sábado, 9 de dezembro de 2017

PAS812. Uma presa desejável

Kent voltou-se lentamente, sabendo que lhe deviam estar a apontar um rifle. Ê a arma favorita das mulheres sós, quando têm tempo de pescar uma pessoa pelas costas. E com um rifle carregado a menos de seis passos de distância, não se pode brincar.
De modo que a sua atitude foi perfeitamente inofensiva, quando se voltou com os braços ligeiramente levantados.
— Não se mexa donde está.
A voz era enérgica.
Kent viu então a mulher à debilíssima luz que n lua enviava agora através da janela. Com efeito, empunhava um rifle, um tremendo Sharp de muito «más entranhas», e estava a uns cinco passos, no umbral de uma porta que devia ter aberto nas costas de Kent sem que este a ouvisse.
Estava corretamente vestida e era jovem. Não uma rapariguinha, pois devia ter já uns vinte e quatro anos de idade. Mas a ruga de preocupação, quase de amargura, que cruzava o seu rosto, fazia-a parecer mais velha.
Não obstante, era bonita.
Uma presa desejável, pela certa, para um homem que fora condenado à morte por violação e a quem já não importaria assaltar outra mulher já que, de todos os modos, não o podiam enforcar mais de uma vez.
Esse pensamento pareceu ler-se nos olhos de Kent, enquanto examinava a mulher, desde os cabelos bem penteados até às pontas dos seus sapatos. Ela percebeu e o seu corpo ágil e elástico estremeceu.
Claro que notou também que era outro sentimento mais forte o que neste momento dominava aquele intruso: a fome
—Lamento... —disse Kent esboçando um sorriso. — Cheguei a pensar que não havia ninguém neste rancho...
—Pois há.
— Prometo-lhe que as minhas intenções...
—As suas intenções são bem claras: Está a roubar.
— Só um pouco de comida...
Os olhos da mulher cravaram-se como dardos nas, mãos de Kent, que seguravam o pão e na gaveta junto da qual ele estava. Naquela gaveta não se guardava nada de valor, exceto a comida.
O olhar da mulher humanizou-se um pouco, mas as suas mãos continuavam a empunhar o rifle.
—Afaste-se. Ponha-se junto à janela, onde eu o veja bem —ordenou. —E não tente saltar por ela porque envio-lhe uma bala antes que o consiga. Estes rifles são muito rápidos.
— Demasiado sei eu disso...
Kent resolvera obedecer e não pôr aquela mulher mais nervosa do que o que já estava. Um único estremecer do dedo indicador, e aquele pesado rifle enviá-lo-ia para o inferno para sempre. Além disso, Kent já percebera que os olhos da mulher estavam a mudar de expressão.
Ela tentava compreendê-lo.
— Muito bem — disse, mais tranquila, quando pôde ver bem o homem junto à janela, recebendo em cheio a luz da lua. —Agora largue o pão e solte o revólver. Mas segure-o só com dois dedos e com a mão esquerda. De contrário, mato-o.
—Já vejo que não brinca.
—Juro-lhe por minha mãe que jamais falei tão a sério. E apresse-se porque o dedo treme-me já no gatilho.
Kent obedeceu, sem perder a calma nem um só segundo. Olhava diretamente para os olhos da mulher. E percebia que ela já não o examinava com a expressão feroz de antes, mas sim com uma luz muito mais humana nas pupilas. Kent quase adivinhou o que sucederia uns segundos mais tarde.
Ela disse:
— Vou propor-lhe uma condição.
—Não estou em situação de discutir, senhora. Aceito qualquer condição que me ofereça uma vez que não seja esburacar-me o peito com esse rifle.
—Como sabe que sou uma senhora?
Com o queixo, Kent indicou suavemente por trás dela, mas a mulher mal voltou a cabeça umas frações de segundo, conservando-se em guarda.
Um garoto de uns seis anos, loiro, precioso como um anjo, estava parado atrás dela, olhando-os aos dois com expressão anelante.
—E meu filho—disse ela rouca. —Meu filho Henry.
— Por isso precisamente adivinhei que era uma senhora.
—Muito bem. Não se trata disso agora. Repito que lhe proponho uma condição.
—E eu aceito-a. Que remédio!
—E só comida o que procura?
— Com certeza.
—Vai-se embora depois de comer aqui? Larga-se com vento fresco e deixa-me em paz?
—Devo perceber que me vai convidar?
—A comida não se nega a ninguém em n hum canto do Oeste. Devia saber isso e devia tê-la pedido, em vez de entrar aqui como um ladrão. Mas, já que o fez, não compliquemos mais .as coisas. Eu dou-lhe de comer e o senhor afasta-se para bem longe. De acordo?
—E uma condição muito razoável.
Ela baixou um pouco o cano do rifle.
—Está bem; sente-se.
Kent sentou-se à mesa. A mulher voltou um pouco a cabeça para o menino.
— Henry, traz um jarro. Traz também da cozinha uns feijões e toucinho frito. Tudo isso está em dois pratos no armário; já sabes onde está.
O menino, sem uma palavra, dispôs-se a obedecer.
Um momento depois, Kent estava ante o que para ele era uma suculenta refeição. Aquela mulher sabia cozinhar, estava tudo apetitoso. Apesar de querer comer com educação, devorou tudo num esfregar de olhos, incluindo o pão que tirara antes.
Ela, situada a uns cinco passos de distância, olhava-o sem deixar de lhe apontar o rifle. Claro que a sua atitude vigilante se abrandara muito desde que vira que Kent só prestava atenção à comida. Não percebeu que a expressão do homem ia mudando ao sentir satisfeita a sua fome, e agora dirigia já alguns olhares furtivos às poderosas ancas da mulher, ao seu busto ofegante e aos seus lábios vermelhos. Era tal como se Kent Latimer começasse a dizer a si mesmo que aquela damazinha era a melhor sobremesa que podia desejar depois do banquete.
Não obstante ela não o notou.
Agora tinha que repartir a sua atenção entre o intruso e o pequeno Henry, que estava uns passos atrás dela, em absoluta imobilidade, vendo o homem comer, como se este o obsessionasse.
—Henry, vai para o teu quarto.
—Faço-te companhia, mamã.
—Obedece.
Kent cortou o diálogo com uma pergunta que parecia inofensiva:
—Onde está seu marido, senhora?
Ela mordeu o lábio inferior.
—Com o gado.
— Sim, já vi que não há reses por aqui, e imaginei que deviam estar noutro sítio. Mas demora.
—Isso não lhe importa.
—Perdoe, era só um comentário.
—Foi embarcar umas dezenas de cabeças e por isso teve que estar por três dias — disse ela bruscamente—, mas regressa esta mesma noite. Surpreende-me que já cá não esteja.
Ele suspirou:
—Claro...
Notara que a mulher descurava a vigilância cada vez mais e que estava quase exclusivamente dependente do garoto, à espera que ele se retirasse.
Notara também, agora que a luz lhe diva em cheio, que a mulher era extraordinariamente bonita. Se não fosse aquela ruga de preocupação que continuava a ensombrar o seu rosto, seria uma das mais belas que Kent vira na sua vida. Tinha umas ancas largas e fortes, maravilhosamente torneadas, um busto pujante e alto, tão agressivo como o dum jovenzinha; uns lábios tentadoramente vermelhos e um pescoço suave que se tornava numa obsessão. Quanto ás pernas, pelo que a saia deixava ver delas, eram de eleição.
Aos vinte e cinco anos, podia dizer-se que aquela mulher estava na sua plenitude, que nunca ante tinha sido tão bela nem no futuro voltaria a sê-lo. Era uma presa para caçar precisamente agora, uma fruta que se havia de devorar justamente na-, quele momento, antes de que se escapasse. A julgar pela expressão malévola e concentrada de Kent Latimer, este estava a pensar justamente nisso.
A mulher olhava agora diretamente para o pequeno.
—Henry, disse que te fosses...
—É que...
Kent engoliu a saliva, percebendo que chegara o seu momento. Tinha agora uma magnífica oportunidade, e não ia desperdiçá-la.
Levantou o prato já vazio com um movimento rapidíssimo e lançou-o contra o cano do rifle da mulher, fazendo com que ele se desviasse bruscamente contra a parede.
Ela tentou livrar-se mas já não foi a tempo.
Já Kent Latimer estava sobre ela com uma força poderosa, invencível, destruidora...

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