quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

PAS817. Duelo no leilão de gado

Ainda faltava meia hora, quando a praça começou a animar-se. Não só os negociantes estavam interessados no leilão, como também alguns rancheiros recém-chegados, que deviam esperar turno para tomar parte nele, queriam conhecer o novo mecanismo e auscultar a situação. Também havia bastantes curiosos e alguns vaqueiros, embora poucos. A estes, interessava-lhes mais visitar os saloons, para saciar a sua sede de álcool, que assistir a uma operação que em nada lhes interessava, e era privativa dos seus patrões.
Wiscosin fora dos primeiros a chegar, mas não fizera o menor gesto para se aproximar de Slayton e saudá-lo. Tinha que dar a ideia de não ter intimidades com o', rancheiro. Slayton esperava o momento crucial passeando, aparentando uma tranquilidade que não tinha. Temia que alguma coisa falhasse e algum dos seus homens pagasse com a vida o desejo de ajudá-lo. Wiscosin saudara já os compradores e apenas o fizera, dois vaqueiros destacaram-se dissimuladamente, tentando não se afastar muito deles. Cada qual tinha uma missão e cumpria-a sem vacilar. Colorado andava dum lado para o outro sem perder contacto com Wiscosin e assim, se ia tecendo aquela estranha malha, cujo final ninguém podia prever.
Pouco mais tarde chegou Jerry. Bastou olhar para o ar soberbo de homem impressionante, para adivinhar quem era. Acompanhava-o um tipo de estatura mediana, de rosto duro e agressivo. Vestia bastante decentemente, mas notava-se que não ia bem com o traje. Com um fato de vaqueiro, sentir-se-ia mais no seu elemento.
Quase ao mesmo tempo que o par, foram aparecendo outros curiosos que não eram senão os esbirros às ordens de Jerry. Cada um pareceu procurar com o olhar algo determinado e, depois, separaram-se para se irem aproximando dos compradores que já estavam na praça.
O que se aproximou mais de Wiscosin, era um tipo alto e forte, de rosto sombrio, muito escuro. Parecia mestiço de mexicano a julgar pela cor da pele e pelo brilho dos olhos negros. Colorado mediu-o com a vista e compreendeu que não era inimigo pequeno; mas não se assustou por isso. Também ele era duro e além disso gozaria da lei da vantagem.
Pouco antes das doze, havia oito compradores na praça sem contar com Jerry e minutos antes da hora fixada, apareceram outros dois tipos exóticos, pois vestiam, um calças ajustadas e o outro jaqueta negra muito apertada. O primeiro era leiloador e o seu companheiro transportava o livro das inscrições em que tomava todos os apontamentos depois do remate.
Jerry manobrou para se pôr ao lado do leiloador, tendo junto dele o seu guarda-costas, enquanto o resto dos compradores formavam círculo bastante amplo. Um rapaz pôs uma mesa junto do leiloador e entregou-lhe um martelo de madeira.
Slayton olhou em volta. Formara-se uma roda bastante compacta, e de fugida pôde verificar que por detrás de cada comprador havia um homem e, detrás de cada homem estava um vaqueiro seu. Respirou com alívio. As coisas podiam falhar, mas não por falta de preparação e decisão dos que iam dar o golpe.
O leiloador agarrou no livro, lançou um olhar ao que escrevera na última página e consultando o relógio esperou uns momentos. Ainda não era meio-dia em ponto e o tipo parecia muito meticuloso. Por fim, após consultar mais duas vezes o relógio, deu uma sonora pancada na mesa com o seu martelo e gritou:
— Meus, senhores, está aberto o leilão! «Há para esta manhã três manadas inscritas. Como devem ser leiloadas por ordem de inscrição, começaremos pela primeira. «Pertence ao rancheiro David Slayton, traz, segundo declaração a comprovar no momento próprio, quatro mil e quinhentas cabeças de gado, e garante que pesam na média quatrocentos quilos cada uma.
Houve um murmúrio ao ouvir-se o peso. Muito poucas vezes chegava gado daquela envergadura.
— Comprovou-se o peso? — perguntou um comprador. Não se pesaram, mas os nossos fiscais que examinaram o gado, garantem que pesam isso, mais quilo, menos quilo.
«O proprietário, aqui presente, quer quinze dólares por cada rês, e que não venderá por um centavo menos, mas quem compra são os senhores, por isso dirão a última palavra.
Houve um silêncio sepulcral, que durou um minuto. Wiscosin não queria ser o primeiro a oferecer e esperava que qualquer outro começasse. Por fim, uma voz não muito segura disse:
— Onze dólares. Oferecem onze dólares, senhores... Quem dá mais?
Wiscosin adiantou-se e disse:
— Ofereço doze. Naquele momento e de uma forma silenciosa, Colorado que se colocara atrás do bandido que vigiava Wisconsin, estendeu o braço. agarrou no coldre do tipo, quando este fazia intenção de puxar o revólver e aplicando-lhe o seu «Colt» aos rins, murmurou ao seu ouvido:
— Quieto, senão quer que lhe meta cinco onças de chumbo nos rins. Ao menor gesto será um homem morto.
O pistoleiro compreendeu que nada podia fazer. O seu inimigo tirara-lhe o coldre com uma pancada seca e ficara desarmado à sua mercê. Foi tudo tão calmo, tão silencioso, sem movimentos chamativos, que ninguém pareceu reparar naquele ato de valentia. Jerry que estivera a olhar para uns e outros, levantou a sua potente voz e disse:
— Doze dólares e meio é uma boa paga, segundo o meu critério. É a quantia que ofereço.
Mas Colorado, a meia voz, ordenou:
— «Puxe», senhor Wiscosin.
Este, animado por aquela ordem, pois indicava que não corria perigo, gritou:
— Treze dólares! Houve um sobressalto. Muitos olhares se cravaram nele, mas o negociante, firme, embora um pouco pálido, esperou. Jerry ficou um momento como que desorientado. Olhava para o homem destacado para sujeitar Wisconsin e via-o rígido, com a boca fechada num gesto de raiva e impotência. Jerry não sabia o que ele tinha, mas adivinhava que se passava algo de anormal. E irado, gritou:
— Parece-me que vai fazer um mau negócio, Wisconsin... Em doze e meio estavam bem pagas, mas como me aborrece que alguém me vença, ainda perdendo dinheiro, não estou disposto a que fique com essa manada. Dou catorze dólares.
— Eu dou quinze — foi a oferta de Wiscosin.
Os curiosos pareciam assombrados. Nunca tinham ouvido oferecer mais de doze dólares ou onze e meio e, embora a manada em disputa fosse excecional, o preço parecia ser mais excecional ainda.
Jerry rangeu os dentes e gritou:
— Quinze e meio!
— Dezasseis! — foi a resposta de Wiscosin.
Jerry tinha-se posto pálido de raiva. Não compreendia aquela luta e começou a suspeitar qua a «sombra» do Wiscosin, não atuava por algo especial. Isto concedera ao seu rival liberdade para «puxar» e fazia-o dum modo louco, somente para o humilhar, embora levando a humilhação para diante o fizesse perder dinheiro.
Mas o seu amor-próprio não lhe permitia ficar por baixo dele. Ia perder dinheiro oferecendo mais, mas cobrá-lo-ia de qualquer maneira, pois Wiscosin não ficaria a rir. Considerava a situação ridícula pois era o único que puxava depois da cifra inicial.
Os demais permaneciam calados e estavam pendentes daquele estranho duelo entre o «amo e senhor» de Dodge e um simples negociante. Jerry tentando aparentar serenidade, exclamou:
— Senhor Wiscosin, já pensou, que pagando a esse preço nunca atingido, vai perder bastante dinheiro?
-- Os meus assuntos dizem-me respeito, Jerry. Se perder ou ganhar, é coisa minha. Mantenho a oferta: dezasseis dólares!
--Dezasseis e meio! —rugiu Jerry, fora de si.
-- Dezassete! — gritou Wiscosin, entusiasmado pelo calor da luta.
Jerry apertou as mandíbulas e, após um momento de hesitação bramou:
— Ainda pensa ir muito longe oferecendo? Sabê-lo-á se tem curiosidade. «Puxe» ou retire-se.
Jerry esteve a ponto de fazer uma oferta bastante maior, para obrigar Wiscosin a ultrapassá-la, mas conteve-se. E se fosse uma manobra do negociante para o obrigar a «puxar» e depois o largava com a oferta, ocasionando-lhe uma perda de muitos milhares de dólares? Esta podia ser a manobra e não estava disposto a fazer o jogo do seu rival. E, sorrindo duma maneira estranha, disse:
— Retiro-me... A manada é sua, pois não deve ter competidor.
O leiloador olhou para todos e, como ninguém falasse, começou a contar:
—Dezassete dólares, à uma!... Dezassete dólares, às duas!... Dezassete dólares, às três! Não vai mais! Fica adjudicado ao senhor Wiscosin por essa quantia.
Mas Jerry, adiantando-se impetuoso, exclamou com mal contida raiva:
— Um momento! Tenho direito a verificar que o meu rival paga essa quantia e deposita todo o dinheiro nas mãos do leiloador.
— Porque não? — disse Wiscosin, adiantando-se para a mesa. — Vou encher um cheque com a quantia que representam as quatro mil e quinhentas reses.
Jerry olhou em volta e viu o homem que devia ter evitado aquilo. Estava rígido no seu lugar e pôde ver que não tinha o revólver.
Ao mesmo tempo, viu outro homem por detrás dele, como se lhe fizesse sombra. E o mais curioso do caso é que viu todos os seus homens desarmados como por artes de magia. Wiscosin assinava o cheque, enquanto Slayton, com os olhos brilhantes de alegria, não perdia o mais leve movimento de Jerry.
Este, que por fim adivinhara as causas da impotência dos seus homens, retrocedeu, e aproximou-se do seu guarda-costas, que permanecia rígido e disse-lhe qualquer coisa em voz baixa. O pistoleiro afastou-se dele, tentando aproximar-se pela retaguarda de Colorado. Este adivinhou a manobra e deixou-o ganhar terreno.
Mas quando o tipo, julgou que podia disparar sobre o capataz e puxava o revólver com velocidade inusitada, o «Colt» de Colorado troou por duas vezes e o bandido deixou cair a arma que acabava de sacar, para levar as mãos ao peito e vacilar, tentando manter o equilíbrio.
Os tiros, a queda do pistoleiro, e vários rugidos de ira e desespero, brotando das gargantas dos outros bandidos, produziram o pânico na praça.
Os curiosos, que nada tinham a ganhar e muito a perder se permanecessem ali, deitavam a correr. Os negociantes, sem saber a que obedecia aquilo, faziam o mesmo, e os bandidos ao serviço de Jerry, acometiam os seus inimigos a murro, tentando recuperar as suas armas.
Desenvolveu-se uma terrível luta, enquanto Jerry, dando conta do «complot» que se formara para derrotá-lo, no cúmulo do furor puxou do revólver e voltando-se para Wiscosin que estava de costas assinando o cheque, tentou disparar sobre ele. Slayton, ao reparar nisso, agarrou o negociante por um braço e empurrando-o brutalmente, atirou-o ao chão e caiu na sua companhia, no momento em que Jerry, cego de furor, disparava.
A bala, com o caminho livre, foi atingir no peito o ajudante do leiloador, o qual, dando um gemido, caiu junto à mesa e, quando Slayton puxava do revólver e Jerry enlouquecido de raiva, procurava o negociante no solo para disparar outra vez contra ele uma voz potente, que soou aos ouvidos de Jerry como um aviso de morte, rugiu:
—Jerry! Grande bandido!... Venho por ti!
Reconhecendo aquela voz e sabendo o que significava para ele aquele aviso, torceu o braço; abandonou a sua presa e tentou fazer frente ao perigo que lhe caía em cima. Mas já era tarde; quando disparou o seu revólver de uma forma imprecisa já o «Colt» de Virgil troava seis vezes seguidas e todo o mortífero conteúdo da arma se alojava de modo inexorável no corpo do indesejável. Este caiu como fulminado por uni raio e Virgil, com o revólver ainda fumegante na mão, bradou:
— Cobarde!... Seis onças de chumbo ainda são poucas para desfazer as tuas carnes apodrecidas. Mas... não tinha mais nada para te oferecer.
Ainda soaram mais dois tiros, por conta dos vaqueiros de Slayton, que se viram obrigados a disparar. Os outros bandidos acabaram por ser reduzidos à impotência, enquanto Wiscosin, pálido como um morto, se levantava do solo, dizendo:
— Obrigado, senhor Slayton. Salvou-me a vida!
—Era o meu dever, Wiscosin.
E deixando-o, correu ao encontro de Virgil.
—Julguei que chegava tarde, Virgil.
— Entretive-me mais do que devia, mas… nada se perdeu. Cumpri o meu juramento e vejo que o senhor venceu. Acabou-se a chantagem em Dodge.

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