sexta-feira, 18 de junho de 2021

ARZ002.07 Planos para interromper uma viagem pouco segura

Era na verdade o tio de Hazel quem se dirigia à quinta. Mas de tantos erros que cometeu na vida, o mais crasso de todos foi deixar-se dominar pelo seu temperamento impulsivo, dispondo-se a sair da cidade sem haver tomado as devidas precauções. Mandou atrelar o carro, e, sem mais ajuda que a do cocheiro bastante estúpido, saiu de São Francisco.

Não obstante, Erik Kelly teve ocasião de ouvir, a tempo suficiente de prevenir-se, ameaças de morte. Ouviu-as pronunciadas por uns lábios tumefactos, e leu-as nuns olhos desvairados... Dave apareceu em sua casa, poucos minutos depois de Hazel e Dicky terem saído. Começaram a insultar-se, sem nenhum deles ouvir o outro, ambos preocupados em encontrar a frase mais contundente. Mas depressa repararam que o principal motivo de alarme não existia.

— Eu nada deixei transparecer a Dicky! Absolutamente nada! — disse Dave, muito rouco, expressando-se com veemência.

Erik Kelly esteve uns momentos a observar Dave, perscrutando-lhe o fundo dos olhos. Pareceu convencido e o seu semblante foi mudando de expressão.

Muito bem! Assim a coisa está melhor. De modo que o teu «sócio» ignora tudo? Belo, belo!

A pouco e pouco, ia ganhando coragem. Começou a passear pelo aposento, soltando breves assobios.

—E a sua sobrinha? Sabe alguma coisa?...

—Nada! — exclamou Kelly, triunfante. —Nada! O advogado West, sim, sabe tudo.

— Porquê? — inquiriu Dave, alarmado.

— Meu amigo: deixaste-me completamente desarmado... O teu comportamento com Hazel foi tão «hábil» ... Tão afortunado! — Soltou, uma estridente gargalhada.

Dave mostrou-se frenético.

— A sua sobrinha é uma refinada coquete, capaz de exasperar o mais equilibrado! Juro-lhe que...!

— A minha sobrinha é uma rapariga esperta. Muito esperta! Tem temperamento. Irá longe... Que parvo que eu fui, sem me aperceber que a tática que empregava com ela não era a mais adequada. Não é com o medo que eu a poderei dominar... Agora já sei qual o caminho a seguir. Por sorte, ela despediu desabridamente o advogado West. Portanto, continua a ignorar o fundo da questão. Ainda estou a tempo de ser eu a revelar-lho. Perdoar-me-á... No fundo, gostamos um do outro... Reparou que Dave o ameaçava de morte com o olhar, mas não se perturbou.

— Se o senhor fizesse isso...! --Porque não? A situação mudou por completo. Sei muito bem no que pensas. Já não tens o controle de nada, nem sequer da tua pele...

— Engana-se, Kelly! — bradou Dave. — O simples facto de ver-me aqui não lhe diz nada? Dicky saiu de São Francisco. Por muito pouco que demore em voltar, já estarei preparado. Nesta cidade ainda disponho de bastantes recursos.

— Sim. Sei muito bem que poderás contratar qualquer atirador. Mas isso não te levará muito longe, Dave. Numa cidade como esta, tem os seus inconvenientes... Davam melhor resultado as tuas espertezas, as armadilhas no «Dragon-fly». Ali, sim, as tuas manobras eram acertadas. Sabias

encontrar a todos o ponto fraco onde atacar... Mas isso acabou-se. Todos os que caímos no teu lodaçal sentimo-nos envergonhados, e desprezamos-te tanto como nos desprezamos a nós mesmos. Todos nos sentiremos felizes no dia em que te esmaguem como um animal.

Dave mantinha agora uma expressão concentrada. Ficava-se com a impressão de que não escutava Erik, mas sim que meditava.

— Kelly. Calculo o que o senhor pretende. Dizer a verdade a sua sobrinha, para reconquistar a sua confiança...

— Exato.

— O combinado é que se manteria calado até que se vencesse a hipoteca.

—E o combinado era que antes do vencimento me darias cinquenta por cento...

— Dou-lhos agora mesmo.

— Agora, que tudo te fugiu das mãos, ofereces-me a lua... Antes, Dave! Antes! Quando todos os trunfos pareciam estar em teu poder... Sai imediatamente desta casa! Dizendo isto, tal como a sobrinha há pouco fizera, puxou o cordão da campainha. Ao cabo de instantes, apareceu um criado. — Acompanha-o à porta.

Embora Dave não tivesse dito nada, nos seus olhos manteve-se a ameaça de morte. Erik Kelly viu-o muitíssimo bem. Mas a sua obsessão; o aturdimento que lhe provocava a ideia de que nem tudo estava perdido, que ainda poderia reconquistar a consideração de Hazel e conseguir o seu perdão, impediram-no de ver que o que mais importava naquele momento era saber dissimular.

Pouco depois, dava ordem para que preparassem um carro. E sozinho com o cocheiro, saiu da cidade. O carro passou defronte do «Fortune». A grande sala, àquela hora, encontrava-se fechada. A sua atividade só começava ao entardecer. Mas, em frente do casino, erguia-se a vivenda de Hutchinson.

De uma varanda do primeiro andar, escondidos por umas gelosias, três pares de olhos viram passar o faetonte em que ia Erik Kelly.

Desaparecido o carro, os três observadores ficaram em silêncio durante uns segundos. A verdade é que nenhum dos três tivera ainda tempo de pôr as ideias em ordem. Tratava-se de Hutchinson, Romelle e Berger. Que Dave cruzasse o umbral daquela casa era um facto completamente inesperado, tanto para Romelle e Hutchinson, como para o próprio Berger.

— Viram? Tal como eu lhes dizia — foi Dave o primeiro a quebrar o silêncio. — Vai prevenir a sobrinha.

— Dicky depressa dará cabo dele! — disse Romelle, enquanto fitava ironicamente a boca inchada de Berger. — Vê se compreendes...

— Mas se vocês me ajudassem... Eu venho propor-lhes... — começou a falar tão atropeladamente, que mal se percebeu o que dizia.

Hutchinson tinha adotado uma expressão inocente.

— Vejamos... Fala com calma. Que vens propor-nos?

— Uma aliança!

— Contigo? Talvez nos conviesse, mas com o Dicky... — insinuou Hutchinson. Dave sorriu surdamente, enquanto aplicava o lenço num canto da boca.

— Com o Dicky! Estando Hazel no meio!... Essa rapariga, quando quer, é mil vezes pior do que tu — e fitava Romelle com desprezo. Uma ideia divertida surgiu-lhe na mente. — Se não, tira a prova, Romelle... Experimenta aparecer ao Dicky. Aposto que não te ligará nenhuma...

Romelle, semelhante a uma pantera no momento de saltar, atirou-se a Dave e pôs-se a esbofeteá-lo. Quando Hutchinson conseguiu impor-se, batendo tanto na mulher como em Dave, era o rosto deste uma mancha de sangue.

Hutchinson, com um empurrão brutal, atirou Romelle para uma cadeira. Esta tremia e respirava a custo. Madeixas de cabelo negro caíam sobre os seus ombros. Os olhos fulgiam como punhais. A sua tez estava lívida.

Hutchinson demorou-se uns momentos a contemplar os contornos do seu corpo revelados com excessiva nitidez pela forma como o vestido ficara, e desviou em seguida o olhar até Dave, numa fúria de ciúmes. Fê-lo a tempo de surpreender nos olhos deste um brilho de embriaguez.

Quando se voltou de novo para Romelle, viu que esta ia mudando de expressão. Um ar triunfal e satânico resplandecia no seu rosto. Apercebera-se dos ciúmes de Hutchinson e da forma como ele espiava Dave. Ergueu os braços a fim de arranjar o cabelo.

— Que dizes, Hutchinson? Achas que valerá a pena... tentar atrair o Dicky? — perguntou, com intencional languidez.

Hutchinson emitiu uma exclamação de cólera, avançou para ela, ameaçador.

— Antes de mais nada, pensa nisso — prosseguiu ela, no mesmo tom, sabendo que a situação lhe pertencia. — Verás que não nos resta outro caminho, para que Dicky não se passe para o outro bando...

Hutchinson, pensativo, deteve-se a um passo de Romelle. De repente, exclamou:

— Primeiro que tudo, é preciso impedir que esse velho...!

 

 

3 comentários:

  1. Eu não entendi a proposta desse blog. Ele visa disponibilizar livros para download ou somente divulgá-los?

    Se for para download, gostaria de saber como acessar o acervo de vocês para download.

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  2. Quando nasceu, este blog pretendia disponibilizar algumas passagens destes livros. Com o tempo, o objetivo evoluiu para proceder a uma listagem das obras, fornecendo tags por coleção e autor e à disponibilização de alguns livros, exatamente os que têm a tag "texto integral".
    O acesso ao texto disponibilizado é por leitura. Pode importá-lo através de seleção, copy e paste. Algumas obras existem em esquema de download no blog "Novelas do Oeste Distante". Também é possível ver o texto já publicado através dos subblogs dedicados às coleções Búfalo, Bisonte, etc...
    É impossível dar o texto de todas as obras, pois a partir de determinado momento a encadernação dos livros perdeu qualidade e, hoje em dia, abri-los para digitalizar é destruí-los. Outros têm a impressão já bastante comida.

    Saudações

    Lobo Sentado

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  3. Caro Lobo Sentado:

    Muito obrigado pela explicação.

    Gosto de baixar tais bolsilivros porque, em seguida, os leio em meu tablet.

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