coldre direito. Havia poucas probabilidades de escapar numa luta contra três homens armados, mas, pelo menos, vender-lhes-ia por bom preço a sua pele. E talvez «mister» Karl Stanzer não chegasse a ver o dia da vingança que sonhava.
—E pronto, Aline — dizia a voz de Karl.
Desta vez soava mais distante. Harold não podia vê-lo mas percebeu que o valente «mister» Stanzer tinha escolhido uma posição estratégica, para não arriscar o físico. Rodney mordeu os lábios e preparou-se para agir. Não foi, porém, necessário. A voz de Aline chegou, de novo, até ele.
— Salva-te, Harold! — gritou a bailarina.
A última sílaba soou abafada, pois «Ghost» tapara, com a mão, a boca da rapariga.
Os dois guarda-costas tinham principiado a disparar para o quarto onde Rodney se encontrava, descarregando, com fúria, os tambores dos revólveres sobre o frágil mobiliário. Harold esquivou-se e, graças aos seus músculos bem exercitados, transpôs, de um salto, a distância que o separava da janela.
Os vidros estilhaçaram-se, tendo-o ferido, um deles, no pescoço e outro num braço. A verdade, porém, é que se via agora ao ar livre e não metido naquela autêntica armadilha. Mas, como é óbvio, o seu cavalo não se encontrava nas redondezas.
Quem estacionava no local era um homem que ficou muito surpreendido com a súbita e ruidosa aparição do xerife. Não conseguiu., todavia, servir-se a 'tempo da carabina. Rodney prostrou-o com um tiro certeiro. Depois, correndo velozmente, logrou pôr-se fora do alcance das balas que lhe dirigiam da j anela. Um coro de berros e maldições acompanhou-o na fuga. Karl Stanzer apodava de cobardes os seus homens.
Nessa altura Harold descobriu o cavalo que pertencia ao homem que haviam colocado de guarda às traseiras da casa. Sem hesitar, saltou-lhe para a sela e logo a seguir inclinou-se todo para um lado da montada, como se uma campainha de alarme o tivesse avisado do perigo que o ameaçava. Uma bala levou-lhe o chapéu. Voltou-se para trás e disparou quase sem fazer pontaria. Um grito foi a resposta que obteve.
A noite, negra como breu, estava cheia de imprevistos. Harold esporeou o cavalo, e da janela ainda dispararam mais dois tiros contra ele, sem lhe acertarem. O cavalo não valia grande coisa, mas possuía quatro patas e isso bastava. Em menos de quinze segundos tinha •conseguido sair da povoação e galopava, a toda a brida, pela pradaria.
Karl Stanzer virou-se para a rapariga e, num ataque de fúria, esbofeteou-a.
— Maldita! Três vezes maldita!
— Eu já o avisara, chefe — disse «Ghost». — Esta mulher...
Aline empertigou-se.
—Não quis que matassem o único homem que havia aqui — atalhou, com uma expressão insultante. Stanzer empalideceu e o brilho da loucura instalou--se, de novo, nos seus olhos.
— Um traidor não merece viver — gritou. — «Ghost», cumpre a tua obrigação! Deu meia volta e saiu de casa. «Ghost» ficou só, com a jovem.
— Vamos, carrasco, toca a obedecer — disse-lhe Aline com um riso trocista. — Por que esperas?
— O chefe não pretendeu dizer... — principiou «Ghost». Mas como, na realidade, ignorava aquilo que o patrão tinha querido dizer, calou-se. Após uma breve hesitação, acrescentou:
— O que você pode fazer 'de melhor é estar caladinha e não dar nas vistas, durante uns tempos. Creio não haver necessidade de tomarmos medidas drásticas. E não tente ausentar-se. Estes homens nunca a deixariam sair.
Aline conhecia «Ghost» muito bem e o caso não ia ficar por ali. A ideia de fugir passou-lhe pelo cérebro, mas logo se desvaneceu. Como lhe dissera o lugar-tenente de Karl Stanzer, daí em diante ela seria vigiada. A traição que fizera não lhe tinha servido para coisa nenhuma.
«Um prato de lentilhas», pensou a rapariga.
Desde muito nova que não chorava, mas, naquela emergência, sentiu os olhos rasos de água.
«Harold... Harold... Poderás compreender-me?» —murmurou.
Rodney ficou pensativo. A rapariga não deixava de olhar para ele.
— Que tencionas fazer? — perguntou, de novo, Aline.
— Necessito de dar uma passeata — retorquiu Harold, com um sorriso. — Sim. Preciso de sair...
A bailarina interpôs-se, então, entre ele e a porta.
— Não penses que me vais enganar, Harold — disse--lhe muito séria. — Sei que vieste para Stanzerville, não por gostares da cidade ou da gente que nela vive. Não vale a pena negares esta verdade. Tu nunca me conseguiste enganar. Vieste, sim, porque ouviste, certo dia, o senhor Karl explicar o que tencionava fazer...
— Admitamos isso — respondeu Harold. A sensação de estar a ser espiado voltara a apoderar-se dele.. — E o que tem?
Olhou em redor, mas não conseguiu descortinar de onde poderiam observá-lo.
— Tem muito — disse Aline. — Não tens qualquer possibilidade de escapar, vivo, deste «negócio». Nem tão-pouco poderás evitar o que parece ser inevitável. Mas existe uma oportunidade. Uma ocasião, para te salvares agora.
— E qual é? — indagou Harold sentindo que o perigo se tornava mais real.
— Fugires daqui... comigo.
Harold fitou-a e, por um momento, abrandou a vigilância.
— Que disseste, pequena?
— Aquilo que ouviste. a única possibilidade que tens de sair vivo desta casa acrescentou, baixando a voz.
— Eu… eu já sabes que... — e os olhos dela brilharam. — Bem... Eu estou a brincar, meu palerma.
Harold sorriu. Agarrou-a pelos braços e, mirando-a nos olhos, disse:
— Na minha opinião, és a rapariga mais engraçada que vi até hoje. Todavia, não posso fazer o que me aconselhas.
— Porquê? — perguntou ela num tom irritado. —Compreendo! Trata-se da filha do Stanzer, não é? O motivo que te impede de seguires o meu alvitre é essa rapariga?
Harold largou-a.
—Suponhamos que sim... O caso muda de figura?
— Pelo menos és sincero... Brutalmente sincero —respondeu a jovem.
Hesitou um momento. Os seus olhos tinham um brilho estranho.
— Continua, rapaz — acrescentou.
— Ê bem feito por eu andar a sonhar quando deveria... — principiou ele com ternura.
Nesse instante soaram duas pancadas na porta. Aline ergueu os olhos, mas Rodney não pôde ler neles qualquer surpresa.
— Já conheces o caminho -- disse a bailarina. Vai a minha casa...
Com a sensação de que a cada momento se ia fechando mais à sua volta algo que não sabia explicar, Harold refugiou-se no quarto contíguo. Aline abriu a porta enquanto ele se detinha para ouvir, antes de verificar se a janela estava ou não aberta. Deixara o cavalo nas traseiras da casa. Para encontrá-lo, bastava-lhe, pois, sair dali. Quatro homens entraram.
Eram Karl Stanz. «Ghost» e dois dos seus guarda-costas. Karl perguntou qualquer coisa em voz baixa e a rapariga respondeu-lhe no mesmo tom. Depois, o senhor de Stanzerville, levantou a voz.
— Amanhã à noite — disse, como se respondes, a uma pergunta da jovem -- soarão as trombetas do juízo final, para esse miserável que tentou humilhar-me com as suas belas e nobres acções. Soará o castigo para o homem que, quando éramos crianças, roubou até o pão que eu devia comer, o homem que..:
Rodney notou que «Ghost» e os outros dois brutamontes, apesar de atentos às palavras do chefe, avançavam lentamente para a porta do quarto onde se ocultara. Foi então que compreendeu tudo. A. armadilha tinha funcionado perfeitamente.
«Aline, Aline — pensou. — Não serias mulher se procedesses de outro modo!».
Experimentou a janela, sem fazer ruído. Estava E chada. O revólver saiu silenciosamente do coldre direito. Havia poucas probabilidades de escapar numa luta contra três homens armados, mas, pelo menos, vender-lhes-ia por bom preço a sua pele. E talvez «mister» Karl Stanzer não chegasse a ver o dia da vingança que sonhava.
—E pronto, Aline — dizia a voz de Karl.
Desta vez soava mais distante. Harold não podia vê-lo mas percebeu que o valente «mister» Stanzer tinha escolhido uma posição estratégica, para não arriscar o físico. Rodney mordeu os lábios e preparou-se para agir. Não foi, porém, necessário. A voz de Aline chegou, de novo, até ele.
— Salva-te, Harold! — gritou a bailarina.
A última sílaba soou abafada, pois «Ghost» tapara, com a mão, a boca da rapariga.
Os dois guarda-costas tinham principiado a disparar para o quarto onde Rodney se encontrava, descarregando, com fúria, os tambores dos revólveres sobre o frágil mobiliário. Harold esquivou-se e, graças aos seus músculos bem exercitados, transpôs, de um salto, a distância que o separava da janela.
Os vidros estilhaçaram-se, tendo-o ferido, um deles, no pescoço e outro num braço. A verdade, porém, é que se via agora ao ar livre e não metido naquela autêntica armadilha. Mas, como é óbvio, o seu cavalo não se encontrava nas redondezas.
Quem estacionava no local era um homem que ficou muito surpreendido com a súbita e ruidosa aparição do xerife. Não conseguiu., todavia, servir-se a 'tempo da carabina. Rodney prostrou-o com um tiro certeiro. Depois, correndo velozmente, logrou pôr-se fora do alcance das balas que lhe dirigiam da j anela. Um coro de berros e maldições acompanhou-o na fuga. Karl Stanzer apodava de cobardes os seus homens.
Nessa altura Harold descobriu o cavalo que pertencia ao homem que haviam colocado de guarda às traseiras da casa. Sem hesitar, saltou-lhe para a sela e logo a seguir inclinou-se todo para um lado da montada, como se uma campainha de alarme o tivesse avisado do perigo que o ameaçava. Uma bala levou-lhe o chapéu. Voltou-se para trás e disparou quase sem fazer pontaria. Um grito foi a resposta que obteve.
A noite, negra como breu, estava cheia de imprevistos. Harold esporeou o cavalo, e da janela ainda dispararam mais dois tiros contra ele, sem lhe acertarem. O cavalo não valia grande coisa, mas possuía quatro patas e isso bastava. Em menos de quinze segundos tinha •conseguido sair da povoação e galopava, a toda a brida, pela pradaria.
Karl Stanzer virou-se para a rapariga e, num ataque de fúria, esbofeteou-a.
— Maldita! Três vezes maldita!
— Eu já o avisara, chefe — disse «Ghost». — Esta mulher...
Aline empertigou-se.
—Não quis que matassem o único homem que havia aqui — atalhou, com uma expressão insultante. Stanzer empalideceu e o brilho da loucura instalou--se, de novo, nos seus olhos.
— Um traidor não merece viver — gritou. — «Ghost», cumpre a tua obrigação! Deu meia volta e saiu de casa. «Ghost» ficou só, com a jovem.
— Vamos, carrasco, toca a obedecer — disse-lhe Aline com um riso trocista. — Por que esperas?
— O chefe não pretendeu dizer... — principiou «Ghost». Mas como, na realidade, ignorava aquilo que o patrão tinha querido dizer, calou-se. Após uma breve hesitação, acrescentou:
— O que você pode fazer 'de melhor é estar caladinha e não dar nas vistas, durante uns tempos. Creio não haver necessidade de tomarmos medidas drásticas. E não tente ausentar-se. Estes homens nunca a deixariam sair.
Aline conhecia «Ghost» muito bem e o caso não ia ficar por ali. A ideia de fugir passou-lhe pelo cérebro, mas logo se desvaneceu. Como lhe dissera o lugar-tenente de Karl Stanzer, daí em diante ela seria vigiada. A traição que fizera não lhe tinha servido para coisa nenhuma.
«Um prato de lentilhas», pensou a rapariga.
Desde muito nova que não chorava, mas, naquela emergência, sentiu os olhos rasos de água.
«Harold... Harold... Poderás compreender-me?» —murmurou.
segunda-feira, 15 de janeiro de 2018
PAS831. Vozes na noite escura
Carol abandonou a cerca e dirigiu-se lentamente para o rancho. Ia só mas não o sentia. De cabeça baixa passou pelos últimos grupos de trabalhadores que se retiravam, após o jantar no amplo refeitório.
O silêncio que principiava a envolver tudo só era quebrado, de quando em quando, pelo trinar de uma viola ou pelos latidos de um cão.
Uma Lua quase cheia elevava-se no horizonte, emprestando uma claridade fantástica aos edifícios da propriedade. Ergueu os olhos para a casa; vendo luz no escritório do pai perguntou a si própria que motivos o levariam a permanecer acordado até tão tarde.
Subiu para o quarto, que ficava precisamente por cima do escritório, mas não se deitou. A noite parecia-lhe bela demais para que o fizesse. Assomou-se à janela e não tardou que as lágrimas lhe inundassem os olhos.
—Pobre Bertie — murmurou.
Mas sabia que não podia andar a enganar-se por muito tempo.
Não chorava por causa de Bertie cujo ferimento, no fim de contas, era superficial. Chorava pelo mesmo motivo que tem feito chorar tantas raparigas, uma ou mais vezes na vida: uma ilusão fracassada. Chorava por um sonho que, embora fugaz, lograra deixar um rastro na sua alma. Não sabia havia quanto tempo se encontrava a janela.
Sabia apenas que devia estar havia muito, pois todos os ruídos do rancho, incluindo o latido dos cães, haviam desaparecido. Ia retirar-se para a cama, quando lhe pareceu ouvir vozes no escritório. Reconheceu logo urna delas.
Era a de seu pai. Não podia, contudo, distinguir as palavras. Achou muito estranho que se encontrasse alguém com ele àquelas horas, mas também podia ser que o pai estivesse a falar sozinho. Descobrira recentemente que o seu progenitor possuía esse hábito.
Procurou deitar-se mas havia algo que lhe impedia a realização do intento. Era como se uma força misteriosa a grudasse ao chão. Fez um esforço e dirigiu-se para a cama. Nesse instante, o ranger abafado de uma porta chamou-lhe a atenção. Era a porta do escritório. Foi até ao corredor.
Nada mais escutou, apesar de ter apurado o ouvido. Depois, pareceu-lhe sentir gente à porta principal da casa. E, então, decidiu-se. Desceu rapidamente a escada, mas sem fazer ruído, e chegou ao rés-do-chão. Levava na mão o revólver, uma arma. pequena, de cabo nacarado, oferta do pai quando ela festejara os seus vinte anos.
Com efeito, a porta estava aberta e no seu limiar via-se a silhueta de um homem. Ela não seria capaz de dizer se aquela sombra tentava entrar em casa ou se procurava sair.
— Não se mexa — bradou. — Quieto!
A sombra deu um salto e desapareceu no exterior. A jovem correu para a porta e ainda pôde ver o vulto a atravessar o vasto terreiro que ia da residência até às outras casas da propriedade.
A rapariga preparava-se para regressar ao quarto, quando apanhou um dos maiores sustos da sua vida. Sentiu no ombro o peso de uma mão, ao mesmo tempo que uma voz lhe dizia:
—Porque não te deitaste, Carol?
A jovem recuou instintivamente e abriu a boca para soltar um grito, embora já tivesse reconhecido a voz do pai.
— Que significa isto, pai?... Havia aqui um homem. Eu vi-o. Desapareceu por ali... É preciso segui-lo!
— Não — reSpondeu o pai. — Não é necessário irmos atrás dele. Posso encontrá-lo, quando quiser realmente encontrá-lo.
No auge do espanto, Carol perguntou:
— Que representa tudo isto? — Esse homem não é um inimigo, querida. Pelo contrário... É uma pessoa que... Digamos que me mantém ao corrente do que se passa «no outro lado». Vamos, querida... Deves ir descansar...
— Sim — disse ela, obediente.
Beijou o pai na face e dirigiram-se ambos para a escada. Martin Stanzer seguiu-a com o olhar e, logo que viu Carol fechar-se no quarto, recolheu aos seus aposentos.
Mas Carol não se deitou. Precisamente, sob a sua janela, encontrava-se o pequeno alpendre que protegia um dos ornatos que quebravam a monotonia da fachada. Quando era criança, tinha saltado muitas vezes para esse telhadinho e dali para o solo, sem que seus pais o soubessem. Havia muito tempo que não executava aquela espécie de acrobacia, mas o seu corpo era forte e ágil. Gastou apenas dois segundos para sair pela janela e ficar em cima da cobertura. Esta aguentou perfeitamente o peso da jovem.
«No fim de contas — pensou — a dona do rancho sou eu. Posso muito bem sair por uma janela, se me der na gana.»
Saltou para o chão e correu, sem ruído, até chegar ao extremo do imenso pátio. Dali em diante, o sol descia ligeiramente. Ela tinha visto a sombra desaparecer naquele sítio.
Parou, ofegante. No peito, sentia o bater descompassado do coração. Porque é que tinha feito tudo aquilo era algo que não conseguia compreender, agora que se encontrava na obscuridade, sem o latido familiar dos cãos e não muito perto do dormitório dos vaqueiros de seu pai que poderiam ajudá-la, em caso de perigo. Mas a verdade é que se encontrava ali. Olhou para a estrada ladeada de álamos e, de súbito, pareceu-lhe divisar um vulto no meio do arvoredo.
Carol vestia uma camisa muito escura e calças de veludo negro, pelo que não se tornava facilmente visível. Todavia, sentiu um enorme desejo de fugir.
Com efeito, umas sombras moviam-se entre as árvores. Era um homem que conduzia, pela rédea, um cavalo. As palavras do pai haviam sido claras e terminantes e Carol perguntava, a si própria, se não deveria tê-las acatado. À sua frente estava a pessoa que podia esclarecer várias coisas, qualquer das quais «muito» importante para ela.
— Não se mexa! — ordenou. — Estou a apontar--lhe o meu revólver...
A figura pareceu estacar. Foi então, com verdadeiro terror, que a rapariga verificou tê-la perdido de vista. Desde, que não se movesse daquele local, continuaria perfeitamente invisível.
— Apareça — disse. — Disparo se não sair do arvoredo!
Nesse instante, surgiu das árvores um cavalo, sozinho, que avançou para ela em passo vagaroso. Sentiu um calafrio a percorrer-lhe a espinha. Onde estaria o cavaleiro?
Voltou-se.
Era uma jovem corajosa, mas não estava habituada a situações como aquela. As pernas puxavam-na para trás, para o rancho, e o cérebro dizia-lhe que, se desejava «saber a verdade», teria de caminhar para diante. Mas os seus pensamentos foram interrompidos bruscamente. Viu-se agarrada por dois braços robustos e até ela chegou o ruído de uma respiração. Abriu a boca para soltar um grito, mas não conseguiu fazê-lo porque uma mão enluvada lhe tapou os lábios.
— Não guinche — disse-lhe uma voz ao ouvido. —Não lhe vou fazer mal nenhum.
Ela debateu-se, quase enlouquecida de pavor, mas não logrou libertar-se. Julgou reconhecer aquela voz, apesar de tê-la apenas ouvido num sussurro. Obrigaram-na a voltar-se e a mão deixou de tapar-lhe a boca.
Aspirou profundamente e quando quis gritar não pôde fazê-lo. Dois lábios delgados e ardentes quase que lhe roubaram o fôlego.
Sentiu-se desmaiar e as forças abandonaram-na. Soltaram-na imediatamente, tão de súbito que esteve prestes a cair no chão. Um ruído de passos, um vulto que salta para o cavalo... e Carol compreendeu que havia ficado só E tinha perdido a vontade de gritar.
O silêncio que principiava a envolver tudo só era quebrado, de quando em quando, pelo trinar de uma viola ou pelos latidos de um cão.
Uma Lua quase cheia elevava-se no horizonte, emprestando uma claridade fantástica aos edifícios da propriedade. Ergueu os olhos para a casa; vendo luz no escritório do pai perguntou a si própria que motivos o levariam a permanecer acordado até tão tarde.
Subiu para o quarto, que ficava precisamente por cima do escritório, mas não se deitou. A noite parecia-lhe bela demais para que o fizesse. Assomou-se à janela e não tardou que as lágrimas lhe inundassem os olhos.
—Pobre Bertie — murmurou.
Mas sabia que não podia andar a enganar-se por muito tempo.
Não chorava por causa de Bertie cujo ferimento, no fim de contas, era superficial. Chorava pelo mesmo motivo que tem feito chorar tantas raparigas, uma ou mais vezes na vida: uma ilusão fracassada. Chorava por um sonho que, embora fugaz, lograra deixar um rastro na sua alma. Não sabia havia quanto tempo se encontrava a janela.
Sabia apenas que devia estar havia muito, pois todos os ruídos do rancho, incluindo o latido dos cães, haviam desaparecido. Ia retirar-se para a cama, quando lhe pareceu ouvir vozes no escritório. Reconheceu logo urna delas.
Era a de seu pai. Não podia, contudo, distinguir as palavras. Achou muito estranho que se encontrasse alguém com ele àquelas horas, mas também podia ser que o pai estivesse a falar sozinho. Descobrira recentemente que o seu progenitor possuía esse hábito.
Procurou deitar-se mas havia algo que lhe impedia a realização do intento. Era como se uma força misteriosa a grudasse ao chão. Fez um esforço e dirigiu-se para a cama. Nesse instante, o ranger abafado de uma porta chamou-lhe a atenção. Era a porta do escritório. Foi até ao corredor.
Nada mais escutou, apesar de ter apurado o ouvido. Depois, pareceu-lhe sentir gente à porta principal da casa. E, então, decidiu-se. Desceu rapidamente a escada, mas sem fazer ruído, e chegou ao rés-do-chão. Levava na mão o revólver, uma arma. pequena, de cabo nacarado, oferta do pai quando ela festejara os seus vinte anos.
Com efeito, a porta estava aberta e no seu limiar via-se a silhueta de um homem. Ela não seria capaz de dizer se aquela sombra tentava entrar em casa ou se procurava sair.
— Não se mexa — bradou. — Quieto!
A sombra deu um salto e desapareceu no exterior. A jovem correu para a porta e ainda pôde ver o vulto a atravessar o vasto terreiro que ia da residência até às outras casas da propriedade.
A rapariga preparava-se para regressar ao quarto, quando apanhou um dos maiores sustos da sua vida. Sentiu no ombro o peso de uma mão, ao mesmo tempo que uma voz lhe dizia:
—Porque não te deitaste, Carol?
A jovem recuou instintivamente e abriu a boca para soltar um grito, embora já tivesse reconhecido a voz do pai.
— Que significa isto, pai?... Havia aqui um homem. Eu vi-o. Desapareceu por ali... É preciso segui-lo!
— Não — reSpondeu o pai. — Não é necessário irmos atrás dele. Posso encontrá-lo, quando quiser realmente encontrá-lo.
No auge do espanto, Carol perguntou:
— Que representa tudo isto? — Esse homem não é um inimigo, querida. Pelo contrário... É uma pessoa que... Digamos que me mantém ao corrente do que se passa «no outro lado». Vamos, querida... Deves ir descansar...
— Sim — disse ela, obediente.
Beijou o pai na face e dirigiram-se ambos para a escada. Martin Stanzer seguiu-a com o olhar e, logo que viu Carol fechar-se no quarto, recolheu aos seus aposentos.
Mas Carol não se deitou. Precisamente, sob a sua janela, encontrava-se o pequeno alpendre que protegia um dos ornatos que quebravam a monotonia da fachada. Quando era criança, tinha saltado muitas vezes para esse telhadinho e dali para o solo, sem que seus pais o soubessem. Havia muito tempo que não executava aquela espécie de acrobacia, mas o seu corpo era forte e ágil. Gastou apenas dois segundos para sair pela janela e ficar em cima da cobertura. Esta aguentou perfeitamente o peso da jovem.
«No fim de contas — pensou — a dona do rancho sou eu. Posso muito bem sair por uma janela, se me der na gana.»
Saltou para o chão e correu, sem ruído, até chegar ao extremo do imenso pátio. Dali em diante, o sol descia ligeiramente. Ela tinha visto a sombra desaparecer naquele sítio.
Parou, ofegante. No peito, sentia o bater descompassado do coração. Porque é que tinha feito tudo aquilo era algo que não conseguia compreender, agora que se encontrava na obscuridade, sem o latido familiar dos cãos e não muito perto do dormitório dos vaqueiros de seu pai que poderiam ajudá-la, em caso de perigo. Mas a verdade é que se encontrava ali. Olhou para a estrada ladeada de álamos e, de súbito, pareceu-lhe divisar um vulto no meio do arvoredo.
Carol vestia uma camisa muito escura e calças de veludo negro, pelo que não se tornava facilmente visível. Todavia, sentiu um enorme desejo de fugir.
Com efeito, umas sombras moviam-se entre as árvores. Era um homem que conduzia, pela rédea, um cavalo. As palavras do pai haviam sido claras e terminantes e Carol perguntava, a si própria, se não deveria tê-las acatado. À sua frente estava a pessoa que podia esclarecer várias coisas, qualquer das quais «muito» importante para ela.
— Não se mexa! — ordenou. — Estou a apontar--lhe o meu revólver...
A figura pareceu estacar. Foi então, com verdadeiro terror, que a rapariga verificou tê-la perdido de vista. Desde, que não se movesse daquele local, continuaria perfeitamente invisível.
— Apareça — disse. — Disparo se não sair do arvoredo!
Nesse instante, surgiu das árvores um cavalo, sozinho, que avançou para ela em passo vagaroso. Sentiu um calafrio a percorrer-lhe a espinha. Onde estaria o cavaleiro?
Voltou-se.
Era uma jovem corajosa, mas não estava habituada a situações como aquela. As pernas puxavam-na para trás, para o rancho, e o cérebro dizia-lhe que, se desejava «saber a verdade», teria de caminhar para diante. Mas os seus pensamentos foram interrompidos bruscamente. Viu-se agarrada por dois braços robustos e até ela chegou o ruído de uma respiração. Abriu a boca para soltar um grito, mas não conseguiu fazê-lo porque uma mão enluvada lhe tapou os lábios.
— Não guinche — disse-lhe uma voz ao ouvido. —Não lhe vou fazer mal nenhum.
Ela debateu-se, quase enlouquecida de pavor, mas não logrou libertar-se. Julgou reconhecer aquela voz, apesar de tê-la apenas ouvido num sussurro. Obrigaram-na a voltar-se e a mão deixou de tapar-lhe a boca.
Aspirou profundamente e quando quis gritar não pôde fazê-lo. Dois lábios delgados e ardentes quase que lhe roubaram o fôlego.
Sentiu-se desmaiar e as forças abandonaram-na. Soltaram-na imediatamente, tão de súbito que esteve prestes a cair no chão. Um ruído de passos, um vulto que salta para o cavalo... e Carol compreendeu que havia ficado só E tinha perdido a vontade de gritar.
domingo, 14 de janeiro de 2018
PAS830. Encontro no bosque dos álamos
Acabou de vestir-se, cingiu de novo o cinturão e desceu. Àquela hora da manhã, o «Stanzer's» encontrava-se vazio. As mesas e as cadeiras estavam amontoadas junto das paredes e dois criados pretos varriam a sala. Harold saiu para a rua. A luminosidade do sol deslumbrou-o por instantes.
Quando se preparava para atravessar a rua, viu aproximar-se, a toda a velocidade, um trem puxado por uma parelha de belos cavalos. Mal teve tempo de dar um passo atrás. O carro passou-lhe rente ao corpo e parou mais adiante. Conduzia dois homens e uma mulher. Um dos homens era um vaqueiro de Martin Stanzer. Bertie e Carol Stanzer acompanhavam-no.
—Olá — saudou Harold, acercando-se do veículo.
Bertie endireitou o corpo franzino e os seus olhos faiscaram.
— Pois então... — Harold sorriu para a rapariga, mas esta pareceu ignorá-lo. Olhava em frente, com fixidez.
— Vim sem dizer nada ao patrão — informou Bertie — e não estou disposto a falar no meio da rua, como costumam fazer os cães. Quero falar... Queremos falar contigo, em particular.
— Há um bosque de álamos perto de Milles Creek — disse Harold, sentindo que vários olhos o espiavam por detrás das cortinas das janelas.
Dois vaqueiros, embriagados desde a véspera, passaram aos ziguezagues e miraram, com um ar de aprovação alcoólica, a esplêndida figura de Carol Stanzer.
— Poderemos conversar lá, à vontade — disse Rodney.
— Vamos esperar por ti — retorquiu Bertie, com frieza. — Oxalá não nos estejas a enganar... Não te conviria — acrescentou, em tom ameaçador.
E o carro dirigiu-se para a saída da povoação.
Harold ergueu o olhar e viu um rosto de mulher numa das janelas do hotel. Sorriu para ela e, depois, continuou o seu caminho. Meia hora mais tarde achava-se já no lugar do encontro. Chegara ali a cavalo e tinha a sensação de que fora seguido, embora não houvesse avistado ninguém. Numa clareira, deparou-se-lhe o carro e os seus ocupantes. Estes, com exceção do vaqueiro, tinham-se apeado.
— Aqui estou — disse Harold, inclinando-se sobre o arção da sela. Pareceu, todavia, reconsiderar e desceu da montada.
— Nem eu nem a menina queremos perder o nosso tempo — preveniu Bertie com dureza. — Ontem, cinco vaqueiros, cinco trabalhadores do nosso rancho estiveram a jogar nesta maldita povoação. Quero que isso acabe. Se o exemplo se propaga... — meditou um pouco nas consequências que poderiam advir caso a hipótese viesse a verificar-se, mas não encontrou termos para as descrever. — Não quero que os rapazes voltem a jogar nas vossas imundas baiucas.
— E porque é que não dizes isso a eles? — perguntou Harold com brandura.
Carol Stanzer deu um passo em frente.
— Se ainda lhe resta um pouco de... um pouco de carácter — acrescentou num tom de desafio — impeça que os homens de meu pai deixem o dinheiro nas vossas casas de jogo. — A voz tremia-lhe. — Nem eu nem Bertie lhe pedimos nada para nós. Fazemo-lo por meu pai que é o homem mais bondoso do mundo. Creio que até você teve ocasião de avaliá-lo.
Harold manteve-se silencioso durante uns instantes. A sensação de que o haviam seguido tornava-se mais forte agora.
— Se os homens do seu pai quiserem divertir-se um pouco, aos sábados, não posso impedi-los disso —explicou. — Lamento muito. Encarregaram-me de fazer respeitar a lei e a ordem em Stanzerville — disse, apontando a sua estrela de prata. — Se esses indivíduos provocarem distúrbios, expulsá-los-ei. De contrário, nada poderei fazer.
— Recusa-se? — perguntou ela. Já não se mostrava altiva. Era agora uma pobre rapariga que quase suplicava.
— Lamento. Não posso fazer nada.
Bertie avançou para se colocar entre os dois.
— Nunca pensei que pudesses ser um canalha —gritou com um ódio quase palpável.
E cuspiu no chão. Harold empalideceu.
—É melhor não continuares assim, Bertie — avisou calmamente, apesar da provocação.
Mas Bertie voltou a assumir a mesma atitude, não obstante a rapariga o haver segurado por um braço.
— E... se não passasses de um porco, «sacarias» agora mesmo o revólver — prosseguiu como se não tivesse ouvido a advertência — e veríamos quem é que disparava primeiro.
— Desaparece, Bertie.
Mas o outro estava tão transtornado que não o escutou. Apenas ouvia as suas próprias palavras.
— Não tencionas empunhar a arma, cobarde? —gritou. Nem o vaqueiro nem à rapariga podiam dominá-lo.
— Não — respondeu Harold. Pois então, maldita víbora, eu... — e levou a mão ao revólver. Viram a arma brilhar-lhe na mão antes que Rodney esboçasse o menor movimento. Nesse instante Harold «sacou» o revólver e fez fogo sem hesitar. Bertie caiu para trás, levando ao ombro esquerdo, a mão direita.
— Assassino! — gritou Carol, ao mesmo tempo que empalidecia terrivelmente.
Rodney montou a cavalo, enquanto a jovem e o vaqueiro se debruçavam sobre o ferido. Este franzira os sobrolhos.
—Sente-se mal? — perguntou ela numa voz entrecortada. Bertie abanou a cabeça.
— Fez-me, apenas, um arranhão no ombro — murmurou, entre dentes. — Mas, por Cristo se eu não o teria liquidado, caso pudesse atirar primeiro! Que grande raposa!
E logo a seguir, mostrando-se preocupado, acrescentou, enquanto Carol e o vaqueiro o ajudavam a subir para o carro:
— Porque seria que não quis matar-me?
Quando se preparava para atravessar a rua, viu aproximar-se, a toda a velocidade, um trem puxado por uma parelha de belos cavalos. Mal teve tempo de dar um passo atrás. O carro passou-lhe rente ao corpo e parou mais adiante. Conduzia dois homens e uma mulher. Um dos homens era um vaqueiro de Martin Stanzer. Bertie e Carol Stanzer acompanhavam-no.
—Olá — saudou Harold, acercando-se do veículo.
Bertie endireitou o corpo franzino e os seus olhos faiscaram.
— Pois então... — Harold sorriu para a rapariga, mas esta pareceu ignorá-lo. Olhava em frente, com fixidez.
— Vim sem dizer nada ao patrão — informou Bertie — e não estou disposto a falar no meio da rua, como costumam fazer os cães. Quero falar... Queremos falar contigo, em particular.
— Há um bosque de álamos perto de Milles Creek — disse Harold, sentindo que vários olhos o espiavam por detrás das cortinas das janelas.
Dois vaqueiros, embriagados desde a véspera, passaram aos ziguezagues e miraram, com um ar de aprovação alcoólica, a esplêndida figura de Carol Stanzer.
— Poderemos conversar lá, à vontade — disse Rodney.
— Vamos esperar por ti — retorquiu Bertie, com frieza. — Oxalá não nos estejas a enganar... Não te conviria — acrescentou, em tom ameaçador.
E o carro dirigiu-se para a saída da povoação.
Harold ergueu o olhar e viu um rosto de mulher numa das janelas do hotel. Sorriu para ela e, depois, continuou o seu caminho. Meia hora mais tarde achava-se já no lugar do encontro. Chegara ali a cavalo e tinha a sensação de que fora seguido, embora não houvesse avistado ninguém. Numa clareira, deparou-se-lhe o carro e os seus ocupantes. Estes, com exceção do vaqueiro, tinham-se apeado.
— Aqui estou — disse Harold, inclinando-se sobre o arção da sela. Pareceu, todavia, reconsiderar e desceu da montada.
— Nem eu nem a menina queremos perder o nosso tempo — preveniu Bertie com dureza. — Ontem, cinco vaqueiros, cinco trabalhadores do nosso rancho estiveram a jogar nesta maldita povoação. Quero que isso acabe. Se o exemplo se propaga... — meditou um pouco nas consequências que poderiam advir caso a hipótese viesse a verificar-se, mas não encontrou termos para as descrever. — Não quero que os rapazes voltem a jogar nas vossas imundas baiucas.
— E porque é que não dizes isso a eles? — perguntou Harold com brandura.
Carol Stanzer deu um passo em frente.
— Se ainda lhe resta um pouco de... um pouco de carácter — acrescentou num tom de desafio — impeça que os homens de meu pai deixem o dinheiro nas vossas casas de jogo. — A voz tremia-lhe. — Nem eu nem Bertie lhe pedimos nada para nós. Fazemo-lo por meu pai que é o homem mais bondoso do mundo. Creio que até você teve ocasião de avaliá-lo.
Harold manteve-se silencioso durante uns instantes. A sensação de que o haviam seguido tornava-se mais forte agora.
— Se os homens do seu pai quiserem divertir-se um pouco, aos sábados, não posso impedi-los disso —explicou. — Lamento muito. Encarregaram-me de fazer respeitar a lei e a ordem em Stanzerville — disse, apontando a sua estrela de prata. — Se esses indivíduos provocarem distúrbios, expulsá-los-ei. De contrário, nada poderei fazer.
— Recusa-se? — perguntou ela. Já não se mostrava altiva. Era agora uma pobre rapariga que quase suplicava.
— Lamento. Não posso fazer nada.
Bertie avançou para se colocar entre os dois.
— Nunca pensei que pudesses ser um canalha —gritou com um ódio quase palpável.
E cuspiu no chão. Harold empalideceu.
—É melhor não continuares assim, Bertie — avisou calmamente, apesar da provocação.
Mas Bertie voltou a assumir a mesma atitude, não obstante a rapariga o haver segurado por um braço.
— E... se não passasses de um porco, «sacarias» agora mesmo o revólver — prosseguiu como se não tivesse ouvido a advertência — e veríamos quem é que disparava primeiro.
— Desaparece, Bertie.
Mas o outro estava tão transtornado que não o escutou. Apenas ouvia as suas próprias palavras.
— Não tencionas empunhar a arma, cobarde? —gritou. Nem o vaqueiro nem à rapariga podiam dominá-lo.
— Não — respondeu Harold. Pois então, maldita víbora, eu... — e levou a mão ao revólver. Viram a arma brilhar-lhe na mão antes que Rodney esboçasse o menor movimento. Nesse instante Harold «sacou» o revólver e fez fogo sem hesitar. Bertie caiu para trás, levando ao ombro esquerdo, a mão direita.
— Assassino! — gritou Carol, ao mesmo tempo que empalidecia terrivelmente.
Rodney montou a cavalo, enquanto a jovem e o vaqueiro se debruçavam sobre o ferido. Este franzira os sobrolhos.
—Sente-se mal? — perguntou ela numa voz entrecortada. Bertie abanou a cabeça.
— Fez-me, apenas, um arranhão no ombro — murmurou, entre dentes. — Mas, por Cristo se eu não o teria liquidado, caso pudesse atirar primeiro! Que grande raposa!
E logo a seguir, mostrando-se preocupado, acrescentou, enquanto Carol e o vaqueiro o ajudavam a subir para o carro:
— Porque seria que não quis matar-me?
sábado, 13 de janeiro de 2018
PAS829. Amor de bailarina
Harold havia-se instalado no andar mais alto do «Stanzer's». Três quartos contíguos constituíam os seus aposentos que eram, na cidade, os únicos daquele género.
Quando entrou no quarto, a primeira coisa que fez foi mirar-se ao espelho, para ver se o seu rosto tinha, ultimamente, sofrido qualquer alteração. Com alguma surpresa, verificou que tal não acontecera. Via diante dele uma face de traços acentuados, olhos azuis e fronte ampla.
Observava cuidadosamente a imagem da sua face. Nada havia mudado e, contudo, ele seria capaz de jurar que deveria ler-se algo de novo naquelas feições. «Algo»... que Harold não sabia definir lá muito bem...
Quando retirava o cinturão, bateram à porta, devagarinho.
—Entre — disse.
Voltou-se e viu Aline.
Tinha despido o traje de noite e vestira um ligeiro «robe de chambre» que não bastava para esconder as linhas perfeitas do seu corpo.
— Incomodo? — perguntou no limiar da porta. Harold não respondeu e ela entrou. Trazia um cigarro nos lábios e estendeu-os no gesto de quem pede lume. Harold deu-lho.
«Ghost» ficou pensativo durante uns momentos.
—O chefe quer falar consigo... Mas não agora. Logo à noite... –
Deu meia volta e dirigiu-se para a porta. No limiar desta virou-se e disse:
— Menina Narrnan, creio não ser necessário que venha tratá-lo das arranhaduras, sempre que ele tape com um chaparro venenoso.
E saiu. Harold desatou a rir, mas a jovem manteve-se séria.
— Tens medo deste «espectro»? — perguntou Harold.
-- Como é a a filha do outro «mister» Stanzer? — indagou Aline mirando-o de soslaio. — Sim, vi-a umas duas vezes. É uma menina, não é verdade? Porque abandonaste o rancho? Penso que, para ti, não seria difícil chegar à bolsa do pai, passando pela…
—Cala-te, Aline!
—Não quero! — E nos olhos dela ia surgindo um sombrio resplendor.
Harold, em duas passadas, colocou-se ao lado (Ia bailarina.
— Não continues a falar dessa maneira. É um conselho...
— Tenho esse direito — respondeu Aline, desafiante. — Será que... ela não te agradava o suficiente? É isso, Harold Rodney? Acaso achaste mais apetecível... Stanzerville... e eu?
Harold voltou a rir-se e nas faces da rapariga apareceu uma mancha escarlate. A bailarina pegou, então, num castiçal de bronze e ergueu-o acima da cabeça.
Rodney susteve-lhe o braço no ar e o gesto perdeu toda a sua força.
— Não quero que me raches a cabeça... apesar de tudo — disse. — Vamos, compõe esse «robe».
«Ghost» ou outro tipo podem aparecer de um momento para o outro... e que pensariam? A resposta da jovem desorientou-o.
— Amo-te, Harold... Largou-a, deveras surpreendido.
Então, com grande espanto de Harold, ela deu meia volta e saiu da quarto, quase a correr.
— Com mil diabos! — exclamou Rodney.
Quando entrou no quarto, a primeira coisa que fez foi mirar-se ao espelho, para ver se o seu rosto tinha, ultimamente, sofrido qualquer alteração. Com alguma surpresa, verificou que tal não acontecera. Via diante dele uma face de traços acentuados, olhos azuis e fronte ampla.
Observava cuidadosamente a imagem da sua face. Nada havia mudado e, contudo, ele seria capaz de jurar que deveria ler-se algo de novo naquelas feições. «Algo»... que Harold não sabia definir lá muito bem...
Quando retirava o cinturão, bateram à porta, devagarinho.
—Entre — disse.
Voltou-se e viu Aline.
Tinha despido o traje de noite e vestira um ligeiro «robe de chambre» que não bastava para esconder as linhas perfeitas do seu corpo.
— Incomodo? — perguntou no limiar da porta. Harold não respondeu e ela entrou. Trazia um cigarro nos lábios e estendeu-os no gesto de quem pede lume. Harold deu-lho.
«Ghost» ficou pensativo durante uns momentos.
—O chefe quer falar consigo... Mas não agora. Logo à noite... –
Deu meia volta e dirigiu-se para a porta. No limiar desta virou-se e disse:
— Menina Narrnan, creio não ser necessário que venha tratá-lo das arranhaduras, sempre que ele tape com um chaparro venenoso.
E saiu. Harold desatou a rir, mas a jovem manteve-se séria.
— Tens medo deste «espectro»? — perguntou Harold.
-- Como é a a filha do outro «mister» Stanzer? — indagou Aline mirando-o de soslaio. — Sim, vi-a umas duas vezes. É uma menina, não é verdade? Porque abandonaste o rancho? Penso que, para ti, não seria difícil chegar à bolsa do pai, passando pela…
—Cala-te, Aline!
—Não quero! — E nos olhos dela ia surgindo um sombrio resplendor.
Harold, em duas passadas, colocou-se ao lado (Ia bailarina.
— Não continues a falar dessa maneira. É um conselho...
— Tenho esse direito — respondeu Aline, desafiante. — Será que... ela não te agradava o suficiente? É isso, Harold Rodney? Acaso achaste mais apetecível... Stanzerville... e eu?
Harold voltou a rir-se e nas faces da rapariga apareceu uma mancha escarlate. A bailarina pegou, então, num castiçal de bronze e ergueu-o acima da cabeça.
Rodney susteve-lhe o braço no ar e o gesto perdeu toda a sua força.
— Não quero que me raches a cabeça... apesar de tudo — disse. — Vamos, compõe esse «robe».
«Ghost» ou outro tipo podem aparecer de um momento para o outro... e que pensariam? A resposta da jovem desorientou-o.
— Amo-te, Harold... Largou-a, deveras surpreendido.
Então, com grande espanto de Harold, ela deu meia volta e saiu da quarto, quase a correr.
— Com mil diabos! — exclamou Rodney.
sexta-feira, 12 de janeiro de 2018
PAS828. Um xerife em fuga
Stanzerville ocupava uma área superior àquela que, na realidade, lhe corresponderia em função do número dos seus habitantes. Quando, havia cerca de um mês, Harold Rodney chegara à cidade, erguia-se, no extremo sudoeste desta, uma construção que lhe despertou a atenção. Agora, enquanto cavalgava ao lado de Karl Stanzer e de «Ghost», sentiu novamente a curiosidade de saber o que seria aquilo. «Mister» Stanzer seguiu-lhe o olhar.
— Uma das melhores coisas que fiz na vida —disse com orgulho. — E já realizei muitas coisas bem feitas — acrescentou. — Não sabes o que é aquilo?
— Parece uma cisterna gigantesca — respondeu Rodney examinando a obra com toda a atenção.
—É realmente uma cisterna — foi a resposta. —Stanzerville cresceu... Cresceu por onde tinha de crescer, mas não havia água. Eu desviei o curso de um afluente do rio Boise e construí essa cisterna. Todas as pessoas bebem da minha água e, se eu quisesse, num dado momento poderia matá-las à sede.
— Toda a água consumida por Stanzerville provém desse depósito? — indagou Harold.
— Sim — respondeu o outro.
Os seus olhos vagueavam pela paisagem. De onde estavam, divisava-se quase toda a cidade. À esquerda, vários homens trabalhavam num longo valado •com tapume.
— E o que é aquilo? — perguntou.
Stanzer olhou-o de relance e, acto contínuo, voltou--se para «Ghost».
— Diz àqueles homens que se apressem. É preciso — ordenou. Depois, dirigindo-se a Rodney: — Não é da tua conta, rapaz. Não te trouxe aqui para me fazeres perguntas. — Ergueu-se um pouco na sela. — Gostarias de ser o xerife de Stanzerville?
—Esse cargo não está ocupado? — interrogou Rodney com brandura.
O outro esboçou um gesto de impaciência.
— Não te fiz uma pergunta para que me respondas com outra. Gostarias de ser o xerife de Stanzerville?
— Claro que sim, chefe!
— Receberias o melhor ordenado da tua vida e o trabalho não te mataria... — acrescentou com uma risadinha que fez eriçar os cabelos da nuca de Harold. — Mas já sabes: obediência absoluta às minhas ordens ou às de «Ghost». Compreendeste?
— Sim, chefe.
Os olhos de «mister» Stanzer, grandes e pestanudos, fixaram-se no rosto de Rodney. Embora o dono de Stanzerville quisesse tornar hipnótico o seu olhar, este tornava-se um tanto esquivo, quando alguém o enfrentava durante uns momentos. Harold não o quis contrariar.
—E isto não é tudo. O xerife actual serviu os meus interesses, mas já não vale grande coisa, entendes? É um homem embrutecido pelo álcool, um inútil. Harold assentiu com um movimento de cabeça.
— Devo pedir-lhe a insígnia? — perguntou.
— Não! — foi a resposta. — Tens de tirar-lha. Esse indivíduo estorva-me. Uma das tuas primeiras obrigações, ou melhor, a primeira, será a de eliminares o xerife. Assim, o teu direito ao cargo será maior. Compreendeste?
— Devo, pois, eliminá-lo?
— Sim. E agora. — Estendeu o braço, com o gesto de um homem que envia cem mil soldados para a guerra, e dísse:
— Cumpre a tua primeira obrigação de novo xerife. Mas... discrição! Não actues onde todos possam ver-te, entendido?
Harold levou a mão à aba do chapéu, simulando uma continência, e partiu a galope.
Um momento depois, entrava na povoação e parava a montada em frente do comissariado. O xerife dormitava numa cadeira, a cabeça descaída sobre o peito. Sabendo que nesse instante estariam muitos olhos a observá-lo, Rodney despertou-o com uma brusca sacudidela.
— Que há? — perguntou o homem mirando-o com um olhar vago.
— Oiça-me bem, xerife — disse Harold em voz baixa. — Consegue entender-me?
— Eu... Você está preso por ter desrespeitado a autoridade... — mas, ao ver expressão de Harold, pareceu adquirir consciência.
— Não há tempo a perder -- disse Rodney olhando-o fixamente.
— Ordenaram-me que o matasse, mas não quero fazer isso. Não olhe lá para fora! Volte-se para mim. Levá-lo-ei da cidade e pensarão que vou liquidá-lo. Agarre em tudo aquilo que lhe possa fazer falta e prepare-se. São ordens de «mister» Stanzer. percebeu?
O xerife despertara por completo e ergueu-se no' tanto trémulo.
—Não dará cabo de mim? -- perguntou. — Isto não será uma armadilha?
— Se assim fosse, matava-o já aqui. Vamos, depressa!
O xerife retirou uma bolsa da gaveta da mesa. Harold levantou a voz para que o ouvissem no exterior.
—Vamos já, xerife. Não perca mais tempo, com seiscentos demónios!
Saíram para a rua.
—Monte no seu cavalo — ordenou Harold — ouça o que ouvir, não faça caso.
Atravessaram a cidade. O xerife tremia na sela e, de quando em quando, passeava em redor os seus olhos de cevado, mostrando não compreender lá muito bem o que se estava a passar. Duas milhas mais adiante de Stanzerville corria o afluente do Boise que servia para encher o depósito construído por «mister» Stanzer. Harold Rodney deteve a montada junto de uns amieiros, à beira do rio.
— E agora, homem, fuja e não volte mais a Stanzerville.
— O... o... obrigado — gaguejou o xerife.
E desapareceu por entre o arvoredo, vagarosamente.
— Uma das melhores coisas que fiz na vida —disse com orgulho. — E já realizei muitas coisas bem feitas — acrescentou. — Não sabes o que é aquilo?
— Parece uma cisterna gigantesca — respondeu Rodney examinando a obra com toda a atenção.
—É realmente uma cisterna — foi a resposta. —Stanzerville cresceu... Cresceu por onde tinha de crescer, mas não havia água. Eu desviei o curso de um afluente do rio Boise e construí essa cisterna. Todas as pessoas bebem da minha água e, se eu quisesse, num dado momento poderia matá-las à sede.
— Toda a água consumida por Stanzerville provém desse depósito? — indagou Harold.
— Sim — respondeu o outro.
Os seus olhos vagueavam pela paisagem. De onde estavam, divisava-se quase toda a cidade. À esquerda, vários homens trabalhavam num longo valado •com tapume.
— E o que é aquilo? — perguntou.
Stanzer olhou-o de relance e, acto contínuo, voltou--se para «Ghost».
— Diz àqueles homens que se apressem. É preciso — ordenou. Depois, dirigindo-se a Rodney: — Não é da tua conta, rapaz. Não te trouxe aqui para me fazeres perguntas. — Ergueu-se um pouco na sela. — Gostarias de ser o xerife de Stanzerville?
—Esse cargo não está ocupado? — interrogou Rodney com brandura.
O outro esboçou um gesto de impaciência.
— Não te fiz uma pergunta para que me respondas com outra. Gostarias de ser o xerife de Stanzerville?
— Claro que sim, chefe!
— Receberias o melhor ordenado da tua vida e o trabalho não te mataria... — acrescentou com uma risadinha que fez eriçar os cabelos da nuca de Harold. — Mas já sabes: obediência absoluta às minhas ordens ou às de «Ghost». Compreendeste?
— Sim, chefe.
Os olhos de «mister» Stanzer, grandes e pestanudos, fixaram-se no rosto de Rodney. Embora o dono de Stanzerville quisesse tornar hipnótico o seu olhar, este tornava-se um tanto esquivo, quando alguém o enfrentava durante uns momentos. Harold não o quis contrariar.
—E isto não é tudo. O xerife actual serviu os meus interesses, mas já não vale grande coisa, entendes? É um homem embrutecido pelo álcool, um inútil. Harold assentiu com um movimento de cabeça.
— Devo pedir-lhe a insígnia? — perguntou.
— Não! — foi a resposta. — Tens de tirar-lha. Esse indivíduo estorva-me. Uma das tuas primeiras obrigações, ou melhor, a primeira, será a de eliminares o xerife. Assim, o teu direito ao cargo será maior. Compreendeste?
— Devo, pois, eliminá-lo?
— Sim. E agora. — Estendeu o braço, com o gesto de um homem que envia cem mil soldados para a guerra, e dísse:
— Cumpre a tua primeira obrigação de novo xerife. Mas... discrição! Não actues onde todos possam ver-te, entendido?
Harold levou a mão à aba do chapéu, simulando uma continência, e partiu a galope.
Um momento depois, entrava na povoação e parava a montada em frente do comissariado. O xerife dormitava numa cadeira, a cabeça descaída sobre o peito. Sabendo que nesse instante estariam muitos olhos a observá-lo, Rodney despertou-o com uma brusca sacudidela.
— Que há? — perguntou o homem mirando-o com um olhar vago.
— Oiça-me bem, xerife — disse Harold em voz baixa. — Consegue entender-me?
— Eu... Você está preso por ter desrespeitado a autoridade... — mas, ao ver expressão de Harold, pareceu adquirir consciência.
— Não há tempo a perder -- disse Rodney olhando-o fixamente.
— Ordenaram-me que o matasse, mas não quero fazer isso. Não olhe lá para fora! Volte-se para mim. Levá-lo-ei da cidade e pensarão que vou liquidá-lo. Agarre em tudo aquilo que lhe possa fazer falta e prepare-se. São ordens de «mister» Stanzer. percebeu?
O xerife despertara por completo e ergueu-se no' tanto trémulo.
—Não dará cabo de mim? -- perguntou. — Isto não será uma armadilha?
— Se assim fosse, matava-o já aqui. Vamos, depressa!
O xerife retirou uma bolsa da gaveta da mesa. Harold levantou a voz para que o ouvissem no exterior.
—Vamos já, xerife. Não perca mais tempo, com seiscentos demónios!
Saíram para a rua.
—Monte no seu cavalo — ordenou Harold — ouça o que ouvir, não faça caso.
Atravessaram a cidade. O xerife tremia na sela e, de quando em quando, passeava em redor os seus olhos de cevado, mostrando não compreender lá muito bem o que se estava a passar. Duas milhas mais adiante de Stanzerville corria o afluente do Boise que servia para encher o depósito construído por «mister» Stanzer. Harold Rodney deteve a montada junto de uns amieiros, à beira do rio.
— E agora, homem, fuja e não volte mais a Stanzerville.
— O... o... obrigado — gaguejou o xerife.
E desapareceu por entre o arvoredo, vagarosamente.
quinta-feira, 11 de janeiro de 2018
PAS827. Uma forma original de conseguir trabalho
Os salões de jogo, de baile e outros centros de diversão abriam as suas portas às seis da tarde. Perto das sete encontravam-se quase cheios e às nove da noite a abarrotar de gente. Harold Rodney chegou ao «Stanzer's» cerca das oito horas, quando grande parte das mesas já estavam ocupadas por jogadores e, em torno da grande roleta, lamentavam-se os apostadores mais fanáticos.
A primeira pessoa que o viu foi Aline. A jovem tinha-se sentado em cima de uma mesa e cantava o «Querido e Velho Kentucky», acompanhando-se à guitarra.
Não deixou de tocar, mas arregalou os olhos, muito surpreendida. A seguir, quem o viu foi o xerife que beberricava encostado ao balcão. «Ghost» reparou nele, quase ao mesmo tempo.
O xerife interrogou «Ghost» com o olhar e este baixou a cabeça, numa silenciosa afirmação. A rapariga parou de cantar e dirigiu-se paira o palco, com um andar ondulante.
O xerife avançou para Harold que não se havia afastado do limiar da porta. •
-- O senhor está... — principiou a dizer.
— Vá para o inferno, velha catatua! — respondeu-lhe Harold, vincando bem as palavras. — Não volte a dizer que estou preso, porque lhe prego um tiro. E quando Harold Rodney dispara contra alguém é a matar! Há aqui quem o saiba...
O xerife retrocedeu prudentemente. Rodney encaminhou-se para o recanto onde se encontrava «Ghost» e estacou diante dele, com as pernas abertas.
— Quero ver o teu amo!
«Gost» não esboçou qualquer gesto. Mas dois dos homens encarregados da vigilância do local tinham-se ido aproximando. Rodney repetiu o que acabara de dizer e, acto contínuo, voltou-se para trás, com a agilidade de um tigre. Os homens já haviam formado o salto para lhe caírem em cima. Eram ambos fortes e pareciam não possuir muitos escrúpulos. Nem a hora se prestava para tal.
— Não quero matar nenhum de vocês — disse Rodney esquivando-se.
O seu punho atingiu as costas de um deles e atirou-o ao chão, de boca aberta e com falta de ar. O segundo indivíduo saltou sobre o corpo do companheiro e caiu em cima de Rodney. Este recebeu-o com dois murros secos em plena cara e que tiveram o condão de lhe abrandar os ímpetos. Depois, um soco no estômago e o homem dobrou-se em dois, baqueando sem um gemido. Mas haviam surgido outros dois e a figura corpulenta do xerife entrava também em cena.
— Não me matem esse homem! — gritou uma voz autoritária. Karl Stanzer acabava de aparecer sobre o palco. — Desarmem-no, mas não o liquidem!
Durante dez minutos, os frequentadores do «Stanzer's» tiveram ocasião de assistir à melhor luta que lhes fora dado ver em toda a sua vida. Aqueles cinco homens mal puderam conter Rodney quando este os atacou, distribuindo golpes selváticos. Atiraram-lhe pontapés, bateram-lhe com as coronhas dos revólveres e, contudo, conseguiu pôr fora de combate três dos agressores. Mas a arma do xerife desceu com violência sobre a nuca de Harold. Então, o vaqueiro foi-se abaixo, como rês abatida.
— Atem-no e levem-no para um lugar seguro —ordenou Karl Stanzer. Depois acrescentou: — é mesmo um homem! Cinco contra ele e apenas lograram sujeitá--lo à traição. Cobardes!
— Penso como tu — observou Aline fazendo trinar a guitarra. — É um verdadeiro homem!
Stanzer virou-se para ela e lançou lhe um olhar glacial.
— Retira-te — disse. — Vai dançar. Não quero que te metas nisto. Cumpre •a tua obrigação!
Aline afastou-se. As mesas de jogo tornaram a formar-se e na roleta ouviu-se novamente o ruído caraterístico da bola saltitante.
Harold .Rodney foi levado para um quarto situado por detrás do palco e contíguo ao escritório de Stanzer. Deixaram-no no chão.
— Despejem-lhe a água fria na cara — ordenou Stanzer.
Harold recuperou os sentidos, meio afogado, porque parte da água lhe entrara pela boca. Abriu os olhos e mirou as faces que o rodeavam.
— Podes ouvir-me bem? — perguntou o proprietário, brincando com os berloques da corrente do relógio. Harold assentiu com um gesto de cabeça. —Assinaste a tua sentença de morte!
— Deveras. — E Harold tocou ao de leve no sítio da cabeça que recebera a coronhada.
— A minha força é lei em Stanzerville — prosseguiu o outro, sem o escutar. — O que eu ordeno é o que se faz e há-de ser executado no momento em que o digo. Não permito que lancem areia nas engrenagens da minha organização. Ouviste bem?
— E eu desejava exatamente o contrário — disse Harold. — Procurava o senhor para lhe oferecer os meus serviços.
Karl Stanzer franziu os olhos, sem deixar de fitá-lo.
— Isso é um truque, um estratagema para que eu não mande que te matem.
— Não. Fui expulso do rancho de Stanzer e busco trabalho.
— E porque é que te despediram?
— Porque não, obedeço a pessoas que não sabem mandar. Que não têm qualidades de chefiar, em suma...
—E é por essa razão ...— Stanzer deixou de brincar com os berloques. — Consideras-me um chefe?
— Basta ver tudo isto — respondeu Harold encolhendo os ombros. — Refiro-me à povoação e ao resto. Um incompetente não criaria semelhante obra. Só alguém capaz de mandar e fazer-se obedecer...
O rosto de Stanzer não permitia que Rodney lhe adivinhasse os pensamentos.
— Está a enganá-lo, chefe — disse o xerife imprudentemente.
Stanzer voltou-se para ele como uma serpente.
— Não me julgas um chefe? — perguntou numa voz aguda. O xerife arrepiou caminho, embora um pouco tarde.
— Não é isso, chefe. O que eu quis dizer é que... – E calou-se, confundido.
Stanzer virou-se, de novo, para Harold.
— Só faço ofertas uma vez. Já te ofereci um bom emprego e desprezaste-o. Karl Stanzer não perdoa uma coisa dessas. Morrerás amanhã mesmo!
Harold sentiu como que um dedo gelado a percorrer-lhe a espinha.
— Como o preferir, chefe — disse com um ar indiferente. — Mas se viu a minha forma de lutar... Não acredito que tenha muitos homens como eu.
— Tanto se me dá — respondeu o outro. — Morrerás!
Deu meia volta e saiu do aposento.
— Acompanhem-me — ordenou.
E Harold ficou só. Haviam-lhe atado as mãos atrás das costas, de tal maneira que nem pensava na possibilidade de se libertar. O quarto, por outro lado, só possuía uma porta. Nenhuma janela quebrava a monotonia das suas paredes despidas. Ignorava quanto tempo tinha decorrido, quando a porta se abriu e «Ghost» apareceu.
— Vais morrer, rapaz — disse-lhe com a sua voz inexpressiva.
Sacou do coldre o revólver e aproximou-se de Harold. Este sentiu um suor frio a banhar-lhe a fronte.
— Mas o chefe não quer que desapareças tranquilamente — prosseguiu o homem. — Os rapazes pensaram que um bocado de diversão não lhes desagradaria. Eu venho apenas preparar a encenação, com diria Aline. Vamos, amigos, peguem nele e levem-no para o salão — acrescentou, dirigindo-se a dois homens que acabavam de entrar.
Haviam afastado várias mesas do centro da sala, dispondo-as de modo a formarem um círculo em torno de um espaço livre.
Sentaram Harold numa cadeira, enquanto os clientes interrompiam os jogos e rodeavam o grupo. Karl Stanzer encontrava-se na primeira fila e sorria sinistramente.
— Rapaz — disse então. — Embora não faltem as diversões em Stanzerville, não desprezamos mais esta que ainda por cima é grátis! — E voltou-se para os rostos que o cercavam.
— Claro! — foi a resposta unânime.
Aline, mais bela que nunca, fumando um cigarro e tendo nos lábios um sorriso misterioso, dirigiu-se para eles. Harold observou-a com atenção. Não sabia se a jovem se sentia satisfeita pelo que lhe estava a acontecer. Pelo menos não parecia demasiado preocupada.
— Na mão de «Ghost» existe um revólver — prosseguiu Stanzer.
— Essa arma não tem mais que uma bala. «Ghost» fará girar o tambor, encostará, seguidamente, o cano do revólver à tua cabeça e premirá o gatilho: Veremos quanto tempo vai levar a bala para se instalar no sítio conveniente! Porque «Ghost» rodará o tambor sempre que dispare... sem êxito. Rapaziada, toca a apostar!
Harold fez um enorme esforço para se dominar. Não era um cobarde, mas aquilo ultrapassava os limites do medo ou da coragem.
— Foi o senhor quem se lembrou deste jogo? — perguntou.
— Evidentemente...
— É digno de si — respondeu Harold com um ar de admiração que encheu Stanzer de contentamento. As apostas tinham principiado. Stanzer ergueu a mão e «Ghost» fez girar rapidamente o tambor do revólver.
Harold fez um esforço sobre-humano para não perder a calma.
«Pelo menos não lhes darei a satisfação de me verem empalidecer», pensou.
Fitou todos aqueles rostos à sua volta, mirou o cabelo loiro da rapariga e sorriu. Nesse instante o revólver tocou-lhe na testa e ouviu-se um estalido. Não houve nenhuma detonação.
— Outra vez — ordenou «mister» Stanzer.
«Continua a sorrir, continua a sorrir», disse Harold para consigo, procurando que esse sorriso não se transformasse num esgar.
De novo o revólver entrou em contacto com a sua cabeça e de novo o percutor bateu em falso.
«Continua a sorrir».
— Como vão as apostas? — indagou com uma voz tranquila.
— O tipo é duro de roer — comentou alguém.
Aline, disse algo ao ouvido de «mister» Stanzer. Este sorriu.
— Traz-me cá esse revólver, «Ghost» — pediu o proprietário.
Quando «Ghost» lhe entregou a arma, Stanzer abriu-a e mostrou-a a todos. Em nenhum dos orifícios do tambor se via uma bala.
— Tens sorte comigo, rapaz. Pretendes trabalho e eu preciso de um homem como tu.
Harold engoliu em seco e por uns instantes julgou que ia perder os sentidos. Mas admirou-se de si próprio, ao perguntar:
— Você sabia, Aline, que o revólver estava descarregado?
A primeira pessoa que o viu foi Aline. A jovem tinha-se sentado em cima de uma mesa e cantava o «Querido e Velho Kentucky», acompanhando-se à guitarra.
Não deixou de tocar, mas arregalou os olhos, muito surpreendida. A seguir, quem o viu foi o xerife que beberricava encostado ao balcão. «Ghost» reparou nele, quase ao mesmo tempo.
O xerife interrogou «Ghost» com o olhar e este baixou a cabeça, numa silenciosa afirmação. A rapariga parou de cantar e dirigiu-se paira o palco, com um andar ondulante.
O xerife avançou para Harold que não se havia afastado do limiar da porta. •
-- O senhor está... — principiou a dizer.
— Vá para o inferno, velha catatua! — respondeu-lhe Harold, vincando bem as palavras. — Não volte a dizer que estou preso, porque lhe prego um tiro. E quando Harold Rodney dispara contra alguém é a matar! Há aqui quem o saiba...
O xerife retrocedeu prudentemente. Rodney encaminhou-se para o recanto onde se encontrava «Ghost» e estacou diante dele, com as pernas abertas.
— Quero ver o teu amo!
«Gost» não esboçou qualquer gesto. Mas dois dos homens encarregados da vigilância do local tinham-se ido aproximando. Rodney repetiu o que acabara de dizer e, acto contínuo, voltou-se para trás, com a agilidade de um tigre. Os homens já haviam formado o salto para lhe caírem em cima. Eram ambos fortes e pareciam não possuir muitos escrúpulos. Nem a hora se prestava para tal.
— Não quero matar nenhum de vocês — disse Rodney esquivando-se.
O seu punho atingiu as costas de um deles e atirou-o ao chão, de boca aberta e com falta de ar. O segundo indivíduo saltou sobre o corpo do companheiro e caiu em cima de Rodney. Este recebeu-o com dois murros secos em plena cara e que tiveram o condão de lhe abrandar os ímpetos. Depois, um soco no estômago e o homem dobrou-se em dois, baqueando sem um gemido. Mas haviam surgido outros dois e a figura corpulenta do xerife entrava também em cena.
— Não me matem esse homem! — gritou uma voz autoritária. Karl Stanzer acabava de aparecer sobre o palco. — Desarmem-no, mas não o liquidem!
Durante dez minutos, os frequentadores do «Stanzer's» tiveram ocasião de assistir à melhor luta que lhes fora dado ver em toda a sua vida. Aqueles cinco homens mal puderam conter Rodney quando este os atacou, distribuindo golpes selváticos. Atiraram-lhe pontapés, bateram-lhe com as coronhas dos revólveres e, contudo, conseguiu pôr fora de combate três dos agressores. Mas a arma do xerife desceu com violência sobre a nuca de Harold. Então, o vaqueiro foi-se abaixo, como rês abatida.
— Atem-no e levem-no para um lugar seguro —ordenou Karl Stanzer. Depois acrescentou: — é mesmo um homem! Cinco contra ele e apenas lograram sujeitá--lo à traição. Cobardes!
— Penso como tu — observou Aline fazendo trinar a guitarra. — É um verdadeiro homem!
Stanzer virou-se para ela e lançou lhe um olhar glacial.
— Retira-te — disse. — Vai dançar. Não quero que te metas nisto. Cumpre •a tua obrigação!
Aline afastou-se. As mesas de jogo tornaram a formar-se e na roleta ouviu-se novamente o ruído caraterístico da bola saltitante.
Harold .Rodney foi levado para um quarto situado por detrás do palco e contíguo ao escritório de Stanzer. Deixaram-no no chão.
— Despejem-lhe a água fria na cara — ordenou Stanzer.
Harold recuperou os sentidos, meio afogado, porque parte da água lhe entrara pela boca. Abriu os olhos e mirou as faces que o rodeavam.
— Podes ouvir-me bem? — perguntou o proprietário, brincando com os berloques da corrente do relógio. Harold assentiu com um gesto de cabeça. —Assinaste a tua sentença de morte!
— Deveras. — E Harold tocou ao de leve no sítio da cabeça que recebera a coronhada.
— A minha força é lei em Stanzerville — prosseguiu o outro, sem o escutar. — O que eu ordeno é o que se faz e há-de ser executado no momento em que o digo. Não permito que lancem areia nas engrenagens da minha organização. Ouviste bem?
— E eu desejava exatamente o contrário — disse Harold. — Procurava o senhor para lhe oferecer os meus serviços.
Karl Stanzer franziu os olhos, sem deixar de fitá-lo.
— Isso é um truque, um estratagema para que eu não mande que te matem.
— Não. Fui expulso do rancho de Stanzer e busco trabalho.
— E porque é que te despediram?
— Porque não, obedeço a pessoas que não sabem mandar. Que não têm qualidades de chefiar, em suma...
—E é por essa razão ...— Stanzer deixou de brincar com os berloques. — Consideras-me um chefe?
— Basta ver tudo isto — respondeu Harold encolhendo os ombros. — Refiro-me à povoação e ao resto. Um incompetente não criaria semelhante obra. Só alguém capaz de mandar e fazer-se obedecer...
O rosto de Stanzer não permitia que Rodney lhe adivinhasse os pensamentos.
— Está a enganá-lo, chefe — disse o xerife imprudentemente.
Stanzer voltou-se para ele como uma serpente.
— Não me julgas um chefe? — perguntou numa voz aguda. O xerife arrepiou caminho, embora um pouco tarde.
— Não é isso, chefe. O que eu quis dizer é que... – E calou-se, confundido.
Stanzer virou-se, de novo, para Harold.
— Só faço ofertas uma vez. Já te ofereci um bom emprego e desprezaste-o. Karl Stanzer não perdoa uma coisa dessas. Morrerás amanhã mesmo!
Harold sentiu como que um dedo gelado a percorrer-lhe a espinha.
— Como o preferir, chefe — disse com um ar indiferente. — Mas se viu a minha forma de lutar... Não acredito que tenha muitos homens como eu.
— Tanto se me dá — respondeu o outro. — Morrerás!
Deu meia volta e saiu do aposento.
— Acompanhem-me — ordenou.
E Harold ficou só. Haviam-lhe atado as mãos atrás das costas, de tal maneira que nem pensava na possibilidade de se libertar. O quarto, por outro lado, só possuía uma porta. Nenhuma janela quebrava a monotonia das suas paredes despidas. Ignorava quanto tempo tinha decorrido, quando a porta se abriu e «Ghost» apareceu.
— Vais morrer, rapaz — disse-lhe com a sua voz inexpressiva.
Sacou do coldre o revólver e aproximou-se de Harold. Este sentiu um suor frio a banhar-lhe a fronte.
— Mas o chefe não quer que desapareças tranquilamente — prosseguiu o homem. — Os rapazes pensaram que um bocado de diversão não lhes desagradaria. Eu venho apenas preparar a encenação, com diria Aline. Vamos, amigos, peguem nele e levem-no para o salão — acrescentou, dirigindo-se a dois homens que acabavam de entrar.
Haviam afastado várias mesas do centro da sala, dispondo-as de modo a formarem um círculo em torno de um espaço livre.
Sentaram Harold numa cadeira, enquanto os clientes interrompiam os jogos e rodeavam o grupo. Karl Stanzer encontrava-se na primeira fila e sorria sinistramente.
— Rapaz — disse então. — Embora não faltem as diversões em Stanzerville, não desprezamos mais esta que ainda por cima é grátis! — E voltou-se para os rostos que o cercavam.
— Claro! — foi a resposta unânime.
Aline, mais bela que nunca, fumando um cigarro e tendo nos lábios um sorriso misterioso, dirigiu-se para eles. Harold observou-a com atenção. Não sabia se a jovem se sentia satisfeita pelo que lhe estava a acontecer. Pelo menos não parecia demasiado preocupada.
— Na mão de «Ghost» existe um revólver — prosseguiu Stanzer.
— Essa arma não tem mais que uma bala. «Ghost» fará girar o tambor, encostará, seguidamente, o cano do revólver à tua cabeça e premirá o gatilho: Veremos quanto tempo vai levar a bala para se instalar no sítio conveniente! Porque «Ghost» rodará o tambor sempre que dispare... sem êxito. Rapaziada, toca a apostar!
Harold fez um enorme esforço para se dominar. Não era um cobarde, mas aquilo ultrapassava os limites do medo ou da coragem.
— Foi o senhor quem se lembrou deste jogo? — perguntou.
— Evidentemente...
— É digno de si — respondeu Harold com um ar de admiração que encheu Stanzer de contentamento. As apostas tinham principiado. Stanzer ergueu a mão e «Ghost» fez girar rapidamente o tambor do revólver.
Harold fez um esforço sobre-humano para não perder a calma.
«Pelo menos não lhes darei a satisfação de me verem empalidecer», pensou.
Fitou todos aqueles rostos à sua volta, mirou o cabelo loiro da rapariga e sorriu. Nesse instante o revólver tocou-lhe na testa e ouviu-se um estalido. Não houve nenhuma detonação.
— Outra vez — ordenou «mister» Stanzer.
«Continua a sorrir, continua a sorrir», disse Harold para consigo, procurando que esse sorriso não se transformasse num esgar.
De novo o revólver entrou em contacto com a sua cabeça e de novo o percutor bateu em falso.
«Continua a sorrir».
— Como vão as apostas? — indagou com uma voz tranquila.
— O tipo é duro de roer — comentou alguém.
Aline, disse algo ao ouvido de «mister» Stanzer. Este sorriu.
— Traz-me cá esse revólver, «Ghost» — pediu o proprietário.
Quando «Ghost» lhe entregou a arma, Stanzer abriu-a e mostrou-a a todos. Em nenhum dos orifícios do tambor se via uma bala.
— Tens sorte comigo, rapaz. Pretendes trabalho e eu preciso de um homem como tu.
Harold engoliu em seco e por uns instantes julgou que ia perder os sentidos. Mas admirou-se de si próprio, ao perguntar:
— Você sabia, Aline, que o revólver estava descarregado?
quarta-feira, 10 de janeiro de 2018
PAS826. De quem é esse cavalo?
Enquadramento da passagem: Harold, chamado pelo amigo Bertie, foi contratado por Martin Stanzer para trabalhar como vaqueiro. Mas uma conversa no saloon levou-o a conhecer os planos maléficos de Karl. Imediatamente idealizou abandonar o rancho, simulando um despedimento e combater o inimigo do seu patrão infiltrado nos seus homens
Harold deu-lhe um soco no queixo e Bertie rolou no chão, como um fardo. Nesse momento a porta abriu--se e Carol Stanzer entrou.
—Ouvi o que Bertie lhe disse e creio que ele tem toda a razão. Além daquilo que lhe chamou, o senhor é um quadrúpede! Um homem que agride quem se portou para com ele como o fez Bertie, não tem o direito de viver!
Estava muito bonita, com os olhos brilhantes e o cabelo ruivo a contrastar com a tez bronzeada pelo sol. Debruçou-se sobre Bertie e procurou reanimá-lo.
—Não o magoei muito — disse Rodney, afastando-a.
Harold pegou então no corpo de Bertie e foi deitá-lo em cima da cama.
— Saia daqui! — ordenou ela.
— Fá-lo-ei amanhã — respondeu Rodney com firmeza. — Não quero cavalgar de noite...
--- Esse cavalo que a senhor trouxe não lhe pertence — prosseguiu a jovem, fitando-o nos olhos. — Onde arranjou?
—Emprestou-mo um amigo — retorquiu Harold. em seguida, sem pensar, acrescentou: — Ou por outra uma amiga. Chama-se Aline Norman, e trabalha como bailarina no «Stanzer's».
A rapariga arregalou os olhos. Depois, deu volta e desatou a correr desordenadamente.
—Ouvi o que Bertie lhe disse e creio que ele tem toda a razão. Além daquilo que lhe chamou, o senhor é um quadrúpede! Um homem que agride quem se portou para com ele como o fez Bertie, não tem o direito de viver!
Estava muito bonita, com os olhos brilhantes e o cabelo ruivo a contrastar com a tez bronzeada pelo sol. Debruçou-se sobre Bertie e procurou reanimá-lo.
—Não o magoei muito — disse Rodney, afastando-a.
Harold pegou então no corpo de Bertie e foi deitá-lo em cima da cama.
— Saia daqui! — ordenou ela.
— Fá-lo-ei amanhã — respondeu Rodney com firmeza. — Não quero cavalgar de noite...
--- Esse cavalo que a senhor trouxe não lhe pertence — prosseguiu a jovem, fitando-o nos olhos. — Onde arranjou?
—Emprestou-mo um amigo — retorquiu Harold. em seguida, sem pensar, acrescentou: — Ou por outra uma amiga. Chama-se Aline Norman, e trabalha como bailarina no «Stanzer's».
A rapariga arregalou os olhos. Depois, deu volta e desatou a correr desordenadamente.
terça-feira, 9 de janeiro de 2018
PAS825. O singular sentido de humor de um tio testamenteiro
BOISE— 1855
Como se os seus movimentos houvessem sido previamente sincronizados, os dois homens chegaram ao mesmo tempo à porta da casa.
Qualquer observador casual tê-los-ia tomado por irmãos, porque existia entre ambos certa semelhança física. Não eram irmãos, todavia.
Um dos indivíduos, alto, magro, de cabelo castanho e olhar inteligente, trajava como um modesto vaqueiro: casaco curto de bombazina verde e calças de montar, com botas de meio cano. O outro calçava botas altas nas quais batia, de quando em quando, com uma badine de couro e vestia jaqueta de veludo, colete amarelo com ramagens e gravata cinzenta. Foi este último quem entrou em primeiro lugar. Iam ambos avançar ao mesmo tempo, mas o vaqueiro afastou-se.
Galgaram, depois um atrás do outro, os cinco degraus que conduziam ao escritório de «mister» Nehemiah Aaronson, o advogado mais solicitado e mais bem remunerado de Boise, no Idaho.
A porta abriu-se e um corredor levou-os a uma sala recheada de móveis de estilo isabelino, feios, mas aparatosos. «Mister» Aaronson pôs-se de pé, por detrás da secretária monumental. Ao sagaz judeu bastou apenas uma olhadela para diferençar os dois homens. –
— Bons dias — disse, com uma ligeira inclinação de cabeça.
— Suponho que o senhor será Karl Stanzer, não é assim? — acrescentou, dirigindo-se ao que entrara primeiro. O homem do colete amarelo assentiu.
Tinha olhos pardos, penetrantes, patilhas compridas e um pequeno bigode. As suas mãos pareciam não poder sossegar nem por uns instantes.
— E o senhor, portanto, deve ser Martin Stanzer —continuou, voltando-se para o outro.
Martin sorriu e moveu a cabeça.
— Bem, cavalheiros. Creio que os senhores não ignoram o motivo que me levou a chamá-los.
— Temos uma vaga ideia — disse Martin com um sorriso simpático.
— Mas preferimos que nos esclareça. No fim de contas, o senhor está na posse de todos os pormenores. Desejo frisar que me parece estúpido perder tempo com preâmbulos — observou Karl Stanger. —Entremos diretamente na questão.
«Mister» Aaronson mirou-o com um ar ressentido, mas não disse nada. Fez soar uma campainha e logo apareceu um dos seus empregados sobraçando um volumoso «dossier». Extraiu da pasta várias folhas de pergaminho de excelente qualidade e principiou a percorrê-las com o olhar.
— Como muito bem disse o seu primo — comentou, fitando Martin — prescindiremos dos pormenores. O senhor Laurent Stanzer, mais conhecido por «Alphabeth» Stanzer, irmão de vossos pais, faleceu na Europa. Deixa uma fortuna avaliada em cinco milhões de dólares. Salvo algumas disposições de somenos importância, todo esse dinheiro vai parar às vossas mãos.
Martin engoliu em seco. Era um homem de uns trinta e cinco anos, rosto juvenil e ar saudável. Karl, por seu turno, embora pretendesse dominar a emoção, mal o podia conseguir. As mãos e o queixo tremiam-lhe.
—Santo... Santo Deus! — murmurou Martin. — Não imaginava que existisse essa quantia em todo o mundo...
— Pois existe, senhor Stanzer, existe — disse \o advogado. — E essa importância pertencer-vos-á com... — neste momento um feixe de pequenas rugas surgiu--lhe em torno dos olhos. — Com a condição... — tossiu e calou-se.
— Vamos, fale! — exclamou Karl Stanzer, ofegante, enxugando o suor com um enorme lenço verde. — Não... Não há nada no mundo que eu não fizesse por essa soma!
— Acredito-o, senhor Stanzer — replicou friamente o judeu.
— Acredito-o. Pois bem, a condição é que os senhores serão obrigados a viver separados num espaço não superior a dez milhas. Para ser mais claro: se um de vós for morar a mais de dez milhas de distância do outro, perderá automaticamente o direito ao dinheiro.
A cara de Karl Stanzer não era nada agradável de se ver naquele momento.
— Não me pode fazer isso a mim! — disse numa voz estrangulada, enquanto volvia para o primo os olhos espantados. — O tio «Alphabeth» sabia perfeitamente que eu odeio este indivíduo, que o desprezo, que não posso suportar sequer a sua presença...
—É possível — admitiu o judeu — que o seu tio soubesse isso, mas também toda a gente lhe conhecia o seu singular sentido do humor.
— Karl e eu nunca nos pudemos tolerar — observou Martin num tom calmo — embora não saiba porquê. Quero dizer, embora eu ignore as origens do caso. Apenas sei que ele me odeia.
— Se te odeio! — exclamou o outro, pondo-se de pé, num rompante.
— Detesto-te! Seria capaz de te matar agora mesmo! Odeio-te de tal maneira! Matava-te!...
— Se fizesse isso perderia dois milhões e meio de dólares, senhor Stanzer — objetou o judeu fitando o testamento. — Não podem matar-se um ao outro. Proíbe-o o vosso defunto tio. Karl parecia prestes a explodir. Martin voltou-se para o advogado.
— E é tudo, «mister» Aaronson?
— Não. O senhor «Alphabeth» Stanzer tem... tinha umas terras no condado de Elmore, terras regadas pelo rio Boise. Sugere no testamento que poderiam muito bem construir ali as vossas casas, separadas, caso o prefiram, por uma distância de dez milhas, isto é, pela distância limite.
Os olhos de Martin brilharam.
— Terras de amanho e de gado?
O seu interlocutor assentiu.
— Assim é, senhor Stanzer. Terras excelentes para o cultivo e para o gado.
— Sou vaqueiro, «mister» Aaronson, e o meu maior sonho é o de poder vir a ter, um dia, um rancho com a maior grandeza possível, onde aplicasse à agricultura e ao gado todas as descobertas recentes. Aceito o alvitre — disse Martin, com os olhos a reluzir.
— Mas não eu — exclamou Karl, com as mandíbulas retesadas. — Terás de procurar outra coisa.
«Mister» Aaronson voltou a mirar os papéis, muito divertido, ao que parecia.
— Pois, nesse caso, o senhor Stanzer pode perder o seu dinheiro — advertiu-o.
— O vosso tio especifica que, se as terras agradarem a um dos senhores, o outro terá de conformar-se. Só na hipótese de nenhum dos dois as querer é que poderiam escolher outro local. Está bem explícito... senhor Stanzer.
— Maldito seja o senhor e maldito seja «Alphabeth»! -- ululou Karl. Depois, com um esforço visível, conseguiu dominar-se. — Está bem — disse, por fim, numa voz apagada. — Aceito. Há alguma povoação nessas terras?
— Uns quantos casinhotos de rendeiros, precisamente nos limites da propriedade.
— Bom... — quedou-se pensativo, um momento. E em seguida continuou: — Edificarei lá uma povoação, uma verdadeira cidade. Sempre ambicionei possuir uma bela casa de jogo.
Aaronson ergueu o sobrolho, com um ar de desaprovação.
— Casa de jogo?
— Sim, «mister» Aaronson. Não sabe o que é? Um sítio onde — voltou-se e mirou o primo com uma tal maldade que Martin estremeceu — deixem o dinheiro, todos os sábados, os vaqueiros, os rancheiros e os pesquisadores de oiro. Sim, é isso o que eu pretendo. E raparigas formosas que falem ternamente aos rapazes cansados após uma longa cavalgada. E essas modernas máquinas, onde por um níquel podem sair duzentos... ou não sair nenhum. Sim, «mister» Aaronson, a perspetiva já não me parece tão desagradável.
— Mas permita-me que lhe diga, senhor Stanzer, que isso é uma indecência — disse o velho judeu, com uma expressão de repulsa.
Karl respondeu:
— Indecente ou não, com o meu dinheiro posso fazer o que me pareça bem, não é verdade?
— Sim, com efeito — o advogado examinou atentamente várias cláusulas do documento, desejoso de descobrir uma que impedisse aquilo.
— Sim, com efeito acrescentou o ancião, um pouco desiludido. — Pode fazer com o seu dinheiro o que lhe der na gana.
— Pois então — Karl, com os olhos faiscantes, não deixava de observar, o primo — pois então farei o que disse. E mostrarei a este maldito labrego que não irá rir-se de mim...
— Escuta — disse Martin erguendo-se. — Começo a fartar-me de ti. Faz o que quiseres, mas não julgues que podes ir tão longe quanto ambicionas.
— Silêncio, cavalheiros! Não admito brigas no meu escritório! — exclamou Aaronson. E depois, voltando-se para Martin Stanzer:
— Desejo-lhe as maiores felicidades, senhor Stanzer e espero que triunfe nos seus intentos. Se eu tiver a sorte de o senhor continuar a confiar-me os seus assuntos não restam dúvidas de que apenas haverá motivo para ambos nos felicitarmos.
— Evidentemente — disse Martin estendendo-lhe a mão. — Ninguém melhor que o senhor poderia fazê-lo...
— Os meus negócios serão tratados por outro advogado, claro — resmungou Karl.
— Nem por um instante duvidei disso — respondeu Aaronson. — Não lhes tocaria nem com uma vara de quinhentas jardas de comprimento.
Karl Stanzer, com os olhos brilhantes de raiva, de fúrias, e, ao mesmo tempo, de satisfação, abandonou o seu lugar.
— Ver-nos-emos — disse, já da porta. E desapareceu.
— O senhor veio sozinho a Boise? — perguntou o advogado a Martin.
— Não. Minha mulher e minha filha acompanham--me — respondeu este. — Minha filha — acrescentou com um contentamento mal reprimido — tem agora seis anos.
— Quero que jantem comigo — respondeu o advogado. — Não. Não admitirei desculpas de qualquer es-pécie. E... — hesitou um pouco — posso saber o que se passa entre os senhores, que são primos e da mesma idade?
— Isso — explicou Martin, encolhendo os ombros —é uma história longa e complicada. Sabe? Educaram-nos juntos, por ordem de «Alphabeth», quando os pais de Karl e os meus morreram no mesmo acidente. Eis o sentido de humor desse homem: quando Karl desejava uma coisa davam-na a mim. Não interessava que eu a entregasse imediatamente ao meu primo. Ele já não a aceitava. Criou-me ódio. Creio que era isso o que «Alphabeth» pretendia. Por fim, cada um seguiu caminhos diferentes, mas antes, há sete anos, conhecemos a que hoje é minha mulher. Ela escolheu-me a mim — acrescentou com simplicidade. — Ao que parece, Karl nunca me perdoou esse triunfo.
— Bem, senhor Stanzer. Vá procurar a sua esposa e a sua filhinha e venham, em seguida, buscar-me. Conduzi-los-ei a casa, na minha «charrette». Sente-se satisfeito com esta inesperada fortuna, «mister» Stanzer? — disse Aaronson.
Os olhos de Martin brilharam.
— Imagine. O sonho de toda a minha vida. Um rancho... Um rancho modelo...
— Magnífico, senhor Stanzer! Magnífico!...
Como se os seus movimentos houvessem sido previamente sincronizados, os dois homens chegaram ao mesmo tempo à porta da casa.
Qualquer observador casual tê-los-ia tomado por irmãos, porque existia entre ambos certa semelhança física. Não eram irmãos, todavia.
Um dos indivíduos, alto, magro, de cabelo castanho e olhar inteligente, trajava como um modesto vaqueiro: casaco curto de bombazina verde e calças de montar, com botas de meio cano. O outro calçava botas altas nas quais batia, de quando em quando, com uma badine de couro e vestia jaqueta de veludo, colete amarelo com ramagens e gravata cinzenta. Foi este último quem entrou em primeiro lugar. Iam ambos avançar ao mesmo tempo, mas o vaqueiro afastou-se.
Galgaram, depois um atrás do outro, os cinco degraus que conduziam ao escritório de «mister» Nehemiah Aaronson, o advogado mais solicitado e mais bem remunerado de Boise, no Idaho.
A porta abriu-se e um corredor levou-os a uma sala recheada de móveis de estilo isabelino, feios, mas aparatosos. «Mister» Aaronson pôs-se de pé, por detrás da secretária monumental. Ao sagaz judeu bastou apenas uma olhadela para diferençar os dois homens. –
— Bons dias — disse, com uma ligeira inclinação de cabeça.
— Suponho que o senhor será Karl Stanzer, não é assim? — acrescentou, dirigindo-se ao que entrara primeiro. O homem do colete amarelo assentiu.
Tinha olhos pardos, penetrantes, patilhas compridas e um pequeno bigode. As suas mãos pareciam não poder sossegar nem por uns instantes.
— E o senhor, portanto, deve ser Martin Stanzer —continuou, voltando-se para o outro.
Martin sorriu e moveu a cabeça.
— Bem, cavalheiros. Creio que os senhores não ignoram o motivo que me levou a chamá-los.
— Temos uma vaga ideia — disse Martin com um sorriso simpático.
— Mas preferimos que nos esclareça. No fim de contas, o senhor está na posse de todos os pormenores. Desejo frisar que me parece estúpido perder tempo com preâmbulos — observou Karl Stanger. —Entremos diretamente na questão.
«Mister» Aaronson mirou-o com um ar ressentido, mas não disse nada. Fez soar uma campainha e logo apareceu um dos seus empregados sobraçando um volumoso «dossier». Extraiu da pasta várias folhas de pergaminho de excelente qualidade e principiou a percorrê-las com o olhar.
— Como muito bem disse o seu primo — comentou, fitando Martin — prescindiremos dos pormenores. O senhor Laurent Stanzer, mais conhecido por «Alphabeth» Stanzer, irmão de vossos pais, faleceu na Europa. Deixa uma fortuna avaliada em cinco milhões de dólares. Salvo algumas disposições de somenos importância, todo esse dinheiro vai parar às vossas mãos.
Martin engoliu em seco. Era um homem de uns trinta e cinco anos, rosto juvenil e ar saudável. Karl, por seu turno, embora pretendesse dominar a emoção, mal o podia conseguir. As mãos e o queixo tremiam-lhe.
—Santo... Santo Deus! — murmurou Martin. — Não imaginava que existisse essa quantia em todo o mundo...
— Pois existe, senhor Stanzer, existe — disse \o advogado. — E essa importância pertencer-vos-á com... — neste momento um feixe de pequenas rugas surgiu--lhe em torno dos olhos. — Com a condição... — tossiu e calou-se.
— Vamos, fale! — exclamou Karl Stanzer, ofegante, enxugando o suor com um enorme lenço verde. — Não... Não há nada no mundo que eu não fizesse por essa soma!
— Acredito-o, senhor Stanzer — replicou friamente o judeu.
— Acredito-o. Pois bem, a condição é que os senhores serão obrigados a viver separados num espaço não superior a dez milhas. Para ser mais claro: se um de vós for morar a mais de dez milhas de distância do outro, perderá automaticamente o direito ao dinheiro.
A cara de Karl Stanzer não era nada agradável de se ver naquele momento.
— Não me pode fazer isso a mim! — disse numa voz estrangulada, enquanto volvia para o primo os olhos espantados. — O tio «Alphabeth» sabia perfeitamente que eu odeio este indivíduo, que o desprezo, que não posso suportar sequer a sua presença...
—É possível — admitiu o judeu — que o seu tio soubesse isso, mas também toda a gente lhe conhecia o seu singular sentido do humor.
— Karl e eu nunca nos pudemos tolerar — observou Martin num tom calmo — embora não saiba porquê. Quero dizer, embora eu ignore as origens do caso. Apenas sei que ele me odeia.
— Se te odeio! — exclamou o outro, pondo-se de pé, num rompante.
— Detesto-te! Seria capaz de te matar agora mesmo! Odeio-te de tal maneira! Matava-te!...
— Se fizesse isso perderia dois milhões e meio de dólares, senhor Stanzer — objetou o judeu fitando o testamento. — Não podem matar-se um ao outro. Proíbe-o o vosso defunto tio. Karl parecia prestes a explodir. Martin voltou-se para o advogado.
— E é tudo, «mister» Aaronson?
— Não. O senhor «Alphabeth» Stanzer tem... tinha umas terras no condado de Elmore, terras regadas pelo rio Boise. Sugere no testamento que poderiam muito bem construir ali as vossas casas, separadas, caso o prefiram, por uma distância de dez milhas, isto é, pela distância limite.
Os olhos de Martin brilharam.
— Terras de amanho e de gado?
O seu interlocutor assentiu.
— Assim é, senhor Stanzer. Terras excelentes para o cultivo e para o gado.
— Sou vaqueiro, «mister» Aaronson, e o meu maior sonho é o de poder vir a ter, um dia, um rancho com a maior grandeza possível, onde aplicasse à agricultura e ao gado todas as descobertas recentes. Aceito o alvitre — disse Martin, com os olhos a reluzir.
— Mas não eu — exclamou Karl, com as mandíbulas retesadas. — Terás de procurar outra coisa.
«Mister» Aaronson voltou a mirar os papéis, muito divertido, ao que parecia.
— Pois, nesse caso, o senhor Stanzer pode perder o seu dinheiro — advertiu-o.
— O vosso tio especifica que, se as terras agradarem a um dos senhores, o outro terá de conformar-se. Só na hipótese de nenhum dos dois as querer é que poderiam escolher outro local. Está bem explícito... senhor Stanzer.
— Maldito seja o senhor e maldito seja «Alphabeth»! -- ululou Karl. Depois, com um esforço visível, conseguiu dominar-se. — Está bem — disse, por fim, numa voz apagada. — Aceito. Há alguma povoação nessas terras?
— Uns quantos casinhotos de rendeiros, precisamente nos limites da propriedade.
— Bom... — quedou-se pensativo, um momento. E em seguida continuou: — Edificarei lá uma povoação, uma verdadeira cidade. Sempre ambicionei possuir uma bela casa de jogo.
Aaronson ergueu o sobrolho, com um ar de desaprovação.
— Casa de jogo?
— Sim, «mister» Aaronson. Não sabe o que é? Um sítio onde — voltou-se e mirou o primo com uma tal maldade que Martin estremeceu — deixem o dinheiro, todos os sábados, os vaqueiros, os rancheiros e os pesquisadores de oiro. Sim, é isso o que eu pretendo. E raparigas formosas que falem ternamente aos rapazes cansados após uma longa cavalgada. E essas modernas máquinas, onde por um níquel podem sair duzentos... ou não sair nenhum. Sim, «mister» Aaronson, a perspetiva já não me parece tão desagradável.
— Mas permita-me que lhe diga, senhor Stanzer, que isso é uma indecência — disse o velho judeu, com uma expressão de repulsa.
Karl respondeu:
— Indecente ou não, com o meu dinheiro posso fazer o que me pareça bem, não é verdade?
— Sim, com efeito — o advogado examinou atentamente várias cláusulas do documento, desejoso de descobrir uma que impedisse aquilo.
— Sim, com efeito acrescentou o ancião, um pouco desiludido. — Pode fazer com o seu dinheiro o que lhe der na gana.
— Pois então — Karl, com os olhos faiscantes, não deixava de observar, o primo — pois então farei o que disse. E mostrarei a este maldito labrego que não irá rir-se de mim...
— Escuta — disse Martin erguendo-se. — Começo a fartar-me de ti. Faz o que quiseres, mas não julgues que podes ir tão longe quanto ambicionas.
— Silêncio, cavalheiros! Não admito brigas no meu escritório! — exclamou Aaronson. E depois, voltando-se para Martin Stanzer:
— Desejo-lhe as maiores felicidades, senhor Stanzer e espero que triunfe nos seus intentos. Se eu tiver a sorte de o senhor continuar a confiar-me os seus assuntos não restam dúvidas de que apenas haverá motivo para ambos nos felicitarmos.
— Evidentemente — disse Martin estendendo-lhe a mão. — Ninguém melhor que o senhor poderia fazê-lo...
— Os meus negócios serão tratados por outro advogado, claro — resmungou Karl.
— Nem por um instante duvidei disso — respondeu Aaronson. — Não lhes tocaria nem com uma vara de quinhentas jardas de comprimento.
Karl Stanzer, com os olhos brilhantes de raiva, de fúrias, e, ao mesmo tempo, de satisfação, abandonou o seu lugar.
— Ver-nos-emos — disse, já da porta. E desapareceu.
— O senhor veio sozinho a Boise? — perguntou o advogado a Martin.
— Não. Minha mulher e minha filha acompanham--me — respondeu este. — Minha filha — acrescentou com um contentamento mal reprimido — tem agora seis anos.
— Quero que jantem comigo — respondeu o advogado. — Não. Não admitirei desculpas de qualquer es-pécie. E... — hesitou um pouco — posso saber o que se passa entre os senhores, que são primos e da mesma idade?
— Isso — explicou Martin, encolhendo os ombros —é uma história longa e complicada. Sabe? Educaram-nos juntos, por ordem de «Alphabeth», quando os pais de Karl e os meus morreram no mesmo acidente. Eis o sentido de humor desse homem: quando Karl desejava uma coisa davam-na a mim. Não interessava que eu a entregasse imediatamente ao meu primo. Ele já não a aceitava. Criou-me ódio. Creio que era isso o que «Alphabeth» pretendia. Por fim, cada um seguiu caminhos diferentes, mas antes, há sete anos, conhecemos a que hoje é minha mulher. Ela escolheu-me a mim — acrescentou com simplicidade. — Ao que parece, Karl nunca me perdoou esse triunfo.
— Bem, senhor Stanzer. Vá procurar a sua esposa e a sua filhinha e venham, em seguida, buscar-me. Conduzi-los-ei a casa, na minha «charrette». Sente-se satisfeito com esta inesperada fortuna, «mister» Stanzer? — disse Aaronson.
Os olhos de Martin brilharam.
— Imagine. O sonho de toda a minha vida. Um rancho... Um rancho modelo...
— Magnífico, senhor Stanzer! Magnífico!...
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Quinze anos depois, numa maravilhosa tarde de Verão, um homem chegou a Stanzerville. O sol tostara--lhe a pele, dando-lhe um ar saudável. Era magro, mas muito largo de ombros e musculoso, de rosto afilado e olhos acinzentados.
Deteve-se à entrada da povoação, apoiou o cotovelo no arção da sela e o queixo na mão enluvada. Diante dele estendia-se 'um amontoado de casas, a maior parte das quais eram «saloons» ricamente ornamentados, hotéis, botequins e lojas. Àquela hora, próxima do anoitecer, as ruas iam-se enchendo de urna multidão em que predominavam os homens. Quando a noite caiu definitivamente e se acenderam as luzes de gás, tudo aquilo apresentava um aspeto sumamente agradável. A luz dava mais animação ao ambiente. O forasteiro dirigiu-se pela Main Street, olhando ora para a direita, ora para a esquerda. Por fim, uma tabuleta atraiu a sua atenção:
«STANZER'S»
Apeou-se do cavalo, prendeu-o à barra ali colocada para esse efeito e penetrou no local.
Este homem, respondendo ao apelo de um amigo, procurava o rancho Stanzer’s
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