terça-feira, 9 de abril de 2019

BUF004.04 Encontro com o velho «Mustache»

Barry formulava o propósito de se dirigir à povoação para efetuar indagações, mas agora mudava os seus planos. O que primeira devia fazer era falar com Evelyn. Ela o informaria.
Calculava que o rancho «Doble Z» devia estar integrado naquele imenso vale, mas ignorava onde dirigir os seus passos. Cavalgou, pois, deixando que o cavalo orientasse a marcha de acordo com o seu capricho. O instinto levá-lo-ia, sem dúvida, até um lugar habitado, onde houvesse cavalariças, e feno para seu regalo.
Após duas horas de caminho, ao transpor uma elevação de terreno, divisou a mancha escura de uma enorme manada de gado vacum. O pasto era muito abundante naquele lugar. Pareceu-lhe, no entanto, que os animais estavam demasiado apinhados, tendo em conta a vastidão de terreno.
«Bem, onde há vacas, há vaqueiros,» pensou Barry, encaminhando os seus passos naquela direção. Atravessava uma ligeira elevação quando uma voz o sobressaltou:
— Olá, forasteiro!
Num gesto instintivo, a mão direita do jovem deslizou até ao coldre do revólver.
— Não, não, rapaz, deixa isso!... Tenho-te sob alva! — tornou a dizer a voz.


A primeira coisa que Barry vislumbrou foi o cano de uma carabina, firmemente assestado na sua direção.
— Está bem — disse sem demonstrar medo algum —. Já estou a ver a carabina. Agora quero vê-lo a você.
O homem que empunhava a carabina ergueu-se com precaução. Era velho, e o distintivo do seu rosto era constituído por um tremendo bigode, cujas guias caíam demasiadamente a um e outro lado da boca. Um bigode assim só podia pertencer a um homem honrado.
— Bom. Agora já nos está a ver os dois —gracejou —. Que lhe parece?
— A carabina é boa — respondeu Barry —. Uma carabina é sempre boa quando atrás dela há um homem decente.
—E quem lhe diz que eu o seja?
Barry Meeker apontou com o dedo, descaradamente.
 — O bigode — disse.
— Que se passa com o meu bigode? — abespinhou-se o velho.
— É estupendo. Deus não daria um bigode assim a nenhum bandido.
Aquilo agradou ao proprietário do bigode. Riu-se, visivelmente satisfeito.
— De acordo, rapaz, sou um homem decente. Mas, quem me diz que o sejas tu? Não tens bigode.
— Vamos, avô, saia daí e falaremos. Eu sei que também não lhe pareço um bandido.
— Como o sabes?
— Porque já me começou a tratar por tu.
O outro começou a rir e levantou a carabina, deixando de apontar ao jovem. Logo desceu da rocha onde se encontrava emboscado, com uma agilidade invulgar nos seus anos. Barry desmontou.
— Que tal avô? — perguntou, estendendo a mão.
O velho apertou-a entre as suas, endurecidas pelo trabalho. Olhava-o firmemente, avaliando-o como um bom conhecedor avalia as qualidades de um jovem potro.
— Bem, bem. A primeira cara nova que vejo por aqui que está bem colocada no seu sítio.
— Obrigado. Há muitas caras novas por este lugar?
— Demasiado para o meu gosto. Um cigarro?
— Obrigado.
O jovem fez habilmente o cigarro com uma só mão: a esquerda. O velho fez exatamente o mesmo. Logo emitiu uma risada.
—É um bom costume — comentou —. Sempre ficamos com a direita livre para qualquer emergência. Sei de pessoas que morreram por não saberem enrolar assim um cigarro.
— Sim. É um bom costume.
O velho olhou-o francamente na cara.
— A que vens, rapaz? — perguntou —. Que vos traz por aqui, a ti e ao teu revólver?
— Talvez seja um enviado.
—És rápido em «sacar» a arma. Tive ocasião de reparar.
— Talvez seja enviado por isso.
— Hum! Direi como tu disseste: Um revólver nunca é mau se não o é o homem que está atrás.
— Certo. Que ocorre por aqui, avô?
— Passa-se alguma coisa?
— Eu diria que sim. Sou boa testemunha.
— De quê?... Que viste?
— Os homens matam os homens. E as causas não estão muito claras. O velho abriu mais os olhos.
— Raios! Quem mataram?
— Um rapaz.
— Aqui, no vale? Sim. Assassinaram-no entre quatro, e fizeram-no diante do meu nariz.
—Raios! — voltou a exclamar o velho —. E para que te serve, então, o nariz?... Não me digas que me enganei contigo.
— Isso... o tempo o dirá. Quanto à morte desse rapaz, nada pude fazer para o evitar. Cheguei quando a coisa já estava feita. Aborreci-me, claro está, e feri dois dos quatro. Foram-se embora!
— E porque não os quatro? Por quê feri-los só? — perguntou o velho com uma ferocidade explosiva. — Sim, porquê?...
— Isso pergunto eu, e suspeito que foi um tremendo erro. Assim me disse também o rapaz assassinado.
O ancião vibrava coma a corda de um violino.
— Falaste com ele? Disse-te o seu nome?
— Sim.
— Qual?... Raios, fala... dize-me, depressa!... Tens sangue de limonada!
— Calma, avô!... O rapaz chamava-se Milo.
— Milo!... Assassinaram Milo... esses coiotes! Milo morreu... e o velho «Mustache» ainda aqui está!... Mato-os... a todos!... Juro que os matarei! Estava possuído de um ataque de cólera espantoso. Abria e fechava as mãos calosas como se quisesse apertar com elas as gargantas dos assassinos.
— Conhecia-o? — perguntou Barry.
O velho «Mustache» olhou-o como se visse um demente.
— Se o conhecia?... Raios, se o conhecia! Quem poderia conhecer Milo como o velho «Mus-tache»? O pequeno Milo!... Meu pobre pequeno!
— Que era você para ele?
O grande bigode do ancião tremia de emoção. Se isso fosse possível, dir-se-ia que aquele homem endurecido estava prestes em irromper em pranto.
— Eu?... Bem, a mãe de Milo pô-lo ao meu cuidado, quando o menino nasceu. Diziam de mim que era... a ama do menino, e fingia enfurecer-me com isso, mas... era-o na realidade e gostava de o ser. Não te ris?
Barry estava muito longe de o fazer. A áspera ternura de «Mustache» comovia-o.
— Não, avô, não me riu. Compreendo os seus sentimentos.
— Sim, bem o vejo. Tu também és um bom rapaz, como o era Milo. Não sabes?... Milo aprendeu a empinar-se sobre as suas perninhas agarrando-se aos meus bigodes.
Enquanto o velho se explicava, Barry havia refletido. A farsa que tentava representar não era possível perante ele. Ele sabia que não era o «seu menino». Poderia enganar todos; mas não o ancião.
— Diga-me o que está acontecendo no rancho — pediu-lhe.
— Para que o queres saber?
— Suspeito que o assassinato desse rapaz tem a sua raiz nas «coisas estranhas» que por aqui estão acontecendo.
— Quem és tu?... A que vieste?
— Não importa quem eu seja. Algum dia o saberá. Vim porque Evelyn escreveu esta carta pedindo auxílio. Acredita-me?
O velho estudou-o de novo, perspicazmente. A sua agitação havia-se acalmado um pouco.
— Sim. Tenho de acreditar em ti.
— Vou apresentar-me no rancho, e estou obrigado a representar um papel. Você me ajudará. Terei de enganar a própria Evelyn.
— Ela não sabe quem tu és?
— Não.
— E vens devido à carta que ela escreveu?... Não compreendo.
— É difícil de entender, mas basta que saiba que estou aqui para a proteger. Tudo será aclarado quando convier.
— Que papel pensas representar, rapaz? Para Evelyn e para todos os demais, eu serei... Milo Kerigan.
«Mustache» abriu a boca, estupefacto.
— Impossível! — exclamou, agitando-se novamente —. Isso é uma loucura!
— Porquê?
— Milo está morto e eles sabem-no.
— Não podem sabê-lo com segurança. Não o conheciam. Faremos com que creiam que se enganaram, assassinando outro jovem que nada tinha a ver com o assunto... só porque se chamava também Milo. Inventaremos que se tratava de alguém que casualmente passasse por ali. Pode-se fazer. Pelo que ele me disse, eles souberam o seu nome, mas não se preocuparam em averiguar o apelido, dando por certo que se tratava de Kerigan. Pois bem, eu explicarei que ele, antes de morrer, declarou o seu nome completo. Por exemplo, Milo Catesby.
O velho começou a cofiar o bigode, com ar perplexo.
— Continuo sem compreender porque queres representar essa farsa — disse.
Barry tampouco o entendia muito bem, mas sentia-se possuído do desejo irresistível de interpretar ante Evelyn Kerigan o papel de seu irmão.
Algo no seu interior lhe tornava insuportável a ideia de renunciar ao projeto acariciado durante tantas horas.
— Vamos fazê-lo, apesar de tudo.
— Isso... é uma irreverência.
— Milo estaria de acordo. Eu sei.
— Disse-to?
Enganá-lo-ia com a verdade. Era o melhor meio de convencer o ancião e de o colocar ao seu serviço.
— Sím, disse-me — afirmou Barry —. Vou confessar a verdade. Ele tinha a carta de Evelyn. Torturava-o a ideia de morrer. pensando na sua irmã, que tanto dele necessitava e ele nada podia fazer em sua defesa. Eu ofereci-me para o substituir e ele mostrou-se conforme e satisfeito. Deu-me a carta e depois disto, morreu tranquilo. Está enterrado e em paz, confiando em mim. E você, agora, terá também confiança?
— Onde está essa carta?
— Aqui a tem.
Apoderou-se dela avidamente e leu-a febrilmente.
— Sim, está escrita por Evelyn... Mas, em nome de Deus! Porque se cala comigo?... Ela sabe que eu morreria contente em sua defesa. Porque oculta os seus temores e dissimula com todos, até com o velho «Mustache»?
— É o que teremos de averiguar. Compreende agora a razão da minha farsa?... Serei Milo Kerigan, e Evelyn, que oculta os seus temores a todos, inclusive consigo... falará com o seu irmão.
O velho suspirou, cansado.
— Combinado... e oxalá não tenhamos de nos arrepender algum dia!
— Bravo!... Agora, explique-me tudo o que conhecer sobre este misterioso assunto.
O ancião tossiu levemente e deu começo ao seu relato, Barry ouvia-o com redobrada atenção. O pai de Evelyn havia morrido oito meses atrás. Deixara em herança metade do rancho a sua esposa
— Florence Kerigan a quem excedia em muitos anos de idade, e cujo casamento fora a causa de que seu filho abandonasse o território. «Eu fiquei aqui porque alguém tinha de cuidar de Evelyn» — declarou o velho «Mustache» —. A outra metade do rancho herdara-a Evelyn. Evelyn havia-se apaixonado por um jovem vaqueiro de espírito inquieto e vagabundo, que um dia passara pelo rancho. Ninguém o conhecia bem, mas Borden Kerigan, o pai da rapariga, encolheu os ombros e consentiu na boda. O velho idiota — expôs «Mustache» não tinha pensa-mentos senão para a sua jovem esposa, e até a presença da filha lhe estorvava e felicidade. Gastou, encantado, uns milhares de dólares na construção de um pavilhão anexo ao edifício principal do rancho, para habitação de Evelyn e seu marido. Este chama-se Tex Glendin e é um bom rapaz... e só isso. Não serve para dirigir um rancho como o «Doble Z».
— Continua Evelyn enamorada do seu marido?
— Ela diz que sim, mas... quem o sabe? Há muito que perdeu o riso. Isto é o que se pode dizer sem medo de errar. Poucos meses depois de ocorrida a morte de Borden, começaram a acontecer coisas anormais. «Grand Fox» apareceu na poVoação e com ele, muitos outros indivíduos suspeitos. No rancho observou-se o desaparecimento de muitas cabe-ças de gado. Toda a gente em «Três Árvores» tinha a convicção de que os responsáveis daque-las perdas eram «Grand Fox» e os seus homens, mas não existiam provas e além disso, as suas pistolas inspiravam grande respeito. Ninguém se havia atrevido a formular uma acusação aberta contra ele. Também noutros ranchos se haviam produzido algumas diminuições nas manadas, muito significativas, mas os prejuízos mais graves haviam sido experimentados pelo «Doble Z».
— E que fizeram para o evitar?
— Eu quis muitas vezes actuar de acordo com as minhas ideias, mas Tex Glendin quer resolver o problema à sua maneira. Contratou alguns indi-víduos para intensificarem a vigilância, mas não tomou ninguém para vigiar os vigilantes. Por isso costumo eu vir para aqui com a minha velha carabina. Desta altura posso observar perfeitamente o que fazem as vacas... e os vaqueiros.
— Isso é tudo?
— Não, rapaz. Há alguma coisa mais, e isto é para mim o mais grave. Evelyn tem sofrido nos últimos meses alguns acidentes que me parecem suspeitos: Um cavalo que toma o freio nos dentes quando ela o monta, porque, inexplicavelmente, um comprido cravo o fere sob a cilha. Umas rochas que se desprendem quando ela passa estando prestes a esmagá-la. De todos esses acidentes tem escapado ilesa por um excesso de boa sorte. Mas a fortuna é muito inconstante: a boa sorte pode transformar-se' um dia em má, e nesse dia... — Temos de o evitar. — Sim. Mas como o faremos? — A minha presença servirá para precipitar as coisas. Os inimigos de Evelyn, sejam quem forem, farão nova tentativa... e eu estarei muito próximo e com os olhos muito abertos. «Mustache» pigarreou pouco tranquilizado.
— Hum!... Sim, talvez. Mas, entretanto, tu estarás em perigo, num perigo tremendo. Será como meteres-te no covil das feras. Tratarão de te eliminar por um meio ou outro. Tem isto em conta, rapaz. Não te poderás descuidar... nunca, nem um só momento. Nem de dia, nem de noite.
— Assim o creio também, avô.
— Então...
— Então, diga-me qual é o caminho mais curto para o «Doble Z». Urge que me apresente ali.

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