quarta-feira, 25 de outubro de 2017

PAS797. A vingança no chinês

Os dois vaqueiros desprenderam os cavalos e acompanharam a nova patroa. Atravessaram a aldeia e, já nos arredores, viram três grandes carros perto dos currais destinados ao gado procedente de Texas.
Uma enorme fogueira crepitava no centro do local onde estavam os veículos e à volta da fogueira viram nove homens a jantar, exatamente como os vaqueiros: acocorados e com prato de latão numa das mãos.
Todos se ergueram ao ver a patroa e Kent Slater examinou-os um a um. Seis deles eram condutores de carros que, sem dúvida, fizeram parte de alguma caravana desfeita devido ao adiantado da estação.
Os colonos que se dirigiam para a Califórnia tinham sempre em conta as alterações do tempo. E sabiam que atravessar as Rochosas com o Inverno já próximo significava pura e simplesmente a morte. Esta razão obrigava muitas caravanas a esperar a chegada do bom tempo em Dodge ou noutras aldeias e, como os colonos não podiam dar-se ao luxo de pagar a vários homens, despediam-nos.
A atenção de Slater, e também a de Clinton, deteve-se, particularmente, nos três homens da escolta. Os vaqueiros notaram, quase logo, que eram bandoleiros. Bandoleiros profissionais ou, talvez, homens fugidos à Justiça e andavam de um lado para outro, sem se fixarem em parte alguma das imediações, porque em Dodge City havia um xerife bastante enérgico.
— Vamos dar um passeio esta noite, patroa — disse Slater, depois de tirar a sela e outros arreios ao cavalo e de o prender ao lado dos outros.
— Não se esqueça que chegámos hoje mesmo do Texas, sempre a conduzir uma irrequieta manada de três mil reses — acrescentou Clinton que seguira ' o exemplo do amigo.
— Partimos amanhã, peço-lhes o favor de não se esquecerem — disse-lhes Rebeca, antes de entrar para um dos carros.
— Temos boa memória — respondeu Slater, tirando uma pistola do coldre da sala.
— Agora já estamos metidos na rede — afirmou Clinton, enquanto tirava a sua «Winchester».
Os três bandoleiros examinaram atentamente os dois vaqueiros, mas estes não prestaram atenção alguma ao exame. Tanto Slater como Clinton sabiam o que se podia esperar deles.
— Vamos fazer uma visita a Huong e aos seus dois cães — disse Slater.
— Era isso que estava para te dizer — respondeu Clinton.
Para os dois vaqueiros foi autêntico suplício terem de regressar a pé à cidade. As suas arqueadas pernas estavam afoitas a cavalos e não a andar pelas poeirentas e sujas ruas de Dodge City, mas o desejo de fazer passar um mau bocado aos chineses era superior ao incómodo que sentiam percorrendo alguns quilómetros.
Huong ia fechar a porta do restaurante, quando o cano de uma pistola se lhe encostou ao peito e brandamente o empurrou. Teve de retroceder.
— Olá, Huong, maldito chinês nascido em Omaha. Ou és um dos seus descorados filhos? — perguntou Slater, ao entrar no restaurante.
— Sou Huong — respondeu o chinês cujo rosto amarelo começara a adquirir uma cor terrosa.
— Agrada-me imenso! É um nome bonito... O meu querido amigo Clinton vai encarregar-se dos teus veneráveis rebentos. Agora, vamos até à cozinha — ordenou Slater.
— Queres matar-me? — perguntou Huong.
— Que julgas, então?... Chamaste-nos ladrões, apontaste as tuas espingardas para nós e envergonhaste-nos diante de todos os teus clientes. Que podes esperar? —perguntou Slater, enquanto fincava mais a pistola nas costas do chinês para o obrigar a caminhar mais depressa.
Huong não revelou o que pensava... porque apanharia com uma bala na parte do corpo que se expunha mais a fazer as reverências. O chinês garantia que nenhum vaqueiro texano se envergonharia facilmente, que não sabia o que era a vergonha... mas não disse nada.
Ao entrar na ampla cozinha viu os filhos de rosto para a parede, e as mãos muito altas, como se pretendessem tocar no teto, e, atrás deles, pistola em punho, descobriu Clinton, sorridentíssimo.
— Desejava tornar a ver-te, montão de nata azeda. Queria, apenas, dizer na tua cara que és um porco. Além disso, um homem que tem um negócio como o teu deve ser mais humano. Nunca disse mal dos teus guisados, embora algumas vezes me tenhas dado carne de cavalo afirmando ser de vitela e obrigaste-me a pagar como se realmente fosse vitela... E quando um dia me encontro sem dinheiro para liquidar a conta, quiseste furar todo o meu corpo com as tuas malditas espingardas. Achas bem? - perguntou Clinton.
— Digníssimo senhor eu...
— Fala claro ou quebro-te todos os dentes com a coronha da pistola — interrompeu-o Slater.
-- Vão matar-nos, pai! — guinchou um dos filhos.
— Apanha o balde para sangue, Kent — disse, alegremente, Clinton.
— Vamos, primeiro, aplicar-lhes a sentença que a nós aplicaram. Irão lavar já todos os pratos. Mexam-se, canários! — ordenou Slater.
Havia um enorme monte de pratos, com certeza todos quantos serviram durante a semana e os vaqueiros pensaram que os chineses nunca os lavavam. Quer dizer, os clientes comiam em pratos sujos.
Huong e os filhos não os obrigaram a repetir a ordem e, sob a permanente ameaça das pistolas, começaram a lavar. Demoraram mais de uma hora a terminar, mas Slater examinou os pratos e, acenando negativamente a cabeça, disse:
— Não estão muito limpos, parece-me... Vamos recomeçar, chinesinhos do diabo!
Enquanto Huong e os filhos voltaram a lavar os pratos, Clinton encontrou uma garrafa de uísque e, depois, de ter mandado limpar dois copos, umas doze vezes, ele e Slater encheram os copos.
Quando os chineses terminaram o trabalho pela segunda vez, o próprio Clinton foi verificar se os pratos estavam decentes.
— Não... Não... E não! Isto é uma porcaria. Os pratos não estão limpos. O melhor é parti-los todos e os canários tem de comprar outros novos e limpos — disse e, ao mesmo tempo, com a pistola atirava para o chão um grande monte de pratos.
Huong esteve quase a desmaiar, ao ouvir o ruído da louça a fazer-se em cacos. Slater pensou que os chineses tinham sido já bastante punidos, e disse:
— Deixa-os em paz, Dexter. Não convém quebrar os pratos todos porque estes porcos amarelos são capazes de servir as refeições mesmo em cima das mesas. Vamos amarrá-los para não fazerem escândalo e o xerife viria logo saber o que se tinha passado.
— Não diremos nada... podem estar tranquilos, honrados cavaleiros; não diremos nada, nada! — exclamou Huong que não esperava sair facilmente e ileso das mãos dos vaqueiros.
— Não tenho confiança nem na minha sombra. Vou amarrar-te e amanhã, quando fores desamarrado já estaremos longe de Dodge City... E como o xerife nunca sai da cidade, poderemos rir de tudo isto despreocupadamente!
Depois de amarrar os três chineses e de os terem amordaçado, os vaqueiros apagaram as luzes e saíram, sem se esquecerem de fechar a porta. Regressaram ao acampamento de Rebeca. Antes de adormecerem, Clinton perguntou ao amigo.
— Estás a dormir?
— Sim, estúpida criatura!
— Bem, sei perfeitamente que estás acordado. Pensava neste momento que fui um porco ao obrigar o chinês a lavar os pratos.
— Acontece-te sempre o mesmo. Gostaria de saber que diabo estás a pensar agora. Por que te recordas do chinês?
— Porque graças a ele perdoaste-me os sete mil dólares que te devia e eu, ingrato, parto-lhe um monte de pratos! — esclareceu Clinton, reprimindo o riso.
— Porco do inferno! Já não me lembrava da dívida... Mas eu disse que não queria saber-te morto e a dever dinheiro... e ainda não morreste! — exclamou Slater.
Como os dois vaqueiros tinham estendido as suas mantas debaixo de um dos carros, a cabeça de Slater bateu fortemente nas traves do fundo. Este acontecimento alegrou Clinton ainda mais o qual, reprimindo as gargalhadas, se deitou outra vez.

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