sexta-feira, 26 de abril de 2019

COL005.02 A hiena que chega

Estavam à espera, um tanto afastados da multidão. Doris mostrava-se nervosa, desassossegada. Estava prestes a chegar Teddy Egan, o homem dos seus sonhos! Tinha pedido a Jayne que a acompanhasse: «Quero que sejas a primeira pessoa a quem o apresente, para que sejas também a primeira a felicitar-me, quando o vires». E Jayne, embora sabendo que os apaixonados não gostam de companhia, acedeu, resolvida a afastar-se passadas as primeiras efusões.
A impaciência fez com que Doris se levantasse cedo. Acordou a sua amiga e chegaram muito antes da hora a que se aguardava que o barco atracasse. Doris falava sem cessar dos seus projetos para o futuro.
—Casar-nos-emos imediatamente. Teddy deseja-o e eu, tanto ou mais do que ele. Abandonarei o palco e consagrar-me-ei só ao meu marido.
—Não te seduzem os aplausos?
—Agradam-me, não o nego; mas penso que o lar deve ser mais atraente. Viver junto ao homem que se ama, ter filhos... Não gostarias de estar na mesma situação do que eu?
Jayne mordeu os lábios, sustendo um suspiro e respondeu:
—Claro que sim! Pena que o não tivesse feito no momento oportuno!


—Já não me resigno a ser cigarra. O inverno da vida é muito duro e... Perdoa, Jayne. Estou a prolongar a tua amargura...
—Não te preocupes. Pensas muito bem. O teatro por dentro, é horrível. Repetimos muito esta afirmação, mas não costumamos fazer caso dela. A luz da ribalta atrai-nos e entontece-nos.
—A mim acontecia-me o mesmo e teria continuado a ser cigarra se não tivesse encontrado Teddy no meu caminho.
Jayne ia replicar, mas conteve-se, exclamando:
— Olha quem está ali!
—Ah, o Dr. Durking.
—Deve vir esperar alguém, também. Não te importas que nos juntemos a ele?
—Porque razão me hei-de importar?
A alegria voltava aos olhos de Jayne. Como amava aquele, que juntamente com Doris, a tinha salvo do fracasso e da fome! Fez-lhe sinal enquanto avançavam.
Durking disfarçou o seu aborrecimento. Ter-lhe--ia agradado passar desapercebido. Estava ali contra vontade, empurrado pelo desejo mórbido de conhecer o noivo de Doris e testemunhar o encontro entre os dois namorados. Reconhecia que era absurdo, criticável, impróprio dum homem com o carácter como o seu; mas desde que soubera na véspera, por Doris, que ia chegar o tão falado Teddy Egan, sentiu-se inquieto e acabou deixando-se vencer pelo curioso e doentio impulso.
Pretextou um motivo para se encontrar no cais, quando as duas mulheres lho perguntaram:
— Espero notícias dos meus negócios; estes negócios de que estou a descuidar mais do que é normal...
—A culpa é minha — murmurou Jayne.
—Bom... foi, enquanto necessitou os meus serviços. Mas depois surgiram complicações... De qualquer modo, dentro de dias voltarei às minhas obrigações do rancho. E vocês, que fazem por aqui? Ah, sim, já me esquecia; chega hoje o seu noivo, menina Doris.
— Exatamente.
Passearam, saltando dum assunto para outro, pois nenhum dos três estava suficientemente calmo. Surgiu, por fim, no horizonte, a diminuta silhueta do barco.
—Ele aí vem! —exclamou Doris.
E afastando-se dos seus amigos, correu para a primeira fila.
—Está enfeitiçada—murmurou Jayne.
— Feliz dele... seja quem for — respondeu Durking.
—Robert!
—O quê...?
—Não... Nada... Ê que disse isso num tom...
Durking disfarçou:
—Ê um galanteio, como outro qualquer...
—Se o tivesse dito a ela, acreditava; mas com Doris longe e dito a mim...
Ele fitou-a:
—Não seja maliciosa, Jayne.
Calaram-se. Não sabiam que dizer. Olhavam ambos maquinalmente para a embarcação, que sem parecer andar, aumentava cada vez mais, de tamanho. Por fim, atracou. Elevaram-se vozes, agitaram-se lenços... Doris procurava, excitada.
—Teddy! — ouviram-na exclamar, agitando os braços.
Durking e Jayne tinham-se aproximado. A rapariga, empalidecendo subitamente, balbuciou:
--Esse... homem!
—Que aconteceu? A quem se refere? — não obteve resposta. A artista mal conseguia dominar a sua excitação. —Não me está a ouvir, Jayne?
— Sim, Robert, desculpe-me...
—Viu alguém conhecido, que signifique muito para si? Só assim se explica a mudança que acaba de se dar na sua pessoa.
—Falaremos mais tarde disso.
Fez um esforço extraordinário para se dominar. Durking deixou de a observar para se consagrar ao que o atraía cruelmente. Viu que Doris se abraçava a um homem de aspeto elegante, de olhos negros e dominadores...
— Com que então, esse é que é Teddy... — sussurrou Jayne.
—E um autêntico galã... — reconheceu Durking.
—Mas tem um coração de hiena.
Durking voltou-se rapidamente e cravou os olhos na sua interlocutora. ~
—Jayne! Que significam essas palavras? Você conhece-o!
—Sim, muito!
—E merece esse qualificativo?
— Silêncio, por favor. Aproximam-se.
Doris e o passageiro, vinham a conversar, de braço dado, acariciando-se com o olhar...
Vinham tão embebidos, que iam passar por eles, sem dar conta. A jovem «acordou» e deteve-se:
—Jayne, este é Teddy! Jayne, minha grande amiga e colega. E este senhor, o Dr. Durking...
O forasteiro tornou-se pálido. O sorriso apagou-se-lhe e os seus lábios tremeram ligeiramente. Foi questão de segundos. Em seguida dominou--se, mostrando-se pessoa mundana e correta...
Quando fizeram os cumprimentos de estilo, olhou fixamente para Jayne. Logo a seguir, teve para Durking um gesto amável e umas palavras afetuosas.
— Bem, vamos — decidiu Doris, impaciente. E continuou com egoísmo desculpável, já esquecida de ter pedido a Jayne que a acompanhasse. — Não se importam que vamos à frente, pois não?
—Claro que não.
— Obrigada.
Deu o braço a Teddy, que fez uma reverência muito galante, e perderam-se na multidão. Jayne e Durking ficaram a segui-los com o olhar.
— Vamos? — perguntou ele.
—Mas... e os assuntos que o trouxeram ao cais?
—Bah!
—Não queria que se incomodasse. Posso ir sozinha.
—Já sei que pode. Eu é que não deixo...
Puseram-se a caminho. Jayne tinha a cabeça inclinada, as feições alteradas. Nas suas pupilas refulgia o ódio. O seu companheiro observava-a, sem se atrever a fazer as perguntas que lhe vinham à mente.
— Você impressionou-se muito.
—É que... não estou lá muito bem.
—Vamos arranjar um carro.
Assim o fizeram. Mal se acomodou, Jayne renunciou aos esforços para conter o pranto.
—Diga-me o que lhe aconteceu. Não tenho o direito de me meter nos seus assuntos, mas a simpatia que você e Doris me inspiram, as palavras que pronunciou ao ver o Sr. Egan, essas lágrimas...
Ela conseguiu dominar-se.
—Agradeço-lhe a boa intenção do seu interesse. Trata-se duma história antiga... íntima.
A mais elementar educação impediu-o de insistir. Bailava-lhe no cérebro a exclamação da artista: «Tem um coração de hiena». Saber que tal género de homem possuía o amor de Doris, atormentava-o; mas reconhecia que o caso estava fora das suas atribuições.
— Acho natural a sua reserva — admitiu.
— Perdoe...
—Perdoá-la? Quase todos nós temos qualquer coisa muito nosso que nem aos melhores amigos revelamos.
—Obrigada pela sua compreensão. Falaremos disto, sim, mas mais tarde. Agora estou um pouco atordoada.
Sem nada mais dizerem chegaram à porta do hotel e despediram-se. Durking andou nervoso durante todo o dia, desgostoso consigo mesmo e com quanto o rodeava. Repetia a si mesmo que o melhor era dar meia volta e tomar o caminho do rancho. Sim, Doris atraía-o fortemente; mas, não era idiota ocupar os seus pensamentos com uma criatura que amava outro?
Sempre se sentira orgulhoso da sua força de vontade e decidiu pô-la à prova. Decididamente, ultimaria os seus negócios na cidade e voltar-lhe-ia as costas, assim como aos seus habitantes.
Apesar disso, aquela exclamação de Jayne... Não seria egoísta afastar-se do drama, cuja primeira cena tinha presenciado há pouco? E se Doris necessitasse da sua ajuda? Bah! Mesmo que precisasse! Meter-se entre um homem e uma mulher que se amam, é o maior dos absurdos. Talvez fosse verdade que Teddy Egan merecesse o qualificativo que Jayne lhe tinha aplicado; mas não o era menos que Doris dificilmente acreditaria em qualquer coisa que o desprestigiasse. «Que se arranjem!» —terminou resmungando.

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