quarta-feira, 22 de junho de 2016

PAS638. Diligência destroçada por cinco facínoras

Um relâmpago iluminou todo o vale, fazendo ressaltar, nos seus mais pequenos pormenores, os contornos das montanhas, como se fossem desenhados a prata.
A mesma luz perfilou a silhueta de uma figura humana a cavalo, imóvel sobre um pequeno promontório, que no conjunto se assemelhava a uma rocha mais entre as que a rodeavam.
Não chovia. Mas os relâmpagos e os trovões sucediam-se ininterruptamente e carregavam a atmosfera de uma estranha opressão.
Passavam, lentos, os minutos. De súbito, a figura fez girar a montada e desapareceu, veloz, por uma das encostas do montículo. Em baixo, quatro homens aguardavam nas sombras, perto dos seus cavalos.
— Que há, «Colorado»? — interrogou um deles.
— Vem aí — replicou, um tanto nervoso, o que observara a paisagem.
— Em marcha, pois — prosseguiu a voz anterior. — E não se esqueçam das minhas instruções. Se as seguirem à letra, tudo sairá a nosso contento — e olhou significativamente o chamado «Colorado», como se a advertência fosse para ele só.
A uma indicação do que parecia o chefe, «Colorado» desmontou e prendeu a sua montada junto dos outros animais. Depois, os cinco homens, armados de carabina, puseram-se a caminho da curva da estrada.
Uma vez ali, afastaram um espesso matagal e puseram a descoberto uma pesada caixa, que arrastaram até ao centro do caminho.
— Pronto! — exclamou o chefe.
Segundos mais tarde, os cinco homens afastaram-se do lugar, onde deixaram o misterioso volume, e entrincheiraram-se atrás das rochas, de ambos os lados do caminho.
Silêncio.
O reboar de um longínquo trovão, na obscuridade da noite, misturou-se de repente com o tropel de passos de cavalos e o chiar das rodas de um veículo que entrava no vale procedente da planície.
O condutor gritou e fez estalar o comprido chicote sobre as orelhas dos seis animais que puxavam a bamboleante diligência. Atrás dela, vinham quatro soldados de escolta.
O condutor pareceu soltar um suspiro de satisfação quando o veículo entrou a grande velocidade na passagem entre as montanhas. Milha e meia mais e a cidade de Cheyenne estaria à vista.
— Maldito dia! — exclamou o homem, cuspindo sobre a cabeça do animal que tinha mais próximo um bocado de tabaco.
A bola mastigada deu na orelha do cavalo com precisão matemática e o condutor sorriu satisfeito. Apesar disso, voltou a exclamar, fazendo silvar o chicote no ar:
— Maldito dia!
Porque, com efeito, a jornada fora catastrófica para a diligência. Primeiro, haviam sido os índios, que durante várias horas perseguiram o veículo infatigavelmente, embora, graças à escolta que levavam, os malditos «sioux» não tivessem conseguido assaltá-los, como decerto era seu desejo; depois, sobreviera outro desastre: o eixo da roda partira-se e tivera de perder algumas horas a arranjá-lo. E a todo o momento com a constante preocupação do ouro que transportava, vindo do Banco provisional que se instalara em Deadwood Gulch, nas Montanhas Negras, e que todas as semanas transferia para Cheyenne, a fim de estar mais seguro.
Por outro lado, havia as duas mulheres que levava. A mais velha; parecia vir de muito longe, de Nova Iorque talvez, do «doce e tranquilo Este», como lhe chamava, com certo tom de desprezo.
A terceira pessoa do veículo apenas proferiu três palavras durante toda a viagem, e limitou-se a extrair o seu revólver de debaixo do seu impecável trajo, quando os índios perseguiram a diligência. Depois, com uma cortês desculpa dirigida às duas mulheres, meteu-o no coldre assim que deixou de ser preciso.
— Puf! Também do Este! — zombou o da boleia.
Pôs termo aos seus pensamentos mal lhe surgiu pela frente a curva da estrada. Com mão destra, pela muita prática, fez a diligência entrar nela sem abrandar a velocidade da marcha.
Foi então que viu muito perto, quase rente aos cascos dos dois primeiros cavalos, um volume que parecia uma rocha que se tivesse desprendido, ou qualquer coisa parecida.
Procurou conduzir os animais de forma que o obstáculo passasse entre as rodas.
Nessa altura, soou o primeiro tiro.
As paredes do estreito vale repercutiram surdamente, ao misturar-se o ruído de um potente estrondo com o horripilante estalido que se produziu debaixo das patas dos cavalos. Os animais, soltando relinchos de dor, caíram em confuso montão e arrastaram consigo a diligência, que ficou materialmente destroçada no breve espaço de pou­cos segundos.
A seguir ao estrondo, quatro carabinas dispararam em uníssono, e os quatro soldados da escolta caíram ao solo como se fossem fulminados por um raio, sem proferirem um só gemido.
Das sombras saíram precipitadamente os cinco emboscados, cujo cabecilha deteve por um braço o chamado «Colorado».
— Quieto! — gritou, puxando do revólver e indicando com um gesto a destroçada caixa da diligência. — Ainda respira alguém ali debaixo.
Efetivamente, uma figura negra debatia-se no interior, entre gemidos de dor, e procurava sair daquele caos. Um dos assaltantes, que assomou pela porta oposta àquela a que se encontrava «Colorado», soltou uma gargalhada ao observar o que se passava.
— É uma velha, chefe! — gritou; e fez três disparos consecutivos contra a cabeça da mulher.
Depois, os cinco bandidos atiraram-se velozes, como aves de rapina, sobre a diligência, e abriram as caixas que levava na parte superior, até encontrarem os saquitos de ouro, que passaram rapidamente para as suas montadas.
— Vamos! — ordenou o cabecilha.
— Um segundo! — exclamou «Colorado». — Talvez aí dentro haja também alguma coisa de valor que se não deva desperdiçar.
Abriu com dificuldade a portinhola e entrou, sem esperar o consentimento do chefe, rebuscou entre os três corpos sangrentos e arrancou da garganta da anciã um crucifixo de ouro preso a uma corrente.
Ia já a sair com a joia na mão, quando ficou imóvel, como que hipnotizado. A cruz caiu-lhe da mão e a alma pareceu fugir-lhe do corpo. O coração parou-lhe, sob o efeito do estupor que o dominou.
— Que demónio fazes aí há tanto tempo? — berrou­-lhe o chefe, aproximando-se do veículo.
Então, de dentro do carro saiu um estampido e o corpo de «Colorado» saltou violentamente para trás, com um grito horripilante. O cabecilha afastou-se com rapidez para um lado, a fim de «Colorado» não lhe cair em cima, e puxou do revólver.
No interior da diligência viu um tipo elegantemente vestido, com um «Colt» fumegante na mão direita, que acabava de disparar contra «Colorado». Rápido, o bandido fez fogo, e três balas raivosas cravaram-se no corpo do homem, uma das quais o alcançou na cabeça, que converteu numa massa sanguinolenta.
— Maldito! — rugiu com raiva surda.
Depois, aproximou-se do corpo de «Colorado» e virou-o de rosto para o céu.
— Não há nada a fazer a este — disse aos seus homens. — A bala atravessou-lhe a garganta. Está agonizante.
—Vamo-nos embora daqui — grunhiu um deles, inquieto. — «Colorado» era novato entre nós e escusamos de carregar com o seu cadáver. Não nos comprometerá quando o encontrarem.
O cabecilha concordou com um gesto.
— Levaremos a sua montada e acreditarão que era um viajante mais da diligência — disse. — Vamos!
Os quatro homens afastaram-se, levando consigo o cavalo de «Colorado» e cinquenta mil dólares de ouro em pó. Dirigiram-se para o Norte, na direção do Platte.
Assim que o transpusessem, a imensa pradaria engoli-los-ia e poderiam, assim, considerar-se libertos do peso mortal da Lei.

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